A belíssima Montreal recebe a F-1 no belo circuito Gilles Villeneuve. |
Quando
o assunto é arrumar sarna para se coçar, a Fórmula 1 é pródiga em se ver
enrolada com decisões tomadas por ela própria, e isso quando a FIA ainda não
ajuda a deixar o ambiente ainda mais enrolado. E ao chegarmos ao Canadá para a
corrida que é disputada no circuito de Montreal, já nos deparamos com mais uma
destas bagunças onde fica claro que a categoria e a entidade máxima do
automobilismo mundial são capazes de dar tiros nos próprios pés.
O
assunto em voga no momento é o referido teste “secreto” feito pela Mercedes a
pedido da Pirelli no circuito de Barcelona, logo após a realização do GP da
Espanha. O teste foi feito com base em uma regra que permite que o fabricante
fornecedor de pneus da F-1 requisite um teste com algum time, em um limite de 1.000 Km, praticamente
pouco mais de 3 vezes a distância de um Grande Prêmio. O teste foi realizado a
cabo com o modelo 2013 da escuderia alemã, e contando com seus dois pilotos
titulares. A notícia do teste chegou ao conhecimento das demais escuderias no
paddock de Monte Carlo, e o efeito foi semelhante a uma verdadeira bomba, pois
afinal, desde 2009, o regulamento da categoria máxima do automobilismo proíbe
testes das escuderias do início do campeonato até o fim do corrente ano. As únicas
exceções são alguns poucos dias de testes coletivos agendados pela FIA com os
times para testar alguns pilotos novatos. A medida, tomada como contenção de
custos em virtude da crise econômica mundial que ainda afeta em cheio a Europa,
tem se tornado de certa forma um empecilho para a categoria, dependendo do
prisma por onde se olha a questão. Se por um lado ajuda a conter os custos, por
outra impede que pilotos novatos ganhem intimidade com os carros, além de também
ser um problema para equipes que precisem dar uma “consertada” no comportamento
de seus modelos. E é preciso achar uma saída de meio-termo para que se possa pelo
menos voltar a fazer alguns testes durante o ano, pois isso pode ajudar a dar
mais competitividade ao campeonato. Mas, enquanto times e entidade não chegam a
um acordo, testes são oficialmente proibidos. E quem também sai prejudicada
neste sentido é a Pirelli, pois o fabricante de pneus precisa ver como seus
compostos reagem, e tendo apenas um carro de dois anos atrás como material de
trabalho, não se consegue dados totalmente precisos, uma vez que os carros
atuais podem ter comportamento distinto dos de anos anteriores. E, sem poder
fazer testes, os times não podem ajudar a fabricante de pneus.
Só
que a regra da solicitação de teste também existe, e a Pirelli, precisando
obter estes dados mais confiáveis do comportamento dos carros atuais da F-1,
resolveu fazer uso da regra, pedindo, como manda o regulamento, a anuência da
FIA, no que esta concordou, desde que os demais times também tivessem tal
direito. Até aí, nada mais lógico. O que está deixando todo mundo irritado é
que até agora, este “direito” só foi exercido com relação à Mercedes, e como o
time venceu em Mônaco com Nico Rosberg, de certa forma até surpreendendo os
demais, que não esperavam ver os carros prateados cuidando tão bem dos pneus,
todos estão bradando que a Mercedes levou vantagem injusta com a realização
deste teste, que não foi oferecido aos outros times. A FIA meio que deu o
assunto por encerrado, mas ao chegarem no Canadá, as escuderias e imprensa
especializada foram informadas de que a FIA levará o time alemão ao tribunal
internacional da entidade, sob argumentação de desobediência do regulamento que
proíbe testes durante o campeonato, que permite no máximo, quando muito, alguma
atividade “promocional” ou testes em linha reta com o monoposto, e mesmo assim,
solicita que se use o carro de pelo menos dois anos antes, para evitar auferir
quaisquer vantagens na ocasião.
Levar
a Mercedes ao tribunal internacional da FIA significa que pode surgir alguma
punição para a escuderia alemã, que pode ir de uma simples multa até perda de
pontos e suspensão de corridas do atual campeonato. E a Mercedes, certa de que
havia pelo menos cumprido com os protocolos requeridos, não está gostando nem
um pouco da idéia. E a Pirelli, acusada de favorecer os alemães, também não
está gostando do rumo que as coisas estão tomando. E tem razões para ficarem
irritados com a postura dúbia da FIA, além das choradeiras dos outros times.
Afinal, se a FIA foi comunicada e deu sinal positivo de que poderiam realizar o
teste, como agora muda de idéia e resolve que há uma infração e que o seu
tribunal deve julgar o caso? O que está valendo: o documento onde a FIA
consentiu a realização do teste, ou as regras do regulamento que proíbem
testar? O que pode e o que não pode? A entidade agora muda de atitude em
relação a uma posição na qual já tinha se posicionado, e isso só traz
insegurança e confusão. E é preciso também provar que, de fato, a Mercedes se
beneficiou efetivamente do teste realizado.
Em
primeiro lugar, a Pirelli alega ter usado o teste para desenvolver os compostos
para o próximo ano. Neste caso, os dados não são viáveis de fornecerem vantagem
para este ano, uma vez que os compostos têm características que poderão ser
modificadas para 2014, e isso se a Pirelli renovar acordo de fornecimento com a
F-1, que termina no fim desta temporada. A fábrica italiana está se antecipando
para colher dados mais fiáveis do que os obtidos com um modelo de dois anos
atrás, e tem todo o direito de fazer isso, pois é com base nestes dados que
poderá fornecer compostos que sejam mais adequados para a categoria. A falta de
possibilidade de treinar a contento com os carros deste ano são um dos motivos
para os pneus da atual temporada estarem causando tanta celeuma entre pilotos e
times. O desgaste acentuado até demais é apenas uma conseqüência da falta de
mais dados disponíveis para a Pirelli calcular o comportamento de seus
compostos, uma vez que os únicos treinos foram numa pré-temporada onde, além de
poucos dias, o clima estava muito frio, impossibilitando o recolhimento de
dados do modo como se precisava. A Pirelli passa a fornecer, a partir de hoje,
às sextas-feiras, um jogo de composto a cada piloto para teste livre durante os
treinos das sextas, a fim de recolher mais dados, mas é claro que se fosse
feito uma sessão coletiva de treinos, os resultados seriam muito mais
expressivos.
É
verdade, contudo, que o teste feito pela Mercedes a serviço da Pirelli serviu
também para se obter dados importantes do comportamento do modelo W04, que
certamente foram úteis para ajudar a escuderia a possivelmente encontrar
soluções para minimizar o desgaste excessivo que seu carro provoca durante as
corridas. Comparando os dados de comportamento do carro, e fazendo os devidos
ajustes, mesmo com os pneus que a princípio não serão utilizados este ano, é
possível encontrar dados que possam ter ajudado a Mercedes a efetuar algumas
correções no comportamento do monoposto. Se em Mônaco a baixa velocidade e
características particulares do circuito citadino impediram que isso pudesse
ser avaliado a fundo, teremos chance de ver domingo se a Mercedes de fato
conseguiu evoluir seu carro neste sentido, deixando-o de ser apenas “leão de
treino”, como tem acontecido nas últimas provas até Monte Carlo.
Com
relação à “acusação” dos outros times de a Pirelli ter favorecido a Mercedes,
que entrem com o pedido do mesmo tipo de teste com os pneus, marquem dias e
horas, avisem tudo à FIA, e vão para a pista efetuar os mesmos 1.000 Km a que têm
direito. Ninguém falou que a oportunidade dos outros times precisava ser junto
uns dos outros. Na verdade, quanto mais a Pirelli puder treinar, melhor ainda,
então, na opinião dela, se cada um dos 11 times da categoria quiser treinar
isolado uns dos outros, não há melhor cenário possível. Além disso, há outro
argumento que os times até agora nem quiseram tocar, ou convenientemente “se
esqueceram” de falar: todos eles agora podem obter mais dividendos do que os
alemães.
O
raciocínio é que a Mercedes já “usou” a sua possibilidade de treinar para a
Pirelli por 1.000 Km.
