Voltando a apresentar minhas antigas colunas, esta foi lançada no dia 19 de outubro de 1995, quando estávamos prestes a embarcar para as corridas finais do campeonato de F-1, que na época, eram no Extremo Oriente, mais precisamente as provas do Japão e da Austrália, sendo que esta ainda era disputada em sua primeira pista, o circuito urbano de Adelaide. Mas havia também o GP do Pacífico, disputado no pequeno autódromo de Ainda, situado em um fim de mundo próximo a Tsuyama, pequena cidade ao sul da principal ilha do arquipélago japonês, uma viagem digna de qualquer aventura de Indiana Jones que hoje pode até soar folclórica. Curtam agora o texto de uma época que já vai longe, nos lembrando de como o tempo voa...
E VAMOS PARA O ORIENTE
Adriano de Avance Moreno
Chegou as horas de fazer as malas e partir para o outro lado do mundo. Com as 3 últimas etapas a serem disputadas em terras do Oriente, a F-1 despediu-se da Europa para prosseguir o seu campeonato, em sua fase final. Desde o ano passado que 3 etapas são disputadas no Oriente. Este ano, por motivos inesperados, ficou até melhor para as equipes: será apenas 1 viagem da Europa até o outro lado do mundo. Em 94, foram 2 viagens, já que o GP do Pacífico foi a segunda prova da temporada, enquanto os GPS do Japão e da Austrália foram as últimas.
A vantagem é no campo econômico. As equipes médias e pequenas irão gastar menos na viagem. Já as equipes de ponta não sofrem este problema. É claro que há o inconveniente técnico: problemas graves só poderão ser remediados, já que as sedes das escuderias encontram-se do outro lado do planeta. Peças de reposição e outros pequenos detalhes técnicos poderão vir a ser um problema caso haja algum acidente forte com os carros.
Para os pilotos, o mais difícil é se adaptar ao horário local, e 12 horas de diferença no fuso horário não é brincadeira. Alguns pilotos, como Rubens Barrichello, chegam com alguns dias de folga, e malham um pouco para se aclimatarem mais rápido. O piloto brasileiro, por exemplo, depois de chegar ao Japão, nem pensou em tirar um ronco: foi a um parque de diversões e só saiu de lá quando a noite vinha chegando, indo dormir no mesmo horário dos japoneses. Segundo ele, é a melhor forma de se ajustar ao horário local.
As corridas em terras orientais têm sempre um lado curioso e característico. Para nós, brasileiros, é hora de assistir as corridas em plena madrugada, depois de as vermos pelo resto do ano de manhã ou à tarde. Para os europeus, é ver as corridas de manhã cedinho no domingo, quando eles tradicionalmente assistem à tarde. É divertido até.
E nossa primeira parada é o circuito de Aida, onde será disputado o Grande Prêmio do Pacífico de F-1. Os japoneses são, assim, nesta temporada, ao lado de italianos e alemães, os únicos a terem 2 GPs de F-1 em seu território. E os japoneses são loucos pela F-1, e este ano terão em dose dupla: apenas 7 dias depois do GP do Pacífico, será a vez do GP do Japão, em Suzuka. Só para se ter uma dimensão da paixão dos japoneses pela F-1, saiba que os ingressos para os GPS são vendidos na base do sorteio: cerca de 1 milhão de pretendentes (geralmente muito mais ainda) disputam o privilégio de serem um dos 200 mil contemplados para assistir o GP no autódromo de Suzuka (lotação máxima), e cerca de 80 mil em Ainda (também lotação máxima). Só por isso já se pode perceber o fanatismo dos japoneses pela categoria.
Agora, chegar a Aida para ver ou cobrir o GP do Pacífico já é uma aventura. O circuito, localizado a 800 Km de Tóquio, tem o nome de uma pequena vila de cerca de 4 mil habitantes. Por incrível que pareça, este circuito fica no meio de lugar nenhum, o que é um espanto em se tratando do Japão, um dos países mais densamente populosos do mundo. O único acesso a Ainda é uma estrada asfaltada bem estreita, que serpenteia pelos vales e planícies agrícolas das redondezas até chegar ao autódromo. A cidade mais próxima, Tsuyama, fica a quase 1 hora de viagem do circuito.
Para os estrangeiros, o ponto de chegada no Japão é a cidade de Nagoya, de onde se toma um dos trens-bala até Okayama. Essa parte da viagem ainda é agradável, onde se pode desfrutar da mais alta tecnologia no setor de viagens. Os problemas começam ao chegar em Okayama, onde tem se de tomar outro trem que, por incrível que pareça, quase fica a dever até aos trens brasileiros. É incrível que, num país como o Japão, coexistam trens que são a última palavra em tecnologia com sucatas ultrapassadas. E não é só: se chegar muito em cima da hora, corre-se o risco de ter de viajar de pé (geralmente estes trens andam lotados). Para complicar, ninguém na estação fala inglês, e os repórteres raramente são versados em língua japonesa. Provavelmente, só os repórteres japoneses escapam desse suplício...
Chega-se a Tsuyama. Destino final? Nada disso! O circuito fica a praticamente 1 hora de viagem de carro. E andando em uma estrada que não permite passagem folgada de 2 carros ao mesmo tempo. A paisagem é boa, mas o cansaço a esta altura da viagem já é nocauteante. A estrutura do lugar beira a zero: não há hotéis; as pensões são insuficientes, e não existem restaurantes por perto. Para os aventureiros e saudosistas da F-1 de 30 anos atrás, não há problema: é só levantar a cabeça e partir para o desafio de cobrir e/ou acompanhar esta etapa, e ainda ter disposição para assistir a corrida.
Sem hotéis, boa parte dos pilotos dorme no próprio circuito. São instalados conteiners especiais que são verdadeiros quartos de hotel em miniatura, com cerca de 9 metros quadrados de área, incluindo um pequeno banheiro particular. É montado um grande restaurante para alimentar a todos e vários cozinheiros também dormem nestes conteiners, para poderem iniciar desde cedo o seu trabalho, que não é pouco pois os expectadores da corrida também precisam comer. Ao longo da estrada que conduz ao circuito também são colocados containers de até 90 metros quadrados, onde se podem alojar cerca de 30 pessoas. São alugados especialmente para o público que vem de longe assistir a esta corrida. Rubens Barrichello confessa que é até divertido dormir em um destes conteiners. De fato, muitos devem ter a sensação de estarem em um acampamento, ao invés de um circuito que está recebendo a F-1.
E, afinal, como é que a F-1 veio parar neste lugar perto do fim do mundo? A resposta são cerca de US$ 5 milhões pagos pelo seu proprietário, Rajime Tanaka, um próspero empresário japonês e um entusiasta pelo automobilismo, à FOCA, para realizar um GP aqui, que leva o título de GP do Pacífico apenas porque seria impensável tirar o GP do Japão de Suzuka. O título de GP do Pacífico não é de agora: há algum tempo atrás, o grupo japonês Autopolis, que patrocinava a Benetton, planejava a construção de um circuito para abrigar uma segunda corrida de F-1 em terras japonesas, e que seria batizado de GP do Pacífico. O grupo acabou falindo, e a idéia parou por aí, até Tanaka se oferecer para sediar o GP do Pacífico em seu circuito particular. Tanaka, às vezes, também dá suas voltas na pista: ele tem 3 carros Tyrrel de F-1, e seu “recorde oficial”ficou na casa de 1min26s...
Bem, isto é Aida e o GP do Pacífico. Semana que vem, a F-1 desembarca em Suzuka e aí sim o clima é bem melhor. Mas melhor ainda é na Austrália, onde a F-1 termina o ano e o GP é sempre disputado em um clima festivo e descontraído...
Mais uma tragédia ceifou a vida de um piloto brasileiro. Marco Campos morreu esta semana depois de sofrer um violento acidente em uma disputa de posição na última volta da última etapa do campeonato de F-3000 deste ano, no circuito de Magny-Cours, na França. Seu carro capotou várias vezes e o jovem piloto, de apenas 19 anos, sofreu um grave traumatismo craniano, sofrendo morte cerebral pouco depois, tal como Ayrton Senna. A ironia: para 96, vão vigorar uma série de novas regras para aumentar a segurança dos carros desta categoria. Campos morreu na última volta da última corrida de 95 e foi a primeira vítima fatal deste campeonato desde que ele foi criado em meados da década de 1980...
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