O Grande Prêmio da
China não foi tão divertido e emocionante quanto a corrida do Bahrein, mas
serviu para vermos algumas coisas interessantes. A primeira delas, para citar o
óbvio, é em qual momento Lewis Hamilton poderá comemorar o bicampeonato. Sim,
depois de 3 vitórias consecutivas, o inglês é o favorito mesmo para o título
deste ano na F-1. Caberá a Nico Rosberg quebrar esta escrita, mas sua tarefa
não vai ser nada fácil.
Nico pode ser um talento
subestimado e tudo o mais, porém, se quiser mesmo ser campeão, vai precisar dar
tudo e mais um pouco para bater seu companheiro de equipe. Por enquanto, ele
ainda lidera o campeonato, mas Hamilton vem chegando bem rápido. E o alemão
pode bater o inglês na pista efetivamente? Pode, mas vai precisar que os
fatores se alinhem para favorê-lo: em uma disputa direta, sem que nenhum deles
enfrente problema algum, Hamilton já mostrou que tem braço e determinação para
permanecer na frente, como vimos no Bahrein, onde defendeu-se de forma
espetacular contra um Rosberg muito mais eficiente com os pneus de que
dispunha, e que mesmo assim não conseguiu vencer.
Não é querer
desmerecer Nico, mas pelo que vimos até agora na pista este ano, o alemão só
esteve mesmo à altura de bater Hamilton no Bahrein mesmo. Na Austrália, uma vez
que Lewis abandonou logo no começo, não dá para fazer uma avaliação precisa de
como ele se sairia se tivesse que duelar roda a roda pela vitória com o
companheiro de equipe. E, se na Malásia ele creditou a diferença de performance
ao modo como fez o ajuste de seu carro - o que não soa de todo inverídico, por
outro lado, na China, a largada complicada atrás das duas Red Bull e o toque
com Valtteri Bottas tornaram a prova de Rosberg uma corrida de recuperação, com
o alemão tendo de se livrar dos concorrentes enquanto Hamilton simplesmente
corria solto. Uma vez em 2° lugar, a diferença para o companheiro de equipe já
era grande, e mesmo que tentasse uma reação, era nítido ver que Hamilton tinha
reservas para responder conforme a necessidade.
Hamilton, por sua vez,
está aproveitando o momento, e acelerando o que pode. Enquanto mantiver a
cabeça no lugar, e seu carro corresponder como vem fazendo, bater o inglês será
tarefa duríssima. Lewis é considerado o piloto mais rápido da F-1 atual, em se
tratando da velocidade que consegue arrancar de seu bólido, e o estilo de
condução mais arisco dos carros atuais parece ter casado com seu estilo
arrojado de pilotagem. Rosberg, que já tem um estilo mais neutro, parece estar
sofrendo mais para tirar a mesma velocidade do modelo W05, pelo menos com a
mesma constância do inglês.
E a concorrência? Por
enquanto, ela não consegue se manter estável. Na Austrália, a Red Bull
surpreendeu com a performance de Daniel Ricciardo, e de fato, o australiano tem
se mostrado tremendamente rápido, e ajudando a equipe dos energéticos a se
recuperar na competição. Mas o modelo RB10, em que pese parecer enfim
demonstrar suas qualidades após o time dar duro nestas primeiras etapas, ainda
tem um déficit de performance a ser superado apenas quando a Renault conseguir
dar mais desenvolvimento a sua unidade de potência, algo um pouco difícil de
fazer a curto prazo com o congelamento de desenvolvimento imposto pelo
regulamento, que permite poucas mudanças. Mas a unidade francesa ainda tem
espaço para melhorar, e a montadora trabalha com afinco para conseguir isso. O
problema é que, enquanto isso, o time alemão dispara no campeonato com seus
pilotos, tornando a reação tardia apenas um campeonato para ver quem será o
melhor do "resto" do grid.
E, neste
"resto" dos times, as escuderias têm apresentado performances
variáveis. Se a Red Bull até o momento tem sido mais constante em se apresentar
como "segunda força", dependendo das corridas, outras equipes tem
brilhado momentaneamente. Na Austrália, a McLaren subiu ao pódio, e dava a
entender que o ano tenebroso de 2013 havia ficado para trás. Mas, dali em
diante, o time foi despencando, a ponto de em Shangai nem ter conseguido
pontuar. Depois de brilhar na pré-temporada e se credenciar até a voltar a ser
um time de ponta, a Williams confirma parte do potencial exibido nos testes,
mas uma série de empecilhos e azares momentâneos têm impedido a escuderia de
aproveitar totalmente o que pode render. No Albert Park, Felipe Massa deu adeus
cedo à corrida, abalroado por Kamui Kobayashi, e Valtteri Bottas acertou o muro
de leve, precisando de uma parada extra no box e tendo de fazer uma corrida de
recuperação. Na Malásia, más posições de largada obrigaram ambos os pilotos a
corridas de recuperação; no Bahrein, o Safety Car veio na hora errada para
validar a estratégia de uma parada a mais; enquanto na China, um pit stop
desastroso arruinou a corrida de Massa.
Na Bahrein, quem
mostrou força no pelotão do "resto" foi a Force India, que subiu ao
pódio e até assumiu a 2ª colocação no mundial de construtores. O time parece
ter regularidade para pontuar, mas é difícil apontar o seu real potencial. Da
mesma maneira, a Ferrari ainda é uma incógnita este ano. Fernando Alonso fez
uma grande corrida na China, conseguindo um pódio que salva o time de afundar
ainda mais na crise, que precipitou a demissão de Stefano Domenicali na semana
passada, mas que ninguém se iluda: o F14T ainda é um carro abaixo da média para
um time de ponta, e a menos que o corpo técnico de Maranello faça milagres, o
time não tem muito o que aspirar nesta temporada.
No restante do grid,
não dá para esperar nada demais além de brilhos ocasionais, pelo menos em se
tratando de disputa pelas primeiras posições. E enquanto os times com maiores
recursos não acertarem seus carros ou as circunstâncias de fazer uma corrida
perfeita para seus pontos fortes, a Mercedes vai se distanciando. No mundial de
construtores, a equipe sediada em Brackley já tem 154 pontos, enquanto a Red
Bull, 2ª colocada, apenas 57. O que impressiona é quanto os times estão
equilibrados na pontuação, ignorando-se as flechas prateadas de Stuttgart: Red
Bull em 2° com 57 pontos; Force India em 3° com 54; Ferrari em 4° com 52;
McLaren em 5° com 43; e Williams em 6° com 36 pontos. Da mesma forma, do 3° ao
8° lugar no campeonato, temos 6 pilotos separados por 18 pontos, o equivalente
a um 2° lugar: Fernando Alonso (41), Nico Hulkenberg (36), Sebastian Vettel
(33), Valtteri Bottas e Daniel Ricciardo (24), e Jenson Button (23).
Podemos ver que está
havendo uma boa competição na F-1 este ano, se ignorarmos a supremacia da
Mercedes. Uma supremacia que deve demorar a ser desafiada de fato. Por mais que
os times da Red Bull, Ferrari, e talvez Williams e Force India, evoluam seus
carros, a escuderia de Hamilton e Rosberg também não está parada, projetando
modificações e evoluções para aplicar no seu bom modelo. Daqui a duas semanas,
no início da fase européia da competição, é previsto um grande rol de novidades
em todos os carros do grid, com trabalhos desenvolvidos com os dados acumulados
nestas primeiras corridas do campeonato. Com a dianteira que possui, a Mercedes
tem mais tranquilidade para trabalhar, enquanto as demais estarão sob pressão
para tentarem não passar o ano em branco.
A rigor mesmo, a maior
ameaça à Mercedes vem de seus próprios pilotos. Lewis Hamilton e Nico Rosberg
até agora só duelaram roda a roda em uma única corrida, e apesar do panorama
amistoso entre ambos, o clima andou esquentando um pouco nos bastidores da
prova de Sakhir. Ainda estamos no início da competição, e é prematuro afirmar
que Hamilton já ganhou o campeonato. Tudo pode mudar durante o ano, mas numa
expectativa teórica, Hamilton leva vantagem sobre Nico Rosberg, o que não quer
dizer que o alemão vai ficar sobrando novamente. Nico tem condições de
surpreender e assumir as rédeas da disputa. Por enquanto, sua regularidade vai
lhe garantindo a liderança do campeonato, mas vai precisar mostrar mais do que
já demonstrou até agora se quiser brecar a escalada de Lewis, que se repetir a
dose em Barcelona, assumirá efetivamente a liderança do mundial.
Em 1988, o arrojo e
determinação ímpar de Ayrton Senna, que foi campeão em cima de Alain Prost,
provocaram certo abalo na imagem do bicampeão francês. Conhecido por ser um
piloto mais cerebral do que arrojado, muitos diziam que o
"Professor", como era chamado por raramente errar, agora precisava
voltar a ser aluno e aprender a ser "arrojado". Mas Prost deu o
troco, ainda que de forma questionável na decisão em Suzuka, na pista em 1989,
mantendo-se veloz e até surpreendendo Senna algumas vezes, por mais que o
brasileiro sempre se mostrasse mais rápido na pista.
Portanto, se Hamilton
agora parece imbatível, mesmo frente ao companheiro de equipe, seria um erro
menosprezar Nico Rosberg. O problema é que fica a dúvida se o filho de Keke
pode realmente efetuar uma reviravolta nas expectativas da disputa, que por
enquanto dão o inglês como favorito destacado, até mesmo dentro da Mercedes. Se
não houver nada que quebre a concentração de Hamilton, como seu namoro
novamente entrar em crise, tudo parece ficar mesmo difícil para Nico finalmente
desencalhar como piloto de ponta na F-1. E Lewis, por sua vez, parece estar
mais maduro e confiante depois que saiu da McLaren e assumiu o desafio de
vencer pelo time alemão. Tudo de fato parece conspirar a favor de presenciarmos
o bicampeonato do inglês no fim do ano.
Mas, nada impede que
tenhamos alguma surpresa, e tenhamos outro resultado. Seja qual for o piloto da
Mercedes a ser campeão - isso sim, parece certo, que a disputa seja na pista e
de forma limpa e direta, sem os favoritismos que existiram nos times da
categoria nos últimos anos. Que a Mercedes permita uma briga direta e franca
entre seus pilotos. É o mínimo que os fãs merecem em um ano que promete ser
dominado pelas flechas de prata. Esse, aliás, é o maior perigo que ronda a
escuderia prateada. Se a concorrência conseguir se aproximar, Toto Wolf já
admitiu que o time pode rever sua política de deixar a briga na pista correr
solta, como forma de garantir a conquista do título. Resta saber se os pilotos
vão aceitar isso passivamente. Por enquanto, o relacionamento da dupla se mantém
calmo e sem atritos, mas as disputas na pista já começam a deixar evidentes
alguns sinais de acirramento dos ânimos, que até agora não atingiram níveis que
preocupem, mas que sinalizam que mais à frente a situação pode exigir ser
trabalhada com mais afinco, a fim de se evitar desgastes que possam ser
evitados.
Um clima de guerra
interno é tudo o que a Mercedes não precisa neste momento...
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