Esta imagem do site gogpseries ilustra bem o motivo de a F-1 ficar "alheia" à internet. Alguém duvida? |
Bernie Ecclestone,
sempre polêmico em algumas de suas declarações, afirmou esta semana que não vê
preocupação para a queda da audiência que a Fórmula 1 vem enfrentando nos
últimos tempos, e chegou a classificar as redes sociais de "moda
passageira", e que são totalmente descartáveis para promover a categoria.
Teve quem concordasse, e quem discordasse. E, claro, muitos que criticaram o
dirigente pela sua postura, afirmando que ele "parou" no tempo, e que
hoje, é necessária uma visão mais atual das coisas. Pode ser, mas enganam-se
quem pensa que ele está ignorando o cenário da atualidade e que não sabe o seu
potencial.
Não se pode negar que
Bernie não conheça a F-1 a
fundo, afinal, ele está por aqui desde o início da década de 1970, quando
adquiriu a equipe Brabham de Ron Tauranac, que por sua vez havia assumido o
time de forma integral após a aposentadoria de Jack Brabham em 1970. Aliás,
"Sir" Jack Brabham faleceu no mês passado, aos 88 anos, na Austrália,
e ostenta até hoje o feito de ter sido o único piloto campeão da F-1 a ter construído seu próprio
carro, uma proeza que provavelmente nunca mais será possível, dada a atual
natureza da F-1.
Foi Bernie quem
colocou ordem na comercialização da F-1, que até o final dos anos 1970, era
feita de forma independente, de modo que cada GP tinha uma coordenação
comercial diferente das outras corridas. As provas eram mostradas nas TVs, mas
de forma irregular, com poucas corridas ao vivo. Ecclestone tratou de tornar a
coisa mais profissional, e criou a FOCA TV, padronizando as transmissões de
todas as corridas e, a partir daí, normatizando também os acordos comerciais
advindos destas transmissões. Isso transformou o campeonato de F-1 num
espetáculo global, e enriqueceu a categoria como nunca, embora as escuderias
nunca tenham visto mesmo a maior parte da grana, que era embolsada pela FIA e
FOCA, o que não quer dizer também que era pouca coisa o que recebiam. Ele também
organizou a comercialização das áreas VIPs dos paddocks pelos circuitos mundo
afora, criando os hospitality centers que inúmeras empresas adquirem para se
promoverem nas corridas com convidados especiais. Tudo a preços "de ocasião",
ou falando de forma direta, custando uma grana preta. E com fila de espera,
ainda por cima...
O lado negativo disto
tudo foi o "enterro" da era romântica da F-1, onde o ambiente era
mais caloroso e glamuroso, onde pilotos e até equipes se permitiam ser
camaradas uns com os outros, e o esporte ainda era algo mais genuíno. A grana
que irrompeu nos anos seguintes trouxe o ultraprofissionalismo, a frieza entre
os integrantes, as rivalidades mais acirradas entre os pilotos. Bernie
simplesmente modernizou a F-1, e fez dela o maior campeonato esportivo do
mundo, perdendo apenas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas sendo
disputada anualmente, ao contrário dos outros certames, que só acontecem de 4
em 4 anos.
Ecclestone abriu novos
e promissores mercados para a categoria. Levou a F-1 para cantos do mundo nunca
antes imaginados, como na Hungria, quando ainda vigorava no país o comunismo e
o mundo vivia dividido entre capitalistas e socialistas. Antes restrita em sua
maior parte à Europa, a F-1 ganhou efetivamente o mundo, com provas cada vez em
maior número mundo afora, e continua fazendo isso até hoje, ainda que as
últimas corridas em lugares exóticos não desperte mais o mesmo fascínio de
antigamente, sendo motivadas mais por ganância financeira do que por qualquer
outra coisa. Mas isso é o que ele fez da F-1: um monstro movido a dinheiro, que
o segue por onde ele estiver, mesmo que para isso seja necessário sacrificar
corridas tradicionais.
Os ganhos nunca
estiveram tão altos. Por outro lado, a saúde financeira dos times nunca esteve
tão débil. Para complicar, a internet veio bagunçar com o conceito tradicional
de entretenimento, antes focado quase que exclusivamente na TV. Há anos atrás,
os canais por assinatura já haviam ajudado a apimentar a diversão, com o
surgimento de canais especializados. Bernie chegou até mesmo a lançar um
"Supersinal F-1" na Europa, um canal pago especial onde os
telespectadores teriam acesso muito mais imagens das câmeras disponíveis a cada
GP, além de acesso a todos os dados da cronometragem oficial da FIA, enquanto
as transmissões "tradicionais" ficariam apenas com básico e nada
mais. Claro que, por um precinho "camarada", o negócio não decolou
como Bernie imaginava. Mas o mais complicado estaria por vir, com a rede
mundial de computadores se popularizando na década passada.
Atualmente, com o
conceito de streaming, o público consumidor tem a opção de assistir a muitas
coisas que antes não tinha acesso. Isso para não falar dos downloads de
programas, séries e tudo o mais, entre a míriade de conteúdos disponíveis na
rede. Mas Bernie, fiel a seu estilo "antiquado", prefere ignorar a
grande rede cibernética. Mas a verdade é que não se trata de ignorância, mas de
conveniência. Conveniência financeira, falemos claramente. Como a grande
maioria dos esportes hoje em dia, a comercialização dos direitos de transmissão
encerra um monte de detalhes e restrições. O conceito de exclusividade é o
principal mote para se arrancar dinheiro de emissoras para se transmitir um
evento, e quanto mais desejado ele é, mais caro costumam cobrar. O problema é
que muitas vezes se acha isso disponível na rede, "de graça", e isso,
para gente como Bernie, é algo intolerável.
Centralizador, ele não
se contenta com o que pode mandar no mundo físico. O mundo virtual, por tabela,
tem de obedecer seus preceitos e não "invadir" seu território. Por
essas e outras, inúmeros vídeos na plataforma do You Tube já foram deletados
por simplesmente mostrarem imagens de corridas antigas da F-1, um verdadeiro
tesouro para muitos fãs do esporte, com a chance de, por vezes, reverem
momentos imperdíveis de algumas corridas. Até site brasileiro já foi advertido
de ter usado o logotipo oficial da FIA, mesmo que ele só aparecesse na tabela
de horários das corridas. O problema é que, em se tratando da internet, tentar
controlar o que aparece na rede é uma tarefa árdua, e por isso mesmo, o
controle é falho, o que não quer dizer que a FIA e a FOM não trabalhem
insistentemente para eliminar toda "pirataria" de imagens que
encontrem. A menos que você pague, mostrar um simples trecho de uma prova,
mesmo que de apenas um carro, é proibido. Isso gera saias justas até mesmo para
quem tem os direitos. Alguém aqui se pergunta por que a Globo não coloca as
provas de F-1 na internet? Ou porque o programa Linha de Chegada, do Reginaldo
Leme, no SporTV, tem cortes em sua versão disponível no site da emissora? É
porque o contrato da FOM proíbe isso. A internet não é vista como uma
ferramenta potencial para alavancar a imagem da categoria.
Ecclestone não tem
razões para se preocupar com a queda dos índices de audiência da F-1, ainda. A
audiência bruta do campeonato ainda ostenta números invejáveis, e a queda vista
ainda é pequena, mas a continuar assim, a longo prazo, isso pode realmente se
tornar algo perigoso. O perigo, na verdade, já ronda a categoria quando vemos
boa parte dos times sem conseguir atrair patrocinadores que sustentem seus
orçamentos com a folga de antigamente. Ou alguém acha normal um time como a McLaren este ano estar
com o carro praticamente virgem, sem quase nenhum logo na carenagem? Ecclestone certamente não está
deixando de perceber isso, mas certamente vai agir quando lhe for conveniente.
Ele não é bobo. Se a situação não for conveniente, vai deixar como está, até
que o momento de agir lhe seja amplamente favorável. Foi assim que ficou rico,
sabendo explorar oportunidades e agir no momento certo. Algo que já fazia muito
antes de enveredar pelo mundo profissional dos negócios: consta que ele
comprava todos os pães de uma padaria próxima à sua escola para depois revender
aos colegas alunos, lucrando uns bons trocados...
