Semana
passada tivemos um acidente curioso na Inglaterra, que infelizmente, produziu
ferimentos graves na piloto Maria de Villota, que ocupava a função de piloto de
testes da equipe Marussia. A garota foi violentamente atingida na cabeça após
bater na traseira de um caminhão junto à pista do aeroporto de Duxford. Levada
em estado grave para o hospital, a espanhola foi submetida a cirurgias para
sanar os ferimentos que sofreu, incluindo a perda do olho direito. Seu estado,
apesar de crítico, já está mais estável, mas ainda inspira cuidados. Maria se
feriu em um teste aerodinâmico em linha reta – a única atividade de teste
permitida pela FIA durante a temporada, desde que os testes particulares
durante o campeonato foram proibidos pela entidade há 3 anos, como forma de
conter a escalada de custos galopante da F-1. Mas, de lá para cá, perdeu-se o
sentido e a função dos chamados “pilotos de testes”.
Até
2008, os testes eram totalmente liberados na F-1. Times como a Ferrari,
especialmente na Era Michael Schumacher, iam para a pista toda semana. No caso
do time italiano, que possui duas pistas particulares – em Mugello e Fiorano,
não havia praticamente descanso, sendo que o time tinha até dois pilotos de
testes para tanto. Um luxo no fim dos anos 1980, todo time passou a contar com
pilotos de testes, até os menores. Mais do que isso, cada escuderia havia
criado uma divisão especialmente só para executar testes e desenvolvimento dos
carros. Os pilotos titulares também testavam, mas não tanto quanto os test
drivers “oficiais”. Nem é preciso dizer que isso contribuía em muito para
aumentar os custos de competição. Com a proibição dos testes durante o
campeonato, os times tiveram que desfazer-se destas estruturas de testes,
demitindo muita gente. Um time de ponta chegava a ter mais de 600 pessoas no
total, e hoje este número desceu em vários casos para a metade, uma vez que não
havia mais necessidade de se manter tanta gente. Os custos baixaram, é verdade,
mas gerou conseqüências. A principal delas foi que os pilotos de testes, que
antes aproveitavam sua função para ganhar quilometragem e intimidade com a
mecânica e reações dos carros de F-1, hoje praticamente perderam essa
oportunidade de aprendizado e experiência. E isso se tornou algo negativo, pois
quando têm a oportunidade de finalmente estrear, têm de apresentar resultados
logo de cara, e isso pode ser algo complicado. Ser piloto de teste de alguma
escuderia era um “estágio” muito disputado, pois sempre era alta a
possibilidade de ser efetivado pela escuderia, quando não era contratado para
ser titular de outra equipe. E quanto mais testes e experiência tivesse, mais
valiosos eles se tornavam potencialmente.
Eles
ainda existem, mas a função deles hoje praticamente inexiste, é um posto de faz-de-conta,
pois do que adianta ter um piloto de teste, se não se pode testar? Essa é uma
das incongruências que o regulamento de proibição de testes criou. Por outro
lado, gerou até uma aberração na categoria, que foi transformar os pilotos de
testes em fonte de renda para os times. Basta lembrarmos da equipe Renault
(hoje Lótus) no ano passado, quando anunciou praticamente 5 pilotos reserva/de
teste, entre eles Bruno Senna, que foi o único realmente efetivado pelo time,
após a demissão de Nick Heidfeld. Mas cada um dos 5 pilotos pagou caro para
estar ali, ainda que apenas fazendo pose, e com os discursos todos bonitos do
time de que eles entrariam em ação em caso de necessidade. Mas, sem testes,
para que 5 pilotos para isso. E ainda mais se levarmos em conta que cada time
só pode ter 2 carros competindo na categoria? Mas a Renault não foi a única
escuderia a lançar mão desta empreitada: quase todos os times médios e pequenos
fizeram a mesma coisa, e se um ou outro andou, foi porque desembolsaram grana
para isso, ainda que jurem de pés juntos que não foi nada disso. Mas alguém
acredita? Eu não, e posso apostar que muita gente compartilha de minha opinião,
que não é tão rara assim, muito pelo contrário.
Como
até a pré-temporada passou a contar com um número restrito de dias de testes, e
ainda tendo uma regra imbecil que só permite a cada time ter um carro na pista
de cada vez, os pilotos reserva/teste raramente participam de alguma sessão,
pois cada time precisa obter o maior número de dados sobre os carros, e
portanto, são os pilotos titulares que fazem a maior parte das sessões, afinal,
serão eles que irão pilotar os carros nas corridas, e precisam conhecer os
bólidos tanto quanto possível. Daí que também na pré-temporada, eles passaram a
andar quase nada também.
O
acidente de Villota reabriu a discussão sobre a preparação dos novos pilotos
que almejam entrar na F-1. Sem poderem testar, os times têm de aproveitar os
fins de semana de corrida para dar-lhes alguma quilometragem e experiência ao
volante de um carro, pois praticamente não há outra ocasião para fazer isso.
Esta semana, nesta quinta e sexta, o circuito de Silverstone abriga uma sessão
de testes exclusiva para novatos, onde pilotos que nunca disputaram a F-1
poderão testar à vontade. Mas o teste é restrito assim mesmo: apenas 3
escuderias estarão no autódromo inglês, enquanto as demais preferiram deixar
para testar seus novatos após a corrida de Abu Dhabi, em Yas Marina, onde terão
direito a 2 dias de testes. Quem testar agora não testa no fim do ano. E aí
pode-se perguntar: dois dias é tempo suficiente para alguém criar intimidade
com um F-1? É muito pouco tempo. Pior, sem ter contato freqüente com os
bólidos, o comportamento dos carros agora, que serão desenvolvidos durante o
ano, não deverá ser necessariamente o mesmo quando os pilotos tiverem chance
novamente de guiar o monoposto, seja lá quando isso for. E, sem uma preparação
decente, os pilotos novatos podem se arriscar desnecessariamente conduzindo
carros cujas reações podem pegá-los de surpresa, como parece ter acontecido com
Villota, sem mencionar que os testes aerodinâmicos em linha reta raramente
contam com o aparato ideal de segurança que é providenciado para testes, embora
neste caso aparentemente tenha sido mais uma fatalidade do que um acidente
decorrente de falta de segurança. Outro dilema é o caso de um dos pilotos
titulares ficar impossibilitado de guiar, e o reserva ter de assumir. Sem
conhecer o carro como deveria, com certeza não vai poder fazer uma apresentação
decente. Basta vez o que aconteceu com Luca Badoer, eterno reserva/test drive
da Ferrari, quando precisou substituir Felipe Massa após seu acidente na
Hungria em 2009. Sem conhecer o carro como precisava, não conseguiu fazer
nenhuma corrida decente. E até Giancarlo Fisichella, tirado da Force Índia
pouco depois, também não conseguiu fazer muita coisa com o carro italiano, pois
só tinha chance de pilotá-lo nos fins de semana de GPs, e olha que o italiano
era um piloto ativo, que por pouco não ganhou o GP da Bélgica daquele ano, tendo
até saído na pole position.
Quem
está tendo uma chance decente de se preparar este ano é o finlandês Valteri
Bottas, piloto de teste/reserva da equipe Williams, que entrará na pista no
primeiro treino livre de sexta-feira de 15 das 20 provas deste ano. Já é
patente para todo mundo que o time quer efetivá-lo em 2013, ainda mais porque
seu empresário, Toto Wolf, é um dos sócios de Frank Williams. Mas, para
permitir que Bottas faça uma estréia decente, o time já o está preparando este
ano, com vistas ao próximo campeonato. Lógico que quem sai perdendo é
justamente o piloto que tem de ceder o carro a Bottas nestes treinos, que é
Bruno Senna. Isso tem tido reflexos no desempenho do piloto brasileiro, que em
algumas pistas tem perdido tempo essencial para acerto de seu carro, e com
isso, também não tem rendido tudo o que poderia render, segundo alguns. É ruim,
e com certeza, não é a melhor maneira de se preparar um piloto, uma vez que
cria alguns problemas para o time nos GPs, mas é a única opção disponível permitida
atualmente.
A
Williams tem sido a única escuderia a lançar mão de tal recurso, enquanto os
demais times, quando muito, colocam seu teste/reserva para guiar em um ou outro
treino, muito mais com recurso de marketing/divulgação do que preparação efetiva.
No ano passado, a Force India fez o que a Williams está fazendo hoje: deu a
Nico Hulkenberg a oportunidade de guiar em diversos treinos, para mantê-lo
ativo e permitir-lhe ser titular este ano de forma a apresentar performance
condizente com o que o time exige. E já havia
feito o mesmo com Paul Di Resta, outro piloto que hoje é titular na
escuderia indiana. O time de Frank Williams é quem está levando o esquema ainda
mais fundo, pois além de sacrificar 15 treinos de Bruno Senna, ainda colocou
Bottas para testar em Silverstone ontem e hoje, aproveitando todas as
oportunidades disponíveis para preparar sua nova aposta para o futuro. Como
Pastor Maldonado deve permanecer no time em função de sua carteira de
petrodólares (leia-se PDVSA), Bottas só não deve ser efetivado se ocorrer um
desastre, ou se Bruno Senna apresentar um desempenho excepcional até o fim do
ano.
A
Red Bull tem outro método: um time B, a Toro Rosso, onde coloca seus novatos
para pilotar para ver se conseguem mostrar talento para guiar pelo time
principal. Até agora, só deu certo com Sebastian Vettel, que convenhamos, é um
caso especial, e não a regra. E nessa sessão de “estágio” na Toro Rosso, já se
queimou os talentos de Sebastian Bourdais, Scott Speed, Vitantonio Liuzzi,
Sebastian Buemi e Jaime Alguerssuari. Os nomes da vez são Daniel Ricciardo e
Jean-Eric Vérgne. Vamos ver o quanto duram.
A
F-1 virou uma categoria onde o piloto praticamente não testa, e os treinos são
mínimos. O pior é saber que os times, de certo modo, parecem até preferir o
modo atual de campeonato, pois durante a sessão de testes realizada em Mugello
no início de maio, os times não se mostraram muito entusiasmados com a
oportunidade de treinar e testar durante o campeonato como davam a entender
preferir antes. Ao que parece, os simuladores virtuais, nova coqueluche
tecnológica que eles utilizam para suprir a falta de testes e treinos, parecem
agradar-lhes mais. Se é mais eficiente na preparação de um piloto, creio ser
algo relativo, pois ao mesmo tempo em que suprem a necessidade de treino dos
jovens pilotos, por outro lado roubam experiência prática real que pode ser
muito mais proveitosa e instrutiva se realizada adequadamente.
Sou
a favor da volta, com alguma restrição, dos testes durante o campeonato, que
poderiam ser organizados de forma a manter os custos sob controle, e dar
oportunidade de guiar com alguma regularidade os carros aos novos pilotos. O
problema é que, como sempre, a F-1 fala demais e faz de menos em alguns
aspectos, devido a grande politicagem que sempre apresenta. E politicagem em
demasia, todos sabemos, nunca traz ganhos positivos. Basta ver o que acontece
em nosso país hoje em dia...
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