sexta-feira, 19 de abril de 2013

O QUE PENSO DE INTERLAGOS...



Interlagos: patrimônio do automobilismo nacional. Modernização é necessária, mas seria bom também recuperar o traçado original na íntegra...

            Esta semana começou com um bate-boca de bastidores provocado por um post no Blog do jornalista Flávio Gomes, responsável pelo site GRANDE PRÊMIO (www.grandepremio.com.br) a respeito de uma matéria publicada pelo jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, onde o jornalista encarregado de cobrir a Fórmula 1 daquele veículo de imprensa, Lívio Oricchio, afirmava que o Grande Prêmio do Brasil de F-1 estaria a perigo se não fossem feitas as obras necessárias para a construção de um novo paddock que abrigasse de forma condizente a categoria, e que Bernie Ecclestone, aparentemente sem muita paciência diante do modo como as autoridades de governam a maior cidade do Brasil estariam se portando, falava abertamente sobre tirar a corrida de São Paulo. Apesar de muitos argumentos razoáveis e bem embasados, o motivo que causou mais celeuma teria sido o tom agressivo de Flávio Gomes contra Lívio Oricchio, depreciando o trabalho de jornalista deste último. Isso rendeu acaloradas postagens nos blogs dos respectivos profissionais, e ao momento em que escrevo meu texto, os ânimos já estão mais calmos, embora eu acredite que isso ainda vá render algumas trocas de farpas por algum tempo, se não entre os profissionais da imprensa especializada, entre seus leitores.
            Como cada um tem o direito de dizer o que pensa, pois nosso país (ainda) é uma democracia, aproveito para colocar aqui minha visão do assunto a respeito da necessidade ou não de se reformar o circuito José Carlos Pace, que desde 1990 é palco do GP Brasil de F-1, e pode ser considerado um patrimônio nacional do esporte a motor, e que deve, acima de tudo, ser preservado e respeitado.
            De minha parte, o circuito precisa mesmo ser renovado. Não apenas o atual paddock é acanhado para as dimensões exigidas atualmente pela F-1, mas toda a estrutura do autódromo precisa ser melhorada para não só oferecer condições mais dignas de trabalho a quem lá compete, mas também melhores condições para o público poder aproveitar as corridas. Arrisco dizer que, se perder a prova da F-1, Interlagos corre o risco de sofrer o mesmo processo que vitimou o circuito de Jacarepaguá, que há pouco foi completamente demolidor e riscado do mapa, mercê da sanha gananciosa dos cartolas do esporte olímpico e dos políticos picaretas do Estado do Rio de Janeiro. Sem corridas de grande importância, o autódromo acabou sendo largado aos poucos, e mesmo as provas disputadas lá por categorias nacionais não conseguiram deter o estado de abandono cada vez maior que a pista vinha sofrendo.
            As exigências da F-1 atual são descabidas? Podem até ser. Todo ano, a FIA fica exigindo reforma aqui, reforma ali, e com base nessas insistências, o circuito passa todo ano por algumas reformas. Todas elas, de certo modo, importantes para sua conservação e modernização, ainda que sejam tímidas. Mas a FIA exige que o trabalho seja feito, e com isso, a Prefeitura de São Paulo, proprietária do circuito, tem que se mexer e garantir que o autódromo esteja nas condições mínimas exigidas pela entidade internacional que gere o automobilismo. E é essa insistência da FIA, entra ano, sai ano, que ajuda a manter o circuito paulistano nas melhores condições possíveis, ainda que deixe a desejar em alguns quesitos. E a pergunta é: sem estas exigências, e sem a prova de F-1, como estaria Interlagos hoje?
            Quando a prova voltou para São Paulo em 1990, o circuito precisou de uma reforma completa, pois suas condições eram precárias em muitos aspectos. Praticamente tudo foi reconstruído, e a pista, redimensionada em outro formato, mais adequado aos tempos “modernos” da F-1. Afirmar que a pista hoje serve muito bem para as categorias nacionais só mostra que estas não são tão exigentes quando se trata de correr. E, naquela época, isso também valia: as diversas categorias nacionais corriam na pista, e para elas estava de bom tamanho o estado do autódromo. Mas a pista e as instalações precisavam ser melhor cuidadas. A vinda da F-1 garantiu que o autódromo fosse modernizado, e todos ganharam com isso. Como poderão novamente ganhar se o circuito ganhar um novo paddock.
            Quando defendo a reforma de Interlagos, não me refiro a fazer da pista algo suntuoso e megalomaníaco como ficaram alguns autódromos pelo mundo. Mas instalações melhores são necessárias. Um novo paddock, que segundo alguns só seria usado pela F-1 e por isso seria completamente desnecessário, nem por isso é inútil como se fala. Aliás, porque as categorias nacionais não usariam o novo paddock? Ele acomodaria todos muito melhor do que o antigo. Duvido que alguém reclamasse. Mas nenhuma reforma de Interlagos será digna do nome se não fizer algo que considero fundamental: restaurar o traçado original da pista, de quase 8 Km. Considerado um dos mais seletivos e completos do mundo, o traçado original, mesmo que não fosse utilizado pela F-1, poderia muito bem ser palco de outras corridas, como a Endurance. Devidamente recuperado e com atualizações na segurança, e com opções variáveis de traçado, o circuito antigo seria um reforço e tanto, aumentando a versatilidade do autódromo. O anel externo, similar a um oval, poderia servir até para corridas da Indy Racing League, que poderiam até experimentar correr por lá, e com isso, não precisar montar a estrutura de pista no Sambódromo.
            E, em se falando de um novo paddock, não precisa também ser em outro lugar, como foi divulgado, construindo um novo completo na reta oposta. Podem muito bem reformar no atual lugar, e como foi feito em sugestão do próprio Lívio Oricchio tempos atrás, a falta de espaço no local atual, devido ao desnível do terreno, poderia ser solucionada com uma laje, que não apenas daria todo o espaço necessário, como até poderia incluir novos setores para outras funcionalidades. Assim, não seria preciso mudar o local de largada, e muito provavelmente, não se gastaria tanto reformando e ampliando algo já existente, ao invés de construir todo um complexo inteiramente novo. Mas, seja qual for o tipo de modificação a ser feita, um problema crônico em nosso país é aparecer um projeto oficial decente, e que seja corretamente construído e licitado. Tornou-se rotina no Brasil a grande maioria dos projetos de obras públicas apresentarem problemas de toda ordem, devido à corrupção e desmandos que grassam nossas autoridades públicas, com raras exceções. Com uma administração correta, honesta, e um projeto decente e funcional, podem apostar que as reformas necessárias para atualizar Interlagos sairão por muito menos do que se imagina. Basta não haver picaretagens no processo de concepção da obra, e na sua execução.
            E seria uma oportunidade de ouro para se dotar o autódromo de estruturas decentes para o público. Banheiros químicos? Arquibancadas provisórias? Barracas? Tudo isso poderia ser eliminado do circuito com um projeto que traga respeito para o público, que merece uma infraestrutura de primeiro nível para apreciar as corridas na pista. Entra ano, sai ano, e boa parte do pessoal que comparece a Interlagos reclama veementemente do que encontra lá dentro. E muitos só aturam a falta de condições pelo seu amor às corridas, pela oportunidade de ver os carros de perto, ouvir o pleno ronco dos motores, e as brigas de pista, pois poderiam muito bem apenas ver pela TV. Mesmo assim, têm todo o direito de reclamar melhores condições, e não ter que ficar simplesmente aturando aquela turma de chatos que fala que “se é ruim assim, que fique em casa e pare de reclamar”...
            Com relação ao custeio das obras, se a Prefeitura é a proprietária, deve bancar a obra de modernização. E, com a pista modernizada, cobrar os devidos créditos adicionais daqueles que alugam a pista para suas provas, afinal, quanto melhor a estrutura disponível para os clientes, estes que paguem também um valor condizente com o que pedem. Com um circuito plenamente modernizado e recuperado, é mais do que justo que os custos de utilização do autódromo sejam reajustados. Quem diz que o dinheiro seria gasto a fundo perdido está equivocado, pois na prática, as corridas não são promovidas pela Prefeitura, então quem as organiza e promove, seja a Vicar com a Stock, seja a Globo com a F-1, que paguem novos valores pela nova estrutura oferecida. Não é nada de graça. A cidade também ganha em movimentação turística a cada GP, e por isso o investimento vale a pena. Claro que o atual prefeito, quando declara que São Paulo tem “outras prioridades”, dando a entender que não está disposto a gastar o necessário para uma reforma digna do nome, não está faltando com a verdade. A capital do Estado de São Paulo tem um mar de prioridades, e nunca foram devidamente atendidas. Não apenas a incompetência dos políticos que são eleitos complicam o bom emprego das verbas públicas, mas também a corrupção, os apadrinhamentos políticos e todo azar de maus hábitos dos administradores públicos, com raras exceções, ajudam a tornar a tarefa de administrar a capital um Deus nos acuda. Mas estamos vendo dinheiro público sendo gasto a rodo na reforma e construção de estádios para a Copa do Mundo, e parte destes estádios não terão a mesma utilidade após o evento. Da mesma maneira, não falta dinheiro para investir nas instalações da Olimpíada de 2016, sendo que parte da estrutura construída para os Jogos Panamericanos feitos há poucos anos acabaram demolidos por estarem “fora das medidas” para a Olimpíada. E, alguém acha que se só porque o prefeito alegou que a cidade tem outras prioridades, e por causa disso deixaria de gastar para reformar o circuito, iria sobrar dinheiro e então satisfazer as outras tais prioridades, está acreditando em contos da carochinha. Como todos sabem, neste momento o país gasta a rodo nas obras para a Copa e a Olimpíada, mesmo tendo muitas outras obras necessárias e que nunca saem do papel. Mas, e quando não ia ter nem um nem outro destes eventos, os governos por acaso gastaram melhor o dinheiro? Neste ponto, a discussão vai longe...
            Se afirmam que a F-1 já deu o que tinha de dar, e que nosso país não precisa da corrida, certo. Até concordo. Mas, pelo mesmo raciocínio, não precisamos da Copa do Mundo nem das Olimpíadas, onde muito mais dinheiro está sendo gasto (e mal), para um uso ainda mais efêmero, do jeito que as instalações esportivas são cuidadas pelo poder público neste país. Há 20 anos atrás, quando tínhamos Ayrton Senna vencendo provas e disputando títulos, como fizera algum tempo antes Nélson Piquet, e antes dele, Émerson Fittipaldi, ninguém falaria algo assim. Boa parte dos “torcedores”, frustrada com nosso atual momento na F-1, onde somos apenas coadjuvantes, aproveita para descarregar sua raiva e indiferença, com alguns até torcendo abertamente para que não se tenha mais corridas no Brasil, uma vez que nossos pilotos “atuais” não passariam de um bando de “perdedores e fracassados, e de gente assim o Brasil não precisa”, segundo algumas opiniões mais inflamadas.
            Bernie Ecclestone sempre reclama de algumas corridas, e embora em boa parte das vezes seja sua estratégia para melhorar sua condição de negociar, considerar a possibilidade, ainda que remota, de o Brasil perder sua corrida, não deve ser tratada com leviandade, mas com a seriedade necessária ao momento. O Brasil é pista tradicional? É uma corrida “clássica”, e os pilotos e equipes adoram a pista? É, é tudo isso, mas vamos devagar... A França também era uma corrida “clássica”, e já ficou sem GP há alguns anos... Pista tradicional? De acordo com a grana na parada, não tem isso de “tradicional” para Ecclestone, e olhe que ele já rifou até Spa-Francorchamps, o melhor traçado da categoria atualmente, do calendário em anos recentes... Pilotos e equipes gostam do traçado de Interlagos, é fato, mas torcem o nariz para o restante do autódromo e principalmente para suas imediações, que não são nada convidativas, e com um nível de segurança que, lamentavelmente, deixa a desejar, mesmo tendo policiamento reforçado na época do GP, o que mostra um tremendo descaso para a população que ali reside e não tem como se mudar, pois eles merecem tão ou até mais atenção do que a prova de F-1...
            A prova está garantida para o ano que vem, quando acaba o atual contrato. E, agora, o prefeito vem a público garantir que as obras “necessárias” serão feitas para a manutenção da corrida. Isso, teoricamente, coloca uma pá de cal sobre o assunto, e devemos presumir que nosso GP continuará firme no calendário da F-1. Sim, ele continuará, até a próxima “reclamação” do chefão da FOM. Por mais que digam que nossa corrida é “estratégica” para manter a F-1 tendo uma prova na América do Sul, não é bom descuidar das possibilidades de ficarmos sem a corrida. Bernie sempre procura novos mercados, e com o contrato do Brasil encerrando ano que vem, abre-se a brecha para nossa corrida ser substituída por outra que renda mais ao todo-poderoso chefão da F-1. Não estou querendo ser pessimista, mas dizer que é impossível o Brasil perder seu GP é algo que não oferece garantias. Sempre é bom ficar um pouco com o pé atrás. Otimismo demais pode ser mais perigoso do que ser pessimista...
            Discutir o assunto é algo mais do que válido. O que não se deve levar em consideração são os ânimos e comentários exacerbados na discussão. Moderação e bom senso são sempre bem-vindos...

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