Claro que sua maneira
de agir nem sempre dá certo. Por vezes teimoso em seus métodos, pode parecer
ignorar algumas oportunidades. Acontece, mas não quer dizer que seu faro esteja
ruim para os negócios. O que não quer dizer que esteja sempre no domínio da
situação. Ao ignorar as redes sociais e lhe atribuir caráter de "moda
passageira", ele dá a entender que perde a oportunidade de ajudar a
categoria a se aproximar de um público potencial que poderia ser útil à F-1. Mais
ou menos: O problema é o que isso lhe renderia financeiramente? Dar algo de
graça não está em seus planos. Neste quesito, então, a F-1 fica a dever e muito
a outras categorias, que já viram o potencial de divulgação da rede mundial, e
sabem fazer uso dela muito bem para divulgar seu produto. Experimentem ver o
site da Nascar (www.nascar.com), a Stock Car americana, para ver como eles
divulgam sua competição, com fotos a rodo, live timing, vídeos, entrevistas,
blogs associados, links para venda de produtos oficiais, e mais uma penca de
opções. E sem falar que eles estão presentes também no Facebook (www.facebook.com/NASCAR),
mostrando uma interação com seus fãs que a F-1 raramente demonstra boa vontade
em ter. E isso não é de hoje. Só para exemplificar, a antiga Fórmula Indy tinha
um site oficial excelente, onde o fã se sentia praticamente dentro da sala de
imprensa da categoria, com acesso a muito material do fim de semana das
corridas.
Se a F-1 ainda não
abraça a internet, muito provavelmente é porque ninguém resolveu apostar na
brincadeira caso Ecclestone tenha tentado algo neste sentido. E na rede mundial
não dá para aplicar certos conceitos que se tem no mundo real. Por outro lado,
compartilhar algo com a internet, mesmo que legalmente oficial e tudo,
prejudicaria diretamente os valores que ele cobra das emissoras de TV e rádio. Exclusividade
dos direitos de transmissão são um requisito indispensável para se cobrar
cifras altas nas negociações. Imagine licenciar um site para transmitir
corridas em streaming? Essa "exibição" na net iria concorrer com as
exibições de TV no mundo inteiro, e mesmo que fosse restrita a certas localizações
de IP (para limitar seu alcance), há internautas calejados na arte de conseguir
assistir às coisas disfarçando sua navegação. E, com as pessoas tendo
oportunidade de assistir a GPs na internet no Brasil, por exemplo, mesmo que em
outro idioma, Bernie não poderia exigir os valores que cobra da TV Globo para
ter exclusividade de exibição em nosso país. E as emissoras, claro, não
aceitariam pagar valores tão altos tendo concorrência no pedaço. Então, é tudo
questão de lucro financeiro e como tirar vantagem a fim de auferir sempre
lucros crescentes.
Mesmo que fosse uma
"moda" passageira ou não, aderir não não seria nenhum bicho de sete
cabeças. O problema mesmo, como mencionei, está na mentalidade financeira de
Ecclestone, onde se não tiver lucro, ou o pessoal não pague para ver, as
chances de serem efetivadas são mínimas. E esse distanciamento do público, em
especial o jovem, tende a ser catastrófico futuramente, pois se comprovam
também que o público que ainda se mantém firme à F-1 está ficando cada vez mais
velho. E com os jovens procurando atrações que interajam mais com eles, não vai
demorar até o atual estilo "tradicional" de comercialização da F-1
ter de se "modernizar" novamente frente aos novos tempos, como Bernie
fez nos anos 1980 na categoria. Mas o dirigente, no momento, prefere dar de
ombros para isso. Para sua sorte, comercialmente no momento a F-1 ainda é muito
forte e "vendável" no modo "tradicional", então ele pode se
dar ao luxo de esnobar isso. Mas, e quanto ao amanhã? Será que ele mudará de
atitude, ou continuará firme em sua posição "antiquada", mesmo com os
dados falando abertamente contra?
Quem viver, verá...
Chegamos ao Canadá para uma das
corridas mais agradáveis da temporada, não apenas pelo clima acolhedor de
Montreal, uma cidade que "veste" a sua corrida de F-1 como poucas,
mas também pelo fato de a corrida neste circuito montado na ilha artificial
criada no Rio São Lourenço sempre ser mais agitada do que as demais corridas,
proporcionando sempre pegas e disputas interessantes. E o mote favorito no
paddock é ver se Lewis Hamilton e Nico Rosberg fumaram mesmo o cachimbo da paz,
como afirmaram nos últimos dias. Tem gente apostando que o clima de guerra
recomeça logo na primeira saída para o treino livre de hoje, com um querendo
sair na frente do outro. Pelo sim, pelo não, duvido que Hamilton vá deixar para
sair depois de Nico Rosberg na classificação amanhã à tarde. E Rosberg que
prepare: se Hamilton estiver com a cabeça no lugar e se concentrar em pilotar,
pode levar um bom baile do inglês neste circuito, onde ele venceu pela primeira
vez em 2007, e desestabilizou ninguém menos do que Fernando Alonso naquela corrida.
Se Lewis quiser dar o troco de Monte Carlo, está no seu terreno favorito, basta
não perder o foco...
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