Interlagos: patrimônio do automobilismo nacional. Modernização é necessária, mas seria bom também recuperar o traçado original na íntegra... |
Esta
semana começou com um bate-boca de bastidores provocado por um post no Blog do
jornalista Flávio Gomes, responsável pelo site GRANDE PRÊMIO (www.grandepremio.com.br)
a respeito de uma matéria publicada pelo jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, onde o
jornalista encarregado de cobrir a Fórmula 1 daquele veículo de imprensa, Lívio
Oricchio, afirmava que o Grande Prêmio do Brasil de F-1 estaria a perigo se não
fossem feitas as obras necessárias para a construção de um novo paddock que
abrigasse de forma condizente a categoria, e que Bernie Ecclestone,
aparentemente sem muita paciência diante do modo como as autoridades de
governam a maior cidade do Brasil estariam se portando, falava abertamente
sobre tirar a corrida de São Paulo. Apesar de muitos argumentos razoáveis e bem
embasados, o motivo que causou mais celeuma teria sido o tom agressivo de
Flávio Gomes contra Lívio Oricchio, depreciando o trabalho de jornalista deste
último. Isso rendeu acaloradas postagens nos blogs dos respectivos
profissionais, e ao momento em que escrevo meu texto, os ânimos já estão mais
calmos, embora eu acredite que isso ainda vá render algumas trocas de farpas
por algum tempo, se não entre os profissionais da imprensa especializada, entre
seus leitores.
Como
cada um tem o direito de dizer o que pensa, pois nosso país (ainda) é uma
democracia, aproveito para colocar aqui minha visão do assunto a respeito da
necessidade ou não de se reformar o circuito José Carlos Pace, que desde 1990 é
palco do GP Brasil de F-1, e pode ser considerado um patrimônio nacional do
esporte a motor, e que deve, acima de tudo, ser preservado e respeitado.
De
minha parte, o circuito precisa mesmo ser renovado. Não apenas o atual paddock
é acanhado para as dimensões exigidas atualmente pela F-1, mas toda a estrutura
do autódromo precisa ser melhorada para não só oferecer condições mais dignas
de trabalho a quem lá compete, mas também melhores condições para o público
poder aproveitar as corridas. Arrisco dizer que, se perder a prova da F-1,
Interlagos corre o risco de sofrer o mesmo processo que vitimou o circuito de
Jacarepaguá, que há pouco foi completamente demolidor e riscado do mapa, mercê
da sanha gananciosa dos cartolas do esporte olímpico e dos políticos picaretas
do Estado do Rio de Janeiro. Sem corridas de grande importância, o autódromo
acabou sendo largado aos poucos, e mesmo as provas disputadas lá por categorias
nacionais não conseguiram deter o estado de abandono cada vez maior que a pista
vinha sofrendo.
As
exigências da F-1 atual são descabidas? Podem até ser. Todo ano, a FIA fica
exigindo reforma aqui, reforma ali, e com base nessas insistências, o circuito
passa todo ano por algumas reformas. Todas elas, de certo modo, importantes
para sua conservação e modernização, ainda que sejam tímidas. Mas a FIA exige
que o trabalho seja feito, e com isso, a Prefeitura de São Paulo, proprietária
do circuito, tem que se mexer e garantir que o autódromo esteja nas condições
mínimas exigidas pela entidade internacional que gere o automobilismo. E é essa
insistência da FIA, entra ano, sai ano, que ajuda a manter o circuito
paulistano nas melhores condições possíveis, ainda que deixe a desejar em
alguns quesitos. E a pergunta é: sem estas exigências, e sem a prova de F-1,
como estaria Interlagos hoje?
Quando
a prova voltou para São Paulo em 1990, o circuito precisou de uma reforma
completa, pois suas condições eram precárias em muitos aspectos. Praticamente
tudo foi reconstruído, e a pista, redimensionada em outro formato, mais
adequado aos tempos “modernos” da F-1. Afirmar que a pista hoje serve muito bem
para as categorias nacionais só mostra que estas não são tão exigentes quando
se trata de correr. E, naquela época, isso também valia: as diversas categorias
nacionais corriam na pista, e para elas estava de bom tamanho o estado do autódromo.
Mas a pista e as instalações precisavam ser melhor cuidadas. A vinda da F-1
garantiu que o autódromo fosse modernizado, e todos ganharam com isso. Como
poderão novamente ganhar se o circuito ganhar um novo paddock.
