sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

UMA F-1 SEM BERNIE ECCLESTONE?


Uma F-1 sem Bernie Ecclestone?
            Um assunto ventilado nos últimos dias no ambiente da Fórmula 1 diz respeito a um possível futuro da categoria sem Bernie Ecclestone, dirigente da FOM – Formula One Management, que é a gestora comercial da categoria. Ecclestone está envolvido em um processo de suborno envolvendo a venda dos direitos comerciais da categoria máxima do automobilismo ao grupo CVC há alguns anos, que segundo dizem, Bernie teria subornado Gerhard Gribkowsky, então dono do banco alemão de investimentos BayernLB, para que vendesse suas ações da F-1 a um preço muito abaixo de mercado à CVC, o que fez com que o grupo assumisse o controle acionário da categoria. E Bernie, claro, é o homem de confiança da CVC na gestão da F-1, então...
            Embora se diga inocente e tudo o mais, Ecclestone admite que sua permanência no comando da categoria, que já tem mais de 30 anos, não depende mais apenas dele. Dependendo dos rumos que o processo que tramita na justiça alemã tomar, na pior das hipóteses, ele pode até acabar saindo do comando da FOM, e por tabela, deixar de comandar a F-1, se a CVC achar mais conveniente arrumar outra pessoa para conduzir as operações. Dono de uma das maiores fortunas da Grã-Bretanha, e com mais de 80 anos, muitos dizem que Bernie já teria até passado da hora de se aposentar, tendo muito do que se orgulhar de sua vida profissional.
            Bernie começou a mudar a F-1 no final dos anos 1970, efetuando mudanças no gerenciamento comercial da categoria, unificando todas as decisões referentes ao campeonato, e transformando o certame na maior categoria automobilística do planeta. Até então, os acordos comerciais eram feitos praticamente de forma independente a cada prova. Uniformizando os procedimentos comerciais, além de abrindo novos horizontes, fossem em novas corridas, fosse no tratamento que a TV começaria a dar ao campeonato, Ecclestone ampliou os lucros da F-1 a níveis nunca vistos até então, e que nunca mais parariam de subir, para felicidade de quase todos aqueles envolvidos no esporte. Claro, tal crescimento gerou conseqüências negativas e nefastas: os ganhos e lucros, se por um lado subiram às alturas, também foram acompanhados de um igual aumento nos custos. Com patrocinadores pagando cada vez quantias mais altas para aparecer os carros e corridas, os times também passaram a gastar mais para competir em alto nível, aumentaram sua estrutura, número de funcionários, etc. Se foi bom para muita gente, também foi ruim para muitos: a escalada dos custos foi inviabilizando várias equipes, das quais a mais recente vítima dos altos custos foi a Hispania, que durou apenas 3 temporadas na F-1.
            Maior “cartola” da F-1, muitos adorariam ocupar o lugar de Ecclestone como manda-chuva mor da categoria. Mas Bernie nunca indicou um sucessor, e apesar de indiretamente ter falado sobre uma possível saída, nunca mencionou quem acharia ideal para substituí-lo. Alguns apontam que poderia ser alguém ligado à categoria, enquanto outros acham que poderá ser alguém de fora do ramo. De um jeito ou de outro, haveria ganhos e perdas potenciais com uma F-1 sem Ecclestone.
            No quesito ganhos, ninguém duvida que o dirigente inglês, por mais talento administrativo que tenha, possui uma mentalidade “atrasada” e “conservadora” no tocando ao relacionamento da F-1 como categoria com os novos tempos e a mídia. A internet, uma poderosa ferramenta de divulgação e ampliação do contato dos fãs das corridas com a categoria, por exemplo, é praticamente ignorada pelo chefão da FOM. A entidade proíbe transmissão de cenas da categoria, faz uma caça às bruxas pela rede para tirar do ar até mesmo clipes de poucas cenas das corridas, e dá de ombros para a relação fã-categoria. E, num mundo os jovens estão cada vez mais antenados e conectados ao redor do planeta em redes sociais e sites, a internet poderia ser uma ferramenta crucial para despertar neste público jovem o interesse pelas corridas. Do jeito que está, fica difícil, e eles vão procurar diversão em outro lugar. Ao mesmo tempo, isso poderia gerar um campo mais diversificado para se trabalhar: atualmente, o grosso das receitas da FOM é a venda dos direitos publicitários para TVs do mundo inteiro pelo direito de retransmissão das provas , e estes contratos estão sendo cada vez mais caros, a ponto de algumas emissoras até já reverem em parte seus esquemas de transmissão, embora ainda tenham lucro com a empreitada na maioria das vezes. Mas as emissoras não podem utilizar as imagens de vídeo das corridas na net, e com isso, elas perdem uma chance de adicionar mais audiência a seu produto. Uma gestão mais moderna da categoria poderia baixar os custos dos direitos, ao mesmo tempo que proporcionariam mais ganhos com fontes mais diversas de receitas, como a internet.
            Outro ponto é que nos últimos tempos Ecclestone acostumou a categoria a correr em países no esquema “pagou mais, levou”. Cobrando taxas cada vez mais altas, Bernie inviabilizou algumas corridas em circuitos tradicionais, que levantavam grande público, levando as corridas para lugares sem nenhuma tradição ou intimidade com a categoria. E um “lobby” em favor de Hermann Tilke fez proliferar pistas que são um verdadeiro espetáculo fora do traçado, mas quase sempre insossas no seu desenho de concepção. Pior, times acostumaram-se com os megacomplexos dos novos circuitos, o que faz com que algumas pistas de antigamente hoje sejam praticamente ignoradas pela F-1 por não terem a estrutura “adequada”, mas que até algum tempo atrás servia sem problemas. Isso levou a perda de várias provas, em virtude dos organizadores não terem como levantar os recursos necessários para poder sediar uma corrida, e com o dinheiro jorrando fácil em outras paragens, surgiram novas provas, e os custos para sediar uma corrida continuam sempre subindo, enquanto surgirem quem aceite pagar pelos valores absurdos...
            Um visual mais adequado seria um equilíbrio entre pistas “tradicionais” e novas, e já faria muito bem se a concepção das novas pistas tivesse criação distinta, de modo a recuperar a personalidade dos circuitos, e não deixá-los “padronizados” por serem projetados por um único engenheiro e arquiteto responsável. E, claro, cobrar taxas mais condizentes ajudaria a manter provas que atraem muito público, enquanto outras corridas não geram tanto interesse. Neste ponto, Bernie já falou abertamente que não sente falta do público dos autódromos, e que se pudesse, faria um GP a portas fechadas, dizendo que o público presente nas corridas só gera custo, e não lucro. Mas qualquer dirigente com mais sensibilidade sabe que a empatia do público com uma categoria é essencial, e do jeito que a F-1 anda, ficando mais fechada em si mesmo, teme-se que uma hora ela não saiba mais interagir com seu público, seja televisivo ou presente.
            Mas uma F-1 sem Ecclestone também poderia perder: não é novidade para ninguém que os times que competem na categoria não possuem praticamente nenhuma união. Se pudessem todos puxariam o tapete de todo mundo, se isso fosse conveniente. Nesse panorama, um comando forte e centralizado, e por vezes até autoritário, é necessário para impor regras e procedimentos que sejam acatados por todos, sem espaço para discussões. Verdade que Ecclestone sempre se valeu dessa discórdia entre os times para se favorecer, muitas vezes conduzindo os fatos de modo a impedir que as escuderias se unissem de fato e conseguissem ganhar mais poder de barganha, o que não é de seu interesse, pois um grupo de times unidos poderia fazer pressão e conseguir impôr suas idéias, e ser questionado e contrariado não é um hábito que o baixinho inglês queira adotar.
            Um novo dirigente também precisaria ter a eficiência administrativa que Eclestone exibe há muitos anos: a sofisticada estrutura que dá suporte à F-1 funciona de maneira totalmente eficiente e azeitada, e embora tenha havido alguns deslizes nos últimos anos, como fazer mudança de horários de alguns GPs com resultados duvidosos, todo o processo de gerenciamento, transporte e relacionamentos comerciais da categoria correm muito bem. O calendário, mesmo com o inchaço dos últimos anos, continuou sendo feito de modo a manter os custos e deslocamentos numa logística bem próxima do ideal mais perfeitamente possível. Claro que há exageros, especialmente no “excesso” de profissionalização criado em torno disso, e que tornou a F-1 hoje um negócio, com apenas resquícios do esporte original que já foi, mas não seria nada ruim resgatar o espírito aventureiro dos velhos tempos e combiná-lo com o ambiente moderno que se criou.
            O problema maior é que a categoria hoje, por mais que deseje mudar as coisas, também quer que tudo continue do mesmo jeito. Uma nova administração, com uma nova mentalidade, poderia criar um choque de idéias e comportamento ao qual a categoria não estaria de acordo. Seria preciso fazer mudanças que conciliassem tudo o que temos hoje com novos hábitos que pudessem renovar e ampliar os horizontes, mas feitos de modo que todos aceitassem sem criar empecilhos e obstáculos, e ao mesmo tempo conservando a eficiência operacional e os ganhos em patamares atuais, mas com gastos menores para os envolvidos em GPs e transmissões e divulgação da F-1.
            Que a Fórmula 1 poderia ter muito a ganhar em uma nova gestão sem Bernie Ecclestone, isso é algo plenamente possível. Mas o reverso também poderia acontecer, e a categoria acabar perdendo muito. Se alguns acham que uma F-1 é ruim com Bernie, poderia ser ainda pior sem ele. Como o dirigente não tem planos efetivos de se aposentar, de um modo ou outro teremos de saber a resposta em um futuro próximo, pela idade do comandante da FOM. Resta saber se ele saberá preparar a categoria para um futuro sem sua presença ou liderança. E será preciso também saber se a própria F-1 saberá se unir para batalhar por seu futuro por si mesma e no bom sentido na ausência de Bernie, ou se acabará engolindo a si própria em suas desavenças, que diga-se de passagem, podem muitas vezes dar impressão de calmaria, mas que estão sempre lá no fundo, prontas para explodir novamente...

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