sexta-feira, 11 de abril de 2014

CORRIDA DAS ARÁBIAS


As emoções no Bahrein começaram logo na largada: Lewis Hamilton foi para a liderança e Felipe Massa fez um arranque relâmpago saindo de 7° para 3°...

            Contra tudo e contra todos, a Fórmula 1 mostrou no último domingo porque merece ser chamada de "categoria máxima do automobilismo". O GP do Bahrein foi uma das corridas mais espetaculares dos últimos anos, e se tivemos apenas dois protagonistas brigando realmente pela vitória na prova, devido à superioridade de um time sobre os demais, isso não tirou o brilho da etapa, que se mostrou melhor do que a encomenda de quem ansiava por uma corrida de verdade, depois de duas etapas com poucas disputas e desfecho previsível.
            A Mercedes, novamente confirmando seu momento de superioridade na atual temporada, monopolizou a primeira fila e venceu novamente. Mas desta vez a pole foi de Nico Rosberg, dando a entender que se depender dele, a disputa pelo título vai ser bem mais dura do que os fãs de Lewis Hamilton esperavam. Mas o piloto inglês, pelo seu lado, deu um show na corrida, arrancando da 2ª posição para assumir a liderança já na primeira volta, mostrando seu lado arrojado e combativo. Mas não teve vida fácil. Nico foi atrás do seu parceiro de equipe, e ambos protagonizaram algumas disputas ferrenhas em várias oportunidades, com o alemão ultrapassando o inglês e levando o troco logo em seguida. Mas o melhor veio na parte final: com a entrada do Safety Car para arrumar a confusão cansada por Pastor Maldonado, que mandou Esteban Gutierrez virar de ponta-cabeça, Hamilton e Rosberg relargaram para as voltas finais com pneus diferentes. Nico, com os mais macios do fim de semana, teria um ritmo mais veloz, potencialmente de 1,5s por volta, enquanto Hamilton, com compostos mais duros, seria teoricamente presa fácil para o parceiro. Ambos partiram para o duelo, e Hamilton conseguiu rechaçar os ataques de Rosberg com extrema perícia, mas não sem duelarem roda a roda em diversos momentos.
            Guardadas as proporções, foi um duelo como nos velhos tempos em que Alain Prost e Ayrton Senna dividiam a equipe McLaren, em 1988. Duas feras da velocidade, em duelo ímpar um contra o outro. Um piloto arrojado ao extremo, contra outro mais cerebral, frio, e igualmente veloz. Um colírio para os olhos dos fãs. E o melhor de tudo, disputa limpa na pista, sem as malditas ordens de rádio. No box, a Mercedes pediu apenas que os pilotos trouxessem os carros inteiros para "casa". No mais, tudo liberado.
A Mercedes deu um show de competência e de esportividade: seus pilotos duelaram roda a roda pela vitória várias vezes.
            Ao fim das voltas, Hamilton averbou sua segunda vitória na temporada, mostrando para Rosberg que ele terá de suar muito para vencê-lo. Nico, por sua vez, não se sentia derrotado por ter perdido a vitória. Seu desempenho foi também o de um campeão, e sabia que poderia ter vencido com categoria. Lewis apenas deu um pouco mais ainda de si. Foi uma disputa de posições entre pilotos de um mesmo time que fazia tempo não ocorriam na categoria, ainda mais pela vitória de uma prova. Talvez o duelo mais recente tenha sido na Turquia, em 2010, quando o mesmo Lewis Hamilton, e Jenson Button, então na McLaren, duelaram firme por algumas voltas pelo triunfo na etapa turca. Ambos trocaram de posição várias vezes, sem esbarrar um no outro, mostrando competitividade, determinação, e respeito pelo adversário. Como vimos domingo passado.
            A prova barenita nunca havia empolgado muito desde que estreou no calendário da F-1. Este ano, depois de muita insistência, conseguiu que passasse a ser disputada à noite, a exemplo da etapa de Abu Dhabi. E isso fez muito bem: a corrida ganhou mais charme, com o pôr do sol no deserto compondo uma imagem muito bonita, e com a noite caindo e o céu noturno ajudando a destacar a pista do autódromo plenamente iluminada em meio às areias ao redor. Foi mesmo uma Corrida das Arábias, enfim. E como que num passe de mágica, assistimos à melhor corrida já disputada em todo o Oriente Médio.
            Não foi apenas na luta pela vitória. Do 3° lugar para trás, ninguém teve sossego: todo mundo entrou em briga com todo mundo, de preferência com os próprios parceiros de equipe. Tivemos duelos e ultrapassagens a rodo. Tirando um toque de rodas ou outro em algumas disputas, todo mundo saiu inteiro nas disputas, exceção óbvia, claro, ao toque entre Maldonado e Gutierrez, que fez a Sauber do mexicano capotar, felizmente sem maiores consequências para Esteban, além de ter ficado meio tonto. Em vários momentos, havia filas de carros em luta direta, e quem cometesse um erro perdia não uma, mas várias posições. E quem era ultrapassado voltava ao ataque logo em seguida, disputando e por vezes recuperando a posição perdida. E começava tudo de novo. As estratégias de pneus de cada um também ajudaram a apimentar as brigas.
            Mas o melhor de tudo mesmo foram as equipes terem ficado praticamente caladas. Tirando a Red Bull, que avisou Sebastian Vettel que Daniel Ricciardo estava mais veloz e o tetracampeão deixou o parceiro ultrapassá-lo, ninguém ganhou posição com as malditas ordens de box. Depois do escândalo visto na Malásia, parece até que todo mundo ganhou um pouco de vergonha na cara. Se isso vai durar, eu não sei, mas o esporte saiu ganhando, e os fãs de corridas também. Até as voltas finais, haviam disputas a todo momento, e ninguém conseguia desgrudar os olhos do que acontecia na pista, com medo de perder o lance decisivo de cada briga.
            Houve um fato ainda mais a ser comemorado ao fim desta bela corrida: a derrota de alguns críticos da "nova" F-1. Bernie Ecclestone foi ao Bahrein para desfilar seu rol de críticas às novas regras, alegando que elas estavam "acabando" com a categoria, e que isso era inaceitável. Quem também fazia coro era Luca de Montezemolo, que falava pelos cotovelos reclamando disso, reclamando daquilo. Com as disputas na pista a mil, não foi surpresa ambos terem ido embora no meio da corrida, cada um ostentando uma cara emburrada maior que a do outro. Não é difícil imaginar os motivos da retirada: nenhum deles ia querer enfrentar o batalhão de jornalistas presente cobrando deles justificativas para suas críticas desvairadas e oportunistas depois de assistirmos a uma prova fenomenal daquelas. Ambos ainda tiveram outra derrota, essa antes da corrida: em reunião com Jean Todt, presidente da FIA, ficou estabelecido que as regras atuais continuam como estão até o fim da temporada. Foi uma vitória da categoria e da FIA, que poderia perder a credibilidade se cedesse às pressões por mudanças, que ficou mais do que patente tem motivos muito mais de descontentamento por parte de quem não está se dando bem na pista com o novo regulamento do que por regras "perniciosas" e "inadequadas", como fingem defender. Quem perdeu mais foi Montezemolo, que não ficou para ver os carros da Ferrari terminarem a prova barenita apenas em 9° e 10° lugares. A Red Bull, em que pese a chiadeira de Dietrich Mateschitz e as críticas de Vettel ao barulho dos motores, vai tentando se virar e já começa a obter resultados interessantes, ainda que não estejam ainda com chances de disputar o título. Aos poucos, todos podem ver que a maioria das críticas disparadas contra a categoria não tem toda a razão de ser.
            É preciso dar tempo ao tempo. Toda a categoria ainda está se acertando aos novos regulamentos e motores. Bastou entrarem em um terreno mais conhecido, que foi a pista de Sakhir, onde todos fizeram a maior parte dos testes da pré-temporada, para assistirmos a um incremento notável na qualidade da disputa. Muito provavelmente por já saberem o que poderiam ou não fazer na pista barenita, e como seus monopostos reagiriam, todo mundo pode ser menos conservador e partir mais para o ataque. A próxima corrida, na China, pode não ser tão disputada como a do Bahrein, mas com certeza será um passo adiante em relação ao que vimos na Austrália e Malásia. E com certeza a disputa deverá melhorar quando retornar à Europa, em maio, onde todos os times terão novidades em grande escala para incrementar seus desempenhos. Temos de esperar para ver.
Pastor Maldonado e Esteban Gutierrez se "encararam" feio nesta. Felizmente, o mexicano nada sofreu, mas provavelmente deve ter xingado o venezuelano um bocado neste momento. Nada como uma discussão de "ângulos diferentes" de vista...
            A corrida barenita ainda mostrou-se afortunada: foi o 900° GP da história da F-1, e a categoria recebeu uma prova onde a esportividade e a emoção estiveram felizmente presentes o tempo todo. E acima de tudo o jogo limpo na pista, panorama bem diferente da última corrida centenária, o GP de Cingapura de 2008, que ficou marcado pelo acidente proposital de Nelsinho Piquet orquestrado por Flavio Briatore e Pat Symonds para favorecer uma vitória potencial de Fernando Alonso. Que o 1000° GP também possa honrar a história da Fórmula 1 como outras corridas centenárias já o fizeram.
            E que a prova do Bahrein no ano que vem volte a apresentar o show que presenciamos este ano. E que esta Corrida das Arábias justifique plenamente sua permanência no calendário pela qualidade das provas, e não apenas pelo dinheiro dos árabes.


Confiram as corridas centenárias da história da F-1 e os seus vencedores:

100° GP - Grande Prêmio da Alemanha de 1961 - Nurburgring (Nordscheleife) - Stirling Moss (Lotus/Climax). Show do piloto inglês naquela que foi sua última vitória na F-1, em um circuito difícil como o velho Nurburgring, e ainda por cima debaixo de chuva.

200° GP - Grande Prêmio de Mônaco de 1971 - Monte Carlo - Jackie Stewart (Tyrrel/Cosworth). Show do piloto escocês, que partiu da pole e praticamente dominou a corrida monegasca.

300° GP - Grande Prêmio da África do Sul de 1978 - Kyalami - Ronnie Peterson (Lotus/Cosworth) - Corrida com um final pra fã nenhum botar defeito, com nada menos do que 5 pilotos surgindo como potenciais vencedores da corrida nas voltas finais, com o triunfo de Peterson apenas na última volta.

400° GP - Grande Prêmio da Áustria de 1984 - Zeltweg - Niki Lauda (McLaren/TAG-Porshe). Vitória antológica de Lauda na corrida de seu país, ainda mais com o carro apresentando defeito nas últimas voltas.

500° GP - Grande Prêmio da Austrália de 1990 - Adelaide - Nélson Piquet (Benetton/Ford). Duelo antológico de Nélson Piquet com Nigel Mansell nas voltas finais e uma performance eletrizante do piloto brasileiro com um carro inferior à Ferrari do inglês.

600° GP - Grande Prêmio da Argentina de 1997 - Buenos Aires - Jacques Villeneuve (Williams/Renault). O filho do lendário Gilles Villeneuve iniciaria sua arrancada para o título da temporada nesta corrida.

700° GP - Grande Prêmio do Brasil de 2003 - Interlagos - Giancarlo Fisichella (Jordan/Ford). Confusão no final da prova devido à batida de Mark Webber e Fernando Alonso fez com que o vencedor surgisse apenas vários dias depois, a ponto de Fisichella receber seu troféu da vitória apenas na corrida seguinte, em Ímola.

800° GP - Grande Prêmio de Cingapura de 2008 - Marina Bay - Fernando Alonso (Renault). O piloto asturiano venceu após a entrada do Safety Car devido ao acidente de Nelsinho Piquet, quando o piloto espanhol já tinha feito sua parada nos boxes, antes dos demais, e relargou na frente para não ser alcançado. Tempos depois, o brasileiro revelou que a batida foi planejada pelo time.
Nélson Piquet foi o único brasileiro a vencer um GP centenário, ao triunfar na Austrália em 1990, depois de um duelo feroz com Nigel Mansell nas voltas finais.
 

Os leitores fãs de automobilismo ficaram decepcionados no fim do ano passado quando o jornal O ESTADO DE SÃO PAULO dispensou os serviços de seu jornalista especializado na F-1, Livio Oricchio, o que fez a cobertura do periódico ficar muito menor nesta temporada. Bem, amigos, podem comemorar, o Lívio está de volta, agora cobrindo a F-1 para o Portal do Universo On-Line (UOL), e ele já esteve presente no Bahrein. E a partir desta semana, ele retoma seu blog para contato com os leitores e fãs, que pode ser acesssado em www.liviooricchio.com, onde ele promete continuar trazendo não apenas suas matérias, mas suas histórias sobre os bastidores da categoria e suas viagens na cobertura da F-1. Ele aguarda todos os seus velhos leitores por lá, e convida todos os novos à leitura. Seja bem-vindo de volta ao paddock, Lívio, e continue sempre firme...

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