As emoções no Bahrein começaram logo na largada: Lewis Hamilton foi para a liderança e Felipe Massa fez um arranque relâmpago saindo de 7° para 3°... |
Contra tudo e contra
todos, a Fórmula 1 mostrou no último domingo porque merece ser chamada de
"categoria máxima do automobilismo". O GP do Bahrein foi uma das
corridas mais espetaculares dos últimos anos, e se tivemos apenas dois
protagonistas brigando realmente pela vitória na prova, devido à superioridade
de um time sobre os demais, isso não tirou o brilho da etapa, que se mostrou
melhor do que a encomenda de quem ansiava por uma corrida de verdade, depois de
duas etapas com poucas disputas e desfecho previsível.
A Mercedes, novamente
confirmando seu momento de superioridade na atual temporada, monopolizou a
primeira fila e venceu novamente. Mas desta vez a pole foi de Nico Rosberg,
dando a entender que se depender dele, a disputa pelo título vai ser bem mais
dura do que os fãs de Lewis Hamilton esperavam. Mas o piloto inglês, pelo seu
lado, deu um show na corrida, arrancando da 2ª posição para assumir a liderança
já na primeira volta, mostrando seu lado arrojado e combativo. Mas não teve
vida fácil. Nico foi atrás do seu parceiro de equipe, e ambos protagonizaram
algumas disputas ferrenhas em várias oportunidades, com o alemão ultrapassando
o inglês e levando o troco logo em seguida. Mas o melhor veio na parte final:
com a entrada do Safety Car para arrumar a confusão cansada por Pastor
Maldonado, que mandou Esteban Gutierrez virar de ponta-cabeça, Hamilton e
Rosberg relargaram para as voltas finais com pneus diferentes. Nico, com os
mais macios do fim de semana, teria um ritmo mais veloz, potencialmente de 1,5s
por volta, enquanto Hamilton, com compostos mais duros, seria teoricamente
presa fácil para o parceiro. Ambos partiram para o duelo, e Hamilton conseguiu
rechaçar os ataques de Rosberg com extrema perícia, mas não sem duelarem roda a
roda em diversos momentos.
Guardadas as
proporções, foi um duelo como nos velhos tempos em que Alain Prost e Ayrton
Senna dividiam a equipe McLaren, em 1988. Duas feras da velocidade, em duelo
ímpar um contra o outro. Um piloto arrojado ao extremo, contra outro mais
cerebral, frio, e igualmente veloz. Um colírio para os olhos dos fãs. E o
melhor de tudo, disputa limpa na pista, sem as malditas ordens de rádio. No
box, a Mercedes pediu apenas que os pilotos trouxessem os carros inteiros para
"casa". No mais, tudo liberado.
A Mercedes deu um show de competência e de esportividade: seus pilotos duelaram roda a roda pela vitória várias vezes. |
Ao fim das voltas,
Hamilton averbou sua segunda vitória na temporada, mostrando para Rosberg que
ele terá de suar muito para vencê-lo. Nico, por sua vez, não se sentia
derrotado por ter perdido a vitória. Seu desempenho foi também o de um campeão,
e sabia que poderia ter vencido com categoria. Lewis apenas deu um pouco mais
ainda de si. Foi uma disputa de posições entre pilotos de um mesmo time que
fazia tempo não ocorriam na categoria, ainda mais pela vitória de uma prova.
Talvez o duelo mais recente tenha sido na Turquia, em 2010, quando o mesmo
Lewis Hamilton, e Jenson Button, então na McLaren, duelaram firme por algumas
voltas pelo triunfo na etapa turca. Ambos trocaram de posição várias vezes, sem
esbarrar um no outro, mostrando competitividade, determinação, e respeito pelo
adversário. Como vimos domingo passado.
A prova barenita nunca
havia empolgado muito desde que estreou no calendário da F-1. Este ano, depois
de muita insistência, conseguiu que passasse a ser disputada à noite, a exemplo
da etapa de Abu Dhabi. E isso fez muito bem: a corrida ganhou mais charme, com
o pôr do sol no deserto compondo uma imagem muito bonita, e com a noite caindo
e o céu noturno ajudando a destacar a pista do autódromo plenamente iluminada
em meio às areias ao redor. Foi mesmo uma Corrida das Arábias, enfim. E como
que num passe de mágica, assistimos à melhor corrida já disputada em todo o
Oriente Médio.
Não foi apenas na luta
pela vitória. Do 3° lugar para trás, ninguém teve sossego: todo mundo entrou em
briga com todo mundo, de preferência com os próprios parceiros de equipe.
Tivemos duelos e ultrapassagens a rodo. Tirando um toque de rodas ou outro em
algumas disputas, todo mundo saiu inteiro nas disputas, exceção óbvia, claro,
ao toque entre Maldonado e Gutierrez, que fez a Sauber do mexicano capotar,
felizmente sem maiores consequências para Esteban, além de ter ficado meio
tonto. Em vários momentos, havia filas de carros em luta direta, e quem
cometesse um erro perdia não uma, mas várias posições. E quem era ultrapassado
voltava ao ataque logo em seguida, disputando e por vezes recuperando a posição
perdida. E começava tudo de novo. As estratégias de pneus de cada um também
ajudaram a apimentar as brigas.
Mas o melhor de tudo
mesmo foram as equipes terem ficado praticamente caladas. Tirando a Red Bull,
que avisou Sebastian Vettel que Daniel Ricciardo estava mais veloz e o
tetracampeão deixou o parceiro ultrapassá-lo, ninguém ganhou posição com as
malditas ordens de box. Depois do escândalo visto na Malásia, parece até que
todo mundo ganhou um pouco de vergonha na cara. Se isso vai durar, eu não sei,
mas o esporte saiu ganhando, e os fãs de corridas também. Até as voltas finais,
haviam disputas a todo momento, e ninguém conseguia desgrudar os olhos do que
acontecia na pista, com medo de perder o lance decisivo de cada briga.
Houve um fato ainda
mais a ser comemorado ao fim desta bela corrida: a derrota de alguns críticos
da "nova" F-1. Bernie Ecclestone foi ao Bahrein para desfilar seu rol
de críticas às novas regras, alegando que elas estavam "acabando" com
a categoria, e que isso era inaceitável. Quem também fazia coro era Luca de
Montezemolo, que falava pelos cotovelos reclamando disso, reclamando daquilo.
Com as disputas na pista a mil, não foi surpresa ambos terem ido embora no meio
da corrida, cada um ostentando uma cara emburrada maior que a do outro. Não é
difícil imaginar os motivos da retirada: nenhum deles ia querer enfrentar o
batalhão de jornalistas presente cobrando deles justificativas para suas
críticas desvairadas e oportunistas depois de assistirmos a uma prova fenomenal
daquelas. Ambos ainda tiveram outra derrota, essa antes da corrida: em reunião
com Jean Todt, presidente da FIA, ficou estabelecido que as regras atuais
continuam como estão até o fim da temporada. Foi uma vitória da categoria e da
FIA, que poderia perder a credibilidade se cedesse às pressões por mudanças,
que ficou mais do que patente tem motivos muito mais de descontentamento por parte
de quem não está se dando bem na pista com o novo regulamento do que por regras
"perniciosas" e "inadequadas", como fingem defender. Quem
perdeu mais foi Montezemolo, que não ficou para ver os carros da Ferrari
terminarem a prova barenita apenas em 9° e 10° lugares. A Red Bull, em que pese
a chiadeira de Dietrich Mateschitz e as críticas de Vettel ao barulho dos
motores, vai tentando se virar e já começa a obter resultados interessantes,
ainda que não estejam ainda com chances de disputar o título. Aos poucos, todos
podem ver que a maioria das críticas disparadas contra a categoria não tem toda
a razão de ser.
É preciso dar tempo ao
tempo. Toda a categoria ainda está se acertando aos novos regulamentos e
motores. Bastou entrarem em um terreno mais conhecido, que foi a pista de
Sakhir, onde todos fizeram a maior parte dos testes da pré-temporada, para
assistirmos a um incremento notável na qualidade da disputa. Muito
provavelmente por já saberem o que poderiam ou não fazer na pista barenita, e
como seus monopostos reagiriam, todo mundo pode ser menos conservador e partir
mais para o ataque. A próxima corrida, na China, pode não ser tão disputada
como a do Bahrein, mas com certeza será um passo adiante em relação ao que
vimos na Austrália e Malásia. E com certeza a disputa deverá melhorar quando
retornar à Europa, em maio, onde todos os times terão novidades em grande
escala para incrementar seus desempenhos. Temos de esperar para ver.
A corrida barenita
ainda mostrou-se afortunada: foi o 900° GP da história da F-1, e a categoria
recebeu uma prova onde a esportividade e a emoção estiveram felizmente
presentes o tempo todo. E acima de tudo o jogo limpo na pista, panorama bem
diferente da última corrida centenária, o GP de Cingapura de 2008, que ficou
marcado pelo acidente proposital de Nelsinho Piquet orquestrado por Flavio
Briatore e Pat Symonds para favorecer uma vitória potencial de Fernando Alonso.
Que o 1000° GP também possa honrar a história da Fórmula 1 como outras corridas
centenárias já o fizeram.
E que a prova do
Bahrein no ano que vem volte a apresentar o show que presenciamos este ano. E
que esta Corrida das Arábias justifique plenamente sua permanência no
calendário pela qualidade das provas, e não apenas pelo dinheiro dos árabes.
Confiram as corridas centenárias
da história da F-1 e os seus vencedores:
100° GP - Grande Prêmio da
Alemanha de 1961 - Nurburgring (Nordscheleife) - Stirling Moss (Lotus/Climax).
Show do piloto inglês naquela que foi sua última vitória na F-1, em um circuito
difícil como o velho Nurburgring, e ainda por cima debaixo de chuva.
200° GP - Grande Prêmio de Mônaco
de 1971 - Monte Carlo - Jackie Stewart (Tyrrel/Cosworth). Show do piloto
escocês, que partiu da pole e praticamente dominou a corrida monegasca.
300° GP - Grande Prêmio da África
do Sul de 1978 - Kyalami - Ronnie Peterson (Lotus/Cosworth) - Corrida com um
final pra fã nenhum botar defeito, com nada menos do que 5 pilotos surgindo
como potenciais vencedores da corrida nas voltas finais, com o triunfo de
Peterson apenas na última volta.
400° GP - Grande Prêmio da
Áustria de 1984 - Zeltweg - Niki Lauda (McLaren/TAG-Porshe). Vitória antológica
de Lauda na corrida de seu país, ainda mais com o carro apresentando defeito
nas últimas voltas.
500° GP - Grande Prêmio da Austrália
de 1990 - Adelaide - Nélson Piquet (Benetton/Ford). Duelo antológico de Nélson
Piquet com Nigel Mansell nas voltas finais e uma performance eletrizante do
piloto brasileiro com um carro inferior à Ferrari do inglês.
600° GP - Grande Prêmio da Argentina
de 1997 - Buenos Aires - Jacques Villeneuve (Williams/Renault). O filho do
lendário Gilles Villeneuve iniciaria sua arrancada para o título da temporada
nesta corrida.
700° GP - Grande Prêmio do Brasil
de 2003 - Interlagos - Giancarlo Fisichella (Jordan/Ford). Confusão no final da
prova devido à batida de Mark Webber e Fernando Alonso fez com que o vencedor
surgisse apenas vários dias depois, a ponto de Fisichella receber seu troféu da
vitória apenas na corrida seguinte, em Ímola.
800° GP - Grande Prêmio de
Cingapura de 2008 - Marina Bay - Fernando Alonso (Renault). O piloto asturiano
venceu após a entrada do Safety Car devido ao acidente de Nelsinho Piquet,
quando o piloto espanhol já tinha feito sua parada nos boxes, antes dos demais,
e relargou na frente para não ser alcançado. Tempos depois, o brasileiro
revelou que a batida foi planejada pelo time.
Nélson Piquet foi o único brasileiro a vencer um GP centenário, ao triunfar na Austrália em 1990, depois de um duelo feroz com Nigel Mansell nas voltas finais. |
Os leitores fãs de automobilismo
ficaram decepcionados no fim do ano passado quando o jornal O ESTADO DE SÃO
PAULO dispensou os serviços de seu jornalista especializado na F-1, Livio
Oricchio, o que fez a cobertura do periódico ficar muito menor nesta temporada.
Bem, amigos, podem comemorar, o Lívio está de volta, agora cobrindo a F-1 para
o Portal do Universo On-Line (UOL), e ele já esteve presente no Bahrein. E a
partir desta semana, ele retoma seu blog para contato com os leitores e fãs,
que pode ser acesssado em www.liviooricchio.com, onde ele promete continuar
trazendo não apenas suas matérias, mas suas histórias sobre os bastidores da
categoria e suas viagens na cobertura da F-1. Ele aguarda todos os seus velhos
leitores por lá, e convida todos os novos à leitura. Seja bem-vindo de volta ao
paddock, Lívio, e continue sempre firme...
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