Sebastian Vettel tem a preferência da Ferrari para disputar o título, e como consequência, dane-se Kimi Raikkonen, que é sacrificado pela escuderia italiana nas corridas. |
Hoje começam os
treinos oficiais para o Grande Prêmio do Azerbaijão, e depois da prova caótica
do ano passado, todo mundo espera que a edição desse ano seja tão emocionante
quanto, se bem que não precisa ter tanta confusão, basta apenas termos boas
disputas, se bem que se surgir algum rolo, dependendo da situação, ninguém irá
reclamar, se acabar proporcionando mais disputas malucas, a exemplo do ano
passado. E, se a atual temporada está sendo pródiga, é em acontecimentos
inesperados nas corridas que acabaram mudando o seu desfecho mais previsível,
oferecendo alguns duelos e resultados que estão ajudando o campeonato deste ano
a sair melhor que a encomenda, pelo menos até agora.
Enquanto aguardamos
pelo início das atividades do fim de semana, com os dois treinos livres
programados para hoje, uma das discussões no mundo da velocidade é em como a
Ferrari tem voltado com tudo à sua estratégia de priorizar apenas um piloto, e
com isso, deliberadamente “podando” as chances de seu outro piloto. No caso,
Sebastian Vettel tem a preferência no time vermelho, que por conta disso,
estaria sacrificando Kimi Raikkonen, atrapalhando suas chances de se obter
melhores resultados. O caso da China é emblemático: após Vettel fazer seu pit
stop, e com isso perder a liderança para Valtteri Bottas, o time manteve Kimi
na pista até não poder mais, com o objetivo de o finlandês andar mais devagar,
e com isso “trancar” Bottas atrás de si, dando a Vettel oportunidade de tentar
recuperar a liderança. Tal atitude pode ter custado a Kimi as chances de vencer
a corrida, já que nestas voltas em que andou mais lento, preciosos segundos
foram jogados fora, que muito provavelmente poderiam ter garantido a 2ª posição
na corrida, e quem sabe, talvez até a vitória, dependendo do tempo adicional
que Daniel Ricciardo teria para alcançar e superar Raikkonen. Na Austrália,
Kimi andava na frente de Vettel, mas a escuderia manteve o alemão na pista
confiando em uma possível intervenção do Safety Car que, quando ocorreu, foi
perfeita para Sebastian parar e assumir a liderança da corrida. Não diria que
foi algo totalmente premeditado, mas tiveram um bom golpe de sorte. Mas Kimi,
caso tivesse parado mais tarde, também poderia ter se beneficiado da situação,
e conseguido um resultado melhor.
Só não se pode afirmar
nada em desfavor do finlandês na etapa do Bahrein, onde o que ocorreu foi algo
completamente imprevisível e inesperado, que acabou por vitimar a corrida de
Raikkonen por puro azar, que poderia ter ocorrido tanto com Vettel como acabou
sobrando para ele. A Ferrari por vezes joga seu segundo piloto aos leões, mas
não chega a ser tão maquiavélica, ainda que algumas vozes estúpidas até possam
falar no “sacrifício do mecânico” para Vettel vencer a prova. Uma afirmação
completamente esdrúxula, sem pé nem cabeça. A F-1 não baixou tanto assim. E nem
poderia.
Mas a “tradição” da
Ferrari “queimar” as chances de seus “segundos” pilotos já é mais do que
conhecida. Quem não lembra que a principal função de Eddie Irvinne como piloto
do time rosso (1996-1999) era “bloquear os adversários na pista para que
Michael Schumacher pudesse disparar na frente, e tirar a Ferrari do seu jejum
de títulos. Saiu até uma charge na época, na Autosprint, mostrando a “preparação”
dos dois carros, com o monoposto de Schumacher na posição convencional, e o
carro do irlandês na posição transversal, unicamente para trancar a pista atrás
de si. A fixação do time no alemão era tanta que quando Michael se acidentou em
Silverstone, e quebrou a perna, em 1999, o time ainda teimou em dar todo o
apoio que Irvinne merecia para tentar manter o time na luta pelo título. E
nessa indecisão, perdeu tempo preciso. Mesmo assim, Eddie chegou até a última
etapa com chances de ser campeão, e tendo até Michael Schumacher, em seu
retorno, cedido a vitória na Malásia para que ele mantivesse as chances de
chegar ao título. Na prova derradeira daquele ano, contudo, Irvinne
infelizmente não conseguiu ajudar a si próprio, e estranhamente, Schumacher não
abrandou o ritmo para que o irlandês tivesse chance de tentar a vitória, e
chegar ao título. Aliás, deu a forte impressão de que até ficaram aliviados por
Irvinne não ter sido campeão, pois ele já havia sido “renegado” pelo time para
o ano seguinte, e se fosse campeão, não o defenderia pela escuderia de
Maranello, que ficaria muito indignada por ver seus esforços para ver
Schumacher campeão darem o título ao seu segundo piloto.
Parceiro de Michael Schumacher na Ferrari entre 1996 e 1999, Eddie Irvinne devia mais atrapalhar os concorrentes do alemão na pista do que disputar sua própria corrida. E sem poder chiar... |
Poderia se dizer que
tal política era o longo jejum de títulos da escuderia, que há época completava
20 anos de jejum, mas não era bem assim. Schumacher exigia todas as atenções
para si, e o segundo piloto pouco lhe importava. Mesmo assim, Rubens
Barrichello até conseguiu fazer boas temporadas em Maranello (2000-2005), o que
não o livrou de alguns momentos bem ruins. O mais conhecido deles no GP da
Áustria de 2002. Depois da repercussão tremendamente negativa, eles até
”deixaram” Barrichello vencer, mas a manobra da Áustria se revelaria
completamente dispensável, pois o time vermelho não teria rivais naquele ano,
mas mesmo assim, como se viu em 2004, a escuderia não permitiu que o piloto
brasileiro pudesse desafiar Schumacher na pista. Só o alemão podia tudo.
Independentemente de concordar com tais exigências, contratuais ou não, a Ferrari
simplesmente atentava contra o esporte, não importando se sua marca pudesse
sofrer algum desagaste com isso. Eles falavam abertamente que o interesse da
equipe vinha acima de tudo, e Lucca de Montezemolo falou com todas as letras,
ainda em 2000, após a primeira vitória de Rubinho no time e na F-1, que o
objetivo do time era unicamente levar Schumacher ao título, e que o brasileiro
não teria tal “direito”.
Chegava-se a falar que
o time “sabotava” o brasileiro, para não permitir que ele colocasse inesperadamente
alguma pressão de competição em Schumacher. A palavra “sabotagem” pode ser
muito forte, e obviamente, inválida, mas sempre era estranho Barrichello nunca
conseguir iniciar o ano tão bem quanto o alemão, e que quando as coisas
pareciam ir melhor para ele, Michael já havia disparado na classificação, de
modo que a Ferrari usava isso como argumento válido para dizer que o brasileiro
tinha de se submeter a apenas “ajudar” Schumacher a chegar ao título. Com o
grau de detalhismo que a F-1 tem em sua preparação hoje em dia, basta o time
dar um pouco menos de atenção a um de seus pilotos, para a performance
apresentar potencialmente resultados muito distintos. E quando Barrichello
conseguia acertar o seu carro de modo exemplar, houve ocasiões em que o brasileiro
viu seu carro ser entregue ao alemão, enquanto ele tinha que correr com o carro
de Michael, menos acertado. A Ferrari, por seu lado, sempre garantiu que seus
pilotos recebiam equipamentos iguais, mas atenção era outra história.
E a questão não era se
Schumacher merecia tanta atenção a mais ou não. Como campeão, e piloto de
ponta, com um currículo muito mais vencedor que qualquer um de seus
companheiros de time, ele merecia o imenso salário que ganhava, e várias das
regalias exigidas em contrato. A questão era se ele precisava de tudo isso para
andar melhor que o companheiro de equipe. Barrichello nunca falou que era
melhor que Schumacher, mas ao ter menos atenção, além de ser sacrificado em
certos momentos, a Ferrari implicitamente o impedia de obter resultados
melhores, que poderiam até ser úteis à escuderia. Mas, o time tinha interesse
nisso? De jeito nenhum: Schumacher era campeão, e em poucos momentos o time
realmente se importou em dar o brasileiro mais atenção. Mas, obviamente, também
não é o caso de dizer que todos os azares vivenciados por Rubinho na época
fossem culpa dessa política do time. Barrichello não tinha a mesma constância e
velocidade de Schumacher. Mas, se o tratamento não fosse tão desigual, em
muitas ocasiões seu desempenho certamente seria muito melhor. Mas mesmo quando
o time não tinha chances de título, ainda assim eles não deixavam Barrichello
correr como poderia, como foi o caso da temporada de2005, a última dele no
time.
Curiosamente, a
Ferrari foi mais “justa” em 2007 e 2008, privilegiando um de seus pilotos
apenas quando a temporada já estava perto de seu final, com o piloto mais bem
classificado a ter as maiores atenções. Em 2007, foi Raikkonen o favorecido, já
que Felipe Massa estava com menos chances. Até aí, é algo aceitável. Em 2008, a
situação se inverteu, e foi o brasileiro o favorecido, já que o finlandês
estava atrás na classificação. A chegada de Fernando Alonso à escuderia, em
2010, fez o time voltar à política dos tempos de Schumacher, com o espanhol a
concentrar as atenções da escuderia, deixando Massa na sobra. E ocorrendo nos
dias atuais com Vettel merecendo as maiores atenções, em detrimento de
Raikkonen. O que é ruim para o esporte, como sempre foi.
Antes que alguém aqui
me chame de ingênuo e idealista por acreditar em ideais esportivos na F-1, e
apontar que os outros times também fazem isso, faço a ressalva de que o time
italiano leva isso muito mais a extremos do que os outros. E podem até citar os
exemplos de quando, no ano passado, a Mercedes jogou Valtteri Bottas no
sacrifício para privilegiar Lewis Hamilton em algumas corridas. Não nego, e da
mesma forma, também condeno tal atitude no time alemão. Mas o que ocorre é que
foram situações menos frequentes do que as vistas na Ferrari, que acaba
penalizando muito mais Raikkonen do que a Mercedes ter sacrificado Bottas
nestas provas. Senão vejamos: no GP da Hungria, ano passado, Bottas deixou
Hamilton passar para tentar a vitória, mas não tendo conseguido, o inglês
devolveu a posição ao finlandês. A Ferrari faria isso? Duvido muito. Até o
último instante, mesmo estando mais rápido, Raikkonen foi proibido pela
escuderia de assumir a liderança, tendo que escoltar Vettel até a bandeirada. A
sorte é que Hamilton não conseguiu fazer a ultrapassagem, afinal, era Hungaroring.
E na corrida na China, em nenhum momento a Mercedes resolveu usar Valtteri para
atrasar o ritmo da corrida para permitir que Hamilton encostasse nos ponteiros.
Pecado por pecado, a Ferrari tem muito mais atitudes condenáveis do que seus
rivais.
Não estou querendo
dizer que existem santos na F-1, mas diferentes graus de atenção aos pilotos.
Mesmo em um momento de dificuldade nesta temporada, onde não está conseguindo
impor o domínio que imaginava, a Mercedes não sacrificou as provas de Bottas
para favorecer Hamilton, apesar da preferência do time alemão pelo inglês. Mas
a Ferrari, mesmo tendo o seu melhor início de temporada em anos, e com
Raikkonen andando muito forte, não parece hesitar em fazer o finlandês de boi
de piranha, infelizmente. Da mesma forma, Max Verstappen pode ser o queridinho
na Red Bull, mas salvo alguma furada excepcional, o time não está menosprezando
Daniel Ricciardo, diminuindo suas chances de lutar nas corridas.
E Raikkonen merece
maior consideração por parte da Ferrari? Até merece, pois foi o último piloto a
ser campeão pelo time rosso. O problema é o andamento menos eficiente do
finlandês perante Vettel? Não é questionar isso. Mas condenar a escuderia por
prejudicar a corrida do finlandês quando ele poderia ser útil ao time, forçando
o ritmo dos adversários com seu trem de corrida mais veloz. Não é colocar em
dúvida a preferência da escuderia rossa por Vettel, mas as consequências disso.
E Raikkonen está sendo até muito passivo em aceitar se submeter a tudo isso. Em
provável final de carreira, ele está apenas cumprindo seu feijão com arroz, sem
maiores ambições. Ganha muito bem, e parece não se preocupar com isso, como
aliás, é seu perfil, de parecer desinteressado por muita coisa.
Mas, e quando a
Ferrari for substituir Raikkonen, o que pode ser já para o ano que vem? Fala-se
em Daniel Ricciardo, mas o australiano não aceitaria ficar submisso na pista e
nos boxes. Max Verstappen, menos ainda: ele mandaria o time às favas e
atropelaria o alemão na primeira oportunidade, e a escuderia italiana não quer
esse tipo de atitude. A solução é contratar pilotos dos times do pelotão
intermediário, que poderiam se sujeitar a isso, pois mesmo a posição de ser
segundo no time ainda ofereceria melhores condições de competição que os times
do meio do grid. Nesse ponto, a Ferