sexta-feira, 10 de março de 2023

VERSTAPPEN JÁ PODE COMEMORAR O TRICAMPEONATO?

Max Verstappen: Largou na pole e venceu sem ser incomodado, tanto que até foi esquecido pela TV durante boa parte da corrida. Pintou o tri?

              A Fórmula 1 mal começou a temporada 2023, e a disputa pelo título já dá ares de estar até encerrada, sendo mera formalidade coroar Max Verstappen como campeão de 2023, e tricampeão mundial de F-1, dado o que vimos na pista de Sakhir domingo passado. Pessimismo, ou realismo? Talvez as duas coisas.

              A Red Bull confirmou o seu favoritismo, e se não colocou mais tempo na concorrência na corrida, foi porque não havia necessidade para tanto. Largando na pole-position, Max Verstappen simplesmente liderou de ponta a ponta, descontados os momentos de paradas nos boxes. Tanto que os engenheiros até pediram para o holandês maneirar o ritmo, ao que Verstappen respondeu que só o faria se Sergio Perez também diminuísse o dele. No final, o mexicano cruzou a linha de chegada aproximadamente 12s depois do atual bicampeão mundial. O novo carro do time rubrotaurino parece ter se ajustado também ao estilo de Perez, que apesar de alguns percalços na primeira metade da corrida, quando ficou atrás de Charles LeClerc, soube aproveitar a estratégia do time para não apenas recuperar a vice-liderança da prova, como abrir distância dos rivais, mostrando que não havia mais nada a fazer, salvo algum imprevisto, que tirasse o triunfo duplo da Red Bull. No ano passado, a escuderia foi a nocaute na primeira corrida, com seus dois pilotos abandonando por problemas, mas desta vez, eles não deram chance para o azar nessa área, e apesar de um ou outro pequeno percalço nos treinos, na corrida tudo saiu conforme o esperado.

              O mesmo não se pode dizer da concorrência. A Ferrari, por exemplo, aprimorou sua velocidade de reta, como se esperava, mostrando a força de sua unidade de potência para 2023. Isso, porém, não tornou o time italiano páreo para a Red Bull. LeClerc até vinha para um pódio certo, mas muito pouco, diante da performance deficiente para os rivais rubrotaurinos. E a fiabilidade, um ponto que custou caro ao time em 2022, resolveu aprontar já nesta primeira prova, deixando o monegasco a ver navios, e com o time tentando entender o que aconteceu até agora. Como desgraça pouca é bobagem, Carlos Sainz em nenhum momento se mostrou mais competitivo que o colega, ainda que tenha recebido a bandeirada de chegada. O desgaste de pneus, em um piso abrasivo como o de Sakhir, penalizou os carros vermelhos, que não conseguiram solucionar o problema que já havia sido constatado nos testes da pré-temporada, ali mesmo, mas que estava sendo analisado para ser neutralizado, já para a primeira prova. Pelo visto, mais estudos serão necessários, e para ontem.

              A Mercedes, de quem se esperava talvez um pouco mais, acabou se revelando outra decepção, a ponto de Toto Wolf até já admitir que o conceito do carro precisa ser mudado, depois de ver Lewis Hamilton receber a bandeirada em um modesto 5º lugar, mas a praticamente 51s de distância para o vencedor Verstappen, resultado até pior do que o visto na primeira corrida do ano passado, quando o panorama na Mercedes parecia até mais complicado do que o atual. E a primeira providência do time alemão está sendo realocar James Allison de volta para o setor de engenharia do time de F-1, com vistas a modificar o projeto, e tentar leva-lo à pista na etapa de Ímola, visando uma reação na competição. E isso presumindo que as modificações no carro deem resultado. É consenso na competição que carros bem nascidos possam ser bem desenvolvidos, mas carros mal concebidos podem ser no máximo “remendados”, mas nunca atingindo os objetivos propostos inicialmente. Ao que parece, vendo que o novo W14 não oferece muitas expectativas de lutar na ponta, a Mercedes não vai perder tempo insistindo no projeto, como fez no ano passado com o modelo W13, onde a esperança era de compreender os motivos da baixa performance, e evitar repeti-los este ano. Não só parecem ter repetido os erros, como o carro ter ficando ainda pior. Em 2022, o porpoising, que afetou sobremaneira o carro prateado, acabou encobrindo as falhas do projeto, mas o W14, que não apresenta este problema, escancarou as deficiências do projeto, mostrando que suas falhas iam muito além do problema dos quiques exagerados do efeito-solo. Se Hamilton não conseguiu chegar ao pódio, como fizera em 2022, George Russell não fez muito melhor, terminando em 7º lugar, perdendo a disputa com o canadense Lance Stroll, que mesmo com os pulsos ainda em recuperação, conseguiu superar a nova promessa da Mercedes na etapa barenita. Russell, aliás, já foi enfático em dizer que será outra temporada “perdida” para o time em tentar melhorar o carro, enquanto Hamilton também fala que não há muito o que fazer com o modelo atual.

Ferrari e Mercedes prometiam alguma reação, mas a melhor Ferrari ficou fora de combate por quebra mecânica, e as Mercedes nunca estiveram com bom ritmo para sequer tentar chegar ao pódio.

              Em contrapartida, a Aston Martin mostrou que sua boa forma demonstrada nos testes da pré-temporada não foi fogo de palha, como muitos imaginavam. Fernando Alonso fez uma corrida combativa, travou duelos empolgantes com Hamilton e Sainz Jr., e levou seu novo time ao pódio já em sua primeira corrida, deixando a escuderia esmeralda comemorando como nunca o resultado. Alonso já tinha feito marcas expressivas nos treinos livres e obtido a 5ª posição no grid, confirmando a boa forma do novo AMR23. Na primeira volta, contudo, ele perdeu posições, e por pouco não teve o carro danificado em um toque de Lance Stroll, o próprio companheiro de equipe. Mas felizmente nada aconteceu, e o espanhol foi se recuperando na prova, exibindo sua grande categoria como piloto, e mostrando como foi bicampeão de F-1. Depois que superou Sainz, deixou o piloto da Ferrari para trás com enorme facilidade, e recebeu a bandeirada quase 39s atrás de Verstappen. Stroll, por sua vez, mesmo com sua condição clínica deficiente pelo problema nos pulsos, ainda foi 6º colocado, cerca de 16s atrás do novo colega de time. A forma da Aston Martin já deixa Ferrari e Mercedes preocupados, tanto pelo ritmo de corrida apresentado pelos carros esmeraldas, como pelo consumo de pneu, muito melhor do que o do time de Maranello, e da escuderia germânica, que também sofreu com os pneus na pista barenita.

              A expectativa da Aston Martin, por enquanto, é conservadora: manter o desenvolvimento do carro ao longo do ano. Alcançar a Red Bull pode parecer uma meta por demais ambiciosa, mas se manter à frente de Ferrari e Mercedes parece um objetivo muito mais crível e possível. Os planos do time sediado em Silverstone era brigar por pódios, e talvez por vitórias, em 2024, mas nada impede que tais objetivos sejam conquistados já este ano. Para tanto, porém, será preciso trabalhar como nunca, e manter a evolução do novo AMR23 de forma consistente ao longo do ano. Apesar de seus percalços, Ferrari e Mercedes possuem equipes de engenharia robustas, capazes de efetuar melhorias em seus carros com boa eficiência. O resultado da etapa barenita foi bom, mas precisa ser visto com os pés no chão. O pódio só foi possível devido à quebra de LeClerc, que até poderia ter sido alcançado por Alonso na corrida, mas talvez não superado, mostrando que não se pode medir o desempenho da Ferrari pela performance demonstrada por Carlos Sainz. A Aston Martin tem tudo para ser a sensação da temporada, mas não vai poder errar daqui em diante na evolução de seu carro, se quiser manter firme a disputa com Ferrari e Mercedes, e quem sabe, faturar algo mais em um eventual percalço que a Red Bull possa vir a sofrer em algum momento.

Sensação nos treinos, a Aston Martin (acima) mostrou que pode surpreender na temporada. Fernando Alonso (abaixo) mostrou sua velha classe e foi premiado com o pódio em Sakhir.


              Mais atrás, a Alfa Romeo fez uma estréia honesta. Não fez feio, mas também não impressionou mais do que normalmente faria. O time teve uma classificação a meio do grid, sem conseguir ir ao Q3, mas Valtteri Bottas fez uma prova decente, chegando na zona de pontuação, enquanto Guanyou Zhou, apesar de andar forte em alguns momentos nos treinos, não conseguiu acompanhar o ritmo do finlandês na corrida, ficando fora da zonta de pontos, sendo superado pelas duplas da Haas e Williams, e até da Alpha Tauri de Yuki Tsunoda. Em seu segundo ano na F-1, o piloto chinês certamente será mais cobrado pelas suas performances, ainda mais porque os cockpits da escuderia, que em 2026 se tornará o time da Audi, passaram a ser muito valorizados por essa entrada da marca alemã na competição, e candidatos certamente não faltarão para ocupa-los.

              Na Alpine, sentimentos opostos. Se na classificação Pierre Gasly começou com o pé esquerdo em seu novo time, enquanto Esteban Ocon fazia uma classificação mais do que decente, chegando ao Q3, na corrida, tudo virou pelo avesso. Ocon se posicionou errado no grid, o que motivou uma punição que ele e o time erraram na hora de pagar no pit stop, motivando outra punição, e chegando a uma terceira, por estourar o limite de velocidade no pit lane, que arruinaram com as chances do francês, que acabou abandonando a prova. Em contrapartida, Gasly fez uma bela corrida de recuperação, terminando em 9º lugar, e ainda marcando a volta mais rápida da corrida, que só perdeu para Guanyou Zhou no finalzinho, quando o chinês da Alfa Romeo lhe roubou o feito. A Alpine não teve uma boa apresentação na pré-temporada, mas afirmava já ter atualizações para a primeira corrida, de modo que tinha potencial para mais do que aparentava. De fato, o time francês não foi o desastre que se imaginava, mas também não foi tão melhor assim. Se colocar um pouco de ordem na casa, pode realmente voltar a sonhar com melhores resultados, tanto com Ocon, quanto com Gasly, que diante do desempenho de seu ex-time, a Alpha Tauri, certamente não vai ter saudades de lá.

              A Alpha Tauri, por sua vez, até que teve um desempenho interessante, com uma classificação e performance bem razoável de Yuki Tsunoda, que quase pontuou em Sakhir. Mas Nyck De Vries teve uma performance apagada na classificação, e foi superado pelo japonês na corrida, mostrando ter mais dificuldades do que se esperava em sua estréia como piloto titular na F-1. Na Haas, Nico Hulkenberg surpreendeu em seu retorno à categoria máxima do automobilismo como piloto titular, levando o time ao Q3, largando em 10º, deixando Kevin Magnussen na sobra. Pena que um toque na largada com Esteban Ocón fez o belo esforço do alemão ir para o brejo, com o carro perdendo estabilidade, comprometendo qualquer chance de um bom resultado potencial. O time trocou a asa do carro, que recuperou o desempenho inicial, mas aí já era tarde para reverter a desvantagem na corrida, terminando apenas em 15º, enquanto Magnussen foi o 13º, sem conseguir avançar mais à frente.

              A Williams teve um início de temporada até promissor. Sua dupla conseguiu uma posição de grid razoável, e teve uma desempenho até forte na corrida, tanto que Alexander Albon marcou ponto com um otimista 10º lugar, mostrando que o anglo-tailandês continua mostrando do que é capaz com o carro limitado de Grove. Mas foi uma boa surpresa também a performance do novato Logan Sargeant, que também andou forte, terminando em 12º em seu primeiro GP, e em determinados momentos na corrida andando até melhor do que Albon, mostrando que a aposta do time inglês no estadunidense não foi duvidosa como muitos imaginavam.

No duelo entre Alpha Tauri e McLaren pelo pior resultado do GP, o time de Woking ganhou disparado: Oscar Piastri foi o primeiro piloto a abandonar no ano, e Lando Norris chegou lá atrás, depois de seis paradas no box por problemas no carro.

              Quem teve mesmo um fim de semana para esquecer foi a McLaren. O time de Woking confirmou seus problemas demonstrados na pré-temporada, e na corrida, apesar de um pequeno refresco de Lando Norris na classificação, por pouco não chegando ao Q3, viu seu novo contratado Oscar Piastri só não largando em último lugar por punições aplicadas a Pierre Gasly e à péssima classificação de Nyck De Vries. Na corrida, o carro de Norris apresentou problemas no sistema pneumático, tendo de fazer seis pit stops para recarregar o gás do sistema a cada cerca de 10 voltas de corrida, transformando a prova em mera sessão experimental, enquanto Piastri teve um problema técnico em seu carro, fazendo do australiano o primeiro piloto a sofrer um abandono no ano. Pior que Zak Brown já ordenou um trabalho de atualização urgente no MLC60, o novo carro do time, que foi nomeado para comemorar os 60 anos de fundação da escuderia, mas que pode vir a ser um grande fiasco como foi a parceria recente com a Honda. O time se defende alegando que o aumento de 15mm na altura da borda do assoalho, que tornou a peça mais rígida, comprometeu completamente o projeto que o time vinha desenvolvendo desde o ano passado, e que agora terá de ser totalmente repensado, se a escuderia quiser corrigir seu rumo. Não é o início mais animador dos últimos anos para a McLaren. Dispensado pelo time para dar lugar a ao conterrâneo Piastri na atual temporada, Daniel Ricciardo deve estar sentindo um alívio tremendo ao ver o desempenho de seu ex-time neste momento.

              Em termos de corrida, não se pode dizer que a prova de Sakhir foi das mais emocionantes. Tivemos alguns bons duelos, é verdade, com destaque para as lutas de posição de Fernando Alonso contra Lewis Hamilton e Carlos Sainz Jr., mas na disputa pela ponta, foi uma negação. Verstappen sumiu na frente, e passou boa parte da corrida sendo até ignorado pelas câmeras da TV, já que não havia emoção por ali, concentrando-se no restante dos competidores. De fato, os treinos livres e a classificação foram muito mais emocionantes do que a corrida em si, e dava até a impressão de um maior equilíbrio de forças no grid, já que em determinado momento a diferença do mais rápido para o último chegou a ser de apenas 1s23, a menor em muitos anos. Algo que se desfez completamente na corrida, que teve potencialmente poucos duelos apreciáveis, com os pilotos passando boa parte do tempo correndo quase sozinhos, devido às diferenças acumuladas. Talvez, se tivéssemos uma pré-temporada digna do nome, com mais dias para as equipes testarem seus novos carros, e quem sabe pudéssemos ver um espetáculo melhor, mas com a política imbecil de se testar cada vez menos, é preciso lidar com as suas consequências, especialmente as negativas.

              Não dá para apontar uma relação de forças mais definida no “segundo escalão” da competição pelo que se pode ver apenas nesta primeira corrida. Enquanto Red Bull parece estar em uma classe à parte, e a “F-1 B” segue com Ferrari, Aston Martin e Mercedes, todo o resto está embaralhado, em maior ou menor grau. Todos os seis times restantes tiveram momentos bons e ruins, mostrando que até podem sonhar com um resultado mais satisfatório, dependendo das circunstâncias, e também do tipo de pista, que na semana que vem, em Jeddah, já será bem distinto do circuito do Bahrein, e onde poderemos ver desempenhos potencialmente diferentes destas escuderias. Um raciocínio que também vale, em menor grau, para os times da frente. A tendência é a Red Bull se sobressair mais uma vez, mas quanto? Mercedes e Ferrari tiveram suas dificuldades na pista barenita, mas será que o circuito citadino da Arábia Saudita pode lhes ser mais favorável? E a Aston Martin, manterá a força vista em Sakhir, ou pode aprontar até algo mais, levando-se em conta que até lá Lance Stroll estará mais recuperado, e Fernando Alonso, bem mais confiante na capacidade do carro, deve ser ainda mais incisivo na corrida, disposto a explorar melhor os limites do bólido?

              A conferir tudo isso no próximo final de semana.

Nenhum comentário: