sexta-feira, 13 de julho de 2012

EMPREGO FAZ-DE-CONTA


            Semana passada tivemos um acidente curioso na Inglaterra, que infelizmente, produziu ferimentos graves na piloto Maria de Villota, que ocupava a função de piloto de testes da equipe Marussia. A garota foi violentamente atingida na cabeça após bater na traseira de um caminhão junto à pista do aeroporto de Duxford. Levada em estado grave para o hospital, a espanhola foi submetida a cirurgias para sanar os ferimentos que sofreu, incluindo a perda do olho direito. Seu estado, apesar de crítico, já está mais estável, mas ainda inspira cuidados. Maria se feriu em um teste aerodinâmico em linha reta – a única atividade de teste permitida pela FIA durante a temporada, desde que os testes particulares durante o campeonato foram proibidos pela entidade há 3 anos, como forma de conter a escalada de custos galopante da F-1. Mas, de lá para cá, perdeu-se o sentido e a função dos chamados “pilotos de testes”.
            Até 2008, os testes eram totalmente liberados na F-1. Times como a Ferrari, especialmente na Era Michael Schumacher, iam para a pista toda semana. No caso do time italiano, que possui duas pistas particulares – em Mugello e Fiorano, não havia praticamente descanso, sendo que o time tinha até dois pilotos de testes para tanto. Um luxo no fim dos anos 1980, todo time passou a contar com pilotos de testes, até os menores. Mais do que isso, cada escuderia havia criado uma divisão especialmente só para executar testes e desenvolvimento dos carros. Os pilotos titulares também testavam, mas não tanto quanto os test drivers “oficiais”. Nem é preciso dizer que isso contribuía em muito para aumentar os custos de competição. Com a proibição dos testes durante o campeonato, os times tiveram que desfazer-se destas estruturas de testes, demitindo muita gente. Um time de ponta chegava a ter mais de 600 pessoas no total, e hoje este número desceu em vários casos para a metade, uma vez que não havia mais necessidade de se manter tanta gente. Os custos baixaram, é verdade, mas gerou conseqüências. A principal delas foi que os pilotos de testes, que antes aproveitavam sua função para ganhar quilometragem e intimidade com a mecânica e reações dos carros de F-1, hoje praticamente perderam essa oportunidade de aprendizado e experiência. E isso se tornou algo negativo, pois quando têm a oportunidade de finalmente estrear, têm de apresentar resultados logo de cara, e isso pode ser algo complicado. Ser piloto de teste de alguma escuderia era um “estágio” muito disputado, pois sempre era alta a possibilidade de ser efetivado pela escuderia, quando não era contratado para ser titular de outra equipe. E quanto mais testes e experiência tivesse, mais valiosos eles se tornavam potencialmente.
            Eles ainda existem, mas a função deles hoje praticamente inexiste, é um posto de faz-de-conta, pois do que adianta ter um piloto de teste, se não se pode testar? Essa é uma das incongruências que o regulamento de proibição de testes criou. Por outro lado, gerou até uma aberração na categoria, que foi transformar os pilotos de testes em fonte de renda para os times. Basta lembrarmos da equipe Renault (hoje Lótus) no ano passado, quando anunciou praticamente 5 pilotos reserva/de teste, entre eles Bruno Senna, que foi o único realmente efetivado pelo time, após a demissão de Nick Heidfeld. Mas cada um dos 5 pilotos pagou caro para estar ali, ainda que apenas fazendo pose, e com os discursos todos bonitos do time de que eles entrariam em ação em caso de necessidade. Mas, sem testes, para que 5 pilotos para isso. E ainda mais se levarmos em conta que cada time só pode ter 2 carros competindo na categoria? Mas a Renault não foi a única escuderia a lançar mão desta empreitada: quase todos os times médios e pequenos fizeram a mesma coisa, e se um ou outro andou, foi porque desembolsaram grana para isso, ainda que jurem de pés juntos que não foi nada disso. Mas alguém acredita? Eu não, e posso apostar que muita gente compartilha de minha opinião, que não é tão rara assim, muito pelo contrário.
            Como até a pré-temporada passou a contar com um número restrito de dias de testes, e ainda tendo uma regra imbecil que só permite a cada time ter um carro na pista de cada vez, os pilotos reserva/teste raramente participam de alguma sessão, pois cada time precisa obter o maior número de dados sobre os carros, e portanto, são os pilotos titulares que fazem a maior parte das sessões, afinal, serão eles que irão pilotar os carros nas corridas, e precisam conhecer os bólidos tanto quanto possível. Daí que também na pré-temporada, eles passaram a andar quase nada também.
            O acidente de Villota reabriu a discussão sobre a preparação dos novos pilotos que almejam entrar na F-1. Sem poderem testar, os times têm de aproveitar os fins de semana de corrida para dar-lhes alguma quilometragem e experiência ao volante de um carro, pois praticamente não há outra ocasião para fazer isso. Esta semana, nesta quinta e sexta, o circuito de Silverstone abriga uma sessão de testes exclusiva para novatos, onde pilotos que nunca disputaram a F-1 poderão testar à vontade. Mas o teste é restrito assim mesmo: apenas 3 escuderias estarão no autódromo inglês, enquanto as demais preferiram deixar para testar seus novatos após a corrida de Abu Dhabi, em Yas Marina, onde terão direito a 2 dias de testes. Quem testar agora não testa no fim do ano. E aí pode-se perguntar: dois dias é tempo suficiente para alguém criar intimidade com um F-1? É muito pouco tempo. Pior, sem ter contato freqüente com os bólidos, o comportamento dos carros agora, que serão desenvolvidos durante o ano, não deverá ser necessariamente o mesmo quando os pilotos tiverem chance novamente de guiar o monoposto, seja lá quando isso for. E, sem uma preparação decente, os pilotos novatos podem se arriscar desnecessariamente conduzindo carros cujas reações podem pegá-los de surpresa, como parece ter acontecido com Villota, sem mencionar que os testes aerodinâmicos em linha reta raramente contam com o aparato ideal de segurança que é providenciado para testes, embora neste caso aparentemente tenha sido mais uma fatalidade do que um acidente decorrente de falta de segurança. Outro dilema é o caso de um dos pilotos titulares ficar impossibilitado de guiar, e o reserva ter de assumir. Sem conhecer o carro como deveria, com certeza não vai poder fazer uma apresentação decente. Basta vez o que aconteceu com Luca Badoer, eterno reserva/test drive da Ferrari, quando precisou substituir Felipe Massa após seu acidente na Hungria em 2009. Sem conhecer o carro como precisava, não conseguiu fazer nenhuma corrida decente. E até Giancarlo Fisichella, tirado da Force Índia pouco depois, também não conseguiu fazer muita coisa com o carro italiano, pois só tinha chance de pilotá-lo nos fins de semana de GPs, e olha que o italiano era um piloto ativo, que por pouco não ganhou o GP da Bélgica daquele ano, tendo até saído na pole position.
            Quem está tendo uma chance decente de se preparar este ano é o finlandês Valteri Bottas, piloto de teste/reserva da equipe Williams, que entrará na pista no primeiro treino livre de sexta-feira de 15 das 20 provas deste ano. Já é patente para todo mundo que o time quer efetivá-lo em 2013, ainda mais porque seu empresário, Toto Wolf, é um dos sócios de Frank Williams. Mas, para permitir que Bottas faça uma estréia decente, o time já o está preparando este ano, com vistas ao próximo campeonato. Lógico que quem sai perdendo é justamente o piloto que tem de ceder o carro a Bottas nestes treinos, que é Bruno Senna. Isso tem tido reflexos no desempenho do piloto brasileiro, que em algumas pistas tem perdido tempo essencial para acerto de seu carro, e com isso, também não tem rendido tudo o que poderia render, segundo alguns. É ruim, e com certeza, não é a melhor maneira de se preparar um piloto, uma vez que cria alguns problemas para o time nos GPs, mas é a única opção disponível permitida atualmente.
            A Williams tem sido a única escuderia a lançar mão de tal recurso, enquanto os demais times, quando muito, colocam seu teste/reserva para guiar em um ou outro treino, muito mais com recurso de marketing/divulgação do que preparação efetiva. No ano passado, a Force India fez o que a Williams está fazendo hoje: deu a Nico Hulkenberg a oportunidade de guiar em diversos treinos, para mantê-lo ativo e permitir-lhe ser titular este ano de forma a apresentar performance condizente com o que o time exige. E já havia  feito o mesmo com Paul Di Resta, outro piloto que hoje é titular na escuderia indiana. O time de Frank Williams é quem está levando o esquema ainda mais fundo, pois além de sacrificar 15 treinos de Bruno Senna, ainda colocou Bottas para testar em Silverstone ontem e hoje, aproveitando todas as oportunidades disponíveis para preparar sua nova aposta para o futuro. Como Pastor Maldonado deve permanecer no time em função de sua carteira de petrodólares (leia-se PDVSA), Bottas só não deve ser efetivado se ocorrer um desastre, ou se Bruno Senna apresentar um desempenho excepcional até o fim do ano.
            A Red Bull tem outro método: um time B, a Toro Rosso, onde coloca seus novatos para pilotar para ver se conseguem mostrar talento para guiar pelo time principal. Até agora, só deu certo com Sebastian Vettel, que convenhamos, é um caso especial, e não a regra. E nessa sessão de “estágio” na Toro Rosso, já se queimou os talentos de Sebastian Bourdais, Scott Speed, Vitantonio Liuzzi, Sebastian Buemi e Jaime Alguerssuari. Os nomes da vez são Daniel Ricciardo e Jean-Eric Vérgne. Vamos ver o quanto duram.
            A F-1 virou uma categoria onde o piloto praticamente não testa, e os treinos são mínimos. O pior é saber que os times, de certo modo, parecem até preferir o modo atual de campeonato, pois durante a sessão de testes realizada em Mugello no início de maio, os times não se mostraram muito entusiasmados com a oportunidade de treinar e testar durante o campeonato como davam a entender preferir antes. Ao que parece, os simuladores virtuais, nova coqueluche tecnológica que eles utilizam para suprir a falta de testes e treinos, parecem agradar-lhes mais. Se é mais eficiente na preparação de um piloto, creio ser algo relativo, pois ao mesmo tempo em que suprem a necessidade de treino dos jovens pilotos, por outro lado roubam experiência prática real que pode ser muito mais proveitosa e instrutiva se realizada adequadamente.
            Sou a favor da volta, com alguma restrição, dos testes durante o campeonato, que poderiam ser organizados de forma a manter os custos sob controle, e dar oportunidade de guiar com alguma regularidade os carros aos novos pilotos. O problema é que, como sempre, a F-1 fala demais e faz de menos em alguns aspectos, devido a grande politicagem que sempre apresenta. E politicagem em demasia, todos sabemos, nunca traz ganhos positivos. Basta ver o que acontece em nosso país hoje em dia...

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