Prova da MotoGP em Jerez de La Fronteira é o mais novo adiamento da motovelocidade. |
Mais uma semana, e o
surto do coronavírus continua virando meio mundo e um pouco mais de cabeça para
baixo. E neste meio tempo, dá para se ver de tudo, e o que mais dá pena são
pessoas que passam notícias falsas, ou gente que insinua algum remédio que
curaria a doença, quando no atual momento, o que temos são vários tiros para
todos os lados, alguns deles completamente no escuro, na esperança de se encontrar
ao menos um tratamento, que possa mitigar os riscos da Covid-19, e pelo menos
poder se tranquilizar parte da população.
E no mundo do
automobilismo, tudo continua na mesma, com a incerteza sobre o que será feito
este ano. Com os Estados Unidos agora tendo uma explosão de casos, chegou a
hora da maior potência econômica do mundo sentir os dramas que alguns países já
viveram. E com a terra do Tio Sam também vendo os casos se alastrarem, seria
mais do que natural imaginar o que farão em relação às corridas, se continuarão
sendo adiadas, ou canceladas. Se na semana passada a notícia de maior impacto
foi o cancelamento do Grande Prêmio de Mônaco, a corrida mais charmosa e
tradicional do campeonato de Fórmula 1, eis que esta semana a notícia de maior
destaque refere-se justamente à grande estrela do campeonato da Indycar, as 500
Milhas de Indianápolis, programadas inicialmente para o dia 24 do mês de maio.
Bem, não mais.
Diante da piora da
pandemia nos Estados Unidos, a direção da Indycar resolveu jogar pelo seguro, e
a famosa corrida do circuito oval de Indiana agora será realizada no dia 23 de
agosto, praticamente três meses depois, seguindo o exemplo da organização das
24 Horas de Le Mans, que transferiu a famosa corrida de endurance do mês de
junho para setembro. Já o GP de Indianápolis, prova disputada no traçado misto
do Indianapolis Motor Speedway, será realizada no dia 4 de julho. Desde que a
prova estreou na competição, sempre foi realizada antes da Indy500. Certamente,
não fosse a necessidade de se realocar praticamente todo o calendário da
Indycar a esta altura, e ainda assim, sem garantias de que tudo correria bem,
certamente a corrida também seria disputada em agosto. A intenção da direção da
Indycar é tentar iniciar o seu campeonato com a rodada dupla de Detroit,
marcada para os dias 30 e 31 de maio, e até o presente momento, eles estão
otimistas em tentar manter esta data para iniciar o campeonato.
Mas, como já
mencionei, não há garantias de que isso seja feito. As próximas semanas serão
decisivas para sabermos se a pandemia perderá sua força, ou continuará se
alastrando como vem fazendo em diversos países, com resultados variados
dependendo de um para o outro. E como na última semana o quadro não pareceu
animador, ao menos para vários países envolvidos com atividades importantes do
mundo da velocidade, novas decisões vêm sendo tomadas para tentar se antecipar
aos fatos, e evitar ações desnecessárias e, talvez, arriscadas.
Com as corridas em Indianápolis adiadas para julho e agosto, a Indycar ainda tem esperança de iniciar a competição em Detroit. |
A F-1 já acertou o
cancelamento da corrida em Baku, no Azerbaijão. Embora com data marcada para o
mês de junho, e mesmo sendo uma corrida disputada em um circuito de rua, as autoridades
da cidade preferiram pedir pelo cancelamento, pela incerteza em conseguir
montar a estrutura necessária para o evento, um procedimento que começa mais de
um mês antes. Os olhos se voltam agora para Montreal, no Canadá, que seria a
próxima etapa. Se sem a prova de Baku a logística da F-1 fica um pouco mais
fácil, por outro lado, os canadenses já começam a ficar incertos se a corrida
será realizada, e um dos principais motivos é o surto da pandemia que está se
alastrando pelos Estados Unidos, país vizinho. Dependendo dos acontecimentos, o
coronavírus, que ainda está com um número de casos considerado razoável em
terras canadenses, poderia explodir por lá também, pela proximidade da
fronteira com o vizinho do sul.
Outro problema seria o
próprio local da corrida, uma vez que a prova é disputada em uma pista montada
dentro de um parque criado numa ilha artificial no rio São Lourenço, que corta
a imensa metrópole canadense. O local tem apenas uma ponte, que se torna o único
acesso ao circuito, o que resulta numa aglomeração ainda maior de pessoas
chegando para as atividades do Grande Prêmio. Como a pandemia está pulando de
país em país, o Canadá teme ser a nova “bola da vez”, e com isso, não haver
condições para se realizar a corrida. Uma decisão terá de ser tomada, e está
difícil tentar fazer algum prognóstico.
E a situação não
melhora muito para as corridas seguintes, todas em território europeu, até o
início de setembro. A Itália, país mais afetado pela pandemia, até tem sorte: o
GP em Monza é justamente em setembro, o que lhe dá alguma segurança pela
distância de tempo até lá, uma vez que ainda temos cinco meses até lá, mas
neste momento, quem garante que os italianos estejam pensando na sua corrida? E
as provas que vem antes estão com a perspectiva ainda mais complicada. Temos a
França, depois a Inglaterra, a Hungria, e a Bélgica. E dependendo da situação,
a expectativa era encaixar Espanha e Holanda em agosto, mês das tradicionais
férias de verão, que foram antecipadas para agora, numa tentativa de conseguir
um tempo para poderem normalizar a situação. Mas, e se não der certo?
Aí, ninguém sabe o que
se poderá fazer? E fica-se a dúvida: adiar, ou cancelar de vez? E, por incrível
que pareça, cancelar está parecendo uma opção mais viável do que simplesmente
adiar. Adiar pressupõe que a corrida será disputada em outra data, mas conforme
as semanas avançam, o tempo disponível para se encaixar as corridas não
realizadas em novas datas vai diminuindo de forma acelerada. Se a Indycar
começa a cogitar realizar rodadas duplas para tentar ao menos fazer um
campeonato, medida que também pode ser adotada pela F-E, a F-1 não tem esta
vantagem, pela estrutura gigante que possui, que implica em imensos
deslocamentos. A F-E, possuindo uma estrutura muito menor, não tem problemas em
realizar rodadas duplas, e teria apenas de acertar com os locais das corridas,
se bem que, com o seu campeonato programado para terminar em julho, já se
perguntam se ele poderia ser prorrogado para agosto, e talvez setembro, de
acordo com as possibilidades de se disputar as corridas. A Indycar, por outro
lado, correndo apenas nos Estados Unidos (o Canadá é atualmente a única
exceção, com a prova de Toronto), também poderia fazer rodadas duplas, e até já
se fala que a corrida de São Petesburgo, que abriria a temporada, seria adiada para
outubro, em data ainda a ser divulgada, para encerrar a competição.
A MotoGP também já
sofreu mais uma baixa, com a prova de Jerez de La Fronteira, marcada para o
início de março, sendo posta na geladeira, pelas incertezas da pandemia. E a
própria categoria agora também bate cabeça com o que fazer a respeito de todas
as corridas sob ameaça do surto da Covid-19. Realmente, não está sendo nada
fácil estes últimos dias. Afinal, se até as Olimpíadas acabaram adiadas para 2021,
em se tratando de um evento que é realizado de quatro em quatro anos, o que
dizer dos eventos “anuais” então...?
Mas, seja qual for a
categoria, todo mundo começa a pensar no assunto. Adiar, como já mencionei,
envolve realizar o evento em data posterior, mas qual data? E se para muitos,
pode parecer fácil apenas dizer que o evento será realizado em outra data, na
verdade isso não é tão fácil como pode parecer. Vejamos Mônaco... A prova foi
cancelada, e não adiada. O Automóvel Clube de Mônaco preferiu cancelar a mais
tradicional corrida do campeonato da F-1 diante da impossibilidade de se montar
a estrutura que a corrida exige para ser realizada no Principado diante das
empresas que fornecem mão-de-obra e equipamentos dificilmente terem como
atender a este serviço fora da data previamente combinada. E, se a situação se
normalizar, é preciso entender que lá na frente haverão outros eventos e
acontecimentos diversos que serão realizados normalmente se a situação assim o
permitir. Estes outros compromissos não poderiam ser penalizados para que se
fossem realizados aqueles eventos que acabaram adiados pela pandemia.
México e Estados Unidos poderiam receber a prova do Canadá próximo de suas datas e facilitar a logística, mas será que conseguiriam fazer dar certo? |
Um circuito,
dependendo de onde está, pode ter todo um cronograma de eventos, provas, além
de outros compromissos para todo o ano. Estruturas de alto custo, são lugares
que não podem permanecer parados, precisando gerar lucro para se manterem.
Interlagos, por exemplo, está ocupado quase todo o ano, com atividades que não
se resumem somente às corridas que conhecemos, como a F-1, ou a Stock Car. A
prova brasileira ainda está relativamente segura, em novembro, mas diante da
bagunça que se instalou no calendário, com adiamentos e cancelamentos, se a
situação se normalizar, a tendência inicial é manter a data da prova brasileira
para quando já está definida. Obviamente, isso quer dizer por exemplo que, se a
Stock Car resolver marcar uma corrida cancelada de seu certame para uma data
posterior no autódromo paulistano, não poderia contar com o fim de semana do GP
de F-1, ou de algum outro evento já firmado com a pista. Logicamente, reencaixe
de provas exige todo um jogo de cintura por parte dos organizadores e dos
competidores, e muitas vezes, por mais boa vontade que todas as partes
envolvidas tenham, não se consegue chegar a um acordo viável.
No caso da F-1, diante
de sua estrutura gigantesca, que envolve um desafio de logística tremendo, a
melhor opção seria tentar mudar a data do maior número de corridas, todas em
comum acordo com os promotores, circuitos, e equipes da competição. São muitos
interesses, além dos compromissos assumidos com outras categorias, para se
achar datas e locais viáveis. Por exemplo: seria muito bom colocar a corrida do
Canadá junto das provas do México e dos Estados Unidos, em outubro, caso a
corrida canadense precise ser adiada. Aliás, antigamente, estas três provas
eram feitas em sequência, com uma logística afinada, de modo que em uma única
viagem, a categoria máxima do automobilístico competia nos três países da
América do Norte. Mas, mesmo que se consiga manter as datas originais de México
e Estados Unidos, será que o circuito Gilles Villeneuve estaria disponível
naquele momento? Se estiver, ainda assim, será preciso acertar com as equipes
de competição, que neste caso, creio que até aceitariam o reencaixe, mas é
preciso pensar no pior momento da situação, a fim de não se deixar ficar otimista
demais...
Para a MotoGP, com a
prova de Jerez adiada, que tal seria se, mais à frente, conseguissem juntar as
etapas disputadas em Barcelona com Jerez, e também Aragón, todas provas em solo
espanhol? Ou tentar colocar juntas as etapas de Mugello e San Marino, ambas na
Itália, em locais próximos? Tudo seria uma maravilha, não? Mas será que
conseguiriam montar estes combos junto com os promotores e os circuitos? E
ainda tem também o risco de se saturar o momento, com muitas provas sendo
disputadas em todos os finais de semana. Seria possível, mas não ficariam
isentas de alguns problemas. Ciente das dificuldades, ao menos a direção da
MotoGP já admite até fechar o campeonato de 2020 em 2021, dependendo do que acontecer...
Mas não basta ser
flexível apenas na vontade. Todo grande evento, e o esporte a motor não é
exceção, tem uma série de compromissos assumidos, e entre eles, as transmissões
das competições, que hoje são o grande filão de recursos financeiros para as
entidades que comandam estes campeonatos. Como ficará a Dorna sem receber pelos
contratos de transmissão de corridas que não foram realizados? E promotores que
já fizeram gastos visando as provas que acabaram canceladas? E nem falo das
cifras astronômicas que a F-1 geralmente movimenta. Cancelar seria bem mais
prático, mas isso geraria uma dificuldade adicional, que seria como os times se
manteriam neste período de inatividade. E para falar a verdade, são poucos os times
de competição que desfrutam de boa retaguarda financeira.
Sem corridas, os times
não recebem por sua participação. E sem provas, os patrocinadores que pagaram
altas somas para estamparem suas marcas e produtos nos carros, também não têm a
exposição prevista. E sem exposição, sem pagamento também. Mas todos ainda tem
seus custos: manter as estruturas das fábricas, os empregados, pagamento de
fornecedores de materiais, contas diversas... Alguns governos têm se mexido
para postergar contas de alguns serviços, como água e energia, durante o
período da pandemia, mas isso pode ser muito pouco, ou quase nada, se a empresa
do time de competição não possui uma reserva financeira que posa ajudar neste
momento difícil que todos estão enfrentando.
O problema é que todo
mundo aplica os recursos disponíveis na disputa do campeonato. Os times fazem
sua previsão de gastos, baseada no que irão receber durante o ano, e embora
alguns times possam se precaver de modo a não faltar recursos durante a
temporada, isso não quer dizer que eles estejam blindados para uma crise como
essa. Na verdade, nem mesmo os times mais abastados, como uma Mercedes ou Red
Bull, estão imunes a isso. A Mercedes depende da indústria de carros, e neste
momento, com o comércio praticamente paralisado em sua grande maioria, mesmo
uma grande corporação com a Daimler-Chrysler não pode se dar ao luxo de manter
o mesmo nível de atividade e gastos, sem a entrada de recursos que normalmente
ocorreria. Na Red Bull talvez a situação seja um pouco menos sensível, já que o
famoso energético ainda deve se manter em comercialização normal, enfrentando
uma queda bem menor, até porque o energético é um produto de comercialização
muito mais fácil do que um veículo. Mas mesmo assim, pode sofrer algumas
sequelas.
Mas, e uma Williams,
time com o menor orçamento da competição nesta temporada, e com o orçamento
praticamente contado para o ano? Certamente, as finanças em Grove já andavam
apertadas, e agora com esta situação, sem terem como correr, e por isso mesmo,
teoricamente sem vir a receber pelos acordos feitos com os patrocinadores para
exposição de seus nomes nos carros e na estrutura da equipe, além das verbas que
normalmente recebe da FOM pela participação no campeonato, pode ser um momento
bem complicado.
Claro, há algumas
compensações. Como não há corridas, e a atividade nas fábricas foi paralisada
em boa parte, os gastos e custos diminuíram também. E, dependendo do que for
economizado, isso certamente ajudará na manutenção do time neste momento
delicado. Se vai resolver ou não, é complicado dizer, mas ao menos, é um ponto
positivo a ser realçado. Um panorama que não se restringe apenas ao mundo do
automobilismo, mas a toda e qualquer empresa mundo afora. E infelizmente, muita
gente irá passar por apertos e dificuldades com a paralização da economia em
muitos lugares, se não for achado um nível de equilíbrio entre prevenir o
avanço e disseminação da Covid-19, e a manutenção das atividades comerciais que
permitam às pessoas terem como se manter durante esta crise.
E assim, ficamos ainda
na expectativa do que vai acontecer pelo mundo enquanto durarem os efeitos
desta pandemia. Só nos resta aguardar, e esperar pela melhor das
possibilidades...