sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

TRIBUTO A GIL DE FERRAN

Gil de Ferran: morte precoce aos 56 anos, vítima de infarto.

            O fim de ano de 2023 teve uma notícia dramática para o meio do esporte a motor brasileiro. Gil de Ferran, um de nossos mais proeminentes pilotos, teve uma morte precoce, com apenas 56 anos de idade. Senti um baque ao saber da notícia, mas vendo que não era nenhuma pegadinha, era preciso encarar o luto de ver outro nome de respeito do esporte a motor nacional se despedir dessa maneira. Sentimento similar ao vivenciado em 2021, quando soube da morte de André Ribeiro, que também demorou para cair a ficha, tamanho o baque dos sentimentos. Nada mais justo que dedicar a primeira coluna regular de 2024 a Gil de Ferran, num tributo que pode até ser tardio, mas mais do que merecido pelo que ele conquistou nas pistas e fora dela.

Gil sofreu uma parada cardíaca no dia 29 de dezembro, por volta das 14h e 15h do horário local, na Flórida, enquanto guiava um carro no Concours Club, uma pista privada situada em Opa-locka, na Flórida, próxima a Miami. Acompanhado do filho Luke, Gil se sentiu mal, e conseguiu parar o veículo na entrada dos boxes, antes que piorasse e perdesse o controle do carro. O socorro demorou um pouco a aparecer, uma vez que não houve acidente. Mesmo socorrido, após ser atendido e levando ao hospital ainda com vida, infelizmente Gil faleceu, vítima de infarto.

            Terminou assim, a vida de um dos maiores pilotos que o Brasil colocou nas pistas, e que no último ano, estava trabalhando como consultor do time da McLaren na Fórmula 1, posição que já havia ocupado antes, quando a escuderia se aventurou em retornar ao automobilismo norte-americano, vindo a disputar a Indycar. A notícia da morte consternou muitos amigos e conhecidos do meio do automobilismo, que lamentaram a perda do brasileiro. Em Indianápolis, o painel de posições da grande reta dos boxes estampou uma imagem do piloto brasileiro em homenagem. Roger Penske, atual proprietário do circuito, e da Indycar, trabalhou com Gil entre as temporadas de 2000 e 2003, e foi mais um a sentir a perda do ex-piloto, que conquistou dois títulos para sua escuderia ainda na F-Indy original. Outros pilotos e amigos, conterrâneos de Gil em seu tempo nas pistas, na Europa e nos Estados Unidos, como Tony Kanaan, Hélio Castro Neves, e Rubens Barrichello, manifestaram grande tristeza ao saber da perda do velho companheiro. Impossível dizer que Ferran tivesse desafetos, ele era um destes raros pilotos que nunca se envolveu em brigas com ninguém, era solícito e simpático com todos. Todos que tiveram a chance de trabalhar com ele nunca tiveram dúvidas a respeito de seu caráter e honestidade, qualidades que andam raras hoje em dia na sociedade.

            Nascido em Paris, no dia 11 de novembro de 1967, Gil veio para o Brasil aos quatro anos de idade, e inspirado pelas façanhas de Émerson Fittipaldi no automobilismo internacional, resolveu seguir a profissão, iniciando sua participação nas provas de kart. Em 1987, ele venceu o campeonato brasileiro de F-Ford, e pouco depois, partiria para a Europa, caminho natural de todos os pilotos que desejam fazer sucesso no automobilismo internacional. E lá, no Velho Continente, ele também deixaria sua marca, ao vencer o mais prestigiado campeonato de F-3, da Inglaterra, em 1992, defendendo a Paul Stewart Racing, equipe do ex-tricampeão de F-1 Jackie Stewart. No ano seguinte, ele partiria para a F-3000 Internacional, último degrau para chegar à F-1, mas não conseguiu vencer o certame nos dois anos em que disputou a categoria. Mesmo assim, seu talento chamou muita atenção, e o pessoal da F-1, obviamente, estava de olho, da mesma maneira que Rubens Barrichello, campeão da F-3 inglesa em 1991, havia feito. Gil dava todas as mostras de ser um piloto de grande estirpe, honrando a tradição brasileira de grandes pilotos no automobilismo, que já haviam nos presenteado com Émerson Fittipaldi, Nélson Piquet, e Ayrton Senna.

Na F-3 Inglesa, Gil conquistou o título em 1992, chamando a atenção de muitos dirigentes do automobilismo.

            Quis o destino, porém, que Gil não seguisse para a F-1. Ao bater a cabeça na porta do caminhão, durante uma sessão de testes em 1993, ele perdeu a principal chance de fechar contrato com um time da categoria máxima do automobilismo, apesar de ter conseguido fazer até melhores marcas com o carro que pode testar, sendo preterido no final das contas. Mas na verdade ele acabaria tirando a sorte grande com este percalço, pois buscando alternativas para 1995, ele acabou apresentado pela Reynard a Jim Hall, proprietário de uma escuderia na F-Indy, para fazer um teste. A categoria de monopostos dos Estados Unidos andava cada vez mais em evidência, na Europa e no Brasil, pela ida de Nigel Mansell para disputar a competição em 1993, após ter sua renovação recusada pela Williams após o título de 1992. O sucesso de Émerson Fittipaldi, que havia sido campeão da F-Indy em 1989, e vencido por duas vezes as 500 Milhas de Indianápolis, também realçaram as possibilidades da F-Indy oferecer mais oportunidades que a F-1 aos brasileiros, especialmente depois da morte de Ayrton Senna em 1994, que fez as chances de nossos pilotos chegarem aos times da categoria diminuírem.

            Hall ficou em dúvida se Ferran, vindo do automobilismo europeu, conseguiria se acertar com os carros da Indy, mas bastou Gil fazer o primeiro teste para as dúvidas serem esquecidas. O brasileiro, mostrando uma grande capacidade de adaptação e talento, impressionou a equipe, de modo que ele seria o seu piloto titular para a temporada de 1995. A Hall era um time modesto, mas competente, e que já tinha até conseguido vencer uma corrida, chance que a F-Indy oferecia de maneira bem mais tangível a seus times de competição do que a F-1, que vivia era de domínio de um ou outro time, oferecendo poucas chances de sucesso efetivo aos demais times participantes do grid.

A estréia na F-Indy em 1995 pela Hall (acima) rendeu o título de Rokkie do ano para Gil. Na Walker (abaixo), um passo adiante, conquistando o vice-campeonato na categoria na temporada de 1997.


            E Gil não fez feio na sua temporada de estréia na F-Indy. Apesar de  ter enfrentado vários percalços, comuns a qualquer novato na competição, ele não demorou a mostrar sua capacidade, e terminou o ano com vitória, em Laguna Seca, fechando o ano em 14º lugar, com 56 pontos, mas com o troféu de “Rokkie” do ano, o que não é pouca coisa. E olha que ele quase havia ganho a corrida de Cleveland, até ser posto para fora da pista por Scott Pruett, quando este, retardatário, ia tomar volta do brasileiro, e dificultou a ultrapassagem, ocasionando o abandono de Gil. No ano seguinte, com a adição do motor Honda, a Hall melhorou sua competitividade, e Ferran também evoluiu seus resultados, terminando a temporada em 6º lugar, com 104 pontos, voltando a vencer corrida e subir ao pódio. Mas o time, pequeno, ainda não oferecia condições de voar mais alto. Jim Hall, apesar de viver com Gil os melhores anos de seu time na F-Indy, resolveu se aposentar ao fim de 1996, de modo que o brasileiro transferiu-se para a Walker, um time bem mais estruturado e competitivo. A temporada de 1997 mostrou um piloto extremamente regular, e embora não tenha conseguido vencer naquele ano, Gil deu seu recado: foi vice-campeão, perdendo apenas para Alessandro Zanardi, que estava imbatível com a Ganassi.

            As temporadas de 1998 e 1999 não foram tão boas. Embora competitivo, o conjunto Reynard/Honda da Walker tinha um ponto fraco sério, que eram os pneus Goodyear, menos competitivos que os Firestone, usados pelos rivais mais fortes, entre eles a Ganassi, que fez os títulos nas duas temporadas. Azares do piloto, alguns problemas na equipe, e percalços fora de seu controle também fizeram com que Gil tivesse desempenhos menos vistosos, terminando 1998 apenas em 12º lugar, com 67 pontos; e fosse o 8º em 1999, com 108 pontos. Mas a capacidade do brasileiro, lutando com um carro menos competitivo, não passou despercebida pelo homem mais poderoso da competição. Roger Penske, cujo time vivia uma entressafra de bons resultados, resolveu reformular completamente a Penske para a temporada de 2000, passando a adotar o mesmo conjunto Reynard/Honda/Firestone da rival Ganassi, e trocou também sua dupla de pilotos, e Gil foi escolhido para liderar esta reformulação na escuderia dentro da pista. Inicialmente, Ferran teria Greg Moore como parceiro na Penske, mas o canadense morreu em um violento acidente na etapa de encerramento da temporada de 1999, em Fontana, de modo que Hélio Castro Neves ganhou a chance da sua vida ao ser escolhido como seu substituto. E contando com uma dupla de brasileiros, cada um deles fez história com o time de Roger Penske.

Na Penske, o apogeu como piloto. Em 2000, bateu o recorde mundial de velocidade (acima), conquistando seu primeiro título. Em 2001, repetiu a dose, conquistando o bicampeonato (abaixo).


            Gil, a começar, assumiu de fato a primazia na escuderia, tirando o time de um jejum de vitórias que já durava 3 anos, ao conquistar na pista de Nazareth aquela que seria a 100ª vitória da Penske na F-Indy. O resultado: campeão da temporada, justificando a confiança de Roger no piloto, e devolvendo a Penske ao seu lugar de direito de grandeza na competição, de onde andava ausente desde a temporada de 1994. Mas não ficou apenas nisso: já campeão reinante, Gil repetiu a dose no ano seguinte, conquistando o bicampeonato, com uma campanha ainda mais eficiente que a do ano anterior.

            Em 2002, a Penske mudou de categoria, deixando a F-Indy para competir na Indy Racing League, categoria rival criada por Tony George, e o brasileiro seguiu com o time, onde continuou mostrando sua capacidade, mesmo no novo certame, terminando o ano em 3º lugar. Em 2003, apesar de ficar de fora em duas corridas devido a um acidente, Ferran continuou andando muito forte, e terminou a temporada com o vice-campeonato, inclusive vencendo a corrida final do campeonato, que marcou sua despedida das pistas, em um ano onde o brasileiro também repetiu o feito de seus compatriotas Émerson Fittipaldi e Hélio Castro Neves, também escrevendo seu nome no rol dos vencedores das famosas 500 Milhas de Indianápolis, coroando seu ano de despedida quase com chave de ouro, já que falou o título da competição, que ficou com Scott Dixon, da Ganassi, mas não importava. Após nove anos competindo nos Estados Unidos, Gil atingiu patamares inferiores somente à tríade de ouro do automobilismo brasileiro, composta por Émerson Fittipaldi, Nélson Piquet, e Ayrton Senna, com suas conquistas e títulos na Fórmula 1. Ele poderia ter continuado, afinal mostrou que ainda tinha muito gás na competição, mas preferiu se retirar, pelo menos, das pistas, mas continuou fora delas. Em 2005, assumiu cargo de direção na equipe BAR/Honda na F-1, onde ficou até 2007. No ano seguinte, ele montaria seu próprio time na American Le Mans Series, onde voltou a competir, disputando as temporadas de 2008 e 2009 da categoria. E mostrou que os anos de pausa não tinham feito ele perder o jeito, andando muito forte. Ao fim de 2009, contudo, ele pendurou definitivamente o capacete, e em 2010, juntou forças com Jay Penske para lançar a De Ferran Dragon na temporada da Indy Racing League, mas a associação durou apenas um ano, e Gil deu uma pausa nas atividades profissionais de automobilismo por algum tempo.

Na Indy Racing League, a despedida em 2003 foi comemorada com vitória na corrida final, e triunfo nas 500 Milhas de Indianápolis (abaixo).


            Em 2018, ele voltaria a atuar no meio, agora com a McLaren, que em 2019 competiu nas 500 Milhas de Indianápolis com Fernando Alonso. O piloto espanhol rendeu-se em elogios ao trabalho do brasileiro, que o ensinou a respeitar a pista oval de Indiana. Algum tempo depois, ele deixaria o time, até seu retorno no ano passado, onde estava participando da restruturação da escuderia nas atividades da Fórmula 1. Todos na McLaren tinham muita estima e respeito pelo trabalho que ele vinha desenvolvendo no time, e assim como todos, ficaram bem tristes com seu falecimento. Ele vinha tendo papel importante nos trabalhos, e ainda tinha muito a contribuir, como sempre fez questão de fazer, agregar e fortalecer, por todos os lugares por onde passou durante sua vida e carreira.

            Gil deixou a esposa, Angela, e os filhos Anna e Luke. Descanse em paz, sua bandeirada final chegou, antes do que todos esperávamos, lamentavelmente...

Momentos distintos de Gil de Ferran na McLaren: em 2019, com Fernando Alonso (acima), e em 2023, com Tony Kanaan (abaixo)


 

 

Alguns números da carreira de Gil de Ferran: F-Indy: 129 corridas, 16 pole-positions, 7 vitórias, 2 títulos, 1 vice-campeonato. IRL: 31 corridas, 5 poles, 5 vitórias. Em outubro de 2000, durante a classificação para as 500 Milhas de Fontana, no superoval do California Speedway, na Califórnia, Gil bateu o recorde mundial de velocidade em circuitos fechados, alcançando a marca de 388,541 Km/h, marca não igualada até hoje no mundo do automobilismo.

 

 

Luc de Ferran, pai de Gil de Ferran, trabalhou como engenheiro na Ford, sendo responsável pela criação do modelo Ecosport. Gil até tentou seguir a carreira do pai, tendo iniciado curso de engenharia, mas depois de três anos, abandono a faculdade para seguir com o seu sonho de ser piloto. Mas não foi um tempo perdido. Seus conhecimentos da área de engenharia o tornaram um piloto destacado no meio, sabendo onde procurar mexer no carro para melhorar seu desempenho. Engenheiros e mecânicos entendiam perfeitamente suas colocações a respeito da mecânica dos carros, o que agilizava as discussões e idéias para tentar aprimorar a performance, e viam em Gil alguém que falava a mesma língua deles. Nem por isso Ferran deixou de ser veloz, sendo um piloto cerebral, que sabia onde e quando atacar, e quando garantir um resultado ao invés de arriscar demais. É verdade que esteve envolvido em alguns acidentes durante sua carreira, alguns até por culpa própria, tentando andar mais do que poderia, mas no geral era um piloto tranquilo, que nunca se envolveu em brigas e polêmicas, com raro trato cordial com todos à sua volta, sendo respeitado por seus pares e pelo pessoal das equipes por onde passou.

 

 

A Formula-E inicia hoje sua temporada 2024, com seu primeiro treino livre no Autódromo Hermanos Rodrigues, na Cidade do México, a partir das 19:25 Hrs., pelo horário de Brasília. O traçado, contudo, não é o mesmo utilizado pela Fórmula 1, e inclusive usa a famosa Curva Peraltada, para delírio dos fãs do automobilismo. No ano passado, a vitória ficou com Jake Dennis, da equipe Andretti, que daria início à sua campanha pelo campeonato da categoria, que acabaria conquistado meses depois. Pascal Werhlein foi um bom 2º colocado, mas o destaque da corrida foi o brasileiro Lucas Di Grassi, que numa performance impressionante, conquistou a pole-position e foi o 3º colocado, com a Mahindra, time que despencou no campeonato depois dali. Pelos testes da pré-temporada, a Jaguar e seu time cliente, a Envision, devem ser os grandes favoritos, mas não se pode ignorar a força da Porsche, ou até mesmo termos alguma surpresa inesperada. Amanhã teremos o segundo treino livre, às 10:25 Hrs., seguido pelo treino de classificação a partir das 12:40 Hrs. A corrida terá largada às 17:00 Hrs., e todas as atividades de pista poderão ser acompanhadas pelo canal pago Bandsports, e pelo streaming Bandplay. Mas o site Grande Prêmio também transmitirá tudo em seu canal no You Tube, contando inclusive com programas especiais antes e após a corrida, tendo como principal trunfo a presença de Gefferson Kern, tradicional narrador das corridas da Indycar na TV Cultura nos últimos anos, que está presente na Cidade do México, e irá acompanhar in loco todas as atividades deste fim de semana de estréia da 10ª temporada da Formula-E.

 

 

Mais uma vez, o Brasil estará presente no grid da categoria de carros monopostos elétricos. Lucas Di Grassi deixou a Mahindra, e retornou ao time da ABT, que foi equipe oficial da Audi de quando Lucas foi campeão da competição, anos atrás. Mas as expectativas de bons resultados são limitadas, diante do trem de força da fábrica indiana ainda estar devendo muito em performance e desempenho, com poucas mudanças em relação ao ano passado. E teremos também Sergio Sette Câmara, na equipe ERT (ex-NIO), time que também tem seus problemas de competitividade. Mesmo assim, é hora de torcer para nossos pilotos darem o seu melhor, e conseguirem os melhores resultados possíveis. Boa sorte a eles...

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