sexta-feira, 6 de junho de 2014

VISÃO ULTRAPASSADA?


Esta imagem do site gogpseries ilustra bem o motivo de a F-1 ficar "alheia" à internet. Alguém duvida?

            Bernie Ecclestone, sempre polêmico em algumas de suas declarações, afirmou esta semana que não vê preocupação para a queda da audiência que a Fórmula 1 vem enfrentando nos últimos tempos, e chegou a classificar as redes sociais de "moda passageira", e que são totalmente descartáveis para promover a categoria. Teve quem concordasse, e quem discordasse. E, claro, muitos que criticaram o dirigente pela sua postura, afirmando que ele "parou" no tempo, e que hoje, é necessária uma visão mais atual das coisas. Pode ser, mas enganam-se quem pensa que ele está ignorando o cenário da atualidade e que não sabe o seu potencial.
            Não se pode negar que Bernie não conheça a F-1 a fundo, afinal, ele está por aqui desde o início da década de 1970, quando adquiriu a equipe Brabham de Ron Tauranac, que por sua vez havia assumido o time de forma integral após a aposentadoria de Jack Brabham em 1970. Aliás, "Sir" Jack Brabham faleceu no mês passado, aos 88 anos, na Austrália, e ostenta até hoje o feito de ter sido o único piloto campeão da F-1 a ter construído seu próprio carro, uma proeza que provavelmente nunca mais será possível, dada a atual natureza da F-1.
            Foi Bernie quem colocou ordem na comercialização da F-1, que até o final dos anos 1970, era feita de forma independente, de modo que cada GP tinha uma coordenação comercial diferente das outras corridas. As provas eram mostradas nas TVs, mas de forma irregular, com poucas corridas ao vivo. Ecclestone tratou de tornar a coisa mais profissional, e criou a FOCA TV, padronizando as transmissões de todas as corridas e, a partir daí, normatizando também os acordos comerciais advindos destas transmissões. Isso transformou o campeonato de F-1 num espetáculo global, e enriqueceu a categoria como nunca, embora as escuderias nunca tenham visto mesmo a maior parte da grana, que era embolsada pela FIA e FOCA, o que não quer dizer também que era pouca coisa o que recebiam. Ele também organizou a comercialização das áreas VIPs dos paddocks pelos circuitos mundo afora, criando os hospitality centers que inúmeras empresas adquirem para se promoverem nas corridas com convidados especiais. Tudo a preços "de ocasião", ou falando de forma direta, custando uma grana preta. E com fila de espera, ainda por cima...
            O lado negativo disto tudo foi o "enterro" da era romântica da F-1, onde o ambiente era mais caloroso e glamuroso, onde pilotos e até equipes se permitiam ser camaradas uns com os outros, e o esporte ainda era algo mais genuíno. A grana que irrompeu nos anos seguintes trouxe o ultraprofissionalismo, a frieza entre os integrantes, as rivalidades mais acirradas entre os pilotos. Bernie simplesmente modernizou a F-1, e fez dela o maior campeonato esportivo do mundo, perdendo apenas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas sendo disputada anualmente, ao contrário dos outros certames, que só acontecem de 4 em 4 anos.
            Ecclestone abriu novos e promissores mercados para a categoria. Levou a F-1 para cantos do mundo nunca antes imaginados, como na Hungria, quando ainda vigorava no país o comunismo e o mundo vivia dividido entre capitalistas e socialistas. Antes restrita em sua maior parte à Europa, a F-1 ganhou efetivamente o mundo, com provas cada vez em maior número mundo afora, e continua fazendo isso até hoje, ainda que as últimas corridas em lugares exóticos não desperte mais o mesmo fascínio de antigamente, sendo motivadas mais por ganância financeira do que por qualquer outra coisa. Mas isso é o que ele fez da F-1: um monstro movido a dinheiro, que o segue por onde ele estiver, mesmo que para isso seja necessário sacrificar corridas tradicionais.
            Os ganhos nunca estiveram tão altos. Por outro lado, a saúde financeira dos times nunca esteve tão débil. Para complicar, a internet veio bagunçar com o conceito tradicional de entretenimento, antes focado quase que exclusivamente na TV. Há anos atrás, os canais por assinatura já haviam ajudado a apimentar a diversão, com o surgimento de canais especializados. Bernie chegou até mesmo a lançar um "Supersinal F-1" na Europa, um canal pago especial onde os telespectadores teriam acesso muito mais imagens das câmeras disponíveis a cada GP, além de acesso a todos os dados da cronometragem oficial da FIA, enquanto as transmissões "tradicionais" ficariam apenas com básico e nada mais. Claro que, por um precinho "camarada", o negócio não decolou como Bernie imaginava. Mas o mais complicado estaria por vir, com a rede mundial de computadores se popularizando na década passada.
            Atualmente, com o conceito de streaming, o público consumidor tem a opção de assistir a muitas coisas que antes não tinha acesso. Isso para não falar dos downloads de programas, séries e tudo o mais, entre a míriade de conteúdos disponíveis na rede. Mas Bernie, fiel a seu estilo "antiquado", prefere ignorar a grande rede cibernética. Mas a verdade é que não se trata de ignorância, mas de conveniência. Conveniência financeira, falemos claramente. Como a grande maioria dos esportes hoje em dia, a comercialização dos direitos de transmissão encerra um monte de detalhes e restrições. O conceito de exclusividade é o principal mote para se arrancar dinheiro de emissoras para se transmitir um evento, e quanto mais desejado ele é, mais caro costumam cobrar. O problema é que muitas vezes se acha isso disponível na rede, "de graça", e isso, para gente como Bernie, é algo intolerável.
            Centralizador, ele não se contenta com o que pode mandar no mundo físico. O mundo virtual, por tabela, tem de obedecer seus preceitos e não "invadir" seu território. Por essas e outras, inúmeros vídeos na plataforma do You Tube já foram deletados por simplesmente mostrarem imagens de corridas antigas da F-1, um verdadeiro tesouro para muitos fãs do esporte, com a chance de, por vezes, reverem momentos imperdíveis de algumas corridas. Até site brasileiro já foi advertido de ter usado o logotipo oficial da FIA, mesmo que ele só aparecesse na tabela de horários das corridas. O problema é que, em se tratando da internet, tentar controlar o que aparece na rede é uma tarefa árdua, e por isso mesmo, o controle é falho, o que não quer dizer que a FIA e a FOM não trabalhem insistentemente para eliminar toda "pirataria" de imagens que encontrem. A menos que você pague, mostrar um simples trecho de uma prova, mesmo que de apenas um carro, é proibido. Isso gera saias justas até mesmo para quem tem os direitos. Alguém aqui se pergunta por que a Globo não coloca as provas de F-1 na internet? Ou porque o programa Linha de Chegada, do Reginaldo Leme, no SporTV, tem cortes em sua versão disponível no site da emissora? É porque o contrato da FOM proíbe isso. A internet não é vista como uma ferramenta potencial para alavancar a imagem da categoria.
            Ecclestone não tem razões para se preocupar com a queda dos índices de audiência da F-1, ainda. A audiência bruta do campeonato ainda ostenta números invejáveis, e a queda vista ainda é pequena, mas a continuar assim, a longo prazo, isso pode realmente se tornar algo perigoso. O perigo, na verdade, já ronda a categoria quando vemos boa parte dos times sem conseguir atrair patrocinadores que sustentem seus orçamentos com a folga de antigamente. Ou alguém acha  normal um time como a McLaren este ano estar com o carro praticamente virgem, sem quase nenhum logo na  carenagem? Ecclestone certamente não está deixando de perceber isso, mas certamente vai agir quando lhe for conveniente. Ele não é bobo. Se a situação não for conveniente, vai deixar como está, até que o momento de agir lhe seja amplamente favorável. Foi assim que ficou rico, sabendo explorar oportunidades e agir no momento certo. Algo que já fazia muito antes de enveredar pelo mundo profissional dos negócios: consta que ele comprava todos os pães de uma padaria próxima à sua escola para depois revender aos colegas alunos, lucrando uns bons trocados...
