sexta-feira, 6 de setembro de 2019

OS PERIGOS DA VELOCIDADE


O violento acidente ocorrido na prova da F-2 na Bélgica acabou por ceifar a vida do jovem Anthoine Hubert (acima, com a lateral de seu carro aberta com o impacto), atingido por Juan Manuel Correa, cujo carro capotou com o impacto, caindo de cabeça para baixo logo a seguir. Ficaram destroços de carros pela pista, com a violência da batida (abaixo).

            “O esporte a motor é perigoso”. Esta é uma frase das mais batidas no mundo do automobilismo, mas sintetiza uma verdade simples, mas contundente do universo das corridas: é uma atividade perigosa. E como dizia Nélson Piquet, quem não quiser correr riscos que fique em casa... E isso nos foi lembrado novamente no sábado da semana passada, na primeira corrida da F-2 na pista de Spa-Francorchamps, onde um fortíssimo acidente ocasionou o falecimento do piloto Anthoine Hubert, de apenas 22 anos. O carro do piloto desgarrou na área de escape após a curva Eau Rouge, acertou a proteção de pneus, e retornou para a pista, sendo atingido em velocidade plena pelo carro do equatoriano naturalizado estadunidense Juan Manuel Correa, na pior espécie de batida que se pode sofrer em um bólido de competição.
            Ambos os pilotos foram parar no hospital, mas Anthoine, colhido diretamente na lateral de seu carro pela pancada a alta velocidade do carro de Correa, não resistiu aos ferimentos, falecendo no hospital. As atividades da F-2 foram canceladas em todo o final de semana, com ambas as corridas não sendo realizadas, e mesmo a prova iniciada onde se deu o acidente na segunda volta sendo cancelada. O circuito de Spa ficou de luto pelo falecimento da jovem promessa francesa, que sonhava chegar à F-1, onde alguns de seus colegas e amigos já haviam alcançado, como Esteban Ocón, e o jovem Charles LeClerc. O monegasco, aliás, conquistou na pista belga a bem merecida primeira vitória em sua carreira na F-1, mas não pode comemorar como sempre gostaria de ter feito. Ninguém comemorou, aliás. O pódio foi até silencioso. Charles dedicou a vitória ao amigo falecido, mostrando o adesivo que colocou em seu carro, de que correu por ele. Um bonito gesto.
            Como de costume, houve as tradicionais discussões sobre segurança nas corridas, com direito, obviamente, às opiniões de alguns até condenando a realização de corridas. Como Lewis Hamilton e Daniel Ricciardo declararam esta semana, o público muitas vezes não tem uma noção exata do que é pilotar um bólido que pode andar a mais de 300 Km/h, e que os grandes avanços na área de segurança, desenvolvidos continuamente, e com muito mais afinco depois das mortes de Ayrton Senna e Roland Ratzemberger em Ímola, em 1994, criaram uma sensação de que não há grandes perigos no esporte, e por isso mesmo, quando acontece algo assim, a comoção às vezes ganha contornos muito maiores do que seria de se esperar. E eles tem razão. Fico imaginando como esses torcedores reagiriam às corridas de F-1 realizadas nos anos 1970, onde muitos pilotos sofreram acidentes, e vários deles perderam a vida, e com grande frequência. Existissem as redes sociais de hoje, e o modo como veem as corridas, talvez o automobilismo fosse praticamente banido como esporte, virando uma atividade marginal, acusado de ser uma modalidade assassina.
            Hamilton e Ricciardo não estão brincando. Que o diga Jackie Stewart, um dos últimos remanescentes da geração que competiu nos anos 1970 da F-1, e que viu inúmeros pilotos perderem a vida. Acelerar um bólido naquela época era algo muito corajoso, porque as condições de segurança eram realmente precárias em muitos GPs. Por isso mesmo, Stewart foi um grande defensor da segurança. Ele viu seu parceiro e grande amigo François Cevert morrer no final da temporada de 1973, e decidiu encerrar sua carreira de piloto ali mesmo, sem até disputar aquele que seria o seu último GP. Stewart pode falar muito sobre a imensa evolução que a tecnologia de competição propiciou aos carros de lá para cá, com bólidos que hoje conferem uma grande proteção à integridade física dos pilotos. Não é exagero dizer que os carros são tão fortes quanto verdadeiros tanques de guerra. Mas isso não torna o esporte a motor menos perigoso. Apenas minimiza as possibilidades de o piloto se ferir gravemente.
No pódio, após vencer sua primeira corrida de F-1, Charles LeClerc dedicou a vitória a Anthoine, de quem era colega e amigo (abaixo). Comemoração de todos foi bem discreta, em luto pela perda do piloto na véspera.
            Uma batida hoje ainda é algo muito perigoso. O que muda é que o piloto, bem mais protegido, sofre menos as consequências negativas de uma colisão. Mas o perigo continua existindo, e mais dia, menos dia, ele pode se mostrar contundente, e até cruel. Tudo depende do momento, e da sorte, ou azar de que tiver o infortúnio. Antes mesmo do tenebroso final de semana de San Marino de 1994, a F-1 havia passado um bom tempo sem perder ninguém. Durante os anos 1980, os únicos pilotos a morrerem pelas atividades de um fim de semana de GP haviam sido Gilles Villeneuve e Ricardo Paletti, em 1982. A F-1 ainda perderia Elio de Angelis naquela década, mas em um teste particular em Paul Ricard em 1986. Durante essa década, e o início dos anos 1990, testemunhou-se vários acidentes, alguns até assustadores, mas nenhum fatal, mesmo que em alguns casos, como foi o acidente que quase matou Martin Donelly em Jerez, na Espanha, em 1990, ou Phillipe Streiff, que ficou tetraplégico após capotar com seu carro em testes no Rio de Janeiro, os pilotos tivessem sofrido ferimentos consideráveis. Exemplos como a capotagem de Christian Fittipaldi na reta de chegada em Monza, em 1993, ou também a capotagem de Ricardo Patrese na reta dos boxes em Portugal, ou mesmo os violentos acidentes sofridos por Gerhard Berger e Nélson Piquet na curva Tamburello, em Ímola, em 1987 e 1989, e também o forte acidente que praticamente destruiu o carro de Phillipe Alliot na Cidade do México em 1988, com o piloto saindo ileso do carro, davam a impressão de que tudo estava sob controle.
            Na verdade, todos estavam tendo uma sorte tremenda por tudo acabar bem na maioria das vezes. Ninguém ignorava isso, com todos tendo ciência de que o pior poderia ter acontecido. Mas, como salvaram-se todos, entre mortos e feridos, talvez fosse mais fácil esquecer, e partir para a próxima. Tudo mudou depois de 1994, e o perigo inerente à prática do automobilismo nunca mais foi visto com desdém. Na verdade, passou a ser visto como uma obsessão até. Criou-se uma mentalidade de que, se houvesse uma morte, seria porque nada foi feito para evita-la. Um pensamento às vezes até perigoso, pois instituiu-se uma mentalidade onde os riscos do esporte deveriam ser até banidos, o que era um exagero. Não que a segurança não devesse ser tratada com seriedade e prioridade, mas é preciso reconhecer que o perigo, mesmo que possa ser contornado, ou minimizado, sempre estará lá. E que, mais dia, menos dia, novamente alguém não terá a sorte a seu lado, mesmo com todas as precauções possíveis tendo sido tomadas.
            Foi o caso de Hubert. Apesar dos avanços propiciados na construção de um carro de competição, inclusive com a adoção do polêmico halo, e área de escape asfaltada, e barreiras de pneus, o piloto deu azar com seu carro voltando para a pista, onde acabou atingido pelo bólido de outro competidor. Foi uma fatalidade, onde Juan Manuel Correa pouco pode fazer para evitar a colisão. E um azar tremendo, pois a colisão não se deu dentro da faixa “oficial” da pista, mas na área de escape, onde Correa tentou passar para evitar de colidir com outro carro, e acabou encontrando Anthoine pelo caminho, atingindo-o em cheio na lateral, a 90°, no que é chamado de “batida em T”. O impacto foi fortíssimo, e mesmo com a grande segurança que um carro, mesmo o da F-2, tenha hoje em dia, o carro ficou completamente destruído, separado em várias partes que se espalharam pela curva Raidillon, que dá acesso à reta Kemmel. É um trecho de velocidade altíssima dos carros, que vem pela subida íngreme da Eau Rouge, atravessando as curvas em sua saída, e a entrada da reta Kemmel, um trecho de aceleração máxima até chegarmos na freada da Le Combes Corner, mais adiante. O habitáculo do carro de Anthoine ficou completamente exposto do lado da pancada, após se separar da parte traseira do chassi, que por sua vez ficou destroçado ao lado.
            A cena do corpo exposto de Hubert, aparentemente ileso, dentro do que restou do cockpit, me levou direto à cena que testemunhei em 1994, após o carro da Roland Ratzemberger colidir com o muro da curva Villeneuve em Ímola, que também abriu um rombo no cockpit, que na época, era forte, mas não se compara à resistência que os carros de competição hoje podem ter. Correa só teve melhor sorte se considerarmos que ele não morreu com a pancada, mas segue internado, e sem previsão de uma recuperação breve: ele sofreu fraturas nas duas pernas, precisando passar por cirurgia nas duas. Na pancada, após abrir o rombo na lateral do carro de Anthoine, seu bólido teve o bico completamente destroçado na batida, decolando e capotando, indo parar de cabeça para baixo muitos metros adiante. Com um pouco de sorte e atenção, é possível ver a ponta dos pés do piloto nas poucas cenas do que sobrou de seu carro após a batida. Mas, Juan também poderia ter se dado muito pior do que o ocorrido: seu carro ainda caiu na pista, mas bem perto do guard-rail da parte interna, onde termina a área de escape junto à Raidillon. Tivesse decolado em outro ângulo na pancada, seu carro poderia ter sido projetado diretamente na barreira de aço, que mesmo com a proteção dos pneus, não se pode prever o que poderia acontecer exatamente.
Em 1982, Gille Villeneuve (acima) perdeu a vida ao capotar com sua Ferrari na pista de Zolder, também na Bélgica. Piloto foi arremessado fora do carro, sem chances de se proteger das consequências do acidente. Já Martin Donelly (abaixo), apesar da violência da batida que partiu seu carro ao meio, e tendo ficado com o corpo estirado na pista, amarrado ao banco do monoposto, o piloto escapou com vida, mas encerrou sua carreira ali. 
           

            Não se pode falar que Spa é um circuito assassino, pelo menos quando o assunto são vítimas pilotando carros monopostos. Mas a coisa muda de figura quando consideramos as vítimas que estavam pilotando motos, carros de turismo, e outros tipos de bólidos. De 9 de agosto de 1925, quando faleceu o britânico Bill Hollowell, até o último dia 30 de agosto deste ano, com o passamento do francês Anthoine Hubert, um total de 48 pilotos perderam a vida nas curvas da pista belga. Uma das mortes mais comentadas foi do alemão Stefan Bellof, em 1985, quando o piloto, ao volante de um carro esporte-protótipo, bateu no guard-rail na saída da curva Eau Rouge, após tentativa de ultrapassagem contra o belga Jacky Ickx, com os dois carros acabando por se tocar e batendo, mas o de Bellof tendo mais azar por colidir de frente, e ainda pegar fogo. É preciso respeitar a pista belga, que tem seus perigos e manhas, algo que nem todos os pilotos tem consciência. Alguns batem forte, mas têm sorte de saírem inteiros. Jacques Villeneuve, Ricardo Zonta, Alessandro Zanardi, e Kevin Magnussen, foram outros pilotos que se acidentaram feio no trecho Eau Rouge-Raidillon, só na F-1, em tempos mais recentes. Anthoine, como já falei, deu azar.
            Jackie Stewart também tocou em um ponto interessante, que é a maneira como muitos jovens hoje encaram o automobilismo. Com a imensa segurança que os carros possuem hoje em dia, alguns pilotos, em busca de seu lugar ao sol, tendem a ser demasiado agressivos em seus estilos de pilotagem, por vezes não respeitando o espaço que os concorrentes precisam dispor na pista, nem os limites que partes dos traçados impõe. Daí, alguns pilotos podem estar abusando dos limites, por acreditarem que seus carros podem protege-los de todos os infortúnios decorrentes de um acidente que possam porventura sofrer se alguma manobra não der certo, ou o concorrente não abrir espaço. É brincar com fogo. Segundo o ex-tricampeão, por não conviverem ou conhecerem a morte no seu meio, eles acham que podem tudo, e precisam ter consciência de que não é bem assim. Por mais chocante que seja a perda de um jovem piloto, ela deve servir de exemplo, e de aviso, para que estes pilotos tenham mais respeito pela competição, e saibam moderar sua agressividade, evitando de correr riscos desnecessários, além dos que já correm tradicionalmente. O problema é que, muitas vezes pressionados, e vendo os concorrentes em melhor posição, podem acabar sendo levados ao extremo, tentando tirar as diferenças de todo modo.
            A FIA já iniciou investigações para apurar o acidente, e o que pode ser feito para melhorar a segurança no local onde houve a batida. Mas sem chiliques ou condenações. Todos sabem que foi uma fatalidade, onde vários fatores acabaram se unindo no desastre, no meio do calor de uma corrida recém-iniciada. Mas, em busca contínua para aprimorar a segurança, tudo deve ser visto e revisto, com propostas plausíveis que possam tentar evitar que ocorra ali naquele trecho um acidente parecido, ou pelo menos tentar minimizar suas consequências. Porque o perigo sempre estará à espreita. Não é possível eliminá-lo da natureza da competição do esporte a motor. Mas, com alguns cuidados, pode ser mitigado, ou evitado em suas consequências mais trágicas. Mas todos precisamos estar sempre atentos para cada entrada de um carro na pista, seja em treino, seja em corrida... Afinal, nunca se sabe o que pode ocorrer, por mais previsível que a situação possa ser. Algumas situações não mandam avisos... E quando nos damos pela coisa, já pode ser tarde demais... Que possamos ter sorte para que o próximo desastre esteja muito longe de acontecer, se não for possível evita-lo, ou contorna-lo... E rezar para que tudo sempre termine bem...


Depois da corrida na Bélgica, a F-1 já está novamente em ação, e o palco é o tradicional circuito de Monza, onde os ferraristas estão bem mais animados depois da vitória de Charles LeClerc em Spa-Francorchamps. Até porque, sendo um circuito de alta velocidade, o mais veloz do calendário, a Ferrari tem chances de fazer aqui outra boa corrida, a exemplo do que vimos na Bélgica. Mas falta combinar com os rivais, especialmente Lewis Hamilton e a Mercedes, que deram um show de competência aqui no ano passado, nocauteando o time de Maranello, que tinha tudo para vencer a corrida, até com dobradinha, mas viu seus esforços começarem a ruir logo no início da corrida, quando Sebastian Vettel, que havia sido superado por Lewis Hamilton, forçou uma ultrapassagem precipitada para tentar recuperar logo a posição, tocou rodas com o inglês, e rodou, caindo lá para trás, e dando adeus ao sonho de uma nova vitória. Sobrou Kimi Raikkonem na liderança da corrida, mas o time rosso se embananou com a estratégia da corrida, e o finlandês acabou superado por Hamilton, que venceu a corrida, e deu um banho de água fria nos tiffosi. Será que a história se repetirá este ano? Em 2018, Sebastian Vettel tinha vindo de uma vitória convincente na Bélgica, e o time vermelho era franco favorito para a corrida em casa. Mas a Mercedes mantinha a calma. Procurou minimizar o prejuízo em Spa, e analisar suas chances depois dos treinos. E viu que tinha chances de estragar os planos dos italianos. Charles LeClerc venceu em Spa, mas com Hamilton nos seus calcanhares. Como será o desempenho aqui na Itália? Para variar, o time alemão já começou a dar suas indiretas, avisando que a diferença dos carros prateados para os carros vermelhos não é tão grande como se imagina nesta pista. Blefe ou não, melhor a Ferrari se precaver, porque não pode ignorar o que aconteceu no ano passado...


Depois de a Mercedes confirmar a permanência de Valtteri Bottas no time para 2020, levando também à confirmação de esteban Ocón na Renault para a próxima temporada, mais um piloto garantiu seu assento, e seu time sua formação titular, pelas próximas temporadas: Sergio Pérez renovou com a Racing Point até 2022, o que significa que o mexicano e Lance Stroll terão muito tempo para conviverem juntos dentro dos boxes da equipe, já que o principal dono do time é Lawrence Stroll, pai de Lance Stroll. A equipe ainda está acertando seu rumo, depois da mudança de proprietário no ano passado, inclusive com uma reforma e ampliação completa da sede e fábrica do time, ao lado da pista de Silverstone. Todo esse investimento pode render uma melhor performance ao time no próximo ano. Vamos aguardar para ver...

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