Semana
passada, na sexta-feira, um dos maiores nomes do esporte a motor internacional
completou nada menos do que 60 anos de idade. Nélson Piquet Souto Maior, nosso
primeiro tricampeão mundial de Fórmula 1, fez seu aniversário e ganhou de
presente uma homenagem de seu filho Nelsinho, que atualmente compete na Truck
Series, uma das divisões secundárias da Nascar, a stock car dos Estados Unidos.
Nelsinho competiu na etapa de Michigan usando um capacete pintado nas cores da
primeira versão usada por seu pai quando este iniciou carreira no
automobilismo, no início da década de 1970. Com a grafia “Piket” que Nélson
usava, para esconder suas aventuras na pista, já que seu pai nunca aprovou que
o filho se tornasse um corredor – queria que ele virasse um tenista, esporte
que até praticou por um tempo, Nelsinho deu ao pai o melhor presente que ele
poderia desejar: venceu a corrida no superoval, e de quebra conquistou sua
primeira vitória na Truck Series, onde escolheu correr para reiniciar sua
carreira automobilística, após ser rifado da F-1.
Irreverente,
sarcástico para alguns, azedume para outros, malandro, e acima de tudo, grande
conhecedor de mecânica de carros, e dono de um imenso talento, Nélson
iniciou-se nas pistas brasileiras em 1972, no kart, passando pouco tempo depois
para a Fórmula Super V. Campeão desta em 1976, partiu para a Europa, para
trilhar o mesmo caminho feito anos antes por Émerson Fittipaldi. Em 1978,
venceu o campeonato inglês de F-3, o mais respeitado da categoria, e iniciou
nesse mesmo ano sua carreira na F-1, pilotando um Ensign. No final do ano, já
estaria na Brabham, onde começaria a se destacar. Com a saída de Niki Lauda do
time no ano seguinte, coube ao brasileiro assumir a direção do time na pista,
tornando-se seu principal piloto. E Nélson não se fez de rogado: apesar de
resultados fracos em 1979, em 1980, com um carro competitivo, Piquet “explodiu”
na F-1, conquistando suas primeiras poles e vitórias, e disputando pela
primeira vez o título da categoria. Perdeu naquele ano, mas venceu a parada em
1981. Não ficaria somente naquilo, e em 1983, chegaria ao bicampeonato. Sua
vitória no Brasil no mesmo ano tornaria-se um marco nas transmissões de F-1 no
nosso país, pois naquela prova foi tocada pela primeira vez a música que se
tornaria o “Hino da Vitória”, que passaria a celebrar as vitórias dos
brasileiros na categoria máxima do automobilismo. Com a decadência da Brabham,
Piquet aportou na Williams, onde conquistou contra o próprio time o título de
1987, que preferia o inglês Nigel Mansell. Mudou-se para a Lótus, que se
mostrou um grande erro, uma vez que o time afundou a partir de 1988. Em 1990,
agora na Benetton, resgatou seu prestígio, mas o time empacou em 1991,
impedindo que as glórias continuassem.
Desgostoso
com a categoria, resolveu parar. Não tinha mais o que provar, muito pelo
contrário, precisava é ser mais respeitado. Resolveu encarar a Indy500, onde
infelizmente sofreu um violento acidente que, por pouco, não teve conseqüências
muito piores do que quebrar as pernas e dilacerar um dos pés. Após várias
cirurgias e fisioterapia, voltou a andar e até a competir, mas apenas
esporadicamente. Voltou em definitivo a Brasília, sua cidade preferida, onde
sempre disse que moraria após aposentar o capacete. Tornou-se um empresário de
sucesso, montando a Autotrac, onde ganhou muito mais dinheiro do que em seus
anos de competição. Ajudou a gerenciar a carreira de seu filho Nelsinho,
montando para ele times de competição próprios na F-3 brasileira, na F-3
Inglesa, e na GP2. Lamentavelmente, acabou escolhendo errado a porta de entrada
para o filho na F-1, gerenciado por Flavio Briatore, que acabou levando o seu
filho a participar da presepada no GP de Cingapura de 2008.
Piquet
sempre foi uma figura e tanto. Atrevo-me a dizer que, se corresse hoje, a F-1
não permitiria alguém como ele. Língua ferina, honesto por vezes ao extremo,
falando o que pensava, doesse a quem doesse, Piquet arrumaria muita confusão
numa categoria hoje onde o politicamente correto, e as mordaças que os times
impõem a seus contratados, chegam a ser enojantes. Pior ainda, Nélson nunca
fugia de nenhuma briga, e olhem que até porrada ele já trocou na pista,
literalmente. O lance de 1982, quando trocou sopapos com o chileno Eliseo
Salazar em Hockenhein após ser abalroado pelo retardatário quando o
ultrapassava, entrou para a história da F-1, mas hoje, valeria uma supensão,
multa, e até possível expulsão da competição por parte dos comissários
“certinhos” da categoria, os quais ele mandaria “se danarem”, na fala das mais
educadas.
Exímio
conhecedor de mecânica, foi talvez o último grande piloto que colocava “a mão
na graxa”, literalmente. Conhecia o carro como se fosse uma extensão do próprio
corpo, e sabia identificar suas reações como ninguém. Estava sempre junto dos
mecânicos e engenheiros para discutir ajustes e propor soluções. Trabalhou com
dois grandes nomes da engenharia da F-1: Gordon Murray na Brabham; Patrick Head
na Williams. Teve dois patrões “duros na queda”: Bernie Ecclestone, Brabham; e
Flavio Briatore, Benetton. Ganhou várias disputas, perdeu outras tantas. Ganhou
seus três títulos com carros de concepções diferentes: em 1981, um Brabham da
estirpe dos carros-asa, movido pelo célebre motor Ford Cosworth V-8; em 1983,
tornaria-se o primeiro campeão com motor turbo, utilizando o BMW, que equipava
o Brabham BT52, um carro que já não utilizava o mesmo conceito dos carros-asa.
Em 1987, pilotou aquele que é considerado até hoje um dos melhores carros da
história da F-1: o Williams FW11B, impulsionado pelo espetacular motor Honda
V-6 turbo, que diziam atingir 1.500 HPs nas classificações.
Colecionou
desavenças com Nigel Mansell, a quem considerava um “idiota muito rápido”; e
Ayrton Senna. Nunca foi unanimidade, e não fazia questão de ser. Ao contrário de
Senna, que posava de “bom moço”, na sua opinião, ele preferia ser curto e
grosso, se necessário. Quando foi campeão, dedicou o título a si mesmo. E
porque não? Ele tinha razão em um monte de coisas. Nem sempre, contudo, acertou
suas apostas. Ao insistir com a Brabham, ficou 2 anos (1984 e 1985) amargando
resultados medianos; na Lótus, teve dois anos medíocres (1988 e 1989). O
renascimento na Benetton foi efêmero, e o time não mostrou em 1991 o mesmo
empenho de 1990. Atingiu, em 204 GPs, 23 vitórias, 24 pole-postions, 60 pódios,
e 481,5 pontos.
Mas
Piquet não era apenas isso. Era também um brincalhão incorrigível. Seus
companheiros na Williams que o digam: uma vez urinou debaixo de um dos motores
da Honda, para depois ficar cobrando dos engenheiros japoneses o que era aquele
“vazamento” embaixo do propulsor; em outra ocasião, sumiu com o papel higiênico
do banheiro, deixando Mansell bem “enrolado”. Na Benetton, consta que uma vez
“afanou” a bateria do carro de seu companheiro Alessandro Nanini, que não entendia
porque seu carro não queria ligar quando ia sair do autódromo. E sempre sabia
curtir a vida como ninguém, pois afinal, ninguém mesmo era de ferro.
Foi
também alguém que ralou muito para obter o sucesso que alcançou. Passou noites
dormindo em kombis e oficinas, por vezes até mesmo ao lado do carro de
competição. Tudo para economizar alguns cobres que permitissem comprar peças e
ferramentas para deixar o carro mais rápido. Quando vinha de Brasília para
competir em São Paulo, dirigia o próprio carro, e dormia de favor na cada de
amigos. Chegou a limpar carros de F-1 no início dos anos 1970 em Interlagos,
durante o GP do Brasil.
Hoje,
aparece vez ou outra em alguma corrida. Prefere curtir a vida, no sossego de
casa, e com a família, e os filhos, quando estão por perto. Mas, de vez em
quando, não perde a chance de aprontar, como quando esteve em Interlagos no ano
passado, dirigindo o Brabham com o qual foi campeão em 1981, para delírio da
torcida presente. E, na última volta, desfilou exibindo a bandeira do Vasco,
seu time de coração, para desancar dos torcedores corintianos que porventura
estivessem por ali (Vasco e Corinthians disputavam o título do Campeonato
Brasileiro, ganho por este último). Nada mais Piquet. E convenhamos: Piquet,
sem ser Piquet, não seria nunca Piquet.
Parabéns
pelos 60 anos, Nélson. E continue vivendo e curtindo a vida. Você merece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário