Com um chefe como Luca de Montezemolo, Stefano Domenicali certamente não precisava de inimigos... |
E o sinal de mais uma
crise na Ferrari, ainda antes do pífio desempenho obtido pela escuderia no GP
do Bahrein, havia soado novamente no time italiano quando Luca de Montezemolo
foi a Sakhir para desfilar novamente seu rol de críticas à "nova"
F-1. Críticas que caíram em ouvidos surdos após a espetacular prova barenita,
confirmando mesmo que o dirigente italiano estava de novo indignado pelo fato
de a Ferrari não estar onde, na opinião dele, sempre deveria estar: na frente e
ditando ritmo. A única coisa certa era de que mudanças seriam necessárias: pelo
segundo ano consecutivo, a escuderia inicia o campeonato com um carro abaixo
das expectativas. E as mudanças vieram: nesta semana, Stefano Domenicali, o
chefe da escuderia de F-1, "pediu" demissão. Em seu lugar, assume, já
neste fim de semana, na etapa chinesa, o italiano Marco Mattiacci.
Falando em termos mais
francos, Domenicali foi é demitido sim, e não "pediu" demissão. Foi
uma maneira mais elegante de dizer que o italiano, com nada menos do que 23
anos dentro do time italiano, deixou o time, do que afirmar simplesmente que
foi mandado embora. Luca de Montezemolo nos últimos tempos já vem enchendo o
saco todo ano que a Ferrari não conquista o título, e a rigor, poderia muito
bem também, na opinião de muitos, "pedir" demissão e pular fora da
Ferrari. Além de tumultuar o ambiente, ele próprio não ajuda muito a resolver
os problemas. Domenicali tem culpa pelos altos e baixos que o time rosso vem enfrentando
nas últimas temporadas? Tem, mas não é o único culpado.
Desde que assumiu o
comando da escuderia, em 2008, sucedendo Jean Todt, Domenicali tentou dar uma
gestão mais "humana" e menos sisuda à Ferrari. No primeiro ano, o
time conquistou o campeonato de construtores, e perdeu o de pilotos para a
McLaren por apenas 1 ponto. No ano seguinte, a escuderia não se achou direito
no ano, e depois, resolveu mandar Kimmi Raikkonen embora e contratar Fernando Alonso.
Turbulências à parte, os resultados não foram de todo ruins: o espanhol não foi
campeão por pouco em 2010 e 2012, sendo que em 2011 pouco se podia fazer frente
ao domínio da Red Bull, assim como no ano passado, quando Sebastian Vettel
venceu as 9 últimas corridas do ano, deixando todo mundo comendo poeira.
Em 2010, Alonso ficou
a apenas 4 pontos de Vettel, que conquistou seu 1° título; em 2012, a diferença foi de
apenas 3 pontos para o mesmo Vettel. E, se somarmos o vice-campeonato de Felipe
Massa em 2008, apenas 1 ponto atrás de Lewis Hamilton, podemos dizer que a
"Era Domenicali" teve um aproveitamento perto de 50% em termos de
disputa de título, com 3 anos quase chegando lá, perdendo por pouco, enquanto
em outros 3 anos o time ficou de fora da disputa. O problema é o
"quase", que na opinião de muita gente, não conta. Ao invés de
admitirem que deram o melhor, e ainda assim perderam, o resultado é tratado com
desdém, como se o ano tivesse sido de perda total. Não é ser conformista com a
derrota, porque ninguém ali corre para ser 2°, mas para ser campeão. E assim,
nada além do título serve.
Se por acaso tivesse
conquistado os títulos de 2008, 2010 e 2012, certamente Domenicali não teria
sido despedido, ou poderia ter sido mandado embora do mesmo jeito. A
politicagem dentro da Ferrari é sua maior desgraça, e neste quesito, posso
dizer que Luca de Montezemolo está sendo um sucessor à altura de Enzo Ferrari,
que também coordenava o time com mão de ferro e só ajudava a conturbar o
ambiente ao invés de ajudá-lo a ficar mais eficiente. Um exemplo é que a
escuderia não conseguiu formar um grupo técnico coeso após a saída de Rory
Byrne. Da mesma maneira, não conseguiu construir uma liderança firme e coesa
para assumir depois que Jean Todt terminou sua gestão. Para muitos, a Ferrari
voltou à sua situação vista nos anos 1980 e início dos anos 1990: muita politicagem,
desconexão entre seus departamentos, e desperdício de recursos. Pior, o time
ainda se dá ao luxo de mandar profissionais relevantes embora, ao calor do
momento. Deve ter sido irritante para Montezemolo ver Aldo Costa no pódio em
Sakhir, recebendo o troféu em nome da Mercedes. Costa foi um dos que foram
rifados em Maranello há pouco tempo atrás, em razão das impaciências de
Montezemolo em conquistar um título.
E o que acontece agora?
Marco Mattiacci não tem praticamente nenhuma experiência com a F-1, e ocupava a
função de chefe de operações do grupo Ferrari na América do Norte. Tem sido bem
eficiente na função, e talvez seja a qualidade que justifique sua indicação
para o cargo de chefe do time de F-1: identificar as fraquezas do time, coordenar
melhor os setores, e potencializar os profissionais em suas respectivas áreas. Ninguém
discorda que o comando de Domenicali foi flexível demais, ou para dizer em
termos mais ofensivos, fraco. Stefano praticamente não tinha pulso firme para
agir em determinados momentos, e esta falta de controle firme certamente foi um
dos motivos para sua demissão, em que pese o fator mais crucial ter sido mesmo
a falta de títulos, único resultado que aplacaria a ira de Montezemolo. Não
custa lembrar que, no início dos anos 1990, Cesare Fiorio, que dirigia a
escuderia, também tinha pulso firme e sabia administrar muito bem as coisas. Mas
a falta de um título pesou muito, e ele acabou mandado embora sem mais nem
menos, muito a ver com o estilo "Ferrari" de conduzir sua política
interna.
Fica a pergunta sobre
o que Mattiacci pode realizar. O modelo F14T ainda pode ser mais desenvolvido,
a fim de permitir que seus pilotos tenham melhor performance, a exemplo do que
aconteceu com o carro de 2012, que também teve um início catastrófico, mas foi
sendo melhorado a ponto de Alonso quase conquistar o título daquele ano. Será
difícil, mas não totalmente impossível, embora todos afirmem que o melhor mesmo
é se voltar para 2015 e esquecer 2014 de vez. Mattiacci vai precisar de tempo
para "organizar" as coisas na Ferrari e desenvolver maior eficiência
na escuderia, e esse pode ser um fator complicador. Quando foi contratado para
colocar a Ferrari em ordem e devolvê-la à luta pelo campeonato, Jean Todt levou
nada menos do que 4 anos para realizar a façanha. O francês iniciou sua gestão
em 1993, e aos poucos o time foi se reerguendo. Todt conseguiu impôr ordem e
coordenação à escuderia, e ao fim de 1995, conseguiu trazer Michael Schumacher
para liderar o time na pista, completando o processo em 1996 com a vinda do
staff técnico que havia trabalhado com Michael na Benetton, entre eles Rory
Byrne e Ross Brawn. E a partir de 1997, o time estava de fato de volta à luta
pelo título.
Será que o novo chefe
do time vai ter este tempo todo? Com o ano de 2014 sendo considerado perdido,
ele provavelmente terá a chance de analisar a escuderia a fundo, e
provavelmente identificar as falhas e os setores que precisarão ser corrigidos
e otimizados. Pode ser algo positivo, sem cobranças para já, uma vez que há
realmente poucas chances de efetivamente alcançar a Mercedes. Mas, mesmo por
isso, a cobrança por resultados já em 2015 será ainda mais forte, por ter
passado a maior parte de 2014 organizando tudo para o próximo campeonato, e se
o time enfrentar outro início de competição claudicante, Mattiacci poderá ver
sua gestão ser interrompida abruptamente a qualquer momento.
No momento, o único
ponto positivo da Ferrari é ter a dupla de pilotos mais forte do grid. Mas isso
também pode mudar: Fernando Alonso já não esconde a frustração de passar mais
um ano na fila, e se no ano passado levou um cala-boca de Montezemolo por suas
insinuações de ir para a concorrência, este ano o espanhol alimenta
possibilidade de ir para a McLaren em 2015, e pode usar isso a seu favor para
novamente criticar o time. O espanhol, aliás, tinha boas relações com
Domenicali, e não escondeu que sua "demissão" não deve gerar melhoras
a curto prazo como Montezemolo deseja. Podemos assistir a mais turbulências
entre o asturiano e Luca, se o ambiente na escuderia não melhorar com
resultados mais condignos. E Raikkonen, com seu estilo desligado e franco, também
pode desanimar se as condições não melhorarem. E quando o finlandês desanima,
os resultados e performances caem na mesma proporção, como o que o levou a ser
dispensado em fins de 2009.
Marco Mattiacci tem
uma grande tarefa nas mãos. Se o deixarem trabalhar, e lhe derem tempo, e os
recursos necessários para tanto, ele pode conseguir produzir os resultados que
Montezemolo deseja tanto. Mas a impaciência de Luca joga contra, e certamente
vai ser o seu pior adversário. Ou Montezemolo cala a boca e aprende a ter paciência,
ou a escassez de títulos da Ferrari pode viver outra entressafra como a vista
entre 1980 e 1999.
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