quarta-feira, 19 de setembro de 2018

ARQUIVO PISTA & BOX – JULHO DE 1998 – 10.07.1998


            Hora de trazer mais um texto antigo aqui no blog, e o de hoje foi a coluna publicada em 10 de julho de 1998, e o assunto era algo que renderia muitas discussões ainda hoje: quão “honesto” e “ético” na pista era Michael Schumacher naqueles tempos dos anos 1990, quando o alemão passou a ser o maior nome da F-1, e a colecionar rusgas e discussões com outros talentos, em virtude de sua agressividade e “hábitos” ao volante. Michael não era santo na pista, e as tentativas de jogar seus oponentes fora da pista, nas decisões do título de 1994 e 1997, ganhando uma e perdendo a outra, conferiram ao piloto o apelido de “Dick Vigarista”, o vilão do desenho animado Corrida Maluca, da Hanna-Barbera, onde o competidor fazia todo tipo de trambicagens para vencer e só se dava mal. Mesmo assim, era a estrela do desenho.
            Naquele momento, as atitudes de Schumacher na pista, e as discussões com os outros pilotos, vinham se avolumando. Nome de destaque da F-1, impossível não deixar de notar suas atitudes. Sua agressividade, e dureza ao extremo ao volante, chegaram a tal ponto que a FIA acabou implantado regras que são exigidas até hoje na condução de um F-1, como a proibição de se mexer o carro duas vezes na defesa de posição, e a implantação de uma área de retorno dos boxes à pista que deveria ser respeitada pelo piloto. Isso porque Schumacher, como falado no texto, comportava-se de modo extremo, e em muitos aspectos, levando às favas o respeito implícito que os pilotos até então tinham uns pelos outros.
            Felizmente, o alemão melhorou com o passar dos anos, ficando com uma fama mais “limpa” e “ética” na pista, mas nunca conseguiu apagar essas máculas de seu currículo de piloto, que foram no máximo, suportadas pelo sucesso que ele veio a conseguir, tornando-se anos depois o maior campeão da história da F-1 até hoje. E, bom saber, alguém também preocupado com muita coisa ruim acontecendo no mundo, tendo ajudado inúmeras entidades humanitárias com doações e atos de promoção, que ajudaram a apagar um pouco as manchas de seu caráter. Lamentavelmente, a exemplo de Ayrton Senna, o destino não foi gentil para com o piloto alemão, cujo estado até hoje é um mistério quase completo, após o acidente numa estação de esqui na França há alguns anos, onde bateu violentamente com a cabeça numa pedra.
            Uma discussão de seus modos e atos ainda hoje levantaria muitas questões. Por hora, curtam o texto, e boa leitura para todos.


DECÊNCIA NA PISTA

            A Fórmula 1 prepara-se para dar início à segunda metade da temporada 98 com o ambiente entre os pilotos pegando fogo, em virtude de varias desavenças que andam ocorrendo entre uns e outros. Rivalidades na categoria nunca foram novidade, mas a maioria delas atualmente se resume a um único nome: Michael Schumacher. O piloto alemão pode ser o maior talento da categoria atualmente, mas nunca irá ser uma unanimidade total como foram diversos campeões do passado, especialmente no quesito disputa limpa.

            Desde que chegou à F-1, Schumacher já é objeto de polêmica. O piloto alemão entrou sob proteção da Mercedes na Benetton em 1991. Na ocasião, Roberto Moreno, que ficou a pé na equipe multicolorida, foi defenestrado publicamente por Flavio Briatore, que querendo Schumacher de qualquer jeito, não poupou elogios maldosos ao piloto brasileiro, chegando a classificá-lo de “incompetente” para guiar um F-1. De cara, Schumacher meio que já se desentendeu com Nélson Piquet. Para um novato, a arrogância de Michael era duro de engolir. De lá para cá, o alemão só confirmou que tinha motivos para se gabar ao volante de um F-1, mas isso só ajudou a torná-lo ainda mais insuportável.

            Schumacher pode ser o maior piloto do mundo, mas absolutamente não tem a humildade necessária de se ver nos grandes pilotos. Juan Manuel Fangio, Ayrton Senna, Alain Prost, Nélson Piquet, Jackie Stewart, Jim Clark, todos eles nunca se gabaram publicamente de ser “o” melhor. Simplesmente iam para a pista e, se o carro o permitisse, mostravam do que eram capazes. Às vezes, até quando o carro não permitia, eles conseguiam se sobressair. Mas, se não eram bons exemplos de humildade, pelo menos não renegavam tal virtude, demonstrando em vários momentos, mesmo que fossem raros. Até o presente momento, Schumacher parece não conhecer muito bem o que significa isso, pelas atitudes que demonstra. Ou, se pelo menos possui tal virtude, demonstrá-la um pouco poderia amenizar o clima de agressividade que vem se avolumando ao seu redor na pista.

            Nos últimos tempos, Schumacher parece ter ficado um pouco menos arrogante, o que foi bom para torná-lo mais sociável. O problema é que ultimamente, ele parece estar se comportando como prima dona da categoria, como se ele estivesse sozinho na pista, ou se todos os outros tivessem que abrir passagem para ele quando quisesse. O episódio do GP do Canadá mostra bem isso: o alemão da Ferrari simplesmente jogou Heinz-Harald Frentzen para fora da pista ao sair dos boxes como se só ele estivesse disputando a prova. Depois, ainda soltou os cachorros em Damon Hill, acusando-o de tentar provocar um acidente com ele a mais de 300 Km/h, por Hill ter simplesmente defendido sua posição na pista, o que obrigou Michael a se esforçar nos extremos para conseguir ultrapassar o piloto inglês, quase saindo da pista. O alemão parece se esquecer que ele mesmo já foi muito mais agressivo na defesa de uma posição, e continua sendo.

            Até aí, não seria nada de mais um episódio destes. O problema é que eles estão ficando meio freqüentes na carreira de Schumacher. Em 1994, o alemão garantiu o título ao bater deliberadamente em Damon Hill na Austrália, para impedir que o filho de Graham Hill terminasse a corrida. Ambos estavam separados por 1 ponto a favor do então piloto da Benetton. Mas na prova, a pressão de Hill sobre Schumacher deu resultados, e o alemão cometeu um erro, saindo da pista, danificando seu carro. Schumacher voltou à pista quando Hill ia assumir a liderança e simplesmente fechou o inglês da Williams, que acabou saindo da corrida com a suspensão dianteira danificada, como resultado da colisão.

            Ano passado, em Jerez de La Fronteira, Schumacher tentou fazer o mesmo, ao ver que Jacques Villeneuve iria ultrapassá-lo na corrida. Só que, desta vez, o tiro saiu pela culatra, e foi Villeneuve quem ganhou o título. Isso é jeito de defender uma luta pelo título? Eu creio que não. Se Michael Schumacher é o piloto tão talentoso de que se gaba, devia confiar mais no seu talento, e resignar-se com a derrota quando ela ocorre. Até Ayrton Senna, que detestava perder, sabia que não se podia ganhar todas, e sempre que tinha uma derrota, já pensava na próxima corrida como uma nova oportunidade de vencer novamente. É verdade que Senna também ganhou um título ao bater em seu rival Prost, mas o francês também havia dado uma fechada em Ayrton no ano anterior. Daí, tudo ficou empatado, e felizmente, nunca mais houve este tipo de disputa entre eles, embora os ânimos tenham ficado inflamados entre eles por um bom tempo.

            Mas são as declarações de Schumacher que causam mais impacto e colocam sua honestidade e caráter em dúvida. Desde o início do ano, o piloto da Ferrari sempre se refere à disputa do título como se só existisse ele, Eddie Irvinne, e os pilotos da McLaren, que devem ser derrotados de qualquer maneira. Na Argentina, Schumacher partiu para cima das McLarens e ultrapassou ambas. Se Mika Hakkinen foi ultrapassado de forma decente, o alemão só ganhou a liderança de David Coulthard praticamente jogando o escocês fora da pista ao forçar a ultrapassagem em uma curva. Coulthard até hoje anda ardido por isto.

            Pior: Schumacher criticou Hill por defender-se de uma ultrapassagem? E o que ele fez em Spa-Francorchamps contra o mesmo Hill, ziguezagueando em plena reta na frente do piloto da Williams, bloqueando a pista para impedir a ultrapassagem de Damon, muito mais rápido do que ele naquele momento da corrida? Foi totalmente antiético, e o inglês só não tentou a ultrapassagem porque sabia que se tentasse, o risco de Schumacher bater o carro jogando-se em cima dele era tremendo. Isso foi em 1995, e Hill ainda se lembrava de Adelaide/94, quando levou a batida que definiu o título em favor do alemão.

            A lista de rivais de Michael Schumacher está ficando maior, na medida em que ele se indispõe com vários pilotos. Alexander Wurz, que teve uma acalorada disputa roda a roda com Michael em Mônaco pela posição na pista, vencida pelo austríaco, também foi alvo de alguns impropérios vociferados pelo alemão, ainda que em escala menor, é verdade. Qualquer piloto que dificulte dar passagem ao alemão parece virar um alvo de críticas por parte do piloto da Ferrari, como se eles não tivessem direito de fazerem suas corridas ou defenderem suas posições.

            E a coisa anda esquentando: semana passada, vários pilotos, encabeçados por Frentzen, exigiram que Schumacher deixe a presidência da GPDA, a associação de pilotos da F-1. O argumento é simples: como uma entidade que defende a segurança e ética entre os pilotos na pista pode ter como presidente um piloto que dá mostras de que não respeita mais ninguém na pista além de si próprio? As desculpas de Schumacher já começaram a soar esfarrapadas, e a se persistir este descaso do bicampeão alemão com relação aos demais, tudo indica que, em breve, todo piloto na pista, com provável exceção de seu irmão Ralf Schumacher, é lógico, não vai dar mole em nenhuma tentativa de ultrapassagem do piloto da Ferrari. Se Schumacher já se mostrou propenso até a “empurrar” adversários mais duros para fora da pista, em disputas ferrenhas, ele gostará de receber tratamento idêntico? Duvido muito.

            Rubens Barrichello, por exemplo, não tem atritos com Schumacher no momento, mas já foi fuzilado pelo alemão algum tempo atrás, quando era tido como possível piloto da Ferrari para 1996. Schumacher bateu o pé e exigiu Eddie Irvinne como companheiro de equipe, e ainda classificou o piloto brasileiro de incompetente, limitado e inapto para ser piloto de um time de ponta. Era claro que ele não queria concorrência potencial dentro da Ferrari, onde tudo tem que ser somente para ele. Como até o presente momento Irvinne não conseguiu incomodar o alemão, e ainda faz tudo o que ele e a direção da Ferrari pedem, Schumacher não cansa de dizer que o irlandês é o melhor piloto que poderia desejar como companheiro de equipe.

            Sinceramente, não sei onde isso vai parar, mas tomara que acabe logo, para que a honestidade e decência nas pistas voltem a imperar um pouco mais nas pistas da F-1, tanto quanto possível...

Nenhum comentário: