sexta-feira, 4 de abril de 2014

PISADA NA BOLA


Felipe Massa deu uma banana para a ordem do time de deixar Valtteri Bottas ultrapassá-lo. O finlandês que passasse na pista, sem firulas. Mas não conseguiu.

            Quando ouvia aos quatro ventos todo o clima otimista de Felipe Massa em sua nova "casa" na F-1, a equipe Williams, sempre me vinha à mente o ocorrido em 2010, quando o mesmo time havia contratado Rubens Barrichello, e o clima de cordialidade entre escuderia e piloto era dos mais afáveis, a ponto de o time se perguntar como um piloto tão bom como Rubinho ainda não havia sido campeão na F-1. Em 2010, de maneira similar ao que ocorre neste ano, o time de Frank tentava reiniciar tudo: a parceria com a Toyota havia acabado, eles tinham um novo motor, e o carro não era um desenvolvimento simples do modelo do ano anterior. Apesar dos percalços enfrentados, o time até que se saiu razoavelmente naquele ano: não subiu ao pódio, mas manteve-se firme no pelotão intermediário.
            Ao fim de 2011, depois de passar pela pior temporada de sua história, o clima era totalmente outro. Barrichello fazia o que podia na pista, mas a falta de resultados, mais decorrente do péssimo modelo produzido naquele ano, minaram as chances de permanência do brasileiro. O time já havia rifado Nico Hulkenberg ao fim de 2010, contratando o venezuelano Pastor Maldonado, que trazia consigo o polpudo patrocínio da PDVSA. Por conta principalmente deste patrocínio, Maldonado continuou no time, que também buscou os cobres de Bruno Senna. E os elogios que tanto haviam feito a Rubinho, onde foram parar? Ninguém sabe, ninguém viu...
            O clima de elogios e troca de afagos entre Felipe Massa e a Williams lembrou aqueles primeiros tempos de seu compatriota no time. Desde cedo eu já mencionava que esperava que Felipe tivesse pelo menos mais respeito do que Rubens por parte da Williams. Não demorou muito para o clima azedar, muito pelo contrário, começou até mesmo antes do que se imaginava. Foi apenas a segunda corrida de Felipe - ou primeira, se levarmos em conta que ele abandonou na Austrália, e ele acaba ouvindo esse tipo de ordem da escuderia, para liberar passagem para o companheiro Valtteri Bottas porque ele "estava mais rápido"? Massa fez bem em ignorar, embora tenha criado certa celeuma no time, que a esta altura, quando todos já se preparam para entrar na pista da prova deste fim de semana, jura já ter resolvido tudo e encerrado qualquer discussão a respeito. Será? Quero ver para crer.
            Bottas estava mais rápido? Se estivesse, que passasse o brasileiro e fosse para cima de Jenson Button, como dizia a justificativa. Se não passou, é porque não estava tão rápido assim como se afirmava. Outro detalhe que pouco foi falado é que o time, antes daquela ordem, havia pedido a Felipe para dar uma relaxada no ritmo, a fim de poupar o equipamento, solicitação que Bottas não recebeu, e portanto, explica parte de seu ritmo mais veloz frente ao brasileiro nas voltas que antecederam o comunicado para "facilitar" a passagem. Ao receber o recado para ceder o lugar, Felipe voltou a acelerar, entretanto, seus pneus já estavam um pouco mais desgastados do que os do parceiro, e por isso o finlandês se aproximou. Só que não o suficiente para ultrapassar. Por fim, o time pediu que ambos mantivessem posições, pois os carros corriam risco de superaquecimento. Mas o estrago já havia sido feito.
            Não é preciso lembrar que, no ano passado, a Malásia já havia visto outro mal-estar envolvendo ordens de equipe. Enquanto o time da Red Bull pediu que seus pilotos diminuíssem o ritmo para poupar os carros, Sebastian Vettel mandou a ordem às favas, e ultrapassou Webber de forma desleal, para vencer a corrida. Sim, foi de forma desleal, porque o australiano havia reduzido o ritmo do motor, conforme o time pediu: assim, Vettel arrancou uma ultrapassagem quando o parceiro estava correndo com "6 cilindros" enquanto ele acelerava com todos os seus "8 cilindros". E depois do prejuízo, não havia como Webber recuperar a posição, da mesma forma que, até então, em disputa direta e normal, Vettel não tinha conseguido ultrapassar o colega de equipe. Dali em diante, Webber apenas cumpriu tabela no campeonato e se mandou da F-1, preferindo ir defender a Porshe no Mundial de Endurance. E, claro, também tivemos o lance da Mercedes, que ordenou que Nico Rosberg não ultrapassasse Lewis Hamilton quando ambos disputavam a mesma posição na pista.
            A Mercedes não gostou da atitude de Ross Brawn, que deu a ordem. O resultado é que hoje ele não está mais no time, e até ordem em contrário, Hamilton e Rosberg estão livres para disputarem posições na pista. Claro, desde que não se estranhem nas manobras. Chegará uma hora em que possivelmente, em favor da defesa da luta pelo título, que talvez seja necessário disciplinar a disputa, mas por enquanto, não há razão para de ordenar quem anda na frente de quem. A Williams, que já deveria saber dos riscos de se mexer com o brio de seus pilotos, esqueceu completamente sua história, e seu grande rol de fracassos neste sentido.
            Do duelo entre Carlos Reutteman e Alan Jones no início dos anos 1980, quando a preferência pelo australiano levou o argentino a perder o título na luta contra Nélson Piquet, o time ainda tentaria algo parecido em 1986, preferindo Nigel Mansell em detrimento do próprio Piquet, agora piloto do time. Nélson, matreiro e astuto, demorou meia temporada para sentir que o time não o apoiava como esperava, e decidiu virar o jogo. A briga fraticida resultou na perda do título daquele ano para Alain Prost, da McLaren. No ano seguinte, ainda tentaram de novo, mas Piquet, já calejado, não deixou o time rir por último e foi o campeão.
            Houve ainda duelos entre Jacques Villeneuve e Damon Hill, quando competiram pelo título de 1996, mas sem os ânimos exaltados das lutas de 1981, 1986 e 1987. O inglês foi campeão, e acabou demitido pelo time, que já preferia mais o canadense. Na década passada, a escuderia teve algumas dores de cabeça para gerenciar as disputas entre Ralf Schumacher, e um atrevido Juan Pablo Montoya, que peitava até Michael Schumacher em disputa de curva. E se o colombiano já não respeitava Michael, "little" Schummy menos ainda.
            Voltando ao momento atual, com relação a Felipe Massa, onde estão aqueles discursos do brasileiro liderar o time com sua experiência? Com ou sem segunda corrida ou não, alguém acredita que a Williams vai brigar pelo título? Até parecia ter alguma esperança pelo que se viu na pré-temporada, mas depois do que se viu em Sepang, se conseguir um pódio já estará de bom tamanho. Não tem nada demais o time avisar que o colega está logo atrás e está mais rápido. Agora, pedir para não impôr resistência, e facilitar a ultrapassagem, é outra história. E o papo de que se Bottas não conseguisse ultrapassar Button ele devolveria a posição a Felipe, é preciso ser muito ingênuo para acreditar nisso, pois ele certamente continuaria atacando até o final, só para mostrar que não desistiria e que ainda teria chances. Massa resolveu dar um basta, até porque perderia o respeito que está lutando para reconquistar, bem como fazer renascer sua carreira.
            Agora, contudo, o brasileiro terá um desafio árduo pela frente: andar sempre bem mais à frente do que o finlandês, para não apenas nunca mais ouvir tal sugestão, como para mostrar porque ele foi contratado como piloto do time. E ficar atento às entrelinhas dos acontecimentos, porque Bottas já começa a dar mostras de se achar o rei do pedaço dentro do time. No ano passado, já se estranhou com Maldonado, e pode estar apenas começando a se estranhar com Felipe. Como Bottas é a mais recente aposta do time, que lhe deu inúmeras sessões de treinos livres em 2012 a fim de prepará-lo para a estréia no ano passado, preferindo sacrificar Bruno Senna no processo, pode-se esperar a possibilidade de surgirem favorecimentos velados ao finlandês em algum momento. O fato de ele ser agenciado por Toto Wolf, que é acionista do time, também pode ser um fator complicador para a situação de Massa, embora todos jurem que isso não tem importância alguma.
            Especulações de favorecimentos à parte, por enquanto há só uma verdade: Bottas é um piloto extremamente rápido, e vai dar trabalho para Felipe na pista, tentando ser mais veloz do que o brasileiro. Massa tem condições de andar à frente do finlandês, como mostrou nos treinos e na corrida da Malásia, mas não poderá vacilar para não ser surpreendido. Por parte da Williams, foi uma tremenda pisada na bola, ao usar uma frase que já causou um tremendo estrago na carreira do brasileiro, e se traduziu em uma tremenda falta de respeito. Tomara que a recusa de Felipe em obedecer possa ter despertado no brasileiro aquele piloto arrojado que quase foi campeão em 2008, e que mostre que ele ainda tem muito o que oferecer à F-1. Comecemos a verificar já neste fim de semana...

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