Cá estamos em Shanghai para o Grande Prêmio da China de Fórmula 1, e o assunto no paddock é um só: haverá corrida no Bahrein? Desde que a corrida foi reinserida no calendário da categoria, após o seu sensato cancelamento no ano passado, Bernie Ecclestone, FIA e principalmente o governo barenita repetiam que este ano não haveriam os problemas que forçaram a etapa a não ser realizada no ano passado. E, até alguns dias atrás, todos eles, em sua grande parte do tempo, afirmavam que estaria tudo dentro dos parâmetros necessários para se reefetivar a corrida no pequeno país insular do Oriente Médio.
Mas o que muitos temiam parece estar acontecendo: os levantes do povo estão crescendo novamente, e desta vez, já há um recado até claro de muitos dos manifestantes: a F-1 não é bem-vinda no país. Já vi fotos até de pinturas conclamando o boicote à corrida, enquanto se ouve declarações de alguns manifestantes de que a corrida está “legitimando um governo opressor que não dá ouvidos a seu povo”, entre outras afirmações. A situação parece ter ficado mesmo temerosa, a ponto de Bernie Ecclestone afirmar, esta semana, que se os times da categoria não quiserem correr, ele não os fará competirem. Mas alguém acredita nisso seriamente? No fundo, o que estamos vendo é um perfeito jogo de empurra-empurra, onde ninguém quer ser o primeiro a dar o passo inicial.
Já fazem anos que todos os contratos da F-1 têm claúsulas sobre o rompimento de acordos. Quem não honrar seus compromissos está afeito a sofrer as conseqüências de seus atos. Ecclestone nunca escondeu sua admiração pelo autoritarismo, até porque nunca gostou de vozes dissidentes. E os times da categoria, por sua vez, também cultuam uma parte deste autoritarismo: pilotos, projetistas, etc, todos estão amarrados por contratos que prevêem conseqüências no caso de alguém resolver bancar o “rebelde”, leia-se quase sempre multas milionárias, para não falar de outras conseqüências veladas, nunca admitidas oficialmente, mas amplamente aceitas na intimidade.
No caso da não-realização de um GP, estão em jogo as taxas de realização da corrida, participação nos prêmios decorrentes da etapa, além de custos de transporte e outros pormenores. Cada equipe que faltar a um GP perde os direitos de prêmios do campeonato referentes àquela etapa, além de ser punida com uma multa, além de outros pormenores. Pilotos que se recusarem a correr também podem ser punidos com multas, e até serem excluídos do campeonato, em casos extremos, ou suspensos, além do fato de que seus times podem demiti-los até sumariamente. Ou cada um entra na dança, ou simplesmente não dança. O jogo, infelizmente, é bruto e claro. O esporte...ora, o esporte... Desde que passou a movimentar enormes somas de dinheiro que os negócios passaram a ditar os rumos da categoria, e ninguém quer deixar de ganhar uma porção da fatia deste bolo.
No caso do cancelamento da prova barenita, já tem muita gente querendo o cancelamento da corrida, passando por times, pilotos, jornalistas, etc. O problema é quem vai dar o passo inicial e cair fora desta que já está sendo considerada a grande roubada do ano da categoria. No ano passado, o governo barenita deu o aval para o cancelamento da corrida, aceitando que não havia condições, àquela altura, de sediar a corrida com total normalidade e segurança. Quando é o organizador que assume que não há condições de promover a corrida, normalmente ele perde o dinheiro da taxa que paga para poder sediar o GP, que no caso do Bahrein, dizem ultrapassar os trinta milhões de euros. Se fosse a FIA ou a FOM, este dinheiro teria de ser devolvido aos organizadores, pois a quebra do contrato não seria deles. Da mesma maneira, se o cancelamento partir das escuderias, que poderiam se recusar a correr no Bahrein, elas estariam sujeitas a perda dos direitos de premiação relativas a corrida, além de multas por falta de cumprimento de suas obrigações, entre as quais estarem presentes obrigatoriamente a todas as corridas. E essa falta ao GP poderia sujeitar os times a sofrerem outras punições, como suspensão, perda de pontos, e outros castigos.
Para se cancelar uma corrida assim, de modo a ninguém, ou melhor, a saírem perdendo o mínimo possível, todos têm de entrar em acordo para decidir que não haverá GP. O problema é obter essa união na categoria. O exemplo da Fota está aí para nos mostrar que as escuderias puxam a sardinha para o seu lado conforme a necessidade, e ninguém concorda com nada se não for ter uma compensação pela sua concordância. Assim, até o presente momento em que esta coluna está sendo finalizada, todos querem sair desta roubada, mas ninguém quer assumir a dianteira na decisão, por causa das implicações contratuais em que estão metidos.
Do lado de “fora”, há ouve vozes fortes contra a prova: Damon Hill, do BRDC, disse que se a F-1 correr por lá, será apenas pelo dinheiro, e que a situação é preocupante. Um Ministro do Interior do Bahrein declarou que pode ser perigosa a realização da corrida, especialmente se os protestantes resolverem invadir o circuito, e por tabela, a pista, durante a realização da prova. John Yates afirmou que para ter segurança mesmo, só realizando um verdadeiro cerco militar, o que iria prejudicar e muito a imagem da corrida, e da própria F-1. O que está se afirmando é que não há como prever se a corrida agirá como um verdadeiro estopim para colocar o Bahrein em ebulição total. A cada dia que se aproxima a data da prova, manifestações crescem no pequeno país. E se os manifestantes resolverem fazer uma verdadeira invasão em massa do autódromo, ninguém sabe o que poderá acontecer. A Primavera Árabe já mostrou que o Oriente Médio pode explodir muito facilmente. A F-1 vai querer correr este risco?
É esperada uma reunião para amanhã, sábado, com participação de todos os times, Bernie Ecclestone e Jean Todt, para decidir o que será feito em relação ao Bahrein. Os times teriam pedido o cancelamento da corrida, preocupadas com a segurança. Mas Bernie Ecclestone nega que os times tenham feito tal pedido, e o governo barenita, por sua vez, garante que será providenciadas todas as medidas necessárias para a corrida transcorrer em absoluta normalidade. No ano passado, a F-1, em um raro momento de lucidez, resolveu que não haveria corrida. Ainda está em tempo de mostrar que ainda tem alguma lucidez de pensamento e preocupar-se com a integridade de seus membros, e deixar de lado, ainda que momentaneamente, a questão financeira.
Ecclestone parece teimoso em aceitar que a situação pode ser potencialmente perigosa, e ainda afirma que, segundo suas informações, não há todos estes embates que a imprensa anda noticiando por lá. O governo barenita, por sua vez, reclama das “distorções” cometidas pela imprensa mundial, que estaria pintando um quadro negro da situação do país, quando ela na verdade está bem calma e serena. Segundo alguns, a reunião de amanhã seria mais uma tentativa de convencer as escuderias de que tudo está normal por lá e que é seguro correr a prova.
Da minha parte, repito o que já disse aqui no ano passado: a prova barenita não fará a mínima falta. O autódromo, em que pese sua excelente infra-estrutura, tem um traçado monótono e sem charme. Foi interessante nos primeiros anos, mas a corrida por lá nunca foi um primor, sendo mais um lamentável resultado da política de Ecclestone de faturar em cima de governos que querem apenas divulgar seu país, sem terem o carisma e charme para motivarem os fãs do esporte a motor, enquanto pistas na Europa estão sendo rifadas apenas porque não concordam em pagar as altas taxas da FOM, apesar dos inúmeros torcedores de corridas que o Velho Continente abriga.
Espero estar aqui novamente na próxima semana, com algo melhor para comentar sobre este assunto. Se for para comentar sobre algo ainda pior, a discussão irá muuuito longe...
Em tempo: a última corrida de F-1 cancelada em cima da hora foi o GP da Bélgica de 1985. A prova acabou cancelada praticamente no fim de semana da corrida, depois dos primeiros treinos, porque o asfalto da pista de Spa-Francochamps literalmente se desfazia com a passagem dos carros, trazendo perigo para os pilotos. A corrida acabou remarcada e realizada alguns meses depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário