“O esporte a motor é
perigoso”. Esta é uma frase das mais batidas no mundo do automobilismo, mas
sintetiza uma verdade simples, mas contundente do universo das corridas: é uma
atividade perigosa. E como dizia Nélson Piquet, quem não quiser correr riscos
que fique em casa... E isso nos foi lembrado novamente no sábado da semana
passada, na primeira corrida da F-2 na pista de Spa-Francorchamps, onde um
fortíssimo acidente ocasionou o falecimento do piloto Anthoine Hubert, de
apenas 22 anos. O carro do piloto desgarrou na área de escape após a curva Eau
Rouge, acertou a proteção de pneus, e retornou para a pista, sendo atingido em
velocidade plena pelo carro do equatoriano naturalizado estadunidense Juan Manuel
Correa, na pior espécie de batida que se pode sofrer em um bólido de
competição.
Ambos os pilotos foram
parar no hospital, mas Anthoine, colhido diretamente na lateral de seu carro
pela pancada a alta velocidade do carro de Correa, não resistiu aos ferimentos,
falecendo no hospital. As atividades da F-2 foram canceladas em todo o final de
semana, com ambas as corridas não sendo realizadas, e mesmo a prova iniciada
onde se deu o acidente na segunda volta sendo cancelada. O circuito de Spa
ficou de luto pelo falecimento da jovem promessa francesa, que sonhava chegar à
F-1, onde alguns de seus colegas e amigos já haviam alcançado, como Esteban
Ocón, e o jovem Charles LeClerc. O monegasco, aliás, conquistou na pista belga
a bem merecida primeira vitória em sua carreira na F-1, mas não pode comemorar
como sempre gostaria de ter feito. Ninguém comemorou, aliás. O pódio foi até
silencioso. Charles dedicou a vitória ao amigo falecido, mostrando o adesivo
que colocou em seu carro, de que correu por ele. Um bonito gesto.
Como de costume, houve
as tradicionais discussões sobre segurança nas corridas, com direito,
obviamente, às opiniões de alguns até condenando a realização de corridas. Como
Lewis Hamilton e Daniel Ricciardo declararam esta semana, o público muitas
vezes não tem uma noção exata do que é pilotar um bólido que pode andar a mais
de 300 Km/h, e que os grandes avanços na área de segurança, desenvolvidos
continuamente, e com muito mais afinco depois das mortes de Ayrton Senna e
Roland Ratzemberger em Ímola, em 1994, criaram uma sensação de que não há
grandes perigos no esporte, e por isso mesmo, quando acontece algo assim, a
comoção às vezes ganha contornos muito maiores do que seria de se esperar. E
eles tem razão. Fico imaginando como esses torcedores reagiriam às corridas de
F-1 realizadas nos anos 1970, onde muitos pilotos sofreram acidentes, e vários
deles perderam a vida, e com grande frequência. Existissem as redes sociais de
hoje, e o modo como veem as corridas, talvez o automobilismo fosse praticamente
banido como esporte, virando uma atividade marginal, acusado de ser uma
modalidade assassina.
Hamilton e Ricciardo
não estão brincando. Que o diga Jackie Stewart, um dos últimos remanescentes da
geração que competiu nos anos 1970 da F-1, e que viu inúmeros pilotos perderem
a vida. Acelerar um bólido naquela época era algo muito corajoso, porque as
condições de segurança eram realmente precárias em muitos GPs. Por isso mesmo,
Stewart foi um grande defensor da segurança. Ele viu seu parceiro e grande amigo
François Cevert morrer no final da temporada de 1973, e decidiu encerrar sua
carreira de piloto ali mesmo, sem até disputar aquele que seria o seu último
GP. Stewart pode falar muito sobre a imensa evolução que a tecnologia de
competição propiciou aos carros de lá para cá, com bólidos que hoje conferem
uma grande proteção à integridade física dos pilotos. Não é exagero dizer que
os carros são tão fortes quanto verdadeiros tanques de guerra. Mas isso não
torna o esporte a motor menos perigoso. Apenas minimiza as possibilidades de o
piloto se ferir gravemente.
Uma batida hoje ainda
é algo muito perigoso. O que muda é que o piloto, bem mais protegido, sofre
menos as consequências negativas de uma colisão. Mas o perigo continua
existindo, e mais dia, menos dia, ele pode se mostrar contundente, e até cruel.
Tudo depende do momento, e da sorte, ou azar de que tiver o infortúnio. Antes
mesmo do tenebroso final de semana de San Marino de 1994, a F-1 havia passado
um bom tempo sem perder ninguém. Durante os anos 1980, os únicos pilotos a
morrerem pelas atividades de um fim de semana de GP haviam sido Gilles
Villeneuve e Ricardo Paletti, em 1982. A F-1 ainda perderia Elio de Angelis
naquela década, mas em um teste particular em Paul Ricard em 1986. Durante essa
década, e o início dos anos 1990, testemunhou-se vários acidentes, alguns até
assustadores, mas nenhum fatal, mesmo que em alguns casos, como foi o acidente
que quase matou Martin Donelly em Jerez, na Espanha, em 1990, ou Phillipe
Streiff, que ficou tetraplégico após capotar com seu carro em testes no Rio de
Janeiro, os pilotos tivessem sofrido ferimentos consideráveis. Exemplos como a
capotagem de Christian Fittipaldi na reta de chegada em Monza, em 1993, ou
também a capotagem de Ricardo Patrese na reta dos boxes em Portugal, ou mesmo
os violentos acidentes sofridos por Gerhard Berger e Nélson Piquet na curva
Tamburello, em Ímola, em 1987 e 1989, e também o forte acidente que
praticamente destruiu o carro de Phillipe Alliot na Cidade do México em 1988,
com o piloto saindo ileso do carro, davam a impressão de que tudo estava sob
controle.
Na verdade, todos
estavam tendo uma sorte tremenda por tudo acabar bem na maioria das vezes.
Ninguém ignorava isso, com todos tendo ciência de que o pior poderia ter
acontecido. Mas, como salvaram-se todos, entre mortos e feridos, talvez fosse
mais fácil esquecer, e partir para a próxima. Tudo mudou depois de 1994, e o
perigo inerente à prática do automobilismo nunca mais foi visto com desdém. Na
verdade, passou a ser visto como uma obsessão até. Criou-se uma mentalidade de
que, se houvesse uma morte, seria porque nada foi feito para evita-la. Um
pensamento às vezes até perigoso, pois instituiu-se uma mentalidade onde os
riscos do esporte deveriam ser até banidos, o que era um exagero. Não que a
segurança não devesse ser tratada com seriedade e prioridade, mas é preciso
reconhecer que o perigo, mesmo que possa ser contornado, ou minimizado, sempre
estará lá. E que, mais dia, menos dia, novamente alguém não terá a sorte a seu lado,
mesmo com todas as precauções possíveis tendo sido tomadas.
Foi o caso de Hubert.
Apesar dos avanços propiciados na construção de um carro de competição,
inclusive com a adoção do polêmico halo, e área de escape asfaltada, e
barreiras de pneus, o piloto deu azar com seu carro voltando para a pista, onde
acabou atingido pelo bólido de outro competidor. Foi uma fatalidade, onde Juan
Manuel Correa pouco pode fazer para evitar a colisão. E um azar tremendo, pois
a colisão não se deu dentro da faixa “oficial” da pista, mas na área de escape,
onde Correa tentou passar para evitar de colidir com outro carro, e acabou
encontrando Anthoine pelo caminho, atingindo-o em cheio na lateral, a 90°, no
que é chamado de “batida em T”. O impacto foi fortíssimo, e mesmo com a grande
segurança que um carro, mesmo o da F-2, tenha hoje em dia, o carro ficou
completamente destruído, separado em várias partes que se espalharam pela curva
Raidillon, que dá acesso à reta Kemmel. É um trecho de velocidade altíssima dos
carros, que vem pela subida íngreme da Eau Rouge, atravessando as curvas em sua
saída, e a entrada da reta Kemmel, um trecho de aceleração máxima até chegarmos
na freada da Le Combes Corner, mais adiante. O habitáculo do carro de Anthoine
ficou completamente exposto do lado da pancada, após se separar da parte
traseira do chassi, que por sua vez ficou destroçado ao lado.
A cena do corpo
exposto de Hubert, aparentemente ileso, dentro do que restou do cockpit, me
levou direto à cena que testemunhei em 1994, após o carro da Roland
Ratzemberger colidir com o muro da curva Villeneuve em Ímola, que também abriu
um rombo no cockpit, que na época, era forte, mas não se compara à resistência
que os carros de competição hoje podem ter. Correa só teve melhor sorte se
considerarmos que ele não morreu com a pancada, mas segue internado, e sem
previsão de uma recuperação breve: ele sofreu fraturas nas duas pernas,
precisando passar por cirurgia nas duas. Na pancada, após abrir o rombo na
lateral do carro de Anthoine, seu bólido teve o bico completamente destroçado
na batida, decolando e capotando, indo parar de cabeça para baixo muitos metros
adiante. Com um pouco de sorte e atenção, é possível ver a ponta dos pés do
piloto nas poucas cenas do que sobrou de seu carro após a batida. Mas, Juan
também poderia ter se dado muito pior do que o ocorrido: seu carro ainda caiu
na pista, mas bem perto do guard-rail da parte interna, onde termina a área de
escape junto à Raidillon. Tivesse decolado em outro ângulo na pancada, seu
carro poderia ter sido projetado diretamente na barreira de aço, que mesmo com
a proteção dos pneus, não se pode prever o que poderia acontecer exatamente.
Não se pode falar que
Spa é um circuito assassino, pelo menos quando o assunto são vítimas pilotando
carros monopostos. Mas a coisa muda de figura quando consideramos as vítimas
que estavam pilotando motos, carros de turismo, e outros tipos de bólidos. De 9
de agosto de 1925, quando faleceu o britânico Bill Hollowell, até o último dia
30 de agosto deste ano, com o passamento do francês Anthoine Hubert, um total
de 48 pilotos perderam a vida nas curvas da pista belga. Uma das mortes mais
comentadas foi do alemão Stefan Bellof, em 1985, quando o piloto, ao volante de
um carro esporte-protótipo, bateu no guard-rail na saída da curva Eau Rouge,
após tentativa de ultrapassagem contra o belga Jacky Ickx, com os dois carros
acabando por se tocar e batendo, mas o de Bellof tendo mais azar por colidir de
frente, e ainda pegar fogo. É preciso respeitar a pista belga, que tem seus
perigos e manhas, algo que nem todos os pilotos tem consciência. Alguns batem
forte, mas têm sorte de saírem inteiros. Jacques Villeneuve, Ricardo Zonta, Alessandro
Zanardi, e Kevin Magnussen, foram outros pilotos que se acidentaram feio no
trecho Eau Rouge-Raidillon, só na F-1, em tempos mais recentes. Anthoine, como
já falei, deu azar.
Jackie Stewart também
tocou em um ponto interessante, que é a maneira como muitos jovens hoje encaram
o automobilismo. Com a imensa segurança que os carros possuem hoje em dia,
alguns pilotos, em busca de seu lugar ao sol, tendem a ser demasiado agressivos
em seus estilos de pilotagem, por vezes não respeitando o espaço que os
concorrentes precisam dispor na pista, nem os limites que partes dos traçados
impõe. Daí, alguns pilotos podem estar abusando dos limites, por acreditarem
que seus carros podem protege-los de todos os infortúnios decorrentes de um
acidente que possam porventura sofrer se alguma manobra não der certo, ou o
concorrente não abrir espaço. É brincar com fogo. Segundo o ex-tricampeão, por
não conviverem ou conhecerem a morte no seu meio, eles acham que podem tudo, e
precisam ter consciência de que não é bem assim. Por mais chocante que seja a
perda de um jovem piloto, ela deve servir de exemplo, e de aviso, para que
estes pilotos tenham mais respeito pela competição, e saibam moderar sua
agressividade, evitando de correr riscos desnecessários, além dos que já correm
tradicionalmente. O problema é que, muitas vezes pressionados, e vendo os
concorrentes em melhor posição, podem acabar sendo levados ao extremo, tentando
tirar as diferenças de todo modo.
A FIA já iniciou
investigações para apurar o acidente, e o que pode ser feito para melhorar a
segurança no local onde houve a batida. Mas sem chiliques ou condenações. Todos
sabem que foi uma fatalidade, onde vários fatores acabaram se unindo no
desastre, no meio do calor de uma corrida recém-iniciada. Mas, em busca
contínua para aprimorar a segurança, tudo deve ser visto e revisto, com
propostas plausíveis que possam tentar evitar que ocorra ali naquele trecho um
acidente parecido, ou pelo menos tentar minimizar suas consequências. Porque o
perigo sempre estará à espreita. Não é possível eliminá-lo da natureza da
competição do esporte a motor. Mas, com alguns cuidados, pode ser mitigado, ou
evitado em suas consequências mais trágicas. Mas todos precisamos estar sempre
atentos para cada entrada de um carro na pista, seja em treino, seja em
corrida... Afinal, nunca se sabe o que pode ocorrer, por mais previsível que a
situação possa ser. Algumas situações não mandam avisos... E quando nos damos
pela coisa, já pode ser tarde demais... Que possamos ter sorte para que o
próximo desastre esteja muito longe de acontecer, se não for possível evita-lo,
ou contorna-lo... E rezar para que tudo sempre termine bem...
Depois da corrida na Bélgica, a
F-1 já está novamente em ação, e o palco é o tradicional circuito de Monza,
onde os ferraristas estão bem mais animados depois da vitória de Charles
LeClerc em Spa-Francorchamps. Até porque, sendo um circuito de alta velocidade,
o mais veloz do calendário, a Ferrari tem chances de fazer aqui outra boa
corrida, a exemplo do que vimos na Bélgica. Mas falta combinar com os rivais,
especialmente Lewis Hamilton e a Mercedes, que deram um show de competência aqui
no ano passado, nocauteando o time de Maranello, que tinha tudo para vencer a
corrida, até com dobradinha, mas viu seus esforços começarem a ruir logo no
início da corrida, quando Sebastian Vettel, que havia sido superado por Lewis
Hamilton, forçou uma ultrapassagem precipitada para tentar recuperar logo a
posição, tocou rodas com o inglês, e rodou, caindo lá para trás, e dando adeus
ao sonho de uma nova vitória. Sobrou Kimi Raikkonem na liderança da corrida,
mas o time rosso se embananou com a estratégia da corrida, e o finlandês acabou
superado por Hamilton, que venceu a corrida, e deu um banho de água fria nos
tiffosi. Será que a história se repetirá este ano? Em 2018, Sebastian Vettel
tinha vindo de uma vitória convincente na Bélgica, e o time vermelho era franco
favorito para a corrida em casa. Mas a Mercedes mantinha a calma. Procurou
minimizar o prejuízo em Spa, e analisar suas chances depois dos treinos. E viu
que tinha chances de estragar os planos dos italianos. Charles LeClerc venceu
em Spa, mas com Hamilton nos seus calcanhares. Como será o desempenho aqui na
Itália? Para variar, o time alemão já começou a dar suas indiretas, avisando
que a diferença dos carros prateados para os carros vermelhos não é tão grande
como se imagina nesta pista. Blefe ou não, melhor a Ferrari se precaver, porque
não pode ignorar o que aconteceu no ano passado...
Depois de a Mercedes confirmar a
permanência de Valtteri Bottas no time para 2020, levando também à confirmação
de esteban Ocón na Renault para a próxima temporada, mais um piloto garantiu
seu assento, e seu time sua formação titular, pelas próximas temporadas: Sergio
Pérez renovou com a Racing Point até 2022, o que significa que o mexicano e
Lance Stroll terão muito tempo para conviverem juntos dentro dos boxes da
equipe, já que o principal dono do time é Lawrence Stroll, pai de Lance Stroll.
A equipe ainda está acertando seu rumo, depois da mudança de proprietário no
ano passado, inclusive com uma reforma e ampliação completa da sede e fábrica
do time, ao lado da pista de Silverstone. Todo esse investimento pode render
uma melhor performance ao time no próximo ano. Vamos aguardar para ver...
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