Logo, os alemães agora não podem mais efetuar este tipo de teste, pelo menos
não este ano, assim, o que eles ganharam de possível vantagem sobre os demais
não irá aumentar. Por outro lado, os demais times podem obter melhor vantagem
em fazer o teste mais à frente, auferindo mais conhecimentos sobre seus carros
em um momento que seja mais propício, dependendo da data que forem fazer seu
teste. E como em ritmo de corrida carros como Lótus, Ferrari e Red Bull têm se
mostrado superiores no trato com os pneus do que a Mercedes, ao efetuarem tal
teste, poderão obter possivelmente dados que tornem seus bólidos ainda melhores
do que já são, e retomando dianteira sobre a Mercedes. Mas, claro, é preciso
confirmar mesmo se os alemães conseguiram desenvolver de fato seu carro neste
treino com os pneus, ou se isso não é fruto do desenvolvimento da fábrica
normalmente obtido entre um GP e outro com a análise dos dados das provas do
campeonato.
De
qualquer modo, a melhor maneira de encerrar esta discussão é todos os outros
times usarem do mesmo direito da regra e fazerem seus testes de quilometragem
permitida para a Pirelli. Assim, ninguém poderá alegar que foi preterido ou
obteve vantagem adicional e injusta sobre os demais. E, por esta mesma razão,
não deveria haver punição à Mercedes, se a FIA fica se confundindo sobre seus
próprios procedimentos. E, claro, se a regra possui esta exceção, por que
nenhum time ainda havia solicitado efetuar tal teste? A Mercedes foi a primeira
escuderia a realizá-lo, qual o problema se usou um direito previsto? Os outros
que corram atrás, agora, e parem de chiar. A argumentação que estão usando é de
que a entidade autorizou o teste, mas não foi avisada de que ele foi feito. Ora,
e daí? Se pediram autorização, é claro que a idéia era fazer o teste, do contrário,
para que comunicar e verificar se poderia ser feito? Entra no raciocínio
novamente o lance de que a oportunidade deveria ser oferecida a todos os times,
só que nada especificava que isso precisava ser um teste coletivo, com todos
juntos, e teoricamente, nada impede que os outros times ainda peçam a
oportunidade, agendem data e lugar, se se mandem para a pista. Mas parece que a
FIA resolveu se fazer de marido traído, e agora pode sobrar para os alemães,
que se tivessem recebido uma negativa da entidade quando fizeram o pedido e
consulta, não teriam de passar pela crucificação esdrúxula que estão sendo vítimas.
A
Ferrari também fez teste similar, mas usou o carro de 2011, como se entendia
então o regulamento. Neste caso, nada a declarar, disse a FIA no caso do time
italiano também ter feito um teste do mês gênero. Mas e se depois se confirmar
que o teste poderia ser feito com o carro atual? O time italiano vai querer ter
a chance de testar com o carro 2013? Seria justo considerar que sim, se o
raciocínio valer a fundo, pois poderiam alegar ter direito a nova chance por
serem induzidos a erro de usar um carro defasado. E por aí vai, de acordo com o
que está sendo afirmado antes ou depois. Mudando de posição de um momento para
o outro, dali a pouco nada mais é certo ou errado, dependendo das
circunstâncias, e é com situações assim que a FIA e a F-1 perdem a
credibilidade, e pior, se o ambiente entre os times nunca foi de confiança
mútua a bom nível, aí é que todo mundo perde mesmo o respeito pelo adversário e
todos começam a se acusar de qualquer coisa. Vale lembrar que as escuderias
nunca foram de conseguir concordar direito sobre tudo na categoria, então...
As
conseqüências dessa confusão que a FIA está ajudando a aumentar podem ser uma
punição que a Mercedes considere extremamente injusta. E no caso de se sentir
prejudicada, a fábrica alemã pode até mesmo cogitar abandonar a categoria, que
perderia não apenas um fornecedor de motor, mas também uma escuderia de renome.
Por seu lado, se sobrar para a Pirelli, a fabricante italiana também pode
resolver pular fora da F-1 ao fim do ano, sem precisar prestar maiores
esclarecimentos, por estar vencendo seu contrato, e com isso, quem iria
fornecer pneus para 2014? A FIA e FOM precisariam correr atrás dos fabricantes,
e ainda seria preciso ver se eles topariam a parada. Da última vez, só a
Pirelli encarou as exigências que estavam sendo feitas para que os pneus
tivessem comportamento menos previsível e não durassem tanto quanto poderiam...
Com
tanto barulho fora da pista, vamos ver se conseguimos ouvir o barulho dos
motores dentro da pista, onde aliás o ambiente parece muito menos complicado e
chato...
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