Lewis Hamilton: adaptação à Ferrari está sendo mais complicada do que o piloto imaginava, mas o quanto disso é válido, e o que não é?
O 7º lugar no GP da
Arábia Saudita não foi o melhor dos resultados para Lewis Hamilton em sua nova
jornada na Ferrari. O próprio piloto admite, e falou com franqueza, que precisa
trabalhar melhor, e se adaptar com mais eficiência ao novo carro. O inglês até
desistiu de um momento de descanso para tentar trabalhar mais este problema até
a próxima corrida, em Miami, onde ele já espera passar por novas dificuldades.
Na verdade, ele chegou a ir mais além, afirmando que toda a temporada será
complicada. Isso é um banho de água fria nos torcedores mais entusiasmados do
heptacampeão, enquanto para os haters do piloto, é uma maravilha, por acharem
todo tido de argumento para, mais uma vez, defenestrá-lo, insistindo sempre na
história de “maior farsa” da F-1. Dá pena ver o raciocínio torto desta gente,
que usa e abusa da inteligência, sempre de modo a provarem o seu ponto de
vista, nem que seja preciso esquecer convenientemente a realidade.
O lance de adaptação, contudo, tem seus méritos coerentes. Afinal, se Hamilton é um “gênio” das pistas, como demorar tanto para se adaptar ao estilo de condução de um bólido? Para muitos, seria apenas sentar no carro e acelerar. Não tiro a razão deste tipo de pensamento, afinal, piloto que se preze, na minha opinião, teria de saber ser veloz com qualquer tipo de carro, fosse monoposto, turismo, kart, protótipo, e o escambau. Afinal, o cara não é o tal? Como ficar brigando com o carro, dessa maneira, se perguntam? Desculpa esfarrapada é o que mais alegam quem fala este tipo de coisa. Bem, infelizmente a realidade não é exatamente como gostaríamos de ser, e este problema de adaptação, é de fato, algo contundente. E, por incrível que pareça, nem os “gênios” da velocidade escapam deste tipo de situação, é a verdade.
Para os haters de Hamilton, essa última frase pode soar como tentativa de passar pano para o desempenho “medíocre” do inglês. Mas não é. Até Frederic Vasseaur saiu em defesa do piloto no último final de semana, criticando quem afirmava que o desempenho de Lewis teria caído “dramaticamente”. Para os críticos, o Hamilton que enfileirou títulos entre 2014 e 2021 não passava de uma farsa, disfarçada pelo momento de hegemonia da Mercedes, e nada mais, alegando que o desempenho do piloto de 2022 para frente é sua verdadeira capacidade, esquecendo de um detalhe que já repeti tantas e tantas vezes. E que parecem esquecer agora também.
Estes detalhes: George Russell é um piloto extremamente rápido, mas tratam a comparação de ambos como se George fosse um piloto fuleiro, um braço duro da vida, e por aí vai, quando ele é um piloto extremamente talentoso, e portanto, ambos tiveram desempenhos bem parelhos em vários momentos nos três anos, algumas vezes com Hamilton se sobressaindo, outras com Russell melhor. Na Ferrari, esquecem-se que Charles LeClerc talvez seja o piloto mais veloz em classificação da F-1 atual, conseguindo extrair do carro o que poucos conseguem, e não sendo um piloto de 3ª categoria, com o objetivo de diminuir ainda mais Hamilton na Ferrari. Se não são classificados como “gênios”, estão longe de serem pilotos ridículos ou medianos.
Mas este tipo de argumentação parece inútil para explicar a pessoas de mente curta e discriminação intensa. Não é algo novo, e certamente Hamilton não será o último a ser execrado por uma turba de gente de caráter e inteligência duvidosa que se diz fã ou entendido de automobilismo. O assunto aqui a ser discutido é algo mais crível, e que merece ser mais detalhado, que é a adaptação de um piloto a um carro de corrida.
E, conforme já mencionei, piloto que se preze deveria conduzir qualquer tipo de carro, não importa qual fosse. Antigamente, isso era até mais fácil, mas atualmente a situação se tornou um pouco mais complexa, e infelizmente, algo que não pode ser exatamente ignorado. E talvez, acabe nos lembrando que os pilotos tem seus limites, e são humanos como qualquer um. E se adaptar a um carro de corrida pode ter seus limites e macetes. E só quem já sentou e conduziu um carro de corrida no limite sabe como é esse lance de adaptação, para o qual os famosos “pilotos de sofá” acham que não passa de uma conversa esfarrapada para inglês ver, ou boi dormir, ou até mesmo ambos. Pode ser simples, ou complicado, a depender do tipo de carro que se pilotou antes, e o novo.
Lewis Hamilton está de fato sofrendo para se acertar com a Ferrari. O inglês já imaginava que poderia passar por algo assim, mas talvez não imaginasse que as dificuldades poderiam ser de tal envergadura. Mesmo os testes realizados com o carro antigo do time de Maranello não parecem ter surtido o efeito desejado, o que não deveria ser novidade, uma vez que carro atual, conforme a própria Ferrari afirmou, é muito diferente do carro do ano passado. Logo, parte de suas reações deveriam ser diferentes também. Mas o fato do buraco parecer mais embaixo denota que, da mesma forma, serão necessários esforços bem maiores para solucionar a situação. Lewis falou isso abertamente após o GP em Jeddah, onde colocou o maior peso em si mesmo. Afinal, LeClerc foi ao pódio, enquanto ele apenas terminou na mesma posição em que largou. Uma diferença na corrida que ficou na casa dos 30s. Muita coisa. Ele sabe que precisa reagir, e quer fazê-lo. O quanto isso irá demorar? Não sabemos. Isso joga muito contra o heptacampeão, e para muitos, a adaptação ao carro da Ferrari não pode ser assim tão demorada. Isso revela um ponto fraco do piloto, mas conforme já mencionei, pilotos são seres humanos, e mesmo os maiores campeões tem seus pontos fracos. Isso não deveria ser motivo para crucificação, mas é, quando há pessoas que só se interessam em pintar um quadro negro sobre certos competidores. Por outro lado, em um esporte onde detalhes fazem a diferença, esse problema tem de ser levado a sério, ou Hamilton ficará a temporada inteira na sombra do colega de time. A vitória na etapa sprint da China já não serve para apaziguar os ânimos, e a torcida ferrarista, sempre implacável com quem não “honra” a camisa do cavallino rampante, não vai demorar a ir para cima do piloto. Ou talvez não. Vai depender do humor deles. E parte das críticas será plenamente justificada.
Mas sejamos justos: desde que estreou na F-1, em 2007, até o ano passado, Hamilton só pilotou bólidos equipados com motores da Mercedes, além de ter guiado para dois times, McLaren, e Mercedes. No que tange ao motor, são quase vinte anos usando um propulsor que tinha qualidades específicas ao qual Lewis já estava mais do que acostumado. Agora, ele tem de lidar com um propulsor diferente, com um comportamento também diferente. Não se consegue fazer certas mudanças de um dia para o outro, e quanto mais tempo se estava acostumado com um tipo de característica, mais complicado pode ser a mudança para outro tipo de modelo. Os motores da Mercedes possuíam uma liberação de potência mais uniforme e gradual, enquanto o propulsor italiano tem uma resposta de potência mais abrupta e, por assim dizer, mais selvagem. Cada tipo de motor pede uma resposta diferente na condução do carro, e cabe ao inglês adaptar-se para tentar se ajustar o mais rápido possível a este tipo de resposta do equipamento, que não está errada a rigor, é apenas o estilo do motor italiano. Não é melhor, mas também não é pior. É apenas diferente. O mapeamento da unidade pode resolver parte do problema, se conseguirem nivelar melhor a entrega de potência, e quem sabe, permitir a Lewis extrair bem mais da máquina.
Há também o lance do
equilíbrio e a estabilidade do carro: Hamilton sempre gostou de carros
“neutros”, firmes, onde podia despejar sua velocidade, sabendo qual era o
comportamento do bólido, de modo que o inglês tinha uma tocada onde podia
confiar na resposta do carro, e ir aos seus limites extremos. Os carros-asa,
reintroduzidos na F-1 em 2022, jogam contra este estilo de condução mais neutra
que Hamilton preza. Até Toto Wolf já se manifestou sempre isso, explicando o
comportamento de Lewis nos últimos anos da Mercedes. E o novo carro da Ferrari
tem um comportamento mais solto, que definitivamente não casa com o modo de
pilotagem de Lewis. Ele calcula estar perdendo de 0s3 a 0s4 por volta na
comparação com LeClerc, o que explica boa parte da diferença de performance
para o monegasco. O fato do novo carro da Ferrari não ser uma evolução do
modelo de 2024 pode ter sido equivocado, já que a escuderia agora tem que
redescobrir todas as nuances do estilo do novo bólido, o que já fez até LeClerc
reclamar da situação. Os haters de Hamilton acusam que o time italiano seguiu
as instruções do inglês, e por isso, o carro ruim que tem no momento, mas
esquecem-se de que Lewis não deu palpites neste sentido em Maranello, uma vez
que ele estava na Mercedes ano passado, e só foi liberado para o time italiano
no início deste ano, quando o novo bólido já estava em fase de finalização.
Os trabalhos da Ferrari para incrementar a performance do modelo SF-25 é imperativo, não por Hamilton, mas para o próprio time voltar a se posicionar como candidato ao título, se não de pilotos, pelo menos de construtores. E melhorias no carro poderão ser benéficas para ambos os pilotos, já que um carro melhor faria LeClerc desempenhar ainda melhor do que já faz, enquanto ofereceria a Hamilton a possibilidade de evoluir na sua adaptação ao novo carro. No ano passado o time italiano também errou no desenvolvimento técnico do carro, precisando efetuar correções a meio do ano, quando então acertou a mão, e passou a brigar com a McLaren, e vindo com seus dois pilotos, sem ter um carro privilegiando o estilo de apenas um piloto, e sem favorecer abertamente apenas um dos pilotos. Afinal, a Ferrari diz que o objetivo é o time em si, e acima de tudo. Não estão errados, ao adotar uma abordagem que, em teoria, possa permitir a seus dois pilotos extraírem tudo o que puderem do bólido.
Já vimos isso na Red Bull, onde o carro, feito mais ao estilo de Verstappen, permite ao holandês chegar a andar muito acima de seus companheiros de time, chegando por vezes a diferenças absurdas. Os defensores do holandês, contudo, creditam esta diferença unicamente ao “braço” e talento do tetracampeão, o que é uma meia verdade, porque o diferencial de comparação não é justo para os dois pilotos, já que na maioria das vezes, os colegas de Max não tinham como levar o carro aos limites da mesma maneira como Verstappen. O ponto negativo aqui, como já mencionei, é que o time fica alijado na luta pelo título de construtores.
Fala-se que antigamente os pilotos pegavam o jeito do carro mais rápido, e que não tinha essa firula toda que estamos vendo hoje. Sim, e não. Os carros de antigamente tinham acertos mais simples, se comparados com os bólidos atuais, cheios de nuances e acertos detalhistas que podem até parecer singelos, mas escondem por vezes equações complexas onde os engenheiros tentam como podem equilibrar os pontos fortes e fracos de um projeto, e muitas vezes não conseguindo obter o êxito necessário.
E, claro, tem um fator crucial, solenemente ignorado, ou até possivelmente esquecido propositalmente. Antes, os testes eram livres. Pilotos, mesmo os novatos, podiam testar tanto quanto o time permitisse fazer isso. Jacques Villeneuve, por exemplo, antes de estrear na Williams em 1996, fez mais de cerca de 5 mil quilômetros de testes com a equipe, desde o anúncio de sua contratação, no segundo semestre de 1995, até sua primeira prova, em março de 1996. Na época, isso equivalia a mais de uma temporada completa, andando em vários circuitos, conhecendo várias pistas, e aprendendo sempre sobre o carro e seu comportamento. Assim, cada piloto, mesmo os que trocavam de time, tinham tempo para conhecerem seus novos carros, e entrar no primeiro treino do novo ano com conhecimento e experiência bem razoáveis sobre o equipamento que tinham à mão.
Hoje, o que temos: uma merreca de um dia e meio para cada piloto, numa pré-temporada que é tão ridícula que nem merece ser chamada assim. Não dá para os pilotos conseguirem domar e conhecerem carros complicados em tempo tão exíguo. E mesmo nos treinos livres de cada fim de semana de GP, as limitações de equipamento impedem que os pilotos andem tudo o que gostariam efetivamente, diante da necessidade de economizar equipamento, algo que não havia antigamente, onde os pilotos chegavam a usar mais de um motor por fim de semana de GP, no caso os times mais abastados. Mesmo nos treinos livres, desde que não sofressem acidentes, os pilotos podiam andar o quanto achassem necessário. O limite mesmo era o orçamento da escuderia, mas mesmo assim, rodava-se muito mais do que se anda hoje. OK, nos dias atuais temos os famosos simuladores, equipamentos onde os pilotos podem tentar compensar a falta dos testes reais, mas mesmo assim, por melhores que sejam, e por mais elogios que os pilotos possam dar a respeito deste tipo de recurso, eles ainda são enfáticos em dizer que os testes de pista reais são bem mais ideais e exatos.
Quem também está enfrentando problemas de adaptação é Carlos Sainz Jr., coincidentemente o piloto que Hamilton substituiu na Ferrari. O espanhol pela primeira vez está pilotando um carro com motor Mercedes, e também tendo de se adequar a um novo bólido de uma nova escuderia, e a toda uma sistemática da equipe Williams, em tese mais limitada do que a da Ferrari. Carlos até fez furor nos testes da pré-temporada, conseguindo marcas significativas que davam a entender que o time de Grove vinha bem melhor para esta temporada do que ano passado, em parte por ter finalmente uma dupla efetiva de pilotos, sendo que as últimas temporadas ficaram comprometidas pela presença de pilotos pagantes que não renderam o esperado. Bem, foi só a temporada começar, e Sainz levou várias pauladas de Alexander Albon, tendo desempenhos bem abaixo do anglo-tailandês, a ponto até de se imaginar que Carlos estivesse usando um chassi desatualizado. E ele também andou reclamando de precisar se adaptar ao novo carro e motor. E, embora Sainz não tenha um currículo campeão como Hamilton, ele também não é um mau piloto, e dava combate a LeClerc nos anos em que foram colegas na Ferrari. E o espanhol não sofre a mesma saraivada de críticas do inglês, embora passe por dilemas similares. Só na prova em Jeddah Sainz teve um desempenho condizente com sua capacidade, e mesmo assim, chegou com Albon colado em sua traseira. Mas Sainz ainda revela que precisa se aclimatar de vez ao seu novo ambiente, e poder render o que de fato pode apresentar. Mas, tal como ocorre com Lewis, o tempo limitado de pista impede uma adaptação mais rápida. E olhe que o espanhol já guiou carros com motores Renault e Ferrari, além de ter passado por Toro Rosso, Renault, McLaren, e Ferrari, e em tese deveria ser um piloto mais flexível pelas experiências em times diferentes, enquanto Hamilton ficou os últimos 12 anos na Mercedes somente. A contenção de despesas com o corte dos testes criou este empecilho, e para piorar, a F-1 tende a praticar cada vez mais pré-temporadas risíveis, cada vez mais curtas, onde os times já reclamaram várias vezes de não conseguirem testar com o gostariam, impactando na preparação adequada para o ano de competições.
São problemas do automobilismo atual, onde os testes passaram a ser limitados, e não apenas na F-1 em si, algo que na prática não existia nos velhos tempos. Por mais que se duvide dos pilotos quando falam dos problemas de adaptação, é preciso ter certa consideração neste assunto, mas para a imensa maioria, piloto que é piloto anda de qualquer coisa. Não discordo, mas também parece que não dá para levar o ditado aos extremos. É algo complicado mesmo, mas faz-se necessário separar o joio do trigo, levando em consideração as dificuldades válidas, do que é desculpa propriamente. Mas isso se o pessoal realmente estiver interessado nesta distinção, e não levar para o lado pessoal, e tratar tudo como se fosse a mesma coisa. E, nestes tempos de internet, o “tribunal” dos “fãs” e “entendidos” costuma ser impiedoso e brutal, sem meios-termos. E uma pena que as considerações válidas e bem embasadas que muitos fazem acabe se perdendo nas estripulias barulhentas da imensa maioria, reduzindo e muito as chances de vermos discussões válidas e ponderadas sobre certos assuntos.
E assim caminha a humanidade, lamentavelmente, e vamos em frente do jeito que é possível...
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Charles LeClerc, sem os problemas que afligem Hamilton, vem mostrando o que dá para fazer com a Ferrari, embora o monegasco também esteja insatisfeito com o rendimento do carro de 2025 até agora. |
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