A MotoGP presenteou os fãs do esporte com um campeonato novamente decidido na última etapa em 2023, entre "Pecco" Bagnaia e Jorge Martin.
O ano de 2023 foi de
passeio da Ducati na classe rainha do motociclismo. Das 20 etapas da
competição, ela venceu 17 corridas, um domínio que poderia ser bem similar ao
visto na F-1, quando a equipe Red Bull venceu 21 de 22 provas na temporada
2023. Mas na MotoGP as coisas funcionam de modo diferente, e foi isso que
garantiu a emoção do campeonato, mesmo com o domínio da marca italiana na
temporada.
Finalmente campeã da MotoGP com Francesco “Pecco” Bagnaia, após o título solitário de Casey Stoner em 2007, finalmente a fábrica de Bolonha iniciava a temporada como a grande favorita, ainda mais pela deficiência dos rivais mais diretos, como a Yamaha, que tinha conseguido uma boa campanha em 2022, mas só até o ponto em que a Ducati e Bagnaia acertaram os ponteiros e começaram a deitar e rolar na competição, culminando com o título do italiano após recuperar-se de uma desvantagem de mais de 90 pontos a certa altura da competição. Neste ano, as coisas seriam mais difíceis para a concorrência.
E a temporada, começando em Portimão, dava a entender que poderíamos ver mesmo um passeio das Desmosédicis: Bagnaia venceu a corrida Sprint e a corrida principal, com certa facilidade. A Ducati oficial só não comemorou totalmente porque seu segundo piloto, Enea Bastianini, sofreu um acidente no fim de semana, e isso o afastaria de várias corridas e ainda prejudicaria seu desempenho por mais de meia temporada. Um rival a menos para Bagnaia, mas também para os concorrentes, que teriam de se preocupar apenas com o campeão reinante, e não com os dois pilotos titulares do time de fábrica.
Mas, diferente da F-1, na MotoGP existem os times satélites, escuderias independentes que usando os protótipos dos fabricantes, disputam regularmente o campeonato, e por vezes conseguem fazer um grande trabalho. E a Pramac, o principal time independente da marca de Bolonha, foi quem deu gás à competição, especialmente na segunda metade da temporada, com Jorge Martin. Até então, quem vinha dando certo brilho, ainda que insuficiente para balançar o favoritismo de Bagnaia, era Marco Bezzecchi, da também equipe satélite VR46, time criado por Valentino Rossi. Bezzecci venceu 3 provas, e até tinha fôlego para brigar mais, porém acidentes com quedas, e azares momentâneos, foram tirando Marco da briga, que acabou assumida pelo espanhol da Pramac, que aproveitando o infortúnio de Bagnaia em Barcelona, fez a competição pegar fogo, a ponto de o título ser definido somente na prova final, em Valência, para delírio dos torcedores. Ajudou neste aspecto a Prama contar com o mesmo modelo da Desmosédici do time de fábrica, a GP-23, enquanto a VR46, por sua vez, contava com a GP-22, que apesar de não ser o modelo mais avançado, foi a moto campeã de 2022. Faltou um pouco mais de competência para o time de Rossi entrar na briga pelo título, e claro, um pouco de sorte também, como havia acontecido com Enea Bastianini no ano passado, quando desafiou o poderio da concorrência com a moto de 2021.
Na reta final, vimos o confronto de duas posturas: a forma mais comedida e cautelosa de Bagnaia, contra o ímpeto arrojado de Martin. Mesmo quando o rival parecia ter roubado o favoritismo para si, “Pecco” manteve-se calmo, e mesmo diante de certas dificuldades do time de fábrica em achar os melhores acertos, nunca caiu na tentação de ir para o tudo ou nada, assim como o rival, evitando arriscar demasiado, procurando recuperar o protagonismo a qualquer custo, para intimidar o rival em potencial. Poderia ter dado errado, e Jorge Martin se dar bem, mas o ímpeto do espanhol acabou jogando contra ele, em pequenos erros que foram cruciais para Bagnaia sagrar-se bicampeão, onde o italiano, se não deu show, mostrou a competência, determinação, foco e calma que um grande campeão deve exibir.
Campeão reinante, Francesco Bagnaia teve de lutar a fundo pelo bicampeonato, apesar de contar com a melhor moto do grid.
E contar com uma moto
Ducati, por si só, não era garantia de disputar os primeiros lugares. A
Gresini, que deu show com Bastianini em 2022, passou quase em branco em 2023,
reencontrando-se somente na parte final da competição, quando já era tarde para
lutar por posições mais cimeiras, mas ajudando a elevar o astral do time,
especialmente de Fabio Di Giannantonio, que iria terminar o ano desempregado,
mas conseguiu dar o seu recado, vencendo no Qatar, e garantir um lugar na
equipe VR46 para o próximo ano. Apesar disso, a Gresini ficou em 9º e 12º lugar
com seus pilotos na classificação final, enquanto a VR46 ficou com seus pilotos
em 3º e 8º. Já a Pramac, além do vice-campeonato de Martin, ainda teve Johaan
Zarco na 5ª colocação, com o francês tendo vencido sua primeira corrida na
classe rainha, e rumando para novos desafios com a LCR em 2024.
Ajudou o resto da concorrência não conseguir dar luta à altura do desafio imposto pela Ducati na luta pelo título. A melhor moto, depois da Desmosécidi, foi a KTM, mas a equipe austríaca passou outro ano sem conseguir vencer. Brad Binder bem que tentou, mas teve que se contentar apenas com duas vitórias nas corridas curtas da Argentina e Espanha, que não contam nas estatísticas, com meros consolos. Jack Miller, por sua vez, andou muito e conquistou pouco, com o australiano exaurindo seus pneus no início das corridas para perder desempenho no fim, e com isso, chances de melhores resultados, que também não vieram devido a algumas quedas do piloto, e azares circunstanciais. Nem mesmo ter um time satélite, a Tech3, usando a marca Gasgas, ajudou a KTM a melhorar seu equipamento, que andou perto da vitória em vários momentos, mas sem conseguir finalizar o resultado como deveria. Melhor sorte e empenho no próximo ano.
A Aprilia fez uma bela temporada em 2022, conquistando suas primeiras pole e vitória na competição da classe rainha. Aleix Spargaró fez uma temporada bem regular, e faltou pouco para chegar à última etapa ainda em condições de tentar o título. Mesmo assim, foi um ano muito positivo para a casa de Noale, que esperava capitalizar esse bom momento na temporada desde ano, começando bem mais forte, e pronta para, em teoria, tentar desafiar o domínio da marca compatriota. Infelizmente, não foi isso que vimos. A Aprilia não apenas não conseguiu discutir com as Ducatis, como até regrediu em relação ao ano anterior. Maverick Viñalez até empolgou com o pódio em Portimão, mas a Aprilia não conseguiu manter o ritmo que se imaginava. Apesar de Aleix Spargaró ter vencido duas corridas, foram resultados momentâneos de força da escuderia, que não se repetiram nas demais etapas. A dupla de pilotos até manteve certa constância, mas não o necessário para tentar brigar pelo título como gostariam, sendo superados pelas equipes satélites da Ducati, a Pramac e a VR46, e até pela KTM. Talvez seja a grande decepção da temporada, depois do ano inspirador de 2022, quando se esperou que poderíamos ter uma nova equipe de ponta na competição, para incrementar as disputas.
Mas, e o que dizer a Yamaha? Decepcionou? Sim, mas a marca dos três diapasões já vinha em queda no ano passado, e só lutou pelo título porque Fabio Quartararo fez uma primeira metade de campeonato esplendorosa, abrindo vantagem na liderança enquanto os rivais tropeçavam. Mas a moto ainda tinha alguma competitividade, de modo que o francês ainda conseguiu levar a luta até o fim do ano. Mas em 2023, a marca nipônica estagnou, confirmando a decadência vista em 2022. A falta de potência do motor desta vez não foi contrabalançado com uma moto mais ágil, porque os rivais também se tornaram mais ágeis, anulando qualquer vantagem da Yamaha. Com Franco Morbidelli sem futuro na escuderia, nem mesmo Quartararo conseguiu segurar as pontas este ano, ficando completamente longe de qualquer chance de lutar pelo título. Três pódios foi tudo que o campeão de 2021 conseguiu, de modo que sua paciência com o time nipônico também foi colocada à prova, e só ficou por não haver opções de mudança no momento, embora tenha dado um bom aviso à cúpula do time de que eles precisam se mexer se quiserem continuar contando com ele. Pior que, nas primeiras impressões da nova moto de 2024, as sensações não foram muito inspiradoras, dando a entender que a marca que foi campeã com Quartararo, Valentino Rossi, e Jorge Lorenzo, na última década e meia, terá muito trabalho para tentar recuperar algum protagonismo no próximo ano, quando terá Álex Rins no lugar de Morbidelli, que saiu no lucro e irá defender a Pramac, com uma Desmosédici 2024. Quartararo foi apenas o 10º colocado, enquanto Morbidelli o 13º, sendo que no campeonato de construtores a marca dos três diapasões terminou em penúltimo lugar.
A Honda, então praticamente a equipe mais vencedora da última década, acabou este ano na lanterna na temporada, quem poderia imaginar tal coisa? O comportamento irascível da RC213V, que já não era bom em 2022, piorou neste ano, a ponto de vitimar até pilotos de condução suave, como Joan Mir, que caiu diversas vezes ao longo do ano, e ficou de fora de algumas etapas, em recuperação de acidentes sofridos. O campeão de 2020 teve um ano tão apagado que, terminando em 22º na classificação, com 26 pontos, ele ficou atrás de Dani Pedrosa, que participou de duas corridas como wild card da KTM, que foi o 21º colocado no ano, com 32 pontos marcados. Mir assume agora a primazia de comandar a equipe da Honda para a próxima temporada, sem a presença de Marc Márquez, e contando com Luca Marini ao seu lado no box. Sem sua maior estrela, talvez a marca da asa dourada consiga achar um rumo para o desenvolvimento de seu equipamento, onde ficou extremamente dependente do hexacampeão.
Marc Márquez, por outro lado, viu esgotada sua paciência com a falta de capacidade da Honda em evoluir e melhorar seu protótipo. Sem ter conseguido vencer em 2022, e ainda com sequelas do acidente sofrido em 2020, o espanhol resolveu fazer uma cirurgia definitiva para recuperar a forma perdida, e aparentemente, foi bem-sucedido, mas seu time não conseguiu fazer o que precisava para voltar a ter um equipamento competitivo. Márquez ainda deu um crédito para a Honda, esperando encontrar algo novo que desse esperanças nesta temporada, mas só foi encontrar desalento. Pior, desta vez, nem mesmo ele conseguiu “domar” a RC213V, e o hexacampeão amargou seu segundo ano consecutivo sem vencer, e muito menos disputar o título, e como desgraça pouca é bobagem, ele sofreu inúmeras quedas durante o ano tentando andar mais que a moto, e só não se machucou muito mais por pura sorte, e ainda assim, perdeu algumas corridas por causa disso. Um único pódio em Motegi foi pouco para a sede do hexacampeão. A “Formiga Atômica” ainda teve a oportunidade de conferir em um teste o novo modelo do time para 2024, na última cartada dos japoneses para mantê-lo firme no time, mas Marc não saiu nada esperançoso dali, de modo que resolveu de fato mudar de ares, e mesmo dando um passo para trás na carreira, ao ir para um time satélite, fez uma aposta certa para cacifar seu nome no próximo ano. Enquanto a Honda ainda terá a incerteza de conseguir recuperar sua competitividade, Márquez já irá dispor mesmo na Gresini da Desmosédici GP-23, a moto campeã deste ano, com “Pecco” Bagnaia, de competitividade comprovada. Se mesmo com a moto defasada ele mostrar sua velha capacidade, vai voltar a ser um tormento para os concorrentes, que desde 2020 não sabem o que é encarar a fera que assombrou a categoria entre 2013 e 2019. Alguns já falam até que ele disputará o título, mas é muito cedo para fazer tais especulações. Mesmo assim, ele será palco das atenções no novo time, e na própria Ducati, pelo que poderá fazer na pista, e o que realmente conseguirá.
Álex Rins (acima) salvou a honra da Honda na temporada, ao vencer em Austin. Já Aleix Spargaró (abaixo) voltou a vencer com a Aprilia, mas sem exibir o mesmo brilho visto em 2022.
Quanto à Honda, muito trabalho pela frente para purgar seus pecados, que já vem de várias temporadas, com muitas queixas e reclamações dos pilotos da marca, especialmente do time satélite LCR, que nunca eram ouvidos a respeito do comportamento da moto, que não oferecia confiabilidade de reações, e lhes tolhia a capacidade de ir ao limite com melhores condições. Curiosamente, a Honda deve à LCR seu único momento de brilho no ano, com a vitória ocasional de Álex Rins no GP dos Estados Unidos, feito que o piloto e a Honda não conseguiram repetir no restante da temporada. Rins, aliás, foi outro dos pilotos que perderam boa parte da temporada no “estaleiro” após quedas com a moto. Álex certamente deverá ter dificuldades em seu novo time, a Yamaha, que também batalha para se reerguer, mas que pelo menos tem uma moto menos imprevisível que a rival nipônica.
Foi uma temporada de muitas quedas de pilotos. Parte disso decorreu das provas Sprint, que aumentaram o tempo de corrida em 50%, e onde o ritmo mais forte elevou os riscos de potenciais acidentes. Poucos pilotos do grid conseguiram participar de todas as corridas, e praticamente nenhum competidor escapou de cair e sofrer ferimentos, em maior ou menor gravidade, lembrando que o esporte a motor é uma atividade perigosa, e o desporto das disputas em duas rodas é ainda mais arriscado, devido à maior exposição dos pilotos em acidentes. É verdade que o Mundial de Superbike já usa um modo similar de disputa, mas de fato a MotoGP deu um passo ousado quando decidiu implantar as provas curtas em praticamente todo o campeonato, apesar dos riscos que corria com tal medida. Alguns riscos realmente se confirmaram, com o aumento dos casos de quedas e de incidentes, além dos times e pilotos terem que se adaptar à nova metodologia de atividades do fim de semana. Para o público, foi um deleite, ao terem mais uma corrida no fim de semana, com mais emoção e disputas. E, pelo menos, fazer uma classificação apenas, valendo para as corridas curta e normal, foi uma medida correta da categoria. Logicamente, para as estatísticas, ficam valendo as vitórias das corridas “normais”, aos domingos.
O calendário da temporada também sofreu uma baixa, o GP do Cazaquistão, marcado para o dia 9 de julho, acabou cancelado devido a problemas na homologação da pista de Sokol, para não mencionar problemas globais, como a guerra perpetrada pela Rússia contra a Ucrânia, também impactou no cancelamento da corrida. Já a prova da Finlândia, que também deveria estrear neste ano, também acabou nem sendo confirmada no calendário, também devido aos problemas de segurança causados pela invasão russa à Ucrânia, uma vez que, diante disso, o país nórdico pediu para entrar na Otan, procurando melhorar suas condições de segurança, frente a possíveis hostilidades por parte do Kremlin. Em compensação, várias etapas tiveram público recorde, como em Le Mans, onde tivemos quase 279 mil torcedores no fim de semana do GP. Em Valência, na decisão do título, foram quase 196 mil expectadores no autódromo. Nada mal, para uma decisão que levantou a torcida nas corridas anteriores.
A categoria se viu na iminência de perder um time para 2024, quando a direção da FIM e da Dorna simplesmente cancelaram a inscrição da RNF para o próximo ano, alegando infrações do regulamento, e outras contravenções.
Felizmente, já foi encontrado um time substituto, a Trackhouse, oriunda dos Estados Unidos, estará assumindo a vaga da RNF, inclusive seus pilotos, Miguel Oliveira e Raúl Fernandes, e o contrato de fornecimento de equipamento da Aprilia, que fornecia suas motos ao time malaio. Uma preocupação a menos, uma vez que o grid se manterá intacto no que tange ao número de participantes. Agora, é esperar o inverno, e nos prepararmos para a temporada de 2024, que deve prometer ainda mais disputas e duelos no próximo ano, para deleite dos fãs da motovelocidade!
Marco Bezzecchi (acima) conquistou suas primeiras vitórias e da equipe VR46 na competição. Já Johaan Zarco (abaixo) finalmente desencantou na MotoGP ao vencer enfim sua primeira corrida. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário