sexta-feira, 10 de agosto de 2012

UM FIM ANUNCIADO


            O que muitos temiam há 6 anos finalmente começou a ser concretizado. O Rio de Janeiro vai perder seu único autódromo, ou o que restou dele, em mais uma situação de dar vergonha deste país chamado Brasil, que tantas maracutaias e rolos vêm apresentando, que aparentemente não há mais salvação de se ver algo decente por estas paragens. O circuito de Jacarepaguá começou a ser finalmente demolido. Em seu lugar, serão construídas as instalações do parque olímpico para os jogos de 2016. E depois, dizem que o lugar será loteado para construção de condomínios. Especulação imobiliária na cara dura. E políticos e autoridades não estão nem aí com isso, desde que o deles esteja garantido. Mas, afinal de contas, desde quando eles estiveram preocupados com isso? Nunca, nem por um momento. E o esporte, diga-se de passagem, tem na própria cartolagem seus mais perversos inimigos. De certa forma, é um milagre que ainda exista esporte neste país. E o caso de Jacarepaguá é um belo exemplo de como políticos, cartolas esportivos, e lobbys de terceiros podem prejudicar de forma irreversível as coisas. Os pilotos deram sua opinião sobre o assunto, com algumas declarações contundentes. Nomes de peso, como Cacá Bueno, e Ingo Hoffman, grandes campeões da Stock Car, falaram abertamente da perda que é o fim de Jacarepaguá. Infelizmente, eles quase nunca são ouvidos, a não ser para receberam um cala-boca das autoridades desportivas por “falarem demais”. E os maiorais da CBA e da Faerj? Vamos fingir que nem existem, porque não fazem absolutamente a menor diferença. Só fingem que fazem. Nomes dos responsáveis por isto acontecer? Não são dignos de serem citados, nem em pensamento...
            A patifaria começou em 2006, quando inventaram de querer porque queriam fazer parte das instalações para sediar os Jogos Panamericanos de 2007 em área onde se situava o autódromo. Com centenas de áreas desocupadas, várias delas ali mesmo nas redondezas, tinham que querer fazer isso onde já havia algo existente. Houve alguma chiadeira, mas foi inútil: comitê olímpico, prefeitura e governo cariocas, fizeram valer seu conchavo, e condenaram a uma morte lenta aquela que já foi a melhor pista de corridas do país, ao lado de Interlagos. Se este fosse um país sério, e onde homens públicos fossem pessoas de visão, éticos e honestos, teriam encontrado um meio de combinar as estruturas esportivas que seriam construídas, junto com o autódromo, criando um belo complexo esportivo. Havia área para isso, desde que fosse feito de maneira decente, e com respeito pela história do automobilismo nacional. Que nada! O que valia mesmo para eles era detonar a pista, afinal, a visão do autódromo poderia fazer “concorrência” com a coqueluche que o Brasil havia conquistado – sediar os Jogos Panamericanos. Assim, resolveram construir as novas estruturas bem em cima da pista, detonando parte do autódromo, que ficou com sua pista oval – única no mundo no formato trapezoidal, que foi sede por 5 anos do Grande Prêmio do Brasil de F-Indy, arruinada em uma de suas curvas.
            Boa parte do circuito misto que já recebera provas da F-1 e da Motovelocidade, só para citar categorias top das corridas mundiais, sobreviveu, e continuou sendo usada pelas categorias nacionais que ainda tinham disposição de correr ali naquela pista mutilada. E, imagine só, a CBA, num ato de lucidez, resolveu agir, e conseguiu um acordo judicial onde a pista só seria definitivamente desmantelada quando fosse construído um novo e moderno autódromo na cidade do Rio de Janeiro. Nem é preciso dizer que teve gente que não gostou da história: queriam demolir tudo o que restou o mais rápido possível. Talvez o fato de Jacarepaguá ser uma área altamente valorizada, e que eles achavam um impropério e um desperdício sediar um autódromo tenha levado a suspeita de negociata com especulação imobiliária às alturas. Mas claro, investigação que é bom, necas. E o povo carioca, que gosta de corridas, nem pareceu ter se importado muito. As corridas sempre são interessantes, mas se fosse o carnaval carioca que estivesse em perigo, duvido que o comportamento fosse o mesmo...
            Ainda havia esperança de que a pista fosse recuperada: o tradicional destino de algumas obras neste país é virarem “elefantes brancos” depois de usadas pela primeira vez, e muitos apostavam que as obras do Pan erguidas no autódromo seguiriam este destino. Mas aí, o Brasil, imerecidamente – sim, porque temos muita coisa mais prioritária para ser feita neste país, ganhou o direito de sediar a Olimpíada de 2016. E resolveram apressar com o fim de Jacarepaguá. Não fosse isso, em algum momento de lucidez, com a pista ainda inteira em sua maior parte, poderia existir alguém no governo estadual ou na prefeitura que resolvesse restaurar o autódromo. Já que a nova pista provavelmente nunca sairia do papel, sairia mais em conta recuperar a velha e corrigir os equívocos de sua mutilação. Mas neste país pedir por bom senso chega a ser ridículo: teima-se em partir para o pior rumo possível.
            E este ano, depois de várias enrolações, eis que o autódromo iria definitivamente para o buraco. No mês passado, disputaram-se ali as últimas etapas de algumas categorias na pista carioca, como a Stock Car. E nesta semana, as máquinas começaram a arrancar o asfalto da pista. As arquibancadas também já começaram a ser demolidas/desmontadas. E o acordo que exigia uma nova pista? Ele acabou “flexibilizado” – ou jogado para as cucuias, como tudo que é incômodo aos poderosos é feito neste país em defesa de seus interesses particulares. Agora a picaretagem contra o automobilismo nacional ganhou a sociedade do governo federal, que prometeu mundos e fundos para a construção do novo autódromo carioca na região de Deodoro, que nem projeto tem ainda. Se for como as obras do PAC – que deveria se chamar EmPACa, porque nada anda a contento, o autódromo não deve sair antes do próximo século. A área de Deodoro já virou um mico devido a detalhes que só recentemente os “entendidos” na operação vieram a “saber”, como fato de ser uma área com Mata Atlântica – aí vem briga com os ecologistas e suas ONGs, fora o IBAMA, e uma área que era usada pelo Exército para treinamentos, e que está praticamente minada em boa parte de sua extensão.
            Como desgraça pouca é bobagem, ainda mais no Brasil, eis a notícia bombástica que todas as instalações erguidas para o Panamericano terão de ser demolidas: elas estão totalmente fora das especificações das Olimpíadas. Isso significa que os cerca de R$ 14 milhões gastos em sua construção – outro estouro de orçamento em meio a tantos neste país, praticamente terão sido jogados no lixo. Terá de ser tudo construído novamente. Um país sério e com visão teria pelo menos construído instalações que pudessem ser usadas para qualquer tipo de competição, e não se cometeria erro tão crasso e revoltante quanto esse. Mas claro que quem armou essa cumbuca toda lá em 2006 não se preocupou nada com isso, além de provavelmente atender a interesses escusos.
            Mas isso é apenas o lado mais aviltante da morte anunciada desta pista. Desde que deixou de sediar a F-1, o circuito do Rio de Janeiro foi sendo submetido a um lento e progressivo declíneo, que só não foi mais rápido pelas inúmeras corridas que lá eram disputadas. A vinda da Motovelocidade, e da F-Indy, com a construção de uma pista oval, ajudaram Jacarepaguá a manter sua importância no cenário automobilístico nacional, perdendo apenas, logicamente, para Interlagos. Mas a pista carioca perdeu suas provas internacionais, e as categorias dos campeonatos brasileiros serviram de estímulo para que as autoridades locais passassem a tratar a pista com certa negligência. As estruturas, que um dia já foram impecáveis e dignas de pistas de primeiro mundo, foram se deteriorando; instalações elétricas e hidráulicas largadas; grades e portas foram enferrujando. As arquibancadas foram ficando ao relento nos cuidados. E isso tudo só piorou ainda mais com as obras que inventaram para o Pan. A justificativa dos autores era de que o Pan, e agora as Olimpíadas, são muito mais atrativos e importantes do que o automobilismo. Só esqueceram de mencionar – como sempre lhes é conveniente, o lado incômodo – ou ruim, da história: Pan foi apenas uma vez; Olimpíada, idem. Mas o automobilismo era algo permanente. Sabe-se lá quando o país sediaria novamente os Jogos Panamericanos; Jogos Olímpicos, muito, muito menos.
            Pior ainda é o fato de saber – gostaria de estar errado, mas as chances são muito poucas, que as obras erguidas para tais fins não irão cumprir com seus destinos corretos. A picaretagem e a corrupção nacional jogarão contra. Na grande maioria dos países que já sediaram Olimpíadas, as estruturas erguidas para este fim já foram construídas com destinos certos pós-jogos, de modo a aproveitar integralmente tudo o que foi gasto, sem desperdício, ou com perdas mínimas. E aqui, o que será feito depois de 2016? O exemplo prévio pode ser classificado como desastroso: nem elefantes brancos as instalações viraram, já que serão todas demolidas para serem novamente construídas, com um enorme desperdício de recursos.
            Restará o assassinato do autódromo carioca. E do automobilismo local. Enquanto não houver uma nova pista no Rio, o saldo é desastroso para o esporte; para satisfazer o ego de poucos, uma arena esportiva com história no esporte a motor nacional foi impiedosamente arruinada. Um prejuízo que talvez nunca se recupere. Ou pior, que pode ser esquecido muito rapidamente, dada a falta de memória e de bom senso de boa parte da população brasileira, que já deu mostras de não dar a devida importância à história deste belo país, seja em que assunto for. E se Jacarepaguá ficar esquecido pela memória do país, terá morrido em definitivo.
            Rogo para estar errado. Podem dizer que o estilo deste texto foi até de certa forma raivoso, desabafante, e provocativo, mas do jeito que andam as coisas neste país, há momentos em que não se consegue mais manter a frieza e polidez para se relatar estas coisas...
            E o Brasil, certamente, merecia melhor sorte...

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