sexta-feira, 7 de junho de 2013

ROLOS E CONFUSÕES



A belíssima Montreal recebe a F-1 no belo circuito Gilles Villeneuve.

            Quando o assunto é arrumar sarna para se coçar, a Fórmula 1 é pródiga em se ver enrolada com decisões tomadas por ela própria, e isso quando a FIA ainda não ajuda a deixar o ambiente ainda mais enrolado. E ao chegarmos ao Canadá para a corrida que é disputada no circuito de Montreal, já nos deparamos com mais uma destas bagunças onde fica claro que a categoria e a entidade máxima do automobilismo mundial são capazes de dar tiros nos próprios pés.
            O assunto em voga no momento é o referido teste “secreto” feito pela Mercedes a pedido da Pirelli no circuito de Barcelona, logo após a realização do GP da Espanha. O teste foi feito com base em uma regra que permite que o fabricante fornecedor de pneus da F-1 requisite um teste com algum time, em um limite de 1.000 Km, praticamente pouco mais de 3 vezes a distância de um Grande Prêmio. O teste foi realizado a cabo com o modelo 2013 da escuderia alemã, e contando com seus dois pilotos titulares. A notícia do teste chegou ao conhecimento das demais escuderias no paddock de Monte Carlo, e o efeito foi semelhante a uma verdadeira bomba, pois afinal, desde 2009, o regulamento da categoria máxima do automobilismo proíbe testes das escuderias do início do campeonato até o fim do corrente ano. As únicas exceções são alguns poucos dias de testes coletivos agendados pela FIA com os times para testar alguns pilotos novatos. A medida, tomada como contenção de custos em virtude da crise econômica mundial que ainda afeta em cheio a Europa, tem se tornado de certa forma um empecilho para a categoria, dependendo do prisma por onde se olha a questão. Se por um lado ajuda a conter os custos, por outra impede que pilotos novatos ganhem intimidade com os carros, além de também ser um problema para equipes que precisem dar uma “consertada” no comportamento de seus modelos. E é preciso achar uma saída de meio-termo para que se possa pelo menos voltar a fazer alguns testes durante o ano, pois isso pode ajudar a dar mais competitividade ao campeonato. Mas, enquanto times e entidade não chegam a um acordo, testes são oficialmente proibidos. E quem também sai prejudicada neste sentido é a Pirelli, pois o fabricante de pneus precisa ver como seus compostos reagem, e tendo apenas um carro de dois anos atrás como material de trabalho, não se consegue dados totalmente precisos, uma vez que os carros atuais podem ter comportamento distinto dos de anos anteriores. E, sem poder fazer testes, os times não podem ajudar a fabricante de pneus.
            Só que a regra da solicitação de teste também existe, e a Pirelli, precisando obter estes dados mais confiáveis do comportamento dos carros atuais da F-1, resolveu fazer uso da regra, pedindo, como manda o regulamento, a anuência da FIA, no que esta concordou, desde que os demais times também tivessem tal direito. Até aí, nada mais lógico. O que está deixando todo mundo irritado é que até agora, este “direito” só foi exercido com relação à Mercedes, e como o time venceu em Mônaco com Nico Rosberg, de certa forma até surpreendendo os demais, que não esperavam ver os carros prateados cuidando tão bem dos pneus, todos estão bradando que a Mercedes levou vantagem injusta com a realização deste teste, que não foi oferecido aos outros times. A FIA meio que deu o assunto por encerrado, mas ao chegarem no Canadá, as escuderias e imprensa especializada foram informadas de que a FIA levará o time alemão ao tribunal internacional da entidade, sob argumentação de desobediência do regulamento que proíbe testes durante o campeonato, que permite no máximo, quando muito, alguma atividade “promocional” ou testes em linha reta com o monoposto, e mesmo assim, solicita que se use o carro de pelo menos dois anos antes, para evitar auferir quaisquer vantagens na ocasião.
            Levar a Mercedes ao tribunal internacional da FIA significa que pode surgir alguma punição para a escuderia alemã, que pode ir de uma simples multa até perda de pontos e suspensão de corridas do atual campeonato. E a Mercedes, certa de que havia pelo menos cumprido com os protocolos requeridos, não está gostando nem um pouco da idéia. E a Pirelli, acusada de favorecer os alemães, também não está gostando do rumo que as coisas estão tomando. E tem razões para ficarem irritados com a postura dúbia da FIA, além das choradeiras dos outros times. Afinal, se a FIA foi comunicada e deu sinal positivo de que poderiam realizar o teste, como agora muda de idéia e resolve que há uma infração e que o seu tribunal deve julgar o caso? O que está valendo: o documento onde a FIA consentiu a realização do teste, ou as regras do regulamento que proíbem testar? O que pode e o que não pode? A entidade agora muda de atitude em relação a uma posição na qual já tinha se posicionado, e isso só traz insegurança e confusão. E é preciso também provar que, de fato, a Mercedes se beneficiou efetivamente do teste realizado.
            Em primeiro lugar, a Pirelli alega ter usado o teste para desenvolver os compostos para o próximo ano. Neste caso, os dados não são viáveis de fornecerem vantagem para este ano, uma vez que os compostos têm características que poderão ser modificadas para 2014, e isso se a Pirelli renovar acordo de fornecimento com a F-1, que termina no fim desta temporada. A fábrica italiana está se antecipando para colher dados mais fiáveis do que os obtidos com um modelo de dois anos atrás, e tem todo o direito de fazer isso, pois é com base nestes dados que poderá fornecer compostos que sejam mais adequados para a categoria. A falta de possibilidade de treinar a contento com os carros deste ano são um dos motivos para os pneus da atual temporada estarem causando tanta celeuma entre pilotos e times. O desgaste acentuado até demais é apenas uma conseqüência da falta de mais dados disponíveis para a Pirelli calcular o comportamento de seus compostos, uma vez que os únicos treinos foram numa pré-temporada onde, além de poucos dias, o clima estava muito frio, impossibilitando o recolhimento de dados do modo como se precisava. A Pirelli passa a fornecer, a partir de hoje, às sextas-feiras, um jogo de composto a cada piloto para teste livre durante os treinos das sextas, a fim de recolher mais dados, mas é claro que se fosse feito uma sessão coletiva de treinos, os resultados seriam muito mais expressivos.
            É verdade, contudo, que o teste feito pela Mercedes a serviço da Pirelli serviu também para se obter dados importantes do comportamento do modelo W04, que certamente foram úteis para ajudar a escuderia a possivelmente encontrar soluções para minimizar o desgaste excessivo que seu carro provoca durante as corridas. Comparando os dados de comportamento do carro, e fazendo os devidos ajustes, mesmo com os pneus que a princípio não serão utilizados este ano, é possível encontrar dados que possam ter ajudado a Mercedes a efetuar algumas correções no comportamento do monoposto. Se em Mônaco a baixa velocidade e características particulares do circuito citadino impediram que isso pudesse ser avaliado a fundo, teremos chance de ver domingo se a Mercedes de fato conseguiu evoluir seu carro neste sentido, deixando-o de ser apenas “leão de treino”, como tem acontecido nas últimas provas até Monte Carlo.
            Com relação à “acusação” dos outros times de a Pirelli ter favorecido a Mercedes, que entrem com o pedido do mesmo tipo de teste com os pneus, marquem dias e horas, avisem tudo à FIA, e vão para a pista efetuar os mesmos 1.000 Km a que têm direito. Ninguém falou que a oportunidade dos outros times precisava ser junto uns dos outros. Na verdade, quanto mais a Pirelli puder treinar, melhor ainda, então, na opinião dela, se cada um dos 11 times da categoria quiser treinar isolado uns dos outros, não há melhor cenário possível. Além disso, há outro argumento que os times até agora nem quiseram tocar, ou convenientemente “se esqueceram” de falar: todos eles agora podem obter mais dividendos do que os alemães.
            O raciocínio é que a Mercedes já “usou” a sua possibilidade de treinar para a Pirelli por 1.000 Km. Logo, os alemães agora não podem mais efetuar este tipo de teste, pelo menos não este ano, assim, o que eles ganharam de possível vantagem sobre os demais não irá aumentar. Por outro lado, os demais times podem obter melhor vantagem em fazer o teste mais à frente, auferindo mais conhecimentos sobre seus carros em um momento que seja mais propício, dependendo da data que forem fazer seu teste. E como em ritmo de corrida carros como Lótus, Ferrari e Red Bull têm se mostrado superiores no trato com os pneus do que a Mercedes, ao efetuarem tal teste, poderão obter possivelmente dados que tornem seus bólidos ainda melhores do que já são, e retomando dianteira sobre a Mercedes. Mas, claro, é preciso confirmar mesmo se os alemães conseguiram desenvolver de fato seu carro neste treino com os pneus, ou se isso não é fruto do desenvolvimento da fábrica normalmente obtido entre um GP e outro com a análise dos dados das provas do campeonato.
            De qualquer modo, a melhor maneira de encerrar esta discussão é todos os outros times usarem do mesmo direito da regra e fazerem seus testes de quilometragem permitida para a Pirelli. Assim, ninguém poderá alegar que foi preterido ou obteve vantagem adicional e injusta sobre os demais. E, por esta mesma razão, não deveria haver punição à Mercedes, se a FIA fica se confundindo sobre seus próprios procedimentos. E, claro, se a regra possui esta exceção, por que nenhum time ainda havia solicitado efetuar tal teste? A Mercedes foi a primeira escuderia a realizá-lo, qual o problema se usou um direito previsto? Os outros que corram atrás, agora, e parem de chiar. A argumentação que estão usando é de que a entidade autorizou o teste, mas não foi avisada de que ele foi feito. Ora, e daí? Se pediram autorização, é claro que a idéia era fazer o teste, do contrário, para que comunicar e verificar se poderia ser feito? Entra no raciocínio novamente o lance de que a oportunidade deveria ser oferecida a todos os times, só que nada especificava que isso precisava ser um teste coletivo, com todos juntos, e teoricamente, nada impede que os outros times ainda peçam a oportunidade, agendem data e lugar, se se mandem para a pista. Mas parece que a FIA resolveu se fazer de marido traído, e agora pode sobrar para os alemães, que se tivessem recebido uma negativa da entidade quando fizeram o pedido e consulta, não teriam de passar pela crucificação esdrúxula que estão sendo vítimas.
            A Ferrari também fez teste similar, mas usou o carro de 2011, como se entendia então o regulamento. Neste caso, nada a declarar, disse a FIA no caso do time italiano também ter feito um teste do mês gênero. Mas e se depois se confirmar que o teste poderia ser feito com o carro atual? O time italiano vai querer ter a chance de testar com o carro 2013? Seria justo considerar que sim, se o raciocínio valer a fundo, pois poderiam alegar ter direito a nova chance por serem induzidos a erro de usar um carro defasado. E por aí vai, de acordo com o que está sendo afirmado antes ou depois. Mudando de posição de um momento para o outro, dali a pouco nada mais é certo ou errado, dependendo das circunstâncias, e é com situações assim que a FIA e a F-1 perdem a credibilidade, e pior, se o ambiente entre os times nunca foi de confiança mútua a bom nível, aí é que todo mundo perde mesmo o respeito pelo adversário e todos começam a se acusar de qualquer coisa. Vale lembrar que as escuderias nunca foram de conseguir concordar direito sobre tudo na categoria, então...
            As conseqüências dessa confusão que a FIA está ajudando a aumentar podem ser uma punição que a Mercedes considere extremamente injusta. E no caso de se sentir prejudicada, a fábrica alemã pode até mesmo cogitar abandonar a categoria, que perderia não apenas um fornecedor de motor, mas também uma escuderia de renome. Por seu lado, se sobrar para a Pirelli, a fabricante italiana também pode resolver pular fora da F-1 ao fim do ano, sem precisar prestar maiores esclarecimentos, por estar vencendo seu contrato, e com isso, quem iria fornecer pneus para 2014? A FIA e FOM precisariam correr atrás dos fabricantes, e ainda seria preciso ver se eles topariam a parada. Da última vez, só a Pirelli encarou as exigências que estavam sendo feitas para que os pneus tivessem comportamento menos previsível e não durassem tanto quanto poderiam...
            Com tanto barulho fora da pista, vamos ver se conseguimos ouvir o barulho dos motores dentro da pista, onde aliás o ambiente parece muito menos complicado e chato...

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