A
Fórmula 1 está de volta depois das férias do verão europeu, e nada melhor do
que chegarmos ao belíssimo circuito de Spa-Francorchamps, na Bélgica, para
retomarmos a competição do campeonato, que ainda tem muito chão pela frente,
com 9 corridas até a prova derradeira, em Interlagos, no Brasil, no final de
novembro. Mas aqui, na região das Ardenhas, o paddock do circuito tem um evento
especial neste final de semana: Michael Schumacher disputará sua 300ª prova na
F-1. Coincidências ou não, foi nesta mesma pista que o piloto alemão estreou na
categoria, lá em 1991, pilotando a Jordan, numa participação breve, mas que já
mostrou que o jovem egresso da Mercedes Sport-Protótipos podia ser um talento
em potencial. Fosse Eddie Jordan um pouco mais esperto, e talvez Schumacher
demorasse um pouco mais a ganhar lugar em um time de ponta, mas Flavio Briatore
foi mais sorrateiro, e agarrou o jovem piloto, que logo em sua segunda prova já
estava na Benetton, onde alçaria vôos bem mais altos. Foi aqui também nesta
pista onde venceria pela primeira vez na categoria, em 1992, numa prova marcada
pela chuva, que ajudou Schumacher a derrotar os então imbatíveis Williams de
Nigel Mansell e Riccardo Patrese.
Foi
também aqui o primeiro enrosco causado pelo alemão com os brasileiros: para
colocar o alemão em seu time, Briatore demitiu e denegriu a imagem de Roberto
Moreno, tachando-o de inepto e incapaz de ser piloto de F-1, uma acusação das
mais cretinas e pérfidas disparadas contra alguém que, na prova anterior, tinha
sido 4° colocado e ainda fez a volta mais rápida da corrida. Nélson Piquet,
companheiro de Moreno no time, ficou extremamente desgostoso com a operação, e
sem poder fazer nada, deu um basta no time ao fim do ano e resolveu pular fora
da F-1, pois não tinha mais nada a provar a ninguém. A soberba e prepotência de
Briatore poderiam ter lhe custado caro, mas para sua sorte, Schumacher logo se
entendeu com a F-1, e passou a ser uma das estrelas da categoria, embora
arrumasse confusões com alguns pilotos devido ao seu excesso de arrojo e
atrevimento.
Ayrton
Senna travou alguns duelos renhidos com o jovem alemão, que achava que podia
desafiar a tudo e a todos, e andou tomando alguns safaões do brasileiro na
pista, depois de alguns exageros na dose. Em 1993, ambos fizeram alguns bons
pegas, mas quando o duelo prometia um combate épico entre ambos, o fatídico GP
de San Marino de 1994 abreviou a disputa e deixou Schumacher como supertalento
único na categoria. Incidental que fosse, muitos brasileiros guardam rancor até
hoje por Schumacher, pela morte de Senna, culpando, seja lá de que maneira, o
alemão pelo trágico fim de Ayrton. Bicampeão em 1995, Michael aceitou o desafio
de correr pela Ferrari e levar o time de volta ao topo da F-1. Foi a coroação de
uma reestruturação que já vinha sendo planejada desde 1994 por Jean Todt no
time italiano, mas foi preciso esperar até o ano 2000 para o time mais antigo
da categoria finalmente sair da fila em que se encontrava desde 1979.
A
superestrutura montava ao redor de Schumacher em Maranello garantiu o período
de maior sucesso do time em toda a sua história: foram 5 títulos consecutivos,
de 2000 a
2004, com a concorrência fazendo apenas oposição ocasional, dando mais trabalho
apenas em 2003, quando a decisão do título ficou para a prova final, no Japão.
Schumacher deitava e rolava na categoria, que parecia não achar alguém que
discutisse o domínio imposto pelo alemão, que alcançou a incrível marca de 7
títulos mundiais. A partir de 2005, contudo, a concorrência se armou melhor, e
com a Ferrari apresentando um certo declínio, o reinado de Michael começou a
desmoronar. A Renault, comandada por Briatore, seu ex-chefe, e capitaneada por
Fernando Alonso, puseram fim à fileira de títulos de Michael na F-1. E, em
2006, depois de uma temporada memorável, onde mostrou não ter perdido sua
garra, anunciou que se retirava da categoria, dizendo que já não tinha mais o
que conquistar. Ficou muito forte, contudo, para alguns, a sensação de que
Michael não curtiu encarar um oponente à altura, pois até 2004, falava que não
se via deixando de pilotar tão cedo, pois se divertia competindo, discurso que
mudou em 2005, e principalmente em 2006, perdendo novamente o título para
Alonso.
Muitos,
eu inclusive, achavam prematura a aposentadoria de Schumacher naquela altura, e
ainda compartilho da sensação de que Michael não gostou mesmo de ser desafiado
à altura na competição. Depois de 5 títulos consecutivos, era nítido que
parecia ter ficado mal acostumado com as glórias e vitórias, tendo ficado de
certa forma incomodado ao ser derrotado pelo jovem espanhol. Tivesse
permanecido, com certeza teria conquistado o 8° título em 2007, como foi
conquistado pela Ferrari com Kimmi Raikkonem, seu sucessor em Maranello, e
muito provavelmente, também repetiria o feito em 2008, sem ter dado chance à
concorrência, como infelizmente Felipe Massa deu oportunidade em um ou outro
GP, e mesmo assim ter perdido o título por apenas 1 ponto.
Schumacher
aposentou-se com números incríveis em 2006: 1.369 pontos, 91 vitórias, 43
segundos lugares, 20 terceiros lugares, 68 poles, e 76 melhores voltas, além de
liderar nada menos do que 5.100 voltas em 248 corridas disputadas, ostentando
uma média de 5,52 pontos por GP. Tornou-se um dos esportistas mais bem pagos do
mundo, ganhando cerca de US$ 50 milhões por ano, ou até mais, entre contratos
publicitários e salários da Ferrari. Alegar que já havia ganho tudo o que
sentia precisar ganhar não era nem um pouco inverídico, apesar de muitos
acharem que ainda podia ter feito mais se ficasse pelo menos mais dois anos em
Maranello.
Em
seus 3 anos de retiro, nunca ficou exatamente afastado da F-1: atuou como
conselheiro da Ferrari, fazendo alguns testes ocasionais pelo time italiano, só
para se divertir um pouco. Em contrapartida, aproveitou como nunca o tempo
livre, curtindo a vida como nunca pode em 15 anos de dedicação intensiva ao
automobilismo na F-1. Em 2009, quando Felipe Massa se acidentou na Hungria e
ficaria de fora do restante do campeonato, sua volta começou a ser veiculada.
Mas não se concretizou: um ferimento ocasionado por um tombo em uma de suas
participações de corridas de motos havia gerado uma lesão que ainda não havia
curado o suficiente. Mas bastou para despertar-lhe novamente o gosto e o desejo
pela competição, e no ano seguinte, estava de volta, agora na Mercedes, fábrica
que bancou o início de sua carreira na F-1.
Sua
volta, contudo, não foi o que muitos esperavam: os três anos de ausência
cobraram seu preço, e Schumacher ainda revelou uma certa limitação em lidar com
alguns dos atuais parâmetros de competição, como a falta de testes, e ter de
cuidar melhor dos pneus, item ao qual nunca foi exatamente dedicado: seu forte
era disparar na frente como ninguém mais conseguia fazer e detonar
psicologicamente a concorrência, aliando a estratégia de reabastecimentos para
ganhar posições nos boxes quando na pista era mais difícil. Foi um panorama
diferente ao que vivera em boa parte de sua carreira na F-1: antes ídolo
máximo, agora era apenas mais um, enfrentando pilotos de quilate, e melhor
equipados. Se Michael conseguiu recuperar sua velocidade, a Mercedes,
infelizmente, ainda não conseguiu lhe dar um equipamento comparável ao que teve
em seus melhores dias, a ponto de Nico Rosberg, que vem se sobressaindo sobre o
heptcampeão desde o seu retorno, ter até agora apenas 1 pole e 1 vitória nestes
3 anos.
Schumacher
disse que estes tempos de vacas magras não o têm desapontado, e diz que se
sente feliz devolvendo à Mercedes um pouco do que a fábrica lhe deu em seu
início no automobilismo, mas é óbvio que não está satisfeito com isso. Mesmo
assim, ainda permanece firme, e muito possivelmente pronto para encarar mais um
ano no time alemão em 2013. Chegar aos 300 Gps, neste domingo, é uma situação
que ninguém esperava ver, depois de 2006. Nem era necessário mesmo, mas ainda
assim, é uma marca a ser comemorada. Apenas Rubens Barrichello disputou mais
corridas, e mesmo assim, se cumprir mais uma temporada, até o recorde de
participações do brasileiro deverá passar para o alemão ao fim de 2013.
Com
apenas um pódio desde que retornou em 2010, Michael Schumacher ainda não
mostrou a que veio em sua prorrogação na carreira: muitos gostariam que
abandonasse de vez, para não diminuir seus feitos e manter seus números
espantosos. Por outro lado, é admirável ver como Michael encara estes tempos
onde ele é visto apenas “como mais um” no grid. Seria mesmo muito fácil pular
fora, depois de não ver resultados ao nível do qual sempre se acostumou, mas
ele permanece firme, e demonstra ter vontade de encarar ainda mais uma
temporada. Claro, sua esperança é que a Mercedes desencante, e ele ainda possa
mostrar um pouco do velho brilho, conquistar quem sabe mais uma ou outra
vitória, e então parar de vez. É seu direito, a menos que a Mercedes tenha outras
idéias, e resolva optar por outro piloto a partir de 2013.
Mas,
enquanto a situação de 2013 não se resolveu, que Michael comemore em uma de
suas pistas favoritas os 300 GPs de sua carreira na F-1, com todos os votos de
parabéns devidamente merecidos por isso.