            Claro que sua maneira de agir nem sempre dá certo. Por vezes teimoso em seus métodos, pode parecer ignorar algumas oportunidades. Acontece, mas não quer dizer que seu faro esteja ruim para os negócios. O que não quer dizer que esteja sempre no domínio da situação. Ao ignorar as redes sociais e lhe atribuir caráter de "moda passageira", ele dá a entender que perde a oportunidade de ajudar a categoria a se aproximar de um público potencial que poderia ser útil à F-1. Mais ou menos: O problema é o que isso lhe renderia financeiramente? Dar algo de graça não está em seus planos. Neste quesito, então, a F-1 fica a dever e muito a outras categorias, que já viram o potencial de divulgação da rede mundial, e sabem fazer uso dela muito bem para divulgar seu produto. Experimentem ver o site da Nascar (www.nascar.com), a Stock Car americana, para ver como eles divulgam sua competição, com fotos a rodo, live timing, vídeos, entrevistas, blogs associados, links para venda de produtos oficiais, e mais uma penca de opções. E sem falar que eles estão presentes também no Facebook (www.facebook.com/NASCAR), mostrando uma interação com seus fãs que a F-1 raramente demonstra boa vontade em ter. E isso não é de hoje. Só para exemplificar, a antiga Fórmula Indy tinha um site oficial excelente, onde o fã se sentia praticamente dentro da sala de imprensa da categoria, com acesso a muito material do fim de semana das corridas.
            Se a F-1 ainda não abraça a internet, muito provavelmente é porque ninguém resolveu apostar na brincadeira caso Ecclestone tenha tentado algo neste sentido. E na rede mundial não dá para aplicar certos conceitos que se tem no mundo real. Por outro lado, compartilhar algo com a internet, mesmo que legalmente oficial e tudo, prejudicaria diretamente os valores que ele cobra das emissoras de TV e rádio. Exclusividade dos direitos de transmissão são um requisito indispensável para se cobrar cifras altas nas negociações. Imagine licenciar um site para transmitir corridas em streaming? Essa "exibição" na net iria concorrer com as exibições de TV no mundo inteiro, e mesmo que fosse restrita a certas localizações de IP (para limitar seu alcance), há internautas calejados na arte de conseguir assistir às coisas disfarçando sua navegação. E, com as pessoas tendo oportunidade de assistir a GPs na internet no Brasil, por exemplo, mesmo que em outro idioma, Bernie não poderia exigir os valores que cobra da TV Globo para ter exclusividade de exibição em nosso país. E as emissoras, claro, não aceitariam pagar valores tão altos tendo concorrência no pedaço. Então, é tudo questão de lucro financeiro e como tirar vantagem a fim de auferir sempre lucros crescentes.
            Mesmo que fosse uma "moda" passageira ou não, aderir não não seria nenhum bicho de sete cabeças. O problema mesmo, como mencionei, está na mentalidade financeira de Ecclestone, onde se não tiver lucro, ou o pessoal não pague para ver, as chances de serem efetivadas são mínimas. E esse distanciamento do público, em especial o jovem, tende a ser catastrófico futuramente, pois se comprovam também que o público que ainda se mantém firme à F-1 está ficando cada vez mais velho. E com os jovens procurando atrações que interajam mais com eles, não vai demorar até o atual estilo "tradicional" de comercialização da F-1 ter de se "modernizar" novamente frente aos novos tempos, como Bernie fez nos anos 1980 na categoria. Mas o dirigente, no momento, prefere dar de ombros para isso. Para sua sorte, comercialmente no momento a F-1 ainda é muito forte e "vendável" no modo "tradicional", então ele pode se dar ao luxo de esnobar isso. Mas, e quanto ao amanhã? Será que ele mudará de atitude, ou continuará firme em sua posição "antiquada", mesmo com os dados falando abertamente contra?
            Quem viver, verá...


Chegamos ao Canadá para uma das corridas mais agradáveis da temporada, não apenas pelo clima acolhedor de Montreal, uma cidade que "veste" a sua corrida de F-1 como poucas, mas também pelo fato de a corrida neste circuito montado na ilha artificial criada no Rio São Lourenço sempre ser mais agitada do que as demais corridas, proporcionando sempre pegas e disputas interessantes. E o mote favorito no paddock é ver se Lewis Hamilton e Nico Rosberg fumaram mesmo o cachimbo da paz, como afirmaram nos últimos dias. Tem gente apostando que o clima de guerra recomeça logo na primeira saída para o treino livre de hoje, com um querendo sair na frente do outro. Pelo sim, pelo não, duvido que Hamilton vá deixar para sair depois de Nico Rosberg na classificação amanhã à tarde. E Rosberg que prepare: se Hamilton estiver com a cabeça no lugar e se concentrar em pilotar, pode levar um bom baile do inglês neste circuito, onde ele venceu pela primeira vez em 2007, e desestabilizou ninguém menos do que Fernando Alonso naquela corrida. Se Lewis quiser dar o troco de Monte Carlo, está no seu terreno favorito, basta não perder o foco...

Nenhum comentário: