Quem esperava um
campeonato mais disputado na MotoGP este ano, melhor ir se preparando para ver
Marc Márquez disparando para o hexacampeonato, a exemplo de Lewis Hamilton na Fórmula
1. A “Formiga Atômica” não apenas vem mostrando sua atual competência e
talento, como ainda por cima vem tendo uma boa sorte enquanto seus adversários
tem seus enguiços para resolver. E isso quando conseguem ficar em cima da moto.
Quando não conseguem, o prejuízo é mais do que certo...
E o campeonato pode
ter tido um bom prejuízo domingo passado, no GP da Catalunha, na pista de
Barcelona, quando Jorge Lorenzo errou a freada, e acabou tirando da corrida o principal
rival de seu companheiro de equipe na luta pelo título, o italiano Andrea
Dovizioso, da Ducati. E não contente de “abater” seu ex-companheiro de Ducati,
sobrou ainda para seu outro ex-time, a Yamaha, com Maverick Viñales e Valentino
Rossi a irem para o chão. Lorenzo admitiu que perdeu a freada, e foi se
desculpar com os outros pilotos, embora a receptividade não tenha sido lá essas
coisas. O único a não cuspir cobras e lagartos contra o espanhol foi Rossi, que
entende que o ex-parceiro de time vem tendo um momento ruim.
Aliás, pode-se dizer
que o “Doutor” foi comedido em sua declaração. Momento ruim é pouco para o que
Jorge Lorenzo vem vivendo nas últimas três temporadas na classe rainha do
motociclismo. Fossem os tempos do patrocínio de cigarro nas competições do
esporte a motor, o piloto espanhol poderia pegar o apelido de Jorge “Lucky
Strike” Lorenzo, pois o ocorrido domingo passado na Espanha não foi a primeira
vez nos últimos tempos que Lorenzo estragou o que poderia ser uma corrida bem
disputada. No ano passado, também na Espanha, mas na pista de Jerez de La Fronteira,
Lorenzo também foi o responsável por outro “strike”, onde acabaram fora da
corrida ele, seu então parceiro na Ducati, Dovizioso, e Dani Pedrosa, da Honda,
piloto que ele acabou substituindo este ano. E naquele época, a repercussão foi
bem ruim para o lado de Jorge, que até então não vinha correspondendo, pelo
segundo ano consecutivo, ao que a Ducati esperava dele quando o contratou para
ser a principal estrela de seu time na pista.
Em 2018, em Jerez de La Fronteira, Lorenzo provocou um strike que tirou ele, Dani Pedrosa, e seu companheiro de equipe na Ducati da corrida na Andaluzia. |
Cansado das rusgas com
Valentino Rossi, com quem dividia os boxes na equipe da Yamaha, o piloto
espanhol anunciou, em 2016, sua ida para a Ducati. Lorenzo perderia a disputa
com Valentino em 2016, tendo sido 3º colocado na competição, enquanto o “Doutor”
foi o vice-campeão, ambos perdendo para Marc Márquez, que havia conquistado o
título da temporada. A idéia era não dividir espaço com alguém do mesmo quilate
nos boxes do time italiano, que teria Andrea Dovizioso para companheiro de
equipe do espanhol. Afinal, Dovizioso, apesar de um brilho aqui e ali, estava
longe de poder comparar currículo com Lorenzo, que era nada menos do que
tricampeão mundial da MotoGP. E, por incrível que pareça, a mudança foi
oportuna, pois no certame de 2017, a Ducati surpreendeu com uma moto muito
competitiva, que em várias corridas, mostrou-se o melhor equipamento do grid.
Mas aconteceram outras
duas surpresas. A positiva foi que Andrea Dovizioso surpreendeu a todos, e
disputou o título com Marc Márquez, vencendo corridas na raça, e levando a
decisão para a última corrida da temporada. Mas o italiano não conseguiu chegar
lá, tendo de ver Márquez mais uma vez levantar a taça de campeão. Mas Dovizioso
terminou com a moral em alta como jamais se viu na categoria. Mas a surpresa
negativa foi ver Jorge Lorenzo penando para se adaptar à moto italiana, cujo
comportamento era diferente da moto japonesa que ele guiava na Yamaha. A
discrepância chegou a assustar: enquanto Dovizioso foi vice-campeão, com 261
pontos, e 8 pódios no ano, Lorenzo terminou apenas em 7º lugar, com 137 pontos,
e apenas 3 pódios, sem vencer nenhuma corrida. Dificuldade de adaptação à parte,
ter marcado praticamente metade dos pontos do companheiro de equipe certamente
não era o que Lorenzo esperava viver na equipe de Borgo Panigale. O espanhol
ainda criou certa celeuma com o time por não ajudar Dovizioso na corrida final,
em Valência, quando o companheiro ainda tinha chance de ser campeão na luta
contra Márquez. Com Márquez escapando na frente, ao invés de abrir para Andrea
tentar o ataque contra o piloto da Honda, Lorenzo ficou disputando posição com
o companheiro de equipe, o que facilitou muito mais as coisas para Marc, apesar
dos pedidos da Ducati para que ele deixasse Andrea passar para tentar atacar o
rival da Honda. Quando Dovizioso finalmente conseguiu superar Lorenzo, Márquez
já estava muito à frente, e ao tentar forçar o ritmo, Dovizioso caiu da moto,
dizendo adeus ao título. Enquanto Dovizioso foi recebido com aplausos pelo
time, apesar da derrota, o clima não foi o mesmo na recepção de Lorenzo.
No ano passado, o
drama parecia se repetir, com o espanhol aparentemente continuando a sofrer
para domar a Desmosedici no seu mais alto nível, enquanto Dovizioso, apesar de
alguns percalços, ainda era o principal rival na pista de Marc Márquez. Some-se
a isso o strike promovido por Jorge em Jerez, onde acabou tirando a Ducati da
prova, enquanto Márquez ganhava mais uma, e a situação de Lorenzo já andava
tensa no time. Já se falava em renovação, mas por um valor muito menor do que o
do primeiro contrato, uma vez que o piloto não vinha dando o resultados
esperados, que eram conquistados pelo “prata da casa” Dovizioso, que apesar de
ter ganho um bom aumento salarial, ainda era mais barato que o seu companheiro
espanhol.
O pior de tudo é que,
quando as coisas pareciam enfim melhorar, eis que o clima na escuderia ficou
ainda pior. Em Mugello, no GP da Itália, a Ducati enfim fez sua primeira
dobradinha com sua dupla, e com Lorenzo a vencer sua primeira corrida pelo time
italiano, e em solo italiano. Os maus tempos ficariam para trás, enfim? Nem
tanto: Lorenzo, apesar da vitória, já não tinha mais empatia pela escuderia, e
preferiu apostar suas fichas em outro time para esta temporada, assinando um
contrato com a Honda, para ser o companheiro de Marc Márquez, em substituição
de Dani Pedrosa. Desnecessário dizer que os italianos não gostaram de ser
surpreendidos com esta mudança, com Lorenzo a resolver cair fora, e não dar a
chance de a Ducati demiti-lo, ou mantê-lo com um salário reduzido. E Jorge
ainda deve ter ficado muito cheio de si ao vencer a etapa seguinte, em
Barcelona, e até se colocar, ao lado de Dovizioso, como pretendente ao título
da temporada, cujo favoritismo era de Márquez.
Duas vitórias
consecutivas! Estava sendo mesmo bom para Lorenzo, que parecia dar a seus
críticos um merecido cala-boca pelos maus resultados obtidos até então na
Ducati, e um recado também ao próprio time italiano, que começava a questionar
se ele merecia continuar no time, que ainda era uma das forças da temporada, ao
lado da Honda, embora sem a mesma força surpreendente do ano anterior. Um
recado velado de como eles o subestimaram, não lhe deram o devido valor, e
agora iriam vê-lo na concorrência no ano seguinte. Para a competição, era muito
bom vermos os dois pilotos da Ducati irem à caça de Márquez, já que a dupla da
Yamaha estava fora de combate com uma moto que não rendia o necessário para
lhes permitir lutar pelo título. Um 2º lugar na etapa de República Tcheca, e
uma nova vitória na Áustria, pareciam atestar o bom momento de Lorenzo.
Mas, dali em diante,
tudo começou a dar errado novamente para o espanhol. Ficou as duas provas
seguintes sem marcar pontos, e ainda sofreu um violento acidente na Tailândia
que o tirou das etapas seguintes, voltando apenas na corrida final, em
Valência, e sem ter a mesma performance que vinha exibindo até então. Jorge,
que esperava sair da Ducati por cima, acabou encerrando sua passagem pelo time
italiano ainda mais baixo do que no ano anterior. Enquanto Dovizioso foi
novamente vice-campeão, com 245 pontos, Lorenzo acabou em 9º lugar, com 134
pontos. Para quem estava finalmente atingindo os resultados esperados por si
próprio e pelo time, Lorenzo acabou se queimando com os italianos ao se transferir
prematuramente para a Honda, de forma que não conseguiu capitalizar com as
vitórias obtidas então. E ele já havia começado a bater boca também com
Dovizioso, de modo que o clima nos boxes da escuderia já não era harmonioso
como antes. Lorenzo estava em um mau momento, mas perdeu a chance de encerrá-lo
e dar a volta por cima, por escolha própria, e como desgraça pouca é bobagem,
ainda deu um azar danado na parte final da temporada de 2018. A chance de
redenção ficaria para 2019, porque no ano passado, acabou ficando pela metade.
Então, todo mundo
esperava um retorno em grande estilo de Lorenzo este ano. A Honda era o time
campeão, e apesar da presença de Marc Márquez, o próprio declarou que tinha
muito interesse em dispor de um companheiro de time forte, que pudesse
desafiá-lo, para que ele tivesse uma pressão por bons resultados além da
pressão de si mesmo. E Márquez, afinal, já não tinha mais nada a provar a
ninguém. Para Lorenzo, a chance de medir forças com o grande astro da MotoGP atualmente,
e mostrar que se não conseguiu mostrar resultado na Ducati, era mais culpa dos
italianos do que dele. De qualquer forma, as expectativas eram otimistas, e
muitos até já ficavam imaginando se o clima de camaradagem entre Lorenzo e
Márquez se manteria depois das primeiras divididas de curva entre ambos na
disputa por posições nas corridas. E claro, todo mundo esperava que Lorenzo
tivesse mais sorte na Honda e oferecesse mais resultados do que Dani Pedrosa,
que encerrou sua carreira como piloto titular depois de ter sido dispensado
pela equipe japonesa.
Mas, haja zica,
macumba, ou sabe-se lá o que mais... A situação de Lorenzo continuou ruim, e
até piorou, pode-se dizer. Primeiro, o piloto espanhol, que já teve uma
recuperação complicada devido ao tombo na Tailândia, se acidentou de novo em um
treino particular, precisando de uma operação cuja recuperação o deixou de fora
da primeira sessão de testes coletivos da pré-temporada. Isso lhe custou um
tempo precioso para se adaptar à nova moto, e pior, isso se mostrou um grande
prejuízo, pois até agora Lorenzo ainda não conseguiu acertar o seu modo de
condução para a moto da Honda, que possui um estilo arisco, e um felling bem
particular para ser pilotada. A prometida “ressurreição” de Jorge Lorenzo até agora
não aconteceu, e para infelicidade dos torcedores, da MotoGP e do próprio
Lorenzo, ele até agora vem marcando passo na temporada.
E os números são ainda
mais discrepantes e gritantes do que na Ducati. Enquanto Márquez lidera o
campeonato, com 140 pontos, já tendo vencido 4 corridas em 7 provas, além de
largar na pole em 4 oportunidades, Lorenzo é apenas o 15º colocado, com 19
pontos, e tendo como melhor posição de largada um 8º lugar, na França, onde também
teve o seu melhor resultado, o mesmo 8º lugar. Para desgraça de Jorge, seu
ex-time, a Ducati, tem Andrea Dovizioso em 2º lugar, com 103 pontos, e 1
vitória, enquanto Danilo Petrucci, seu substituto no time italiano, é o 4º
colocado com 98 pontos, também tendo vencido uma corrida. Lorenzo chegou até
mesmo a ir à fábrica da Honda, no Japão, para tentar se entender melhor com os
japoneses, e tentar entender como dominar melhor o equipamento, que diga-se de
passagem, não é tão competitivo assim como se faz parecer. Lorenzo critica
algumas reações da moto nipônica, mas não é o primeiro a fazê-las. Cal
Cruthlow, que corre por um time satélite da Honda, faz há um bom tempo as
mesmas críticas ao comportamento da moto japonesa, que precisa de um
comportamento mais dócil para que os pilotos possam leva-la devidamente a seus
limites.
Ocorre que, com Marc
Márquez fazendo a diferença, e ganhando corridas, a Honda não parece tão
empenhada em atender a seus outros pilotos, embora a marca tenha feito alguns
esforços para tentar deixar o comportamento de seu equipamento mais ao gosto
dos outros pilotos, até para não ficar demasiadamente dependente de Márquez.
Resta saber quanto a Honda vai se empenhar de fato neste sentido, ainda mais
porque Marc acabou de ganhar uma turbinada no seu favoritismo ao título da
atual temporada, depois que Lorenzo acabou tirando a etapa catalã justamente
Andrea Dovizioso, que agora está 37 pontos atrás do atual pentacampeão, uma
diferença muito difícil de ser tirada na pista, sem que haja algum problema com
Marc.
Marc, aliás, tem
defendido o novo parceiro, estando ciente das dificuldades que ele tem tido com
a moto da escuderia. Mas parece que não é apenas o momento ruim de Lorenzo que
parece perpetuar-se... O azar também continua... A Honda tem se mostrado uma
moto mais complicada do que a Ducati do que ele poderia esperar, e pior do que
não ter conseguido ajustar-se ao equipamento do seu novo time, é ver sua
ex-equipe ainda muito forte, e vendo que seu substituto até já ganhou corrida
na atual temporada. E, certamente, pensando se foi um erro ter saído de forma
intempestiva da equipe italiana, onde já estaria bem mais adaptado, podendo
buscar pelos resultados que almeja, e voltar a ser protagonista na luta por vitórias,
e quem sabe o título, enquanto agora está tendo de remar tudo de novo, em
situação ainda mais complicada, para recuperar todo o terreno perdido com a
nova mudança de escuderia. Um terreno que, certamente, a queda múltipla que
proporcionou na segunda volta do GP da Catalunha não ajuda nem um pouco a
recuperar, muito pelo contrário, indica um piloto que já começa a sentir a
pressão por resultados, e quer tentar reverter a situação o quanto antes.
A Honda ainda não está
questionando a motivação, ou o talento de Lorenzo, nem cogitando uma rescisão
de contrato, ou ao menos, dando pistas de tal comportamento. Mas o cartaz do
piloto, tricampeão mundial da MotoGP, astro da categoria, e sua reputação como
piloto de ponta, estão sofrendo um grande abalo, talvez difícil de recuperar,
com esta dificuldade de adaptação, onde Lorenzo tem mostrado limitações talvez
até maiores do que ele próprio imaginava para se adaptar a um novo estilo de
comportamento do equipamento que tem à sua disposição. Valentino Rossi, em seu
retorno à Yamaha, confessou que precisou se adaptar ao novo estilo de pilotagem
exigido para levar a moto a seus limites, depois de uma temporada em que ficou
na sombra de Lorenzo, e dos demais postulantes ao título, em 2013. E o “Doutor”
conseguiu se reinventar, se atualizar, e voltou à carga com grande competência,
mostrando grande performance até os dias atuais, já tendo comemorado 40 anos de
idade, só não tendo melhores resultados porque o equipamento não é competitivo
à sua altura.
Lorenzo precisa superar
o desafio que Rossi enfrentou para voltar a brilhar, ou do contrário, sua
aposentadoria das pistas será tratada como a de um piloto que sucumbiu a si
mesmo, além dos azares que o acometeram nos últimos três anos de competição, e
encerrar de vez este momento ruim que vive, e de má performance que vem
protagonizando. Irá conseguir? Receio que nem ele saiba direito a resposta
neste momento, diante dos últimos acontecimentos... Seria muito bom que
conseguisse dar a volta por cima, pelo bem da competição, e de si próprio.
Aguardemos, portanto.
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