Quando
defendo a reforma de Interlagos, não me refiro a fazer da pista algo suntuoso e
megalomaníaco como ficaram alguns autódromos pelo mundo. Mas instalações
melhores são necessárias. Um novo paddock, que segundo alguns só seria usado
pela F-1 e por isso seria completamente desnecessário, nem por isso é inútil
como se fala. Aliás, porque as categorias nacionais não usariam o novo paddock?
Ele acomodaria todos muito melhor do que o antigo. Duvido que alguém
reclamasse. Mas nenhuma reforma de Interlagos será digna do nome se não fizer
algo que considero fundamental: restaurar o traçado original da pista, de quase
8 Km.
Considerado um dos mais seletivos e completos do mundo, o traçado original,
mesmo que não fosse utilizado pela F-1, poderia muito bem ser palco de outras
corridas, como a Endurance. Devidamente recuperado e com atualizações na
segurança, e com opções variáveis de traçado, o circuito antigo seria um
reforço e tanto, aumentando a versatilidade do autódromo. O anel externo,
similar a um oval, poderia servir até para corridas da Indy Racing League, que
poderiam até experimentar correr por lá, e com isso, não precisar montar a
estrutura de pista no Sambódromo.
E,
em se falando de um novo paddock, não precisa também ser em outro lugar, como
foi divulgado, construindo um novo completo na reta oposta. Podem muito bem
reformar no atual lugar, e como foi feito em sugestão do próprio Lívio Oricchio
tempos atrás, a falta de espaço no local atual, devido ao desnível do terreno,
poderia ser solucionada com uma laje, que não apenas daria todo o espaço necessário,
como até poderia incluir novos setores para outras funcionalidades. Assim, não
seria preciso mudar o local de largada, e muito provavelmente, não se gastaria
tanto reformando e ampliando algo já existente, ao invés de construir todo um
complexo inteiramente novo. Mas, seja qual for o tipo de modificação a ser
feita, um problema crônico em nosso país é aparecer um projeto oficial decente,
e que seja corretamente construído e licitado. Tornou-se rotina no Brasil a
grande maioria dos projetos de obras públicas apresentarem problemas de toda
ordem, devido à corrupção e desmandos que grassam nossas autoridades públicas,
com raras exceções. Com uma administração correta, honesta, e um projeto
decente e funcional, podem apostar que as reformas necessárias para atualizar
Interlagos sairão por muito menos do que se imagina. Basta não haver
picaretagens no processo de concepção da obra, e na sua execução.
E
seria uma oportunidade de ouro para se dotar o autódromo de estruturas decentes
para o público. Banheiros químicos? Arquibancadas provisórias? Barracas? Tudo
isso poderia ser eliminado do circuito com um projeto que traga respeito para o
público, que merece uma infraestrutura de primeiro nível para apreciar as
corridas na pista. Entra ano, sai ano, e boa parte do pessoal que comparece a
Interlagos reclama veementemente do que encontra lá dentro. E muitos só aturam
a falta de condições pelo seu amor às corridas, pela oportunidade de ver os
carros de perto, ouvir o pleno ronco dos motores, e as brigas de pista, pois
poderiam muito bem apenas ver pela TV. Mesmo assim, têm todo o direito de
reclamar melhores condições, e não ter que ficar simplesmente aturando aquela
turma de chatos que fala que “se é ruim assim, que fique em casa e pare de
reclamar”...
Com
relação ao custeio das obras, se a Prefeitura é a proprietária, deve bancar a
obra de modernização. E, com a pista modernizada, cobrar os devidos créditos
adicionais daqueles que alugam a pista para suas provas, afinal, quanto melhor
a estrutura disponível para os clientes, estes que paguem também um valor
condizente com o que pedem. Com um circuito plenamente modernizado e
recuperado, é mais do que justo que os custos de utilização do autódromo sejam
reajustados. Quem diz que o dinheiro seria gasto a fundo perdido está
equivocado, pois na prática, as corridas não são promovidas pela Prefeitura,
então quem as organiza e promove, seja a Vicar com a Stock, seja a Globo com a
F-1, que paguem novos valores pela nova estrutura oferecida. Não é nada de
graça. A cidade também ganha em movimentação turística a cada GP, e por isso o
investimento vale a pena. Claro que o atual prefeito, quando declara que São
Paulo tem “outras prioridades”, dando a entender que não está disposto a gastar
o necessário para uma reforma digna do nome, não está faltando com a verdade. A
capital do Estado de São Paulo tem um mar de prioridades, e nunca foram
devidamente atendidas. Não apenas a incompetência dos políticos que são eleitos
complicam o bom emprego das verbas públicas, mas também a corrupção, os
apadrinhamentos políticos e todo azar de maus hábitos dos administradores
públicos, com raras exceções, ajudam a tornar a tarefa de administrar a capital
um Deus nos acuda. Mas estamos vendo dinheiro público sendo gasto a rodo na
reforma e construção de estádios para a Copa do Mundo, e parte destes estádios
não terão a mesma utilidade após o evento. Da mesma maneira, não falta dinheiro
para investir nas instalações da Olimpíada de 2016, sendo que parte da
estrutura construída para os Jogos Panamericanos feitos há poucos anos acabaram
demolidos por estarem “fora das medidas” para a Olimpíada. E, alguém acha que se
só porque o prefeito alegou que a cidade tem outras prioridades, e por causa
disso deixaria de gastar para reformar o circuito, iria sobrar dinheiro e então
satisfazer as outras tais prioridades, está acreditando em contos da
carochinha. Como todos sabem, neste momento o país gasta a rodo nas obras para
a Copa e a Olimpíada, mesmo tendo muitas outras obras necessárias e que nunca
saem do papel. Mas, e quando não ia ter nem um nem outro destes eventos, os
governos por acaso gastaram melhor o dinheiro? Neste ponto, a discussão vai
longe...
Se
afirmam que a F-1 já deu o que tinha de dar, e que nosso país não precisa da
corrida, certo. Até concordo. Mas, pelo mesmo raciocínio, não precisamos da
Copa do Mundo nem das Olimpíadas, onde muito mais dinheiro está sendo gasto (e
mal), para um uso ainda mais efêmero, do jeito que as instalações esportivas
são cuidadas pelo poder público neste país. Há 20 anos atrás, quando tínhamos
Ayrton Senna vencendo provas e disputando títulos, como fizera algum tempo
antes Nélson Piquet, e antes dele, Émerson Fittipaldi, ninguém falaria algo
assim. Boa parte dos “torcedores”, frustrada com nosso atual momento na F-1,
onde somos apenas coadjuvantes, aproveita para descarregar sua raiva e
indiferença, com alguns até torcendo abertamente para que não se tenha mais
corridas no Brasil, uma vez que nossos pilotos “atuais” não passariam de um
bando de “perdedores e fracassados, e de gente assim o Brasil não precisa”,
segundo algumas opiniões mais inflamadas.
Bernie
Ecclestone sempre reclama de algumas corridas, e embora em boa parte das vezes
seja sua estratégia para melhorar sua condição de negociar, considerar a possibilidade,
ainda que remota, de o Brasil perder sua corrida, não deve ser tratada com
leviandade, mas com a seriedade necessária ao momento. O Brasil é pista
tradicional? É uma corrida “clássica”, e os pilotos e equipes adoram a pista? É,
é tudo isso, mas vamos devagar... A França também era uma corrida “clássica”, e
já ficou sem GP há alguns anos... Pista tradicional? De acordo com a grana na
parada, não tem isso de “tradicional” para Ecclestone, e olhe que ele já rifou
até Spa-Francorchamps, o melhor traçado da categoria atualmente, do calendário
em anos recentes... Pilotos e equipes gostam do traçado de Interlagos, é fato,
mas torcem o nariz para o restante do autódromo e principalmente para suas
imediações, que não são nada convidativas, e com um nível de segurança que,
lamentavelmente, deixa a desejar, mesmo tendo policiamento reforçado na época
do GP, o que mostra um tremendo descaso para a população que ali reside e não
tem como se mudar, pois eles merecem tão ou até mais atenção do que a prova de
F-1...
A
prova está garantida para o ano que vem, quando acaba o atual contrato. E,
agora, o prefeito vem a público garantir que as obras “necessárias” serão
feitas para a manutenção da corrida. Isso, teoricamente, coloca uma pá de cal
sobre o assunto, e devemos presumir que nosso GP continuará firme no calendário
da F-1. Sim, ele continuará, até a próxima “reclamação” do chefão da FOM. Por
mais que digam que nossa corrida é “estratégica” para manter a F-1 tendo uma
prova na América do Sul, não é bom descuidar das possibilidades de ficarmos sem
a corrida. Bernie sempre procura novos mercados, e com o contrato do Brasil
encerrando ano que vem, abre-se a brecha para nossa corrida ser substituída por
outra que renda mais ao todo-poderoso chefão da F-1. Não estou querendo ser
pessimista, mas dizer que é impossível o Brasil perder seu GP é algo que não
oferece garantias. Sempre é bom ficar um pouco com o pé atrás. Otimismo demais
pode ser mais perigoso do que ser pessimista...
Discutir
o assunto é algo mais do que válido. O que não se deve levar em consideração
são os ânimos e comentários exacerbados na discussão. Moderação e bom senso são
sempre bem-vindos...
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