quarta-feira, 8 de maio de 2024

ESPECIAL – SENNA: 30 ANOS

O acidente de Ayrton Senna foi feio, mas a F-1 já tinha visto acidentes ainda mais horripilantes, e os pilotos saíram vivos. Porém, o brasileiro não teve a mesma sorte...

          No último dia 1º de maio, há uma semana atrás, tivemos exatos 30 anos da perda de um dos maiores pilotos da história do automobilismo mundial. Foi o dia em que Ayrton Senna da Silva, um brasileiro, faleceu após sofrer um violento acidente na pista do Autódromo Enzo e Dino Ferrari, na cidade de Ímola, na Itália, quando no dia 1º de maio de 1994 foi disputado o Grande Prêmio de San Marino de Fórmula 1. Senna defendia a Williams, o principal time da competição, depois de seis temporadas correndo pela McLaren, e buscava o tetracampeonato mundial, em um ano onde nada saiu como ele esperava.

          A F-1, depois de dois anos de flagrante domínio da equipe de Frank Williams, havia acertado o fim de vários dispositivos tecnológicos que ajudavam na pilotagem dos carros, como a suspensão ativa, o controle de tração, freios ABS, entre outros. Isso deixou os carros efetivamente muito nervosos naquele início de 1994, talvez nervosos até demais, e quis o destino que isso acabasse sendo mostrado da pior maneira possível, através de um acidente que comoveu o mundo inteiro, por ter sido visto ao vivo, e com suas piores consequências sendo anunciadas algum tempo depois, com a morte de Ayrton. O GP de San Marino de 1994 acabou ganhando o adjetivo de “fim de semana mais negro da história do automobilismo mundial”, para muitos algo plenamente justificado.

          Por mais que a F-1 já tenha lidado com acidentes em sua história, nunca antes aconteceram tantas coisas em um mesmo final de semana, o que aumentou o impacto dos acontecimentos, sem mencionar que uma das vítimas era justamente o grande astro da categoria, Ayrton Senna, tricampeão mundial, e favorito para buscar o quarto título, ainda que o início da temporada não tenha sido dos mais afortunados. E havia o televisionamento ao vivo, algo que não havia antigamente, onde muitos acidentes eram vistos apenas em imagens de VT. Só para exemplificar, os últimos acidentes fatais em um fim de semana de GP havia sido o de Gilles Villeneuve (Ferrari) no GP da Bélgica, em 1982, e tinha sido em um treino, que na época, não era televisionado, onde somente as corridas costumavam ser mostradas ao vivo, e mesmo assim, nem todas elas; e o de Ricardo Paletti (Osella) na largada do GP do Canadá, algum tempo depois, também em 1982, onde seu carro explodiu após atingir violentamente a Ferrari de Didier Pìroni, que havia ficado parada no grid, sem conseguir arrancar, quando a largada foi dada ignorando os apelos do piloto ferrarista. Em 1987, Elio de Angelis morreu ao volante de um carro da Brabham, mas em um teste privado na pista de Paul Ricard, algo também não mostrado na TV. Por isso mesmo, os acontecimentos do fim de semana em Ímola ganharam uma dimensão ainda maior, ainda mais por não termos a perda de um piloto em um fim de semana de GP havia mais de uma década. Muitos estavam desacostumados com quanto perigoso era o mundo do automobilismo, uma vez que alguns acidentes pavorosos presenciados em tempos recentes naqueles dias não haviam acometido novas mortes aos pilotos, pelo menos nos fins de semana de corrida, ainda que alguns deles tenham sofrido fortes e graves ferimentos. Mas, uma hora, a sorte poderia faltar. E ela faltaria justamente naquele GP que iniciava a fase europeia da temporada de 1994.

Rubens Barrichello voa com sua Jordan, no início de um fim de semana que iria chocar a F-1 como nenhum outro em sua história.

          Na sexta-feira, tivemos o acidente de Rubens Barrichello, na curva próxima à entrada dos boxes. O piloto brasileiro, então defendendo a Jordan, chegou a ficar inconsciente, e apesar de alguns ferimentos, diante da violência da pancada, com seu carro tendo dado alguns giros, teve como maior consequência ser vetado de participar da corrida. Isso poupou Rubinho de presenciar o resto do fim de semana negro que viria a acontecer. Ele embarcou para a Inglaterra, e estava acompanhando de casa os acontecimentos na pista, pela televisão.

          No sábado, a Simtek do novato Roland Ratzenberger perdeu parte da asa no trecho de alta velocidade após a curva Tamburello, e sem sustentação aerodinâmica, seguiu reto na curva Villeneuve, batendo de frente com a mureta de proteção ali existente. O impacto rachou a lateral do carro, e era possível notar manchas de sangue no capacete do piloto, que foi prontamente levado para o Hospital Maggiore, em Bolonha, centro médico escolhido para o atendimento de emergências que porventura ocorressem no autódromo no fim de semana do GP. Lá, o piloto recebeu o diagnóstico de morte, algo não confirmado na pista, ainda que as sequelas não dessem esperanças de que Roland sobreviveria muito tempo.

Roland Ratzenberger no que sobrou de sua Simtek, sendo visível o sangue no capacete do piloto.

          O clima pesou no autódromo, e Senna, já atingido pelo forte acidente sofrido por Barrichello no dia anterior, recebia o novo golpe da morte de um colega de profissão. Ele chegou a ir até a curva Villeneuve, local da batida de Ratzenberger, para verificar tudo, o que o levou até a ser advertido pela direção de prova, por fazer algo que não era função dele como piloto averiguar. Desnecessário dizer que isso só o deixou ainda mais chateado, diante do modo como a direção de prova se portou, ainda mais em relação a um assunto tão sério. Senna teria cogitado não participar da corrida, decisão que foi comunicada à Williams, que entendia como seu piloto estava se sentindo naquele momento.

          E, no domingo, apesar de tudo, lá estava ele, novamente na pole-position, com o tempo conquistado ainda na sexta-feira, já que não treinara depois do acidente do piloto da Simtek. Mas, já na largada, o carro de JJ Letho, da Benetton, ficou parado, e acabou atingido pela Lotus de Pedro Lamy, numa forte pancada, que jogou pedaços de carro para várias direções, inclusive na arquibancada, ferindo alguns torcedores. O Safety Car entrou em ação, e no noviciado do recurso, haviam escolhido um carro incapaz de andar em altas velocidades, o que deixou Ayrton até nervoso, preocupado com o aquecimento dos seus pneus. Após algumas voltas, com a pista livre, foi dada a relargada, sendo disputada duas voltas, antes do giro derradeiro em que Senna seguiu reto na curva Tamburello, sofrendo seu acidente fatídico.

Início tumultuado do GP de San Marino. Choque entre JJ Letho e Pedro Lamy fez voar pedaços de carros até na arquibancada em frente, atingindo alguns expectadores.

          Aqui, começaram as controvérsias: teria morrido na pista, e o fato encoberto, para não prejudicar a corrida, a exemplo do que alegaram ter acontecido no dia anterior com Ratzenberger, ou de fato sua morte se deu no hospital? Os regulamentos legais apontam para a morte quando o coração cessa de bater, e o do brasileiro ainda estava batendo, tendo sido reanimado ainda na pista, com o encerramento das funções cardíacas ocorrendo de fato no hospital, fato legal que determinava sua morte. Mas, já na pista, não havia esperanças de que ele sobreviveria. Num lance do mais puro azar, um braço da suspensão que havia se desprendido no impacto do monoposto com o muro da Tamburello atingira a fronte da cabeça de Senna, tendo atravessado sua viseira, no limite da mesma. O forte impacto da peça metálica empurrou a cabeça do piloto contra o cockpit, causando séria lesão na base cranial, comprometendo totalmente suas funções cerebrais. Sua morte seria questão de horas, e pouco havia o que se fazer.

Os destroços do carro da Williams (acima), mostrando uma rachadura no cockpit do lado esquerdo, indicando a violência da pancada no muro externo da Tamburello. Um clima de urgência para levar Senna para o Hospital de Bolonha o quanto antes (abaixo), mesmo com poucas hipóteses de salvação do piloto.


          E, de fato, pouco tempo depois, ainda com a corrida em curso, recomeçada depois de algum tempo, veio a notícia do falecimento de Ayrton, no hospital. Mais da metade dos jornalistas presentes havia corrido para frente do Maggiore, em Bolonha, enquanto o restante do pessoal ficou no autódromo, acompanhando o GP, mas atentos ao que se passava no hospital. Ainda tivemos problemas nos boxes, ajudando a tornar o ambiente daquele GP inesquecível, não pelos motivos mais agradáveis, claro. Michele Alboreto, da Minardi, perdeu uma das rodas após o pit stop, quando saiu do pit lane, e a roda atingiu alguns mecânicos da Lotus e da Ferrari, felizmente, sem muita gravidade, mas ajudando a deixar o clima, já tenso, mais agitado. Andrea de Cesaris, substituindo Eddie Irvinne na Jordan, também bateu, mas felizmente, sem gravidade. Quando a corrida enfim acabou, uma pequena sensação de alívio, mas sem deixar de sentir que todos haviam passado por um pesadelo, do qual parecia não haver como acordar, sendo a pura realidade. Poderíamos ter tido muito mais problemas do que os ocorridos. Agora, era hora de encarar as consequências.

          O mundo do automobilismo perdia ali um de seus grandes nomes. O Brasil, seu grande herói esportivo. O país do futebol, que não conquistava uma Copa do Mundo desde 1970, havia eleito o automobilismo sua válvula de escape, tendo desde então os títulos mundiais de Émerson Fittipaldi (1972 e 1974, na F-1; e 1989, na F-Indy); Nélson Piquet (1981, 1983, e 1987); e Ayrton Senna (1988, 1990, e 1991). O ufanismo da Rede Globo na cobertura da competição só ajudava a tornar a imagem de Senna ainda mais emblemática para o torcedor brasileiro, que via em seu compatriota alguém que mostrava ao resto do mundo que um brasileiro podia ser, sim, melhor que todo mundo em alguma coisa. Mas isso ruiu naquele 1º de maio de 1994. Para nunca mais voltarmos a ter algo parecido, apenas breves lampejos.

          O mundo do automobilismo, refeito do choque, felizmente soube aproveitar as amargas lições daquele fim de semana negro de Ímola. Novas regras de segurança foram sendo implantadas nos carros, que já eram bem seguros em muitos aspectos, mas não tanto quanto se imaginava. E os circuitos também passaram a ser adaptados para oferecerem maior segurança às corridas. Ímola, por exemplo, que era uma pista de alta velocidade, ficou truncada com a transformação da Tamburello em uma variante, e com a Villeneuve se tornando uma curva bem mais fechada, de modo que o circuito, antes oferecendo várias ultrapassagens, viu elas escassearem bastante com os novos layouts. Vários circuitos tiveram as áreas de escape ampliadas, e áreas de brita começaram a ser substituídas em muitos pontos por áreas asfaltadas, oferecendo a pilotos que escapam do traçado melhores chances de frenagem, entre outras mudanças que foram implementadas.

          É verdade que, no calor do momento, logo após a prova de San Marino em 1994, na ânsia de mostrar serviço e providências para melhorar a segurança da competição, muitas regras foram impostas a ferro e fogo, algumas práticas, outras nem tanto, e até com certo grau de amadorismo. As entradas de ar dos carros passaram a ter cortes na parte de trás, com o intuito de diminuir sua eficiência na captação de ar, de forma a diminuir a potência dos propulsores, e por tabela, a velocidade dos carros. Em pistas como Barcelona e Montreal, chicanes provisórias foram instaladas para quebrar a velocidade dos carros em pontos considerados perigosos. E até mesmo a famosa curva Eau Rouge, em Spa-Francorchamps, na Bélgica, ganhou uma chicane, para que os carros passassem por ali muito mais devagar. Foi também recriada a Associação de Pilotos de Grand Prix, entidade que representava os pilotos da competição, que estava extinta havia anos, para se fazer novamente os pilotos serem ouvidos no que tangia à concepção dos carros e das regras de segurança, afinal, eram eles que sentavam nos carros e aceleravam fundo, e sabiam melhor do que ninguém os riscos que corriam fazendo aquilo, uma medida importante se lembrarmos que muitas regras eram baixadas sem o devido acuro técnico e os feedbacks deles.

Mônaco, corrida seguinte, novo acidente forte, agora com Karl Wedlinger, da Sauber, que sobreviveu, apesar de passar algumas semanas em coma no hospital, deixando o pessoal da F-1 com os nervos à flor da pele.

