Hoje eu trago mais um texto sobre os
circuitos que sediaram provas da F-1 em seus mais de mil GPs de história
disputados desde que a primeira corrida, no dia 13 de maio de 1950, recebeu sua
bandeirada. Em todos estes anos, enquanto alguns circuitos sempre marcaram
presença no calendário da competição, não foram poucos os autódromos que não
deram muita sorte, tendo a honra de sediar apenas uma corrida da categoria
máxima do automobilismo. As razões para isso costumam ser as mais variadas, mas
na maior parte das vezes, é por não haver acordo financeiro viável, ou por
condições de estrutura ou segurança incompatíveis com as exigidas, algo levado
muito a sério nos últimos anos.
Uma destas pistas foi Donington
Park, na Inglaterra, e no texto a seguir, vamos relembrar um pouco da história
desta pista, e do inesquecível grande prêmio que lá teve palco, em 1993. Uma
boa leitura a todos...
DONINGTON
PARK
Hoje
falaremos de um circuito que esteve presente no calendário da Fórmula 1 por
apenas uma temporada. Trata-se de Donington Park, autódromo situado em Leicestershire,
condado da região central da Inglaterra. O seu nome tem origem na cidade de
Leicester, tradicionalmente a sua sede administrativa. Foi em 1993 que a pista
de Donington esteve presente na F-1, sediando naquele ano o Grande Prêmio da
Europa, título que a direção da categoria máxima do automobilismo dava a alguns
GPs em países europeus que já tinham suas corridas, mas queriam aproveitar os
momentos de popularidade da F-1 nestes lugares.
A Fórmula
1, portanto, usou uma única configuração de pista em Donington, com um traçado
de 4,023 Km, com 12 curvas. Por estar localizada na zona de aproximação do
aeroporto de East Midlands, que fica praticamente ao lado do circuito, a pista
recebia o vapor do querosene de aviação usado nas aeronaves, de modo que a
pista apresentava-se extremamente escorregadia quando os bólidos da F-1
chegaram por lá em 1993. A temporada era de franco favoritismo da Williams, que
possuía não apenas o melhor carro, mas também o melhor motor da categoria, o
Renault V-10. E Alain Prost, o seu principal piloto, já era tido quase como
campeão antecipado, dada a diferença de performance dos carros de Frank
Williams para o restante do pelotão.
Só que este
favoritismo tinha sofrido um tombo sério na corrida anterior, o GP do Brasil,
onde Prost se embananou na chuva que caiu durante a corrida no autódromo de
Interlagos, derrapando e saindo da pista. Foi a deixa para Ayrton Senna mostrar
novamente o seu talento na chuva, e derrotar Damon Hill, o outro piloto da
Williams, que não conseguiu fazer frente ao brasileiro no piso molhado, e viu
Senna vencer a corrida, e assumir a liderança do campeonato. E, se os
torcedores e fãs da F-1 tinham visto um show de Senna em Interlagos, em
Donington Park foi um espetáculo inigualável. Nos treinos, as Williams foram
dominadoras, deixando os concorrentes mais próximos a quase 2s de diferença,
mas a corrida acabou sendo disputada sob chuva, que caía de forma intermitente,
atrapalhando o planejamento de pilotos e equipes sobre o acerto dos carros.
E,
novamente, Ayrton Senna foi magnífico, fazendo uma primeira volta demolidora,
tendo caído para a 5ª posição, e partir para cima dos concorrentes, a ponto de
assumir a liderança já na penúltima curva do circuito, o gancho Melbourne, e
ir-se embora a um ritmo impressionante. Não menos impressionante foi a primeira
volta de outro brasileiro, Rubens Barrichello, que largando a meio do grid, já
estava entre os primeiros ao fechar a primeira volta. Como a chuva teve alguns
intervalos durante a corrida, a pista secava, obrigando todos a trocarem seus
pneus, mas então a precipitação voltava, fazendo todo mundo ter de efetuar nova
troca. Como a intensidade da chuva variava, em determinados momentos havia quem
tentasse seguir em frente mesmo sem trocar pneus, enquanto outros perdiam tempo
e posições indo trocar pneus a cada nova precipitação. E Senna, com sua
condução de maestria no piso molhado e semi-molhado de Donington, deitou e
rolou em cima dos concorrentes, chegando a colocar uma volta no segundo
colocado, então o inglês Damon Hill. Alain Prost, novamente perdido na chuva,
chegou a ser superado até mesmo por Rubens Barrichello, que apenas em seu 3º GP
de F-1, dava um
show quase tão contundente quanto o de Ayrton.
Mas quis o
destino que Rubinho provasse o amargo sabor da derrota, quando sofreu uma pane
seca na parte final da corrida, vítima de um erro de cálculo da equipe Jordan,
que não acreditando que fosse durar tanto na corrida, colocou menos combustível
do que o necessário para completar a prova. Com o resultado, Alain Prost
reassumia a 3ª posição, que foi sua até a bandeirada. Apenas Hill, em 2º,
terminou na mesma volta que Senna, mas a mais de um minuto de desvantagem,
tendo conseguido recuperar um pouco de terreno apenas quando o brasileiro
resolveu reduzir o ritmo para correr menos riscos no piso molhado. Senna
obtinha sua segunda vitória consecutiva, de forma soberba, em um campeonato que
todos achavam que a Williams iria nadar de braçada, tal como havia acontecido
no ano anterior, quando Nigel Mansell havia esmagado a oposição. E, como o
currículo de piloto mais completo do que o de Mansell, não havia por que
duvidar que Prost não faria o mesmo, ou até pior com os concorrentes. Mas o
“Professor” tinha ainda enorme vantagem técnica de equipamento, e como não
choveu em todas as corridas da temporada, ele não apenas se recuperou como foi
o campeão da temporada, como todos esperavam. Já com relação à pista de
Donington, Alain Prost foi o único pole-position da pista, com o tempo de
1min10s458, com Williams FW15C Renault. Já a volta mais rápida da corrida
acabou marcada por Ayrton Senna, com o tempo de 1min18s829, e com um detalhe
curioso: foi obtida quando o brasileiro passou pelos boxes. Ao ver que a equipe
McLaren não estava pronta para efetuar o pit stop, Senna seguiu em frente,
acelerando firme (não havia limite de velocidade nos boxes naquela época,
medida de segurança que só seria implantada no ano seguinte, depois do trágico
GP de San Marino de F-1), e como o trajeto de passagem pelos boxes era mais
curto que o da pista, uma vez que a entrada o pit line era bem antes da curva
de acesso à reta dos boxes, o brasileiro acabou tendo essa vantagem incomum, e
ficou com a marca da melhor volta da prova. E como não houve outra prova de F-1
em Donington até hoje, estas marcas ficam sendo seus recordes oficiais.
Para os fãs, foi um
dia de apreciar a maestria da pilotagem de um mestre da chuva. A pista de
Donington havia sido inclusa no calendário depois da falência do Grupo
Autopolis, no Japão, que já tinha tudo para sediar uma segunda corrida em
terras nipônicas em 1993. O Japão era a meca dos patrocínios da F-1 na época,
graças ao sucesso da Honda, e Senna, o grande ídolo dos japoneses na categoria.
Tom Wheatcroft, proprietário do circuito, sempre quis ter a F-1 em sua pista,
mas nunca conseguiu chegar a um acerto com Bernie Ecclestone para levar a
categoria máxima do automobilismo para lá, até que surgiu essa oportunidade.
Mas foi também uma jogada de Ecclestone, que descontente com a resistência de
Silverstone em aceitar suas condições para novos contratos para sediar o GP da
Inglaterra, quis dar uma indireta aos proprietários do circuito de que eles não
eram indispensáveis, e se fosse necessário, Donington poderia ocupar o lugar de
Silverstone, mesmo tendo instalações bem mais acanhadas. Lógico que a ameaça
não se concretizou. No ano seguinte, Ecclestone concretizou seu sonho de
realizar um segundo GP no Japão, em Aida, e Donington seria esquecido novamente
pelo chefão da F-1, até alguns anos atrás, quando novamente usou a pista para
pressionar Silverstone a aceitar a renovação do contrato de realização do GP da
Inglaterra por valores bem mais altos do que os praticados anteriormente. A
mudança chegou até a ser anunciada em 2008, com vistas a ser efetivada em 2010,
em um contrato de longo período.
Mas o tiro
saiu pela culatra porque Donington precisava de reformas substanciais para
sediar uma corrida de F-1, depois que a categoria se acostumou com os
“megaautódromos” projetados por Hermann Tilke, que aliás, havia sido anunciado
como arquiteto que comandaria as reformas de modernização da pista. Com uma
estrutura mais moderna do que a de 1993, a pista ainda estava aquém das
exigências atuais da F-1, e não se conseguiu angariar apoio de investidores
para custear as reformas, devido à crise econômica mundial que assolou o mundo
em 2008, fazendo muitos investimentos naufragarem, de modo que Bernie teve que
engolir a derrota, e aceitar a renovação de Silverstone por valores, digamos,
menos extorsivos. E Silverstone ainda fez reformas em sua estrutura, criando um
novo paddock e boxes, em outra parte do circuito, para onde foi movida a reta
dos boxes para as corridas da F-1, além de ter alterado o traçado, em uma nova
configuração que passou a ser usada a partir de 2011.
Construído
na década de 1930, a pista de Donington é considerado o autódromo mais antigo
da Inglaterra, tendo sediado suas primeiras corridas ainda em 1931. Seu traçado
original tinha uma extensão de 3,518 Km, tendo sido usado de 1931 a 1934. Em
1935, a pista passou por algumas mudanças, com seu traçado ganhando alguns
novos trechos, que expandiram sua extensão para 4,107 Km. Ao fim da década, em
1937 e 1938, a pista, já com mais algumas modificações, tendo a extensão de
5,029 Km, conseguiu sediar o Grande Prêmio de Donington, conseguindo atrair as
grandes potências automobilísticas da época, como a Mercedes e a Auto Union. Em
1938, o vencedor da corrida foi o italiano Tazio Nuvolari, considerado um dos
grandes pilotos da época. Infelizmente, os ares da Segunda Guerra Mundial, que
eclodiria algum tempo depois, já se faziam sentir no Reino Unido cada vez com
mais força, inviabilizando a presença dos grandes times de competição da
Alemanha, a grande potência de competição de esportes a motor daquela época, de
modo que as corridas deixaram de ser realizadas, e o autódromo acabou
desativado. Apenas no início dos anos 1970 o autódromo seria reaberto, graças
aos esforços de Frederick Bernard "Tom" Wheatcroft, um empresário que
ficou rico no ramo de construções, e era fã de automobilismo, tendo
presenciado, em sua juventude, as corridas de competições automotivas
realizadas em Donington. Ele acabou por adquirir a área do autódromo
desativado, e promoveu a sua completa restauração, sendo reinaugurado em 1977,
agora com uma extensão menor, aproveitando partes do antigo traçado, com 3,149
Km. Em 1985, o traçado seria novamente modificado, com a adição de um grampo no
que antes era uma imensa reta onde se encontravam os boxes e a linha de
partida/chegada, deixando Donington com a configuração que foi usada pela F-1,
e que mantém até hoje. A pista passaria a receber, então diversas categoria
automobilísticas desde então. Wheatcroft faleceu em 2009, aos 87 anos de idade,
sem ter tido a chance de ver Donington receber novamente a F-1. Hoje, a pista
está arrendada pela empresa Motorsport Vision, do ex-piloto Jonathan Palmer, em
um acordo de longa duração que vai até 2038, para coordenar as atividades do
circuito.
Donington Park teve
uma passada breve pela Fórmula 1, mas foi uma prova que entrou para os anais do
automobilismo mundial, sendo lembrada até hoje por todos aqueles que a
assistiram.
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