sexta-feira, 6 de setembro de 2024

O RETORNO DA “FORMIGA ATÔMICA”

Depois de mais de três anos sem vencer, Marc Márquez encerrou o jejum em Motorland Aragón, e comemorou muito.

            Não há como negar. Isso já era algo esperado. E desde o ano passado. E no fim de semana passado, bem diante de sua torcida, eis que Marc Márquez, a “Formiga Atômica”, voltou ao degrau mais alto do pódio, com o triunfo na etapa de Aragón, na Espanha. O piloto da equipe Gresini, aliás, fez a festa completa no fim de semana: anotou a pole-position das duas provas, a principal e a Sprint, além de vencer ambas as provas, tanto no sábado quanto no domingo. Se alguém ainda tinha dúvidas do retorno do hexacampeão ao posto de protagonista da MotoGP, eis a prova de que o piloto ainda está com lenha para queimar. E com sede de voltar aos bons tempos de quando arrasava a concorrência na classe rainha do motociclismo.

            Não que isso pareça algo assim tão extraordinário e surpreendente. Desde o ano passado, quando resolveu fazer uma mudança radical, deixando a Honda, já se imaginava onde isso tudo iria dar. Depois de sofrer os mais variados problemas, tanto a nível pessoal quanto de equipamento, Marc Márquez tomou uma decisão drástica: rompeu seu contrato com a fábrica japonesa, encerrando uma relação de mais de uma década, e que havia resultado na conquista de seis títulos mundiais na MotoGP, e aceitou ir para um time satélite na competição. O time escolhido foi a Gresini, onde seu irmão mais novo Álex já estava competindo, e indo bem, à sua maneira. E que claro foi um grande incentivador da decisão do irmão mais velho de novamente dividirem as garagens de um mesmo time.

            O interesse de Márquez era óbvio: dispor novamente de uma moto competitiva, no caso, a Ducati, mesmo que sendo o modelo do ano anterior, no caso, a GP23, que se não é tão forte quanto a atual GP24, também não pode ser desprezada, afinal, foi a moto que deu o bicampeonato a Francesco Bagnaia, o que não é pouca coisa. A paciência com a Honda, apesar dos longos laços que os uniram por mais de uma década de competições, precisavam ser rompidos. Não apenas a Honda pagava seus pecados em relação ao desenvolvimento do seu protótipo, sempre confiando no braço de Marc Márquez para conseguir resultados que o equipamento jamais conseguiria em condições “normais” de outros pilotos, como o próprio Marc, depois de também comer o pão que o diabo amassou em 2020 e 2021 dos problemas oriundos do acidente sofrido em Jerez de La Frontera, e da sua pressa irresponsável em tentar voltar a competir o mais breve possível. Marc tratou de colocar a cabeça no lugar, e foi se tratar da forma correta, perdendo várias corridas, e descansando conforme as ordens médicas depois das cirurgias necessárias para corrigir os problemas desencadeados em 2020. E ainda teve alguns percalços adicionais, como casos de diplopia – visão dupla, decorrentes de acidentes ocasionais, que felizmente foram tratados adequadamente.

Enquanto Marc comemorou a vitória, seu irmão Álex arrumou confusão com Francesco Bagnaia e ambos foram para o chão dando adeus à corrida.

            Mas a Honda havia enveredado por um caminho complicado no desenvolvimento de sua RC213V, e se perdeu completamente nos trabalhos de deixar sua moto mais “neutra” e dócil. No esforço de tentar driblar as adversidades, Marc sofreu inúmeras quedas e tombos, e em 2023, a situação chegou ao limite. Depois de penar com cirurgias em 2020, 2021 e 2022, ele finalmente tinha se recuperado fisicamente, mas a Honda, que ficou à deriva nas corridas sem sua presença, pouco ou quase nada fez para tentar não apenas reagir, mas corrigir os erros de seu equipamento que há tempos já vinham sendo apontados pelos demais pilotos da marca, praticamente ignorados quando a “Formiga Atômica” ainda conseguia ganhar e ser campeão apesar de tudo. Mas dessa vez, nem mesmo o talento do hexacampeão estava mais conseguindo dar conta. O buraco onde a Honda se enfiara já era grande demais até para ele, mesmo que estivesse no seu ápice supremo como piloto. O rompimento, apesar de Márquez ter contrato até o fim de 2024, não foi sem lamentos, mas também não foi com rusgas. Ambos precisavam trilhar novos caminhos.

            No caso de Márquez, ele precisava provar a si próprio que ainda era o grande campeão que havia conquistado seis vezes o título da classe rainha, e que em seus tempos gloriosos massacrava os adversários na pista, sem dó nem piedade. Não era algo incomum de se pensar. No mundo das competições do esporte a motor, muitos campeões perderam parte de sua forma competitiva depois de algum acidente forte, sem conseguir mostrar novamente a mesma garra e determinação de antes. Nélson Piquet, por exemplo, confessou muitos anos depois, que o acidente que sofreu na curva Tamburello em Ímola, em 1987, afetou seu senso de profundidade, o que comprometeu parte de seu desempenho nas corridas. Piquet precisou se reinventar para manter-se competitivo, ainda que tenha declarado que nunca mais voltou a ser como antes. Mas ele conseguiu se recuperar o suficiente para conseguir ser campeão em 1987, e permanecer ativo nas pistas por mais alguns anos. Marc Márquez já tinha se acidentado fortemente várias vezes, mas escapou quase sempre de sofrer ferimentos comprometedores, de modo que seguiu impondo sempre um ritmo alucinado na sua pilotagem, e se arriscando demasiado, como se acreditasse que sempre teria sorte de escapar do pior em novos acidentes. Mas uma hora a sorte muda, e o acidente de 2020 realmente tinha pego o piloto de jeito, mas foi a própria imprudência dele que complicou tudo, ao tentar forçar seu retorno sem ter as devidas condições. Isso lhe custou as temporadas de 2020, 2021, e 2022. No retorno com força total, imaginado em 2023, não deu para saber se ainda seria o velho Marc de antes, já que a competitividade da Honda não lhe permitia obter uma resposta. Era preciso mudar.

Jorge Martin não venceu em Aragón, mas saiu mais do que satisfeito ao ver o azar do rival Bagnaia, o que o fez ampliar sua vantagem na liderança do campeonato.

            E na Gresini, com uma moto competitiva, mesmo sendo um time satélite, o hexacampeão voltou a sorrir. Ele aceitou dar um passo atrás, saindo de um time de fábrica, para defender um time independente, que utilizava outra marca de moto. Era uma aposta, até certamente corajosa, para um piloto de seu status. Que poderia ter dado errado também. Apesar da Ducati ser uma moto muito mais dócil e fácil de dominar, sempre poderia haver o risco de não se entender com o equipamento. Jorge Lorenzo que o diga: deixou a Yamaha e foi para a Ducati, onde demorou praticamente uma temporada e meia para conseguir se ajustar ao comportamento da Desmosédici, e acabou superado amplamente por Andrea Dovizioso na equipe de Bolonha. Márquez encarou as dificuldades de adaptação ao estilo da nova moto, e teve paciência para aprender as nuances de seu novo equipamento, após anos acostumado ao estilo de condução das motos da Honda. E ele não demorou muito para começar a aprender como conduzir a GP23. Esta, sem dúvida, a resposta que ele buscava: ainda era competitivo, e poderia voltar a disputar vitórias, e quem sabe o título. A fez seu lobby para ir para o time de fábrica da Ducati, o que acabou conseguindo, desbancando Jorge Martin, que sentia ser finalmente sua vez no time oficial.

            Márquez já havia voltado a liderar provas, voltou ao pódio, e já se colocou entre os primeiros colocados no campeonato. Mas faltava vencer. Em alguns momentos, parecia que o hexacampeão enfim voltaria ao degrau mais alto do pódio, mas sempre houve um problema ou outro, dele, ou de terceira causa, que estava adiando o sonho do retorno. Mas uma hora tudo se encaixaria, e esta hora chegou, em Aragón Motorland. Márquez conquistou a pole, e fez uma corrida Sprint perfeita, mantendo-se na liderança, e controlando os concorrentes. Mas um triunfo numa prova Sprint não conta para as estatísticas oficiais, embora a satisfação tenha sido a mesma. No domingo, teria a chance de repetir a dose, e confirmar o seu domínio no fim de semana do Motorland. E como nos velhos tempos, Marc disparou da pole para liderar a corrida do começo ao fim. Mesmo nas voltas iniciais, com todo mundo próximo, a “Formiga Atômica” se manteve firme na ponta, sem cometer um erro, e mesmo Jorge Martin, que em inúmeras etapas se mostrou o piloto mais rápido da pista, desta vez não conseguiu destronar o hexacampeão, que foi aumentando sua vantagem lenta, mas firmemente, deixando até mesmo o compatriota da equipe Pramac incapaz de acompanhar seu ritmo, mesmo dispondo de uma moto GP24, teoricamente superior.

            Não, o Marc Márquez que vimos em Aragón lembrou os bons tempos de quando arrepiava os adversários, vencendo de forma categórica e decidida. E basta ver a comparação com seu próprio irmão Álex, que mesmo tendo um ano de experiência na Gresini, e conhecendo muito melhor a Desmosédici, ocupa apenas a 10ª posição na classificação, com apenas 104 pontos, enquanto seu irmão mais velho é o 3º colocado, com 229 pontos, mais do que o dobro. Marc Márquez chegou “chegando” na Gresini, sem deixar dúvidas de que ainda é aquele piloto fenomenal que quase conquistou sete títulos consecutivos na MotoGP, e que parecia capaz de derrotar sozinho todo o resto do grid com sobras e até requintes de crueldade.

A torcida de Marc Márquez fez a festa nas arquibancadas de Aragón (acima) diante da vitória de seu grande ídolo, que conquistou seu primeiro triunfo com uma Ducati (abaixo), e que promete não ser a última.


           
A aposta de Marc Márquez já mais do que se pagou, se levarmos em conta a situação da Honda na temporada 2024, que continua bem ruim, tanto no time de fábrica quanto na equipe satélite LCR, com os pilotos na maioria das vezes disputando as últimas posições do grid, com Takaaki Nakagami, da LCR sendo o piloto Honda melhor classificado no campeonato, apenas em 18º lugar, com 18 pontos. Johaan Zarco, também da LCR, é o 19º colocado, com 17 pontos, enquanto no time oficial de fábrica, Joan Mir é o 20º, com 15 pontos, e Luca Marini o 24º, com apenas 1 ponto. E com perspectivas, ainda incertas, de melhoras somente no próximo ano, se é que serão efetivas. Marc Márquez até poderia ter resultados melhores, dado o seu talento diferenciado, mas dificilmente estaria tão bem quanto está hoje na Gresini. A Honda confiou demais nele para se manter, e hoje, nem mesmo a “Formiga Atômica” seria capaz de levantar a performance do time nipônico, e isso foi percebido no excessivo número de quedas do piloto na temporada do ano passado, tentando andar mais do que a moto podia oferecer, que já era muito menos do que nos tempos em que conseguia vencer corridas e disputar o título. Azar da Honda, que veio enrolando seus problemas estes anos todos, apesar dos avisos, que não foram poucos, e agora parece completamente perdida na tentativa de resolver a situação.

            O duelo em 2025 na equipe de fábrica da Ducati promete pegar fogo, onde o hexacampeão terá de brigar para demarcar seu espaço na escuderia, especialmente frente a Francesco Bagnaia, o atual bicampeão, e que poderá conquistar o tricampeonato este ano. Todos acreditam que pode ser um duelo onde sairá faíscas a torto e a direito. Para Márquez, será a volta em definitivo ao posto de protagonista na competição, enquanto para Bagnaia será seu grande momento de afirmação perante todos. E nenhum deles vai querer perder. Bagnaia ascendeu ao topo de melhor da MotoGP durante os momentos ruins de Marc Márquez e da Honda. Agora, com ele dividindo as garagens no próximo ano, que fique preparado para uma luta fraticida. Até porque, como vimos em Aragón, a “Formiga Atômica” está de volta, e querendo bem mais do que já tem...

 

 

A McLaren pintou novamente como favorita nos treinos para o Grande Prêmio da Itália, e confirmou isso com mais uma pole-position de Lando Norris. Mas, na corrida, o time acabou surpreendido pela Ferrari e por Charles LeClerc, que fez uma incrível prova, conseguindo conservar seus pneus, e com isso fazendo apenas uma parada nos boxes para troca dos compostos, contra a maioria dos demais pilotos, que fez duas paradas por segurança, diante do novo asfalto da pista de Monza, que aquecia muito mais do que o anterior, e por tabela, também os pneus dos carros. Mas em termos de campeonato, quem mais uma vez conseguiu administrar o prejuízo foi Max Verstappen, apesar da pior corrida do holandês na temporada, onde esteve sem condições de disputar a pole-position, e terminou apenas na 6ª posição. Só que a McLaren viu Oscar Piastri surpreender Lando Norris já na primeira volta e superou o inglês, sendo o nome mais forte do time de Woking para brigar pela vitória. Piastri acabou em 2º lugar, com Norris fechando o pódio em 3º, visivelmente irritado ao fim da corrida com o resultado, onde poderia ter tirado mais pontos de Verstappen, diante do rendimento maior da McLaren. Mas, se alguém foi mais culpado nesta história foi o próprio Norris, que depois de se ver superado por Piastri ainda na primeira volta, nunca conseguiu retomar a posição de volta na pista, e menos ainda teve condição de tentar brigar com LeClerc pela vitória. Piastri até que tentou, mas não conseguiu chegar no monegasco no fim da corrida em tempo de tentar um ataque efetivo. E a McLaren também não conseguiu reagir à estratégia da Ferrari com LeClerc. O time de Woking, contudo, vem firme para tomar a liderança do campeonato de construtores da Red Bull, o que pode ocorrer já na próxima corrida, no Azerbaijão. Já quanto ao campeonato de pilotos, Max Verstappen agora tem uma dianteira de 62 pontos, com oito corridas pela frente. O título de construtores, pelo ritmo que os carros laranjas vem demonstrando, pode ser considerado quase certo. Já o de pilotos vai exigir mais esforço e coordenação da McLaren, e principalmente de seus pilotos. Resta saber se eles saberão otimizar seus resultados conforme se precisa...

 

A Ferrari fez a festa em Monza diante dos "tiffosi", surpreendendo os rivais com uma corrida irrepreensível de Charles LeClerc.

 

A pista de Misano é o palco do GP de San Marino neste fim de semana pelo campeonato da MotoGP. A prova Sprint tem largada às 10:00 Hrs. neste sábado, enquanto a corrida no domingo acontece às 09:00 Hrs., com transmissão ao vivo pelo ESPN4 e pelo Disney+. Jorge Martin saiu no lucro na etapa de domingo passado, em Aragón, diante do enrosco vivido por Francesco Bagnaia com Álex Márquez na prova do domingo, que resultou no abandono de ambos, ajudando o espanhol da Pramac a disparar 23 pontos na liderança do campeonato, um prejuízo que Bagnaia terá trabalho para recuperar, ainda que teoricamente tenha todas as condições para isso. O bicampeão da Ducati, contudo, está preocupado em achar a solução dos problemas que fizeram com que seu desempenho na etapa de Aragón ficasse abaixo do esperado, tendo inclusive feito péssimas largadas na corrida Sprint e na principal, o que comprometeu seu desempenho, nitidamente inferior ao potencial da Desmosédici GP24. Com Marc Márquez tendo dominado o fim de semana, e Jorge Martin firme na vice-liderança em ambas as provas, a expectativa de “Pecco” era minimizar os prejuízos, e no domingo, ele vinha para pelo menos tentar o pódio com o 3º lugar quando ouve o percalço com Álex Marquez, com ambos se tocando e saindo da pista com relativa gravidade, inclusive com a moto da Gresini quase passando por cima de Bagnaia. Felizmente os dois pilotos saíram ilesos do acidente, que poderia ter tido consequências bem mais graves. A direção de prova não puniu nenhum dos dois pilotos, tratando como incidente de corrida, até porque ficou complicado dizer quem forçou mais na situação. Vida que segue, e certamente ambos precisarão tomar mais cuidado com algumas disputas de posição, especialmente para Bagnaia, que não pode ficar se dando ao luxo de abandonar mais etapas se quiser chegar ao tricampeonato mundial este ano...

Nenhum comentário: