sexta-feira, 20 de março de 2020

2020 JÁ ERA?


Mudanças técnicas nos carros da F-1, que entrariam em vigor em 2021, foram adiadas de comum acordo para 2022, devido à crise da pandemia do coronavírus.
            E o mundo continua entrando em parafuso por causa do surto da Covid-19. Enquanto são tomadas medidas preventivas para se tentar conter o avanço da doença, infelizmente avançam também a histeria e a paranoia a respeito de como as pessoas tentam lidar com o problema. Vemos todo tipo de coisa, e dá raiva ver como certas pessoas podem ser tacanhas e mesquinhas no trato com algumas situações. Volto a repetir que o maior inimigo da humanidade não será um vírus, mas sua estupidez e ignorância, que ainda fará muitos estragos nos mais variados lugares.
            Para o mundo do automobilismo, já se começa a perguntar se o ano de 2020 está praticamente perdido, devendo agora se concentrar em tentar planejar as coisas para 2021. Exagero ou apenas uma realidade? Um pouco das duas coisas, eu diria. Ainda é um pouco cedo para tentar achar um panorama seguro do jeito que a situação se encontra. Cada vez mais países, e até mesmo regiões, estão se fechando em si mesmas, e corremos o risco de termos o planeta completamente paralisado, onde isso poderá causar até mais estragos do que a própria doença em si. E o mundo do automobilismo, no presente momento, não tem certeza alguma do que pode fazer para tentar normalizar, tão logo seja possível, o ano na área.
            Depois de fazer um papelão na Austrália, a F-1 parece que resolveu mostrar serviço, e tão logo na sexta resolveu “adiar” as etapas do Bahrein – que seria neste final de semana, e do Vietnã, jogando o início da temporada para maio, com a volta da Holanda à competição, já que a China já tinha sua prova adiada antes que tudo ficasse ainda mais complicado, eis que a direção da categoria “adiou” também as etapas de Zandvoort e Barcelona, além do que muitos achavam impensável: a prova de Mônaco está cancelada este ano. Não teremos corrida no Principado, e o campeonato, na melhor das hipóteses, começará em junho, em Baku, no Azerbaijão, se não tivermos mais confusão até lá, obviamente.
            Outra medida importante que a categoria tomou, e felizmente houve concordância entre os times, foi o de postergar para 2022 a introdução do novo regulamento técnico da categoria máxima do automobilismo. Das novas medidas que seriam implantadas em 2021, ficou apenas o teto e gastos. Nada mais sensato, uma vez que mesmo sem ter as corridas, os times, procurando preservar seus funcionários, paralisaram as atividades em suas fábricas tanto quanto possível. Mesmo assim, este já seria um ano complicado para os setores de engenharia das escuderias, tendo de se ocupar em desenvolver os carros do atual campeonato, ao mesmo tempo em que trabalhavam nos novos modelos do ano que vem, já sobre as novas regras. Como já perdemos praticamente um mês de trabalhos, e a suspensão dos serviços deve fazer com que o mês de abril também seja um período “morto”, os times teriam de correr ainda mais nos projetos para se prepararem para 2021. Adiar o novo regulamento para 2022 resolve boa parte do problema que os times enfrentariam para se prepararem para o próximo ano.
            Isso não diria respeito somente ao tempo de trabalho disponível no ano, mas também ao aspecto financeiro. Com as corridas adiadas e/ou canceladas, a F-1 já começa a sofrer prejuízos, pelo não cumprimento de suas obrigações, com a realização das provas. E não é uma questão de prejuízo exatamente. Devido à situação atual, excepcional, todos devem concordar em “socializar” as perdas, ou seja, promotores de GPs não realizados não pagariam as multas, mas também não receberiam o que ganhariam com a realização das corridas. E a FOM, e os times, obviamente, também deixam de receber os valores de patrocínio proporcionais ao número de corridas não disputadas, ganhando menos dinheiro. E, com menos grana em caixa, os times, principalmente os menos abastados, não teriam como desenvolver adequadamente seus projetos para 2021 com as novas regras técnicas. Manter o regulamento atual por mais um ano simplifica e reduz custos, evitando que todos tenham de fazer seus novos projetos agora, podendo trabalhar num ritmo mais calmo, e claro, menos dispendioso. E, por isso mesmo, manter a adoção do teto orçamentário já para 2021, como planejado, ajudaria os times a evitarem gastos maiores com os novos projetos.
            Resolvido isso, fica o desafio do que se poderá fazer para o resto do ano. Ross Brawn e o restante do pessoal do Liberty Media, assim como os times, tentam achar uma solução para poderem encaixar as corridas no segundo semestre, e a medida mais coerente é simplesmente antecipar as férias de verão que os times teriam no mês de agosto agora para março/abril. Com isso, o mês de agosto poderia receber duas ou talvez três provas, na Europa, obviamente, o que ajudaria a encaixar aí as etapas da Holanda e da Espanha. E, com algumas mexidas aqui e ali, achar um espaço na logística de viagens que permitisse encaixar as demais etapas pelo mundo afora. Continuaria sendo complicado, mas redefinindo completamente as datas, seria possível encaixar algumas corridas de forma lógica, e que não demandaria alterações absurdas na enorme operação de logística que a categoria precisa fazer para viajar para as corridas fora do Velho Continente. Tudo dependerá, obviamente, de como e quando a situação se normalizará, ou se vai se estabilizar em algum ponto onde os riscos já sejam mais controláveis.
            Junto com estas mudanças, a F-2 e a F-3 que fariam provas nos mesmos finais de semana da F-1 agora também ficam completamente em suspenso, no aguardo dos acontecimentos, e nem poderia mesmo ser diferente. E enquanto as corridas não começam, os times, cada um à sua maneira, mesmo com suas fábricas fechadas parcialmente, continuarão a trabalhar nos seus carros, com a perspectiva de termos já modelos bem revisados em junho. Para a Ferrari, o time que mais dúvidas suscitou na pré-temporada, de que poderia passar o ano sem conseguir confrontar Mercedes e Red Bull como imaginava fazer, terá uma boa chance de tentar reestudar seu modelo SF-1000, e achar alguma solução que o torne mais competitivo e com melhores chances de encarar seus rivais diretos. Resta saber, contudo, se seus rivais também não irão caprichar no desenvolvimento de seus carros, de forma não apenas a manter a relação de forças que tivessem, como talvez até aumenta-la, mas isso é assunto para outra hora.
As 500 Milhas de Indianápolis também podem acabar adiadas, dependendo do avanço do coronavírus nas próximas semanas.
            Enquanto isso, a Formula-E, com seu calendário terminando em julho, e a perspectiva de seu novo ano começar apenas em dezembro, terá espaço útil para encaixar suas corridas nos meses de agosto e setembro, e minimizar impactos de corridas a menos, até porque já teve cinco provas disputadas na sua atual temporada, o que facilita para o certame de carros elétricos superar as adversidades com mais agilidade, até porque sua estrutura de competição também é bem menor que a da F-1. Vai dar trabalho achar novas datas, mas não impossível.
            Enquanto isso, nos Estados Unidos, a Indycar, que cancelou de última hora a corrida inicial de sua temporada 2020, já se antecipou e cancelou também as etapas seguintes, procurando tentar preservar as atividades do mês de maio, com as disputas de Indianápolis. Long Beach, aliás, que já havia cancelado a corrida da Indycar, a mais badalada do calendário depois da Indy500, confirmou o cancelamento também da mesa etapa no certame do IMSA Wheather Tech Sportscar. Enquanto todo mundo se pergunta se as medidas da Indycar foram suficientes, eis que Roger Penske, novo dono da categoria, e também do circuito de Indianápolis, já se mostra mais adiantado, e cogita transferir a Indy500 de sua data tradicional no último domingo do mês de maio para agosto, tendo montado um grupo de estudo para avaliar as possibilidades de fazer isso. Com um calendário que termina em meados de setembro, não seria exatamente um grande problema prorrogar a competição no segundo semestre. Nos últimos anos, a categoria sempre fez questão de encerrar sua competição no mês de setembro para fugir da concorrência esportiva na TV do Campeonato de Futebol Americano, mas com as partidas da NFL também paradas por causa da Covid-19, é mais do que certo ter de ignorar este receio, porque quando a situação se normalizar, praticamente todos os campeonatos voltarão a ser disputados, e ao mesmo tempo.
Uma das provas mais famosas do automobilismo mundial, as 24 Horas de Le Mans foram adiadas de junho para setembro desde ano.
            Portanto, consideradas as dificuldades de remarcação de datas, a Indycar tem boas chances de realocar algumas corridas aproveitando o mês de outubro, e quem sabe até novembro, como a antiga F-Indy fazia. Vai haver concorrência de outros esportes, é verdade, mas cada um tem que buscar o seu público, e não ficar evitando competição com outros eventos. Se a antiga Indy conseguia encarar os rivais, a atual Indycar não pode ficar refém deste receio. Certamente, a prática pode não ser tão fácil como a teoria, necessitando superar outros pormenores, mas não é impossível de se realizar.
            E neste ponto a FIM e a Dorna já se mostram um pouco mais flexíveis. O campeonato da MotoGP deveria começar em abril, nos Estados Unidos, mas tudo acabou adiado para maio, e a esta altura, até mesmo as provas deste mês ficam na berlinda, à espera dos acontecimentos sobre o surto da Covid-19. Mas a direção da competição em duas rodas já adiantou que, se necessário, pode até terminar o campeonato deste ano em 2021. O fã quer ver corridas, e não importa tanto as datas, e se tem campeonato que começa em um ano e termina no outro, porque a MotoGP não pode fazer isso também? Todo mundo sabe que é um momento excepcional, e se isso garantir a realização do campeonato, tanto faz as datas das corridas.
            Enquanto isso, a organização das 24 Horas de Le Mans preferiu ser mais prudente, e a tradicional corrida de endurance já não será mais realizada no tradicional mês de junho, sendo transferida para o mês de setembro, no segundo semestre, quando se espera que a situação esteja mais normalizada, e tudo possa ser feito com mais calma. Por enquanto, as 6 Horas de Spa-Francorchamps foram para o vinagre, mas podia ser bem mais complicado.
            Aqui no Brasil, a CBA também decretou a suspensão dos campeonatos nacionais, em apoio às medidas de contenção do coronavírus, que começa a fazer vários estragos ainda maiores em nossa já combalida economia, que se já não ia muito bem das pernas antes, apesar de alguns indícios de recuperação, agora fica completamente na incerteza, o que ajuda também a complicar o panorama em nosso esporte, com a CBF a também decretar a suspensão das partidas de futebol, enquanto a Copa América também acabou sendo suspensa, entre outros campeonatos esportivos.
            Resta agora esperar para que as medidas sejam realmente eficazes, e se mostrem aplicadas na proporção adequada, para se evitar que algum exagero, diante da histeria e paranoia que alguns tendem a espalhar mundo afora, acabem por fazer mais mal do que bem na luta contra este surto que certamente colocará a humanidade à prova. Torçamos para que a situação possa se normalizar e estabilizar o quanto antes, uma vez que os danos econômicos que a paralisia de muitas atividades poderá ser tão ou mais prejudicial do que a doença propriamente dita. Não se trata de subestimar a Covid-19, apenas de manter a calma, e não se deixar perder a cabeça e se entregar ao pânico.
            Aos fãs do mundo do esporte a motor, só resta aguardar. E, se for preciso deixar 2020 para trás, e já começar a pensar em 2021, que seja... Não é agradável, mas poderia ser muito, muito pior... E esperamos que realmente não seja, pelo bem de todos...


Com o cancelamento da prova de Mônaco, este será o 4º campeonato do Mundial de F-1 a não contar com a prova monegasca em seu calendário de competição. Prova mais charmosa de todo o campeonato, Mônaco foi uma das etapas que compôs o primeiro campeonato da categoria, em 1950, mas a corrida no Principado, de frente para o Mar Mediterrâneo, já existia desde 1929, muito antes da categoria máxima do automobilismo ser criada, em fins dos anos 1940. A primeira prova, valendo para a F-1, teve vitória de ninguém menos que Juan Manuel Fangio, com a Alfa Romeo. A corrida não foi disputada em 1951, mas retornaria em 1952, quando o triunfo acabou nas mãos de Vittorio Marzotto, com a Ferrari. A corrida voltaria a não ser realizada em 1953 e 1954, mas em 1955, voltou a ser disputada, e desde então, nunca mais saiu do calendário da F-1. Mônaco também é o último palco remanescente dos primórdios da F-1 que ainda conserva o velho charme dos “grand prix”, que as corridas desfrutavam antigamente. Com a crescente profissionalização da F-1, imposta a partir dos anos 1980 por Bernie Ecclestone, as corridas foram perdendo gradativamente aquele glamour de antigamente, ficando todas com um ambiente muito mais estéril, e sem personalidade, que infelizmente vigora até hoje. Menos em Mônaco, onde a beleza do Principado, e as características do GP ainda permitem sentir o clima de antigamente. Infelizmente, a corrida há muito deixou de ser empolgante, uma vez que as estreitas ruas do charmoso Principado tornam a pista um verdadeiro pesadelo para ultrapassagens, e quem larga na frente só perde a corrida se cometer um erro, mesmo tendo um carro menos rápido. É também em Mônaco que muitos contratos são firmados, e boa parte dos pilotos reside, pelas facilidades fiscais que o pequeno país oferece a seus residentes, como não pagar impostos, sejam cidadãos monegascos ou estrangeiros. Mas é também um lugar caro, uma vez que os imóveis são altamente valorizados, e um grande destino turístico, com destaque para o famoso cassino, que atrai endinheirados do mundo todo. E, como não poderia deixar de ser, tudo fica ainda mais caro na época do Grande Prêmio, algo que não veremos este ano.
Pela primeira vez desde 1954, a F-1 não terá o Grande Prêmio de Mônaco em seu calendário deste ano. Prova só volta em 2021.


Vencer o Grande Prêmio de Mônaco sempre foi um grande desafio, e não foram poucos os grandes nomes do automobilismo que almejaram escrever seu nome mais de uma vez no rol de vencedores da corrida. Graham Hill, com cinco vitórias, em 1963, 1964, 1965, 1968, e 1969, ganhou o apelido de “Mr. Mônaco” pela façanha. Sua marca só seria batida muitos anos depois, por Ayrton Senna, que venceu nas ruas do Principado em 1987, 1988, 1990, 1991, 1992, e 1993, totalizando 6 vitórias, fazendo do brasileiro o recordista de triunfos e atual “Mr. Mônaco”. Michael Schumacher até conseguiu igualar as cinco vitórias de Hill, ao vencer em 1994, 1995, 1997, 1999, e 2001. Entre os pilotos da F-1 atual, Lewis Hamilton acumula três vitórias, em 2008, 2016, e 2019. Sebastian Vettel venceu duas vezes, em 2011 e 2017. Daniel Ricciardo venceu em 2018. Quem também venceu uma prova em Monte Carlo foi Kimi Raikkonen, tendo triunfado na edição de 2005. Entre os pilotos brasileiros, apenas Senna venceu em Mônaco.

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