Uma F-1 sem Bernie Ecclestone? |
Um
assunto ventilado nos últimos dias no ambiente da Fórmula 1 diz respeito a um
possível futuro da categoria sem Bernie Ecclestone, dirigente da FOM – Formula
One Management, que é a gestora comercial da categoria. Ecclestone está
envolvido em um processo de suborno envolvendo a venda dos direitos comerciais
da categoria máxima do automobilismo ao grupo CVC há alguns anos, que segundo
dizem, Bernie teria subornado Gerhard Gribkowsky, então dono do banco alemão de
investimentos BayernLB, para que vendesse suas ações da F-1 a um preço muito abaixo de
mercado à CVC, o que fez com que o grupo assumisse o controle acionário da
categoria. E Bernie, claro, é o homem de confiança da CVC na gestão da F-1,
então...
Embora
se diga inocente e tudo o mais, Ecclestone admite que sua permanência no
comando da categoria, que já tem mais de 30 anos, não depende mais apenas dele.
Dependendo dos rumos que o processo que tramita na justiça alemã tomar, na pior
das hipóteses, ele pode até acabar saindo do comando da FOM, e por tabela,
deixar de comandar a F-1, se a CVC achar mais conveniente arrumar outra pessoa
para conduzir as operações. Dono de uma das maiores fortunas da Grã-Bretanha, e
com mais de 80 anos, muitos dizem que Bernie já teria até passado da hora de se
aposentar, tendo muito do que se orgulhar de sua vida profissional.
Bernie
começou a mudar a F-1 no final dos anos 1970, efetuando mudanças no
gerenciamento comercial da categoria, unificando todas as decisões referentes
ao campeonato, e transformando o certame na maior categoria automobilística do
planeta. Até então, os acordos comerciais eram feitos praticamente de forma
independente a cada prova. Uniformizando os procedimentos comerciais, além de
abrindo novos horizontes, fossem em novas corridas, fosse no tratamento que a
TV começaria a dar ao campeonato, Ecclestone ampliou os lucros da F-1 a níveis nunca vistos até
então, e que nunca mais parariam de subir, para felicidade de quase todos
aqueles envolvidos no esporte. Claro, tal crescimento gerou conseqüências
negativas e nefastas: os ganhos e lucros, se por um lado subiram às alturas,
também foram acompanhados de um igual aumento nos custos. Com patrocinadores
pagando cada vez quantias mais altas para aparecer os carros e corridas, os
times também passaram a gastar mais para competir em alto nível, aumentaram sua
estrutura, número de funcionários, etc. Se foi bom para muita gente, também foi
ruim para muitos: a escalada dos custos foi inviabilizando várias equipes, das
quais a mais recente vítima dos altos custos foi a Hispania, que durou apenas 3
temporadas na F-1.
Maior
“cartola” da F-1, muitos adorariam ocupar o lugar de Ecclestone como
manda-chuva mor da categoria. Mas Bernie nunca indicou um sucessor, e apesar de
indiretamente ter falado sobre uma possível saída, nunca mencionou quem acharia
ideal para substituí-lo. Alguns apontam que poderia ser alguém ligado à
categoria, enquanto outros acham que poderá ser alguém de fora do ramo. De um
jeito ou de outro, haveria ganhos e perdas potenciais com uma F-1 sem
Ecclestone.
No
quesito ganhos, ninguém duvida que o dirigente inglês, por mais talento
administrativo que tenha, possui uma mentalidade “atrasada” e “conservadora” no
tocando ao relacionamento da F-1 como categoria com os novos tempos e a mídia.
A internet, uma poderosa ferramenta de divulgação e ampliação do contato dos
fãs das corridas com a categoria, por exemplo, é praticamente ignorada pelo
chefão da FOM. A entidade proíbe transmissão de cenas da categoria, faz uma
caça às bruxas pela rede para tirar do ar até mesmo clipes de poucas cenas das
corridas, e dá de ombros para a relação fã-categoria. E, num mundo os jovens
estão cada vez mais antenados e conectados ao redor do planeta em redes sociais
e sites, a internet poderia ser uma ferramenta crucial para despertar neste
público jovem o interesse pelas corridas. Do jeito que está, fica difícil, e
eles vão procurar diversão em outro lugar. Ao mesmo tempo, isso poderia gerar
um campo mais diversificado para se trabalhar: atualmente, o grosso das
receitas da FOM é a venda dos direitos publicitários para TVs do mundo inteiro
pelo direito de retransmissão das provas , e estes contratos estão sendo cada
vez mais caros, a ponto de algumas emissoras até já reverem em parte seus
esquemas de transmissão, embora ainda tenham lucro com a empreitada na maioria
das vezes. Mas as emissoras não podem utilizar as imagens de vídeo das corridas
na net, e com isso, elas perdem uma chance de adicionar mais audiência a seu
produto. Uma gestão mais moderna da categoria poderia baixar os custos dos
direitos, ao mesmo tempo que proporcionariam mais ganhos com fontes mais
diversas de receitas, como a internet.
Outro
ponto é que nos últimos tempos Ecclestone acostumou a categoria a correr em países
no esquema “pagou mais, levou”. Cobrando taxas cada vez mais altas, Bernie
inviabilizou algumas corridas em circuitos tradicionais, que levantavam grande
público, levando as corridas para lugares sem nenhuma tradição ou intimidade
com a categoria. E um “lobby” em favor de Hermann Tilke fez proliferar pistas
que são um verdadeiro espetáculo fora do traçado, mas quase sempre insossas no
seu desenho de concepção. Pior, times acostumaram-se com os megacomplexos dos
novos circuitos, o que faz com que algumas pistas de antigamente hoje sejam
praticamente ignoradas pela F-1 por não terem a estrutura “adequada”, mas que
até algum tempo atrás servia sem problemas. Isso levou a perda de várias
provas, em virtude dos organizadores não terem como levantar os recursos
necessários para poder sediar uma corrida, e com o dinheiro jorrando fácil em
outras paragens, surgiram novas provas, e os custos para sediar uma corrida
continuam sempre subindo, enquanto surgirem quem aceite pagar pelos valores
absurdos...
Um
visual mais adequado seria um equilíbrio entre pistas “tradicionais” e novas, e
já faria muito bem se a concepção das novas pistas tivesse criação distinta, de
modo a recuperar a personalidade dos circuitos, e não deixá-los “padronizados”
por serem projetados por um único engenheiro e arquiteto responsável. E, claro,
cobrar taxas mais condizentes ajudaria a manter provas que atraem muito
público, enquanto outras corridas não geram tanto interesse. Neste ponto,
Bernie já falou abertamente que não sente falta do público dos autódromos, e
que se pudesse, faria um GP a portas fechadas, dizendo que o público presente
nas corridas só gera custo, e não lucro. Mas qualquer dirigente com mais
sensibilidade sabe que a empatia do público com uma categoria é essencial, e do
jeito que a F-1 anda, ficando mais fechada em si mesmo, teme-se que uma hora
ela não saiba mais interagir com seu público, seja televisivo ou presente.
Mas
uma F-1 sem Ecclestone também poderia perder: não é novidade para ninguém que
os times que competem na categoria não possuem praticamente nenhuma união. Se
pudessem todos puxariam o tapete de todo mundo, se isso fosse conveniente.
Nesse panorama, um comando forte e centralizado, e por vezes até autoritário, é
necessário para impor regras e procedimentos que sejam acatados por todos, sem
espaço para discussões. Verdade que Ecclestone sempre se valeu dessa discórdia
entre os times para se favorecer, muitas vezes conduzindo os fatos de modo a
impedir que as escuderias se unissem de fato e conseguissem ganhar mais poder
de barganha, o que não é de seu interesse, pois um grupo de times unidos
poderia fazer pressão e conseguir impôr suas idéias, e ser questionado e
contrariado não é um hábito que o baixinho inglês queira adotar.
Um
novo dirigente também precisaria ter a eficiência administrativa que Eclestone
exibe há muitos anos: a sofisticada estrutura que dá suporte à F-1 funciona de
maneira totalmente eficiente e azeitada, e embora tenha havido alguns deslizes
nos últimos anos, como fazer mudança de horários de alguns GPs com resultados
duvidosos, todo o processo de gerenciamento, transporte e relacionamentos
comerciais da categoria correm muito bem. O calendário, mesmo com o inchaço dos
últimos anos, continuou sendo feito de modo a manter os custos e deslocamentos
numa logística bem próxima do ideal mais perfeitamente possível. Claro que há
exageros, especialmente no “excesso” de profissionalização criado em torno
disso, e que tornou a F-1 hoje um negócio, com apenas resquícios do esporte
original que já foi, mas não seria nada ruim resgatar o espírito aventureiro
dos velhos tempos e combiná-lo com o ambiente moderno que se criou.
O
problema maior é que a categoria hoje, por mais que deseje mudar as coisas,
também quer que tudo continue do mesmo jeito. Uma nova administração, com uma
nova mentalidade, poderia criar um choque de idéias e comportamento ao qual a
categoria não estaria de acordo. Seria preciso fazer mudanças que conciliassem
tudo o que temos hoje com novos hábitos que pudessem renovar e ampliar os
horizontes, mas feitos de modo que todos aceitassem sem criar empecilhos e
obstáculos, e ao mesmo tempo conservando a eficiência operacional e os ganhos
em patamares atuais, mas com gastos menores para os envolvidos em GPs e
transmissões e divulgação da F-1.
Que
a Fórmula 1 poderia ter muito a ganhar em uma nova gestão sem Bernie
Ecclestone, isso é algo plenamente possível. Mas o reverso também poderia
acontecer, e a categoria acabar perdendo muito. Se alguns acham que uma F-1 é
ruim com Bernie, poderia ser ainda pior sem ele. Como o dirigente não tem
planos efetivos de se aposentar, de um modo ou outro teremos de saber a
resposta em um futuro próximo, pela idade do comandante da FOM. Resta saber se
ele saberá preparar a categoria para um futuro sem sua presença ou liderança. E
será preciso também saber se a própria F-1 saberá se unir para batalhar por seu
futuro por si mesma e no bom sentido na ausência de Bernie, ou se acabará
engolindo a si própria em suas desavenças, que diga-se de passagem, podem muitas
vezes dar impressão de calmaria, mas que estão sempre lá no fundo, prontas para
explodir novamente...
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