          A F-1 ficou assustada com Ímola, e para piorar, logo na etapa seguinte, em Mônaco, vimos outro acidente bem forte, com a Sauber de Karl Wendlinger a bater forte na curva após a saída do trecho do túnel na pista monegasca, a chicane do porto. O austríaco foi parar no hospital, tendo ficado algumas semanas em coma, uma vez que batera a cabeça no acidente. Apesar de ter se recuperado, vários meses depois, quando retornou à competição já não era mais o mesmo piloto de antes, sentindo sequelas do acidente. Em Barcelona, novo susto, agora com Andrea Montermini, da Simtek, a bater forte, e deixar o pessoal com coração na mão. Em Silverstone, em um teste, Pedro Lamy perdeu o controle de seu Lotus e também bateu com violência, ficando de fora do restante da temporada. Não se podia deixar de compreender a tensão e o receio que todo mundo passou a ter. O automobilismo sempre foi um esporte perigoso, mas talvez o grande período sem acidentes fatais dos anos anteriores tenham deixado o pessoal mal acostumado, esquecendo quão graves eram os riscos, apesar das medidas de segurança adotadas costumeiramente, assunto que agora nunca mais seria relegado a segundo plano, no que dependesse da FIA. E não foi.

          Desde então, a F-1 nunca mais viu um piloto morrer em um fim de semana de GP. O mais próximo que tivemos disso foi o acidente de Jules Bianchi na pista de Suzuka, em 2014, quando seu carro escapou da pista e atingiu um trator que recolhia um carro já batido no mesmo setor da pista. Bianchi acabou levando para o hospital, de onde nunca mais sairia, permanecendo em coma, falecendo meses depois, devido às sequelas do acidente. E, tal como em Ímola/1994, a categoria máxima do automobilismo tratou de ver o que poderia aprender com este outro incidente infeliz.

Jules Bianchi, da Marussia, atingiu violentamente um trator na área de escape de Suzuka, em 2014, e morreria meses depois no hospital, em decorrência do acidente.

          Hoje, os carros da F-1, e por tabela, de várias outras categorias, incorporam dispositivos de segurança, e técnicas de construção, muito mais sofisticados, minimizando tanto quanto possível os riscos do piloto em um novo acidente. Suspensões e rodas passaram a ser bem mais reforçados, com estas últimas sendo presas até por cabos, para evitar que saiam voando em caso de acidente, por exemplo. Os carros foram ficando paulatinamente mais compridos, oferecendo estruturas de proteção mais amplas aos pilotos em caso de colisão frontal e lateral. Outra novidade, mais recente, foi o halo, estrutura de metal circundando o cockpit, cujas laterais já tinham ficado mais altas, para maior proteção à cabeça dos pilotos, que já demonstrou a eficácia de seu uso em alguns momentos desde então, justificando sua implantação, que também foi feita nos monopostos de categorias de acesso. Fora da pista, procedimentos do pessoal a respeito da movimentação na pista e fora dela, em caso de problemas, foram melhorados. Alguns procedimentos, contudo, passaram a ser vistos como exagerados em nome da segurança, sobretudo quando há corridas na chuva, onde houveram tantas cautelas que os torcedores começaram a se perguntar se não era melhor proibir provas no molhado, tamanhas eram as medidas, com medo de se ocorrer um novo acidente.

          Muitas homenagens foram feitas a Ayrton Senna em vários lugares do mundo. Seu velório e enterro ganharam dimensões que pararam o Brasil na semana posterior ao acidente de San Marino. O piloto brasileiro é lembrado até hoje, mesmo três décadas após sua morte, e tal como havia na época, até hoje muitos torcedores ainda batem boca diante da rivalidade de Senna e Nélson Piquet no que ambos realizaram na F-1. Para muitos, Senna foi quase santificado, como se fosse alguém perfeito, um predestinado a aliviar o fardo das frustrações dos brasileiros com a dirá realidade do seu dia-a-dia. É preciso lembrar que Ayrton era humano, e com muitas falhas e atitudes também questionáveis, o que não significa desmerecer suas conquistas como piloto. Apenas colocando as coisas em seus devidos lugares, evitando endeusar o piloto além do necessário.

Monumento a Ayrton Senna, no autódromo de Ímola.

          Uma tarefa por vezes difícil. Muitos fãs falaram por anos a fio o que poderia ter acontecido se Senna não tivesse morrido naquele fatídico dia, como se ele estivesse competindo até hoje, trazendo glórias ao nosso país no mundo do automobilismo, quando na verdade, estivesse vivo, já teria aposentado o capacete há muito tempo, a exemplo de vários de seus compatriotas de profissão. Igualmente falando, impossível saber o que ele ainda teria conseguido conquistar, lembrando que só por estar vivo, muitos acontecimentos que vieram depois na F-1 teriam sido diferentes, ou muito diversos do que realmente ocorreu, com a trajetória de alguns pilotos podendo ser alterada radicalmente até, num exercício de futurologia e possibilidades das mais variadas. E, se Senna sobrevivesse, o que poderia muito bem ter acontecido, será que teríamos novos acidentes fortes naquele ano? Afinal, se Ayrton tivesse um pouco mais de sorte, o braço da suspensão atingiria o casco do capacete, se o atingisse um centímetro mais alto. Seria uma pancada forte, mas provavelmente não fatal, lembrando que o corpo do piloto estava praticamente ileso após a batido, sendo unicamente na cabeça os ferimentos devido ao braço da suspensão ter atingido diretamente a cabeça de Ayrton. Obviamente que medidas de reforço da segurança dos carros teriam sido implementadas, diante da morte de Ratzenberger, embora fique a dúvida de, por ser um piloto novato, e de menor expressão, a F-1 se mobilizaria nas mudanças com o mesmo empenho que teve devido à morte de Senna, o grande astro de todo o grid naquele momento.

          Curioso como para alguns, Senna acabou vítima de sua própria obsessão. O brasileiro, na lavada que levou da dupla da Williams em 1992, queria por que queria pilotar aqueles carros “de outro planeta”, que chegavam a enfiar 2s por volta nele, por melhor que pilotasse. Fez um imenso lobby para ir para a Williams em 1993, barrado que foi por Alain Prost, que contratado por Frank Williams, fez questão de não ter de dividir boxes com o brasileiro novamente, depois das brigas que haviam tido em 1989 e 1990. Mas, para 1994, Ayrton conseguiu quebrar essa resistência, porém, naquele ano, a F-1 havia barrado vários dispositivos eletrônicos que faziam o grande diferencial de performance dos carros de Frank Williams, especialmente. O regulamento, vejam só, fora aprovado em fins de 1992, e o próprio Senna havia apoiado tal medida, sendo, quando de sua implantação, atingido por ela, pois quando chegou à Williams, como ele havia definido “na minha vez, cagaram no carro”, ao ver que o bólido que antes lhe impunha derrotas homéricas nas corridas agora era um carro “normal” e difícil de pilotar. Para uns, Senna acabou punido por essa “ganância” excessiva de ter sempre o melhor carro, inflamando uma discussão com os torcedores do piloto, os quais, muitos deles em um comportamento quase messiânico, compraram brigas tremendas e bate-bocas infindáveis com quem “ousava” criticar o tricampeão brasileiro, que era falho como qualquer um outro. Ficava extremamente irritado quando não vencia, chegando a dizer que “o segundo colocado é o primeiro dos perdedores”, entre outras declarações que desmereciam os demais competidores. Cometia seus erros aqui e ali, como qualquer um. E também tinha seus gestos nobres, não fazendo propaganda a respeito disso, mantendo discrição e respeito.

O Brasil literalmente parou para ver o velório e enterro do tricampeão, em São Paulo.

          Atos como o de Nélson Piquet, que se recusou a ir ao enterro do rival, apenas para não se aproveitar do momento de comoção, e também para não fingir que nada havia ocorrido entre eles, foram condenados, esquecendo que ele não queria fingir uma amizade que nunca chegaram a ter, apenas dando mais lenha aos torcedores rivais de um e outro. Adriane Galisteu, namorada de Ayrton à época, foi renegada pela família do piloto, que chegou a fazer de Xuxa, antiga relação de Senna, uma espécie de “viúva” oficial do piloto. A família de Ayrton nunca gostou dela, mas manifestou um tremendo desrespeito à vontade do falecido. Galiesteu refez sua vida, após o período de luto, enquanto a família de Senna assumiu as rédeas do legado do piloto, administrando sua imagem até hoje, e tendo também o comando da Fundação Ayrton Senna, que desempenha alguns projetos sociais. Vale lembrar que Senna também está sendo tema de um documentário em produção pela Netflix a respeito da vida do piloto, e obviamente, Adriane Galisteu não é mencionada um único momento nesta produção.

          O legado de Ayrton Senna ainda vive na inspiração que teve para vários profissionais que seguiram a carreira no automobilismo. Na F-1, infelizmente, o Brasil passou a ser um personagem secundário, e não mais protagonista, uma vez que, com exceção de 2008, e um pouco em 2009, nunca mais um piloto nacional lutou pelo título na categoria máxima do automobilismo. Nossas últimas vitórias na categoria foram em 2009, com Rubens Barrichello, e há vários anos já não temos mais um representante brasileiro no grid, relegados que fomos a posições de bastidores, no máximo pilotos reserva e de testes, situação difícil de ser alterada no futuro próximo, diante das dificuldades ainda maiores de um talento nacional conseguir chegar lá. Entre aqueles que manifestam claramente ter Senna como ídolo está Lewis Hamilton, heptacampeão mundial de F-1, que nunca escondeu sua admiração pelo tricampeão brasileiro.

          Claro que, sem espaço na F-1, muitos talentos nacionais foram para outros certames. Nomes como Hélio Castro Neves, Gil de Ferran, Tony Kanaan, Lucas Di Grassi, e Nelsinho Piquet foram vencer corridas e ganhar títulos em outras paragens. Continuamos produzindo vários e talentosos pilotos. Mas novos gênios da velocidade, como foram Émerson, Piquet, e Senna, dificilmente surgirão novos na F-1. Para muitos, que diziam amar F-1, para estes, a categoria “acabou” em 1994, nunca mais acompanhando as corridas, mostrando que na verdade não eram fãs da F-1, apenas queriam ver um brasileiro vencendo.

          Passados trinta anos da morte de Senna, aquele dia nefasto hoje parece apenas uma lembrança ruim para muitos, enquanto para outros, tudo ainda está muito nítido na memória, especialmente para aqueles que presenciaram a tudo no autódromo, e viveram aquela tensão e balbúrdia do pior fim de semana que a F-1 teve em sua história, dando até a impressão de que nem se passou tanto tempo assim. Mas passou, e somente em momentos assim, nos damos conta de como o tempo voa. Há toda uma geração que nunca viu Senna pilotar, mas sabe de seus feitos e conquistas, algo similar ao que os fãs na época poderiam sentir a respeito de Jim Clark, o maior piloto dos anos 1960, cuja morte também foi trágica, embora em um evento menor de F-2 ocorrido na Alemanha, que ceifou a vida do então bicampeão de F-1, que poderia ter ido muito mais longe do que foi à sua época. A vida de todos seguiu em frente após a perda de Clark, e da mesma maneira, após a perda de Senna também, com o tempo curando as feridas sofridas por todos, em maior ou menor grau. Mas sua perda sempre será sentida.

          Em Ímola, o autódromo prestou homenagens ao piloto falecido, e também a Roland Ratzenberger, tratado por muitos como mero coadjuvante naquele fim de semana trágico, mas que deve ser lembrado tanto quando Ayrton nestas lembranças. Se não é preciso força para manter a imagem de Senna viva, o pai de Roland estava lá, fazendo o que podia para manter viva a imagem de seu falecido filho, para evitar que se esqueçam dele, afinal, muitos só falam mesmo da perda de Senna, e pouco de Ratzenberger. Nenhum dos dois deve ser esquecido, essa é a verdade. Que venham outros 30 anos da perda de ambos. A vida anda, e a história não deve nunca ser esquecida, para que não volte a acontecer aquilo. Felizmente, para a F-1, a lição, ainda que dura, parece ter sido bem aprendida. E sigamos em frente, torcendo para que a próxima tragédia demore, ou melhor, nunca venha a ocorrer...

          Que Ayrton Senna e Roland Ratzenberger descansem em paz...

 

Mudanças nos circuitos: maiores áreas de escape (acima); chicanes (abaixo), para cortar a velocidade em pontos críticos.


Novos dispositivos de segurança, como o Halo (acima), foram introduzidos nos bólidos da F-1, que também ficaram maiores, especialmente na parte frontal (abaixo), com maior área para absorção de batidas visando proteger melhor o piloto.


Novas barreiras de segurança foram implantadas, capazes de absorver o choque dos carros com muito mais eficiência, e minimizar os ferimentos dos pilotos com a desaceleração sofrida.

A diferença nítida nos novos carros, com maior proteção ao piloto (acima), em comparação com o modo como eles ficavam mais expostos antes (abaixo).


Nenhum comentário: