Com uma pole magistral, Sebastian Vettel tinha tudo para alcançar a redenção no Canadá com uma bela vitória, mas... |
O Grande Prêmio do
Canadá, disputado domingo passado, carregava as esperanças de a Ferrari tentar,
mesmo que esporadicamente, uma reação frente ao domínio da equipe Mercedes e de
Lewis Hamilton na atual temporada da F-1. E, para o bem da competição, vimos
Sebastian Vettel com uma performance que vinha devendo nos últimos meses: a de
um piloto aguerrido, determinado, que mesmo conduzindo um carro teoricamente um
pouco inferior ao do rival, estava dando combate na prova disputada no Circuito
Gilles Villeneuve. Não mudaria muito a situação do campeonato, mas seria um
alento à competição, mostrando que a Ferrari, depois de vários erros de
estratégia em provas anteriores, se mostraria capaz de um resultado digno com o
que se esperava pelos resultados da pré-temporada. Vettel arrebatou a pole com
autoridade, e vinha comandando a corrida, com Hamilton em 2º, sempre uma ameaça
próxima, e Charles LeClerc vindo um pouco mais atrás, garantindo a maioria do pódio
para o time de Maranello. Era tudo que os ferraristas queriam, não tanto para
mudar os rumos do campeonato, mas para elevar o astral da equipe, e garantir
alguma tranquilidade para se tentar uma reação mais consistente no restante do
certame.
E tudo vinha seguindo
bem. Com um Valtteri Bottas em uma atuação apagada, e um Max Verstappen tendo
de remar posições por largar praticamente a meio do grid, as opções de duelo
pela vitória ficava mesmo restrita a Hamilton e Vettel. LeClerc, depois dos
erros das últimas corridas, vinha um pouco mais atrás, sem incomodar o duo da
frente, talvez com uma abordagem mais conservadora, para garantir um resultado
seguro, e ficar menos pressionado para obter melhor performance. Mas aí,
Vettel, submetido à forte pressão de Hamilton, escapa na curva, atravessa uma
faixa de grama, e o alemão luta para reaver o controle do carro. E ele não
apenas consegue, como ainda se mantém na liderança. Uma manobra que deixou todo
mundo em suspense nos poucos segundos que ela durou. Mas, eis que os
comissários resolveram aplicar o regulamento, e tascam 5s de punição a Vettel
por “retorno inseguro à pista”, por obrigar outro piloto a manobra evasiva para
evitar um acidente. Bem, isso acabou com a perspectiva da Ferrari vencer a
corrida.
Restava apenas a
Vettel tentar abrir uma vantagem maior que isso para se garantir, mas Lewis,
avisado da situação, sabia que não podia deixar o rival escapar na frente. E
ele foi ao seu encalço, ficando bem perto da Ferrari do alemão, e com isso,
sendo considerado o vencedor da etapa, com Sebastian rebaixado a 2º lugar pela
punição. Não foram poucos, e me incluo entre eles, que torceram no íntimo para
Hamilton superar Vettel na pista, e com isso, eliminar a polêmica que a punição
desencadeou na torcida, mídia especializada, e mundo afora. Com a F-1 tendo de
convencer uma nova geração de que é válido torcer pela categoria, ela poderia
muito bem passar sem essa. Da mesma forma como Hamilton não precisava de algo
assim para vencer, e muito menos Vettel, que mesmo com o erro, vinha fazendo
sua melhor atuação desde o GP da Bélgica do ano passado, não por coincidência,
sua última vitória na F-1 até agora.
Muitos caíram de pau
em cima da FIA por causa disso. Sobrou vaias até para Hamilton no pódio
canadense, totalmente imerecidas, afinal, ele nada tinha a ver com aquilo. E
Vettel, que a princípio nem queria subir ao pódio, acabou por fazê-lo, e foi
aplaudido pelos torcedores, ainda mais quando foi até a frente do carro de
Hamilton e trocou a placa com o Nº 1 pela do Nº 2, destinado ao carro do piloto
alemão da Ferrari. Mas houve também aqueles que defenderam a punição, e até
justificaram sua aplicação, e alguns imbecis para os quais “regra é regra, e se
obedece, e ponto final”, o que não é bem o caso aqui. As regras invocadas para
o caso no regulamento esportivo da F-1 são interpretativas, de modo que,
infelizmente, os comissários entenderam que a atitude de Vettel naquele momento
foi passível de punição. E ponto final. Mas faltou a eles terem mais
sensibilidade para com a situação, e serem tolerantes quando a situação assim
exige.
Como Vettel desabafou,
o que ele poderia fazer? Foram poucos segundos onde ele saiu da pista, perde a
aderência por subir na grama, e com o muro logo à frente, em um ponto da pista
onde não há área de escape. Quer dizer então que a opção correta seria
Sebastian atingir o muro, o que poderia fazer Hamilton, bem ali, também bater,
o que acabaria com a corrida de ambos, talvez até com graves consequências para
a integridade dos pilotos, dependendo da pancada dos bólidos. Vettel lutou para
dominar o carro, e conseguiu evitar a batida do muro. Hamilton, por sua vez,
reagiu rápido, e freou para evitar a colisão iminente. Se Sebastian, para
muitos, “espalhou” na pista o suficiente para bloquear Lewis, por outro lado é
nítido ver que o inglês já estava com as 4 rodas fora da linha branca
delimitadora da pista. Consumasse a ultrapassagem, que seria tecnicamente
classificada pelas regras como “fora dos limites da pista”, ele também
mereceria uma punição dos comissários. Curioso ver que, em situação ocorrida em
Mônaco em 2016, um pouco parecida, Hamilton não sofreu punição alguma por
bloquear Daniel Ricciardo. O australiano não viu ali nada de irregular, era uma
defesa de posição, e fim. A atitude de Vettel pode ser considerada assim, no
limite de recontrolar o bólido, já tendo evitado colidir com o muro, e acertar
o rumo da pista.
Vettel mostra sua indignação ao trocar as placas da posição dos carros. Ele foi o vencedor moral do GP, e foi aplaudido pela torcida nas arquibancadas. |
É verdade que os
comissários dispõem de muito mais imagens e informações que nós, jornalistas,
ou o público que assiste, temos acesso. Mas atribuir uma certa premeditação ao
ato de Vettel já me parece forçado demais. O que se passaria na cabeça de um
piloto com o carro próximo do descontrole, se não retomar o controle o quanto
antes? Foram poucos segundos, e neste momento, um piloto age instintivamente
para preservar seu bólido, e evitar que aconteça o pior. Mesmo que isso tenha
resultado no bloqueio a Hamilton, foi reação reflexiva do momento. E o próprio
Lewis disse que faria o mesmo, porque entendia perfeitamente o que o rival passava
naquele instante crucial.
Infelizmente, venceu o
lado de que a regra tem de ser cumprida. Quase todos os ex-pilotos, e vários
pilotos em atividade que se manifestaram a respeito do ocorrido defenderam a
não-punição ao alemão. Eles entendem que a regra deve punir irregularidades, e
não erros dos pilotos. A justificativa de Emanuelle Pirro, ex-piloto, e um dos
comissários, de que a F-1 hoje não é mais a mesma de antigamente, a responder
às críticas de ex-pilotos, não é totalmente aceitável. Muitos sentem saudades
das corridas de antigamente, e aí, vamos a um debate onde os ânimos de alguns
se inflamam, a ponto de críticos dos velhos tempos falarem besteiras como “era
bom correr com carros e pistas sem segurança, e com acidentes e mortes a torto
e a direito”. Não se trata disso. Se trata, isso sim, do espírito de
competição, que hoje é cada vez mais coibido nas pistas, em nome de um desejo
de segurança que muitas vezes é desproporcional, e até insano.
Engraçada a reação de
vários torcedores, pela reação de Vettel, irritado, e com muita razão, pelo
ocorrido. Classificam o piloto como “mau perdedor”, “mimimi”, etc. Mas, se ele
aceita tudo passivamente, seria tachado de “sangue de barata”, “conformado”,
sem “tutano”, etc. Difícil entender o que esse pessoal quer, afinal. E depois
ainda reclamam da postura “robotizada” e politicamente correta dos
competidores, mas quando alguém resolve falar o que pensa, chovem críticas por
causa disso. As corridas não tem emoção e disputa? E quando temos um bom duelo,
e acaba acontecendo isso por uma punição que não deveria ser aplicada, e vista
mais como incidente de corrida?
As disputas estão
chatas, mas quando o clima esquenta, é natural que, dependendo da pressão, e da
disputa, os pilotos acabem efetuando toques uns nos outros, e cometendo erros,
no calor da competição. Mas, hoje tem um excesso de regras para muitas coisas
que não seriam necessárias, ou poderiam ser tomadas outras atitudes. Por
exemplo: Max Verstappen também foi punido em 5s em Mônaco por tocar com seu carro
em outro quando saía do seu pit stop. A meu ver, isso seria melhor resolvido
com uma multa ao time, que o liberou de forma meio precipitada, quando vinha
outro carro na pista de rolamento. E até porque o toque entre os carros foi
leve, sem maiores consequências. É preciso ponderar o resultado do que
acontece, e punir quem de fato deve ser, naquele caso, o time, por liberar o
piloto, que quando termina o pit stop, simplesmente acelera seguindo a ordem
dos mecânicos de que a operação está completa.
A F-1 está cheia de
regras que infelizmente atrapalham a competição em si. É preciso rever muitos
pontos do regulamento, mas infelizmente a FIA, batendo pé sempre usando a
justificativa da segurança como motivo maior, não arreda pé, e volta e meia
ainda cria mais regras. Isso muitas vezes sufoca a competição, porque os
pilotos passam a analisar de vale mais a pena ser burocrático na pista a sofrer
uma punição por algum toque qualquer. Já não é a primeira vez que falo isso
aqui, e gostaria que fosse a última, mas infelizmente, a teimosia da FIA em
rever algumas regras fala mais alto. A entidade simplesmente baixa a norma
goela abaixo, e que se dane a competição. Não estou criticando para ver mais
acidentes ou menos segurança nas pistas. Mas há casos nas regras que precisam
ser revistos, verificando principalmente os resultados de certos
acontecimentos.
Você não pode
simplesmente agir como se toda ação de um piloto fosse tratada de forma
premeditada ou de má-fé. O pior de tudo isso é que a F-1 já foi até mais
rigorosa ainda, em tempos onde se algum piloto olhasse feio para o rival na
pista já poderia resultar em punição. E é preciso considerar também que os
pilotos não está ali para serem irresponsáveis em sua profissão. Eles, mais do
que ninguém, não estão a fim de sair da pista, ou sofrer um acidente, ou bater
nos outros durante a corrida. Claro que, no calor da competição, alguns
excessos podem ocorrer, mas será que o excesso de punições resolve? Não se
trata de ser totalmente complacente, mas não se pode ser rigoroso ao excesso da
letra da norma.
E, pela aplicação da
norma, em excesso, dane-se a competição. E depois que a F-1 não venha reclamar
de estar perdendo popularidade. Dizer que a F-1 “é isso aí, aceite”, é de uma
arrogância e imbecilidade ímpares, pois a categoria automobilística é um
produto, e como tal, tem que atrair os fãs das competições automotivas. É do
interesse dos fãs que ela gera sua importância nos negócios com patrocinadores
e empresas que trabalham no ramo, e fazem marketing com isso, bem como das
montadoras que lá estão. Mas a hora que os fãs virarem as costas, por atitudes
assim, que não venham reclamar disso. Infelizmente, a F-1 é pródiga em dar
tiros no próprio pé, e continuar como se nada tivesse acontecido, por pior que
fosse o dano à sua imagem no momento. O novo dono da F-1, o grupo Liberty
Media, é dos Estados Unidos, e por lá, as corridas ainda carregam um pouco mais
do seu espírito de competição sem o excesso de amarras que prejudicam a disputa
quando aplicada em excesso. Seria de bom grado que eles usassem sua posição
para rever algumas regras e conceitos, com ampla discussão, visando o que é
melhor efetivamente para a competição dentro da pista. Afinal, o interesse é,
mais do que de todos, deles. Se seu produto perder atratividade, deixará de dar
lucro, e sem lucro, a F-1 pode até acabar, se não encontrar quem pague suas
contas exorbitantemente altas de custos de competição.
Que o bom senso
impere, e se tome medidas para coibir excessos na aplicação das normas do
regulamento...
Regras e leis, mesmo criadas para
promover a ordem e a justiça, podem gerar grandes injustiças. Me lembro do
filme “Juiz Dredd”, dos anos 1990, estrelado por Sylvester Stallone, baseado no
personagem homônimo dos quadrinhos britânicos. Num futuro apocalíptico, a
humanidade passou a viver em distópicas Mega-Cidades, reunindo centenas de
milhões de pessoas. Para manter a ordem, os policiais ganharam o poder de
aplicar a lei, sentenciando quem a descumpre, e até executando o infrator no
local, se a pena for morte, de forma implacável até. No início do filme um
ex-condenado volta à cidade para cumprir liberdade condicional, e ao chegar no
seu bairro, acaba no meio de um confronto com os policiais e uma gangue. Feito
de prisioneiro pela gangue, o ex-detento consegue uma oportunidade de fuga do
arranha-céu onde o conflito ocorre escondendo-se dentro de um robô de vendas
automático. Depois que o juiz Dredd e seus colegas debelam o conflito,
incluindo execução de vários criminosos da gangue, o coitado que fora pego no meio
do tiroteio e tentava apenas salvar sua vida, acaba preso por Dredd, por violar
a integridade do robô, e quando o juiz vê que ele acabou de começar a
condicional, simplesmente o condena a voltar para a cadeia com agravante de ter
cometido um crime durante seu período de liberdade condicional, dobrando sua
nova pena recém-imposta. O homem, reduzido novamente a condenado, pergunta a
Dredd o que ele poderia fazer para escapar dos bandidos, alegando que só se ele
pulasse da janela, onde despencaria para a morte certa ao atingir o chão. A
resposta de Dredd: “Isso pelo menos não seria contra a lei”... Será que vamos
caminhar para esse tipo de futuro, de aplicação cega das leis?
E a “super season” do Mundial de
Endurance está para se encerrar, com a disputa da edição 2019 das 24 Horas de
Le Mans, neste final de semana. O canal Fox Sports 2 mostrará ao vivo a largada,
a partir das 10 horas deste sábado, e transmitirá a disputa até as 16 horas,
voltando no domingo, a partir das 8 da manhã, para mostrar o resto da corrida,
até a bandeirada final, e com direito a Rodrigo Mattar falando direto da pista
de Le Sarthe na transmissão do canal. Como era de se esperar, a Toyota larga na
frente, com o carro Nº 7 formado pela trinca Mike Conway, Kamui Kobayashi e
Jose Maria Lopez largando na pole-position, enquanto o carro Nº 8, com o trio Fernando
Alonso, Kazuki Nakajima e Sebastien Buemi parte em 2º lugar. No ano passado, a
marca japonesa finalmente triunfou em Le Mans, e é muito provável que repita o
triunfo nesta edição, uma vez que a performance de seus carros é completamente
diferente da dos demais times da LMP1, que não são equipes de fábrica. E o trio
do carro 8 deve faturar o título da “super season”, já que seus pilotos estão
liderando a competição com 160 pontos, contra 129 pontos dos pilotos do carro
Nº 7, uma diferença de 31 pontos. Mas a pontuação em Le Mans é diferente, e
tudo ainda pode acontecer nesta corrida. Por mais favorita que a Toyota seja,
não se pode ignorar que surpresas podem ocorrer, e que o triunfo não está tão
garantido assim. E olhe que os japoneses já sentiram isso na pele em tempos
recentes. Vamos esperar que seja uma corrida com muita disputa e emoção, para
fazer juz à fama das 24 Horas de Le Mans.
Pilotos e equipes estão prontos em Le Sarthe para mais uma edição das famosas 24 Horas de Le Mans, uma das corridas mais icônicas do mundo do esporte a motor. |
3 comentários:
O Vettel esforçou muito para a direita desnecessariamente, se não tivesse feito isso, não seria punido e não teriam batido como foi mostrado por diversos replays. E ainda bem que "regra é regra", pois se existe deve-se cumprir. A imparcialidade é algo que já foi melhor exercido.
Bom texto... Mas discordo. Vettel mereceu a punição.. E ainda bem que "Regras são regras"... Pois da forma que aconteceu poderia ter rolado um acidente bizarro.. Vettel estava mais preocupado em perder a posição do que voltar para a pista sem atrapalhar ninguém.
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