quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A TRAJETÓRIA DOS CIRCUITOS DA F-1 – DONINGTON PARK


            Hoje eu trago mais um texto sobre os circuitos que sediaram provas da F-1 em seus mais de mil GPs de história disputados desde que a primeira corrida, no dia 13 de maio de 1950, recebeu sua bandeirada. Em todos estes anos, enquanto alguns circuitos sempre marcaram presença no calendário da competição, não foram poucos os autódromos que não deram muita sorte, tendo a honra de sediar apenas uma corrida da categoria máxima do automobilismo. As razões para isso costumam ser as mais variadas, mas na maior parte das vezes, é por não haver acordo financeiro viável, ou por condições de estrutura ou segurança incompatíveis com as exigidas, algo levado muito a sério nos últimos anos.
            Uma destas pistas foi Donington Park, na Inglaterra, e no texto a seguir, vamos relembrar um pouco da história desta pista, e do inesquecível grande prêmio que lá teve palco, em 1993. Uma boa leitura a todos...


DONINGTON PARK

            Hoje falaremos de um circuito que esteve presente no calendário da Fórmula 1 por apenas uma temporada. Trata-se de Donington Park, autódromo situado em Leicestershire, condado da região central da Inglaterra. O seu nome tem origem na cidade de Leicester, tradicionalmente a sua sede administrativa. Foi em 1993 que a pista de Donington esteve presente na F-1, sediando naquele ano o Grande Prêmio da Europa, título que a direção da categoria máxima do automobilismo dava a alguns GPs em países europeus que já tinham suas corridas, mas queriam aproveitar os momentos de popularidade da F-1 nestes lugares.
            A Fórmula 1, portanto, usou uma única configuração de pista em Donington, com um traçado de 4,023 Km, com 12 curvas. Por estar localizada na zona de aproximação do aeroporto de East Midlands, que fica praticamente ao lado do circuito, a pista recebia o vapor do querosene de aviação usado nas aeronaves, de modo que a pista apresentava-se extremamente escorregadia quando os bólidos da F-1 chegaram por lá em 1993. A temporada era de franco favoritismo da Williams, que possuía não apenas o melhor carro, mas também o melhor motor da categoria, o Renault V-10. E Alain Prost, o seu principal piloto, já era tido quase como campeão antecipado, dada a diferença de performance dos carros de Frank Williams para o restante do pelotão.
            Só que este favoritismo tinha sofrido um tombo sério na corrida anterior, o GP do Brasil, onde Prost se embananou na chuva que caiu durante a corrida no autódromo de Interlagos, derrapando e saindo da pista. Foi a deixa para Ayrton Senna mostrar novamente o seu talento na chuva, e derrotar Damon Hill, o outro piloto da Williams, que não conseguiu fazer frente ao brasileiro no piso molhado, e viu Senna vencer a corrida, e assumir a liderança do campeonato. E, se os torcedores e fãs da F-1 tinham visto um show de Senna em Interlagos, em Donington Park foi um espetáculo inigualável. Nos treinos, as Williams foram dominadoras, deixando os concorrentes mais próximos a quase 2s de diferença, mas a corrida acabou sendo disputada sob chuva, que caía de forma intermitente, atrapalhando o planejamento de pilotos e equipes sobre o acerto dos carros.
            E, novamente, Ayrton Senna foi magnífico, fazendo uma primeira volta demolidora, tendo caído para a 5ª posição, e partir para cima dos concorrentes, a ponto de assumir a liderança já na penúltima curva do circuito, o gancho Melbourne, e ir-se embora a um ritmo impressionante. Não menos impressionante foi a primeira volta de outro brasileiro, Rubens Barrichello, que largando a meio do grid, já estava entre os primeiros ao fechar a primeira volta. Como a chuva teve alguns intervalos durante a corrida, a pista secava, obrigando todos a trocarem seus pneus, mas então a precipitação voltava, fazendo todo mundo ter de efetuar nova troca. Como a intensidade da chuva variava, em determinados momentos havia quem tentasse seguir em frente mesmo sem trocar pneus, enquanto outros perdiam tempo e posições indo trocar pneus a cada nova precipitação. E Senna, com sua condução de maestria no piso molhado e semi-molhado de Donington, deitou e rolou em cima dos concorrentes, chegando a colocar uma volta no segundo colocado, então o inglês Damon Hill. Alain Prost, novamente perdido na chuva, chegou a ser superado até mesmo por Rubens Barrichello, que apenas em seu 3º GP de F-1, dava um show quase tão contundente quanto o de Ayrton.
            Mas quis o destino que Rubinho provasse o amargo sabor da derrota, quando sofreu uma pane seca na parte final da corrida, vítima de um erro de cálculo da equipe Jordan, que não acreditando que fosse durar tanto na corrida, colocou menos combustível do que o necessário para completar a prova. Com o resultado, Alain Prost reassumia a 3ª posição, que foi sua até a bandeirada. Apenas Hill, em 2º, terminou na mesma volta que Senna, mas a mais de um minuto de desvantagem, tendo conseguido recuperar um pouco de terreno apenas quando o brasileiro resolveu reduzir o ritmo para correr menos riscos no piso molhado. Senna obtinha sua segunda vitória consecutiva, de forma soberba, em um campeonato que todos achavam que a Williams iria nadar de braçada, tal como havia acontecido no ano anterior, quando Nigel Mansell havia esmagado a oposição. E, como o currículo de piloto mais completo do que o de Mansell, não havia por que duvidar que Prost não faria o mesmo, ou até pior com os concorrentes. Mas o “Professor” tinha ainda enorme vantagem técnica de equipamento, e como não choveu em todas as corridas da temporada, ele não apenas se recuperou como foi o campeão da temporada, como todos esperavam. Já com relação à pista de Donington, Alain Prost foi o único pole-position da pista, com o tempo de 1min10s458, com Williams FW15C Renault. Já a volta mais rápida da corrida acabou marcada por Ayrton Senna, com o tempo de 1min18s829, e com um detalhe curioso: foi obtida quando o brasileiro passou pelos boxes. Ao ver que a equipe McLaren não estava pronta para efetuar o pit stop, Senna seguiu em frente, acelerando firme (não havia limite de velocidade nos boxes naquela época, medida de segurança que só seria implantada no ano seguinte, depois do trágico GP de San Marino de F-1), e como o trajeto de passagem pelos boxes era mais curto que o da pista, uma vez que a entrada o pit line era bem antes da curva de acesso à reta dos boxes, o brasileiro acabou tendo essa vantagem incomum, e ficou com a marca da melhor volta da prova. E como não houve outra prova de F-1 em Donington até hoje, estas marcas ficam sendo seus recordes oficiais.
            Para os fãs, foi um dia de apreciar a maestria da pilotagem de um mestre da chuva. A pista de Donington havia sido inclusa no calendário depois da falência do Grupo Autopolis, no Japão, que já tinha tudo para sediar uma segunda corrida em terras nipônicas em 1993. O Japão era a meca dos patrocínios da F-1 na época, graças ao sucesso da Honda, e Senna, o grande ídolo dos japoneses na categoria. Tom Wheatcroft, proprietário do circuito, sempre quis ter a F-1 em sua pista, mas nunca conseguiu chegar a um acerto com Bernie Ecclestone para levar a categoria máxima do automobilismo para lá, até que surgiu essa oportunidade. Mas foi também uma jogada de Ecclestone, que descontente com a resistência de Silverstone em aceitar suas condições para novos contratos para sediar o GP da Inglaterra, quis dar uma indireta aos proprietários do circuito de que eles não eram indispensáveis, e se fosse necessário, Donington poderia ocupar o lugar de Silverstone, mesmo tendo instalações bem mais acanhadas. Lógico que a ameaça não se concretizou. No ano seguinte, Ecclestone concretizou seu sonho de realizar um segundo GP no Japão, em Aida, e Donington seria esquecido novamente pelo chefão da F-1, até alguns anos atrás, quando novamente usou a pista para pressionar Silverstone a aceitar a renovação do contrato de realização do GP da Inglaterra por valores bem mais altos do que os praticados anteriormente. A mudança chegou até a ser anunciada em 2008, com vistas a ser efetivada em 2010, em um contrato de longo período.
            Mas o tiro saiu pela culatra porque Donington precisava de reformas substanciais para sediar uma corrida de F-1, depois que a categoria se acostumou com os “megaautódromos” projetados por Hermann Tilke, que aliás, havia sido anunciado como arquiteto que comandaria as reformas de modernização da pista. Com uma estrutura mais moderna do que a de 1993, a pista ainda estava aquém das exigências atuais da F-1, e não se conseguiu angariar apoio de investidores para custear as reformas, devido à crise econômica mundial que assolou o mundo em 2008, fazendo muitos investimentos naufragarem, de modo que Bernie teve que engolir a derrota, e aceitar a renovação de Silverstone por valores, digamos, menos extorsivos. E Silverstone ainda fez reformas em sua estrutura, criando um novo paddock e boxes, em outra parte do circuito, para onde foi movida a reta dos boxes para as corridas da F-1, além de ter alterado o traçado, em uma nova configuração que passou a ser usada a partir de 2011.
            Construído na década de 1930, a pista de Donington é considerado o autódromo mais antigo da Inglaterra, tendo sediado suas primeiras corridas ainda em 1931. Seu traçado original tinha uma extensão de 3,518 Km, tendo sido usado de 1931 a 1934. Em 1935, a pista passou por algumas mudanças, com seu traçado ganhando alguns novos trechos, que expandiram sua extensão para 4,107 Km. Ao fim da década, em 1937 e 1938, a pista, já com mais algumas modificações, tendo a extensão de 5,029 Km, conseguiu sediar o Grande Prêmio de Donington, conseguindo atrair as grandes potências automobilísticas da época, como a Mercedes e a Auto Union. Em 1938, o vencedor da corrida foi o italiano Tazio Nuvolari, considerado um dos grandes pilotos da época. Infelizmente, os ares da Segunda Guerra Mundial, que eclodiria algum tempo depois, já se faziam sentir no Reino Unido cada vez com mais força, inviabilizando a presença dos grandes times de competição da Alemanha, a grande potência de competição de esportes a motor daquela época, de modo que as corridas deixaram de ser realizadas, e o autódromo acabou desativado. Apenas no início dos anos 1970 o autódromo seria reaberto, graças aos esforços de Frederick Bernard "Tom" Wheatcroft, um empresário que ficou rico no ramo de construções, e era fã de automobilismo, tendo presenciado, em sua juventude, as corridas de competições automotivas realizadas em Donington. Ele acabou por adquirir a área do autódromo desativado, e promoveu a sua completa restauração, sendo reinaugurado em 1977, agora com uma extensão menor, aproveitando partes do antigo traçado, com 3,149 Km. Em 1985, o traçado seria novamente modificado, com a adição de um grampo no que antes era uma imensa reta onde se encontravam os boxes e a linha de partida/chegada, deixando Donington com a configuração que foi usada pela F-1, e que mantém até hoje. A pista passaria a receber, então diversas categoria automobilísticas desde então. Wheatcroft faleceu em 2009, aos 87 anos de idade, sem ter tido a chance de ver Donington receber novamente a F-1. Hoje, a pista está arrendada pela empresa Motorsport Vision, do ex-piloto Jonathan Palmer, em um acordo de longa duração que vai até 2038, para coordenar as atividades do circuito.
            Donington Park teve uma passada breve pela Fórmula 1, mas foi uma prova que entrou para os anais do automobilismo mundial, sendo lembrada até hoje por todos aqueles que a assistiram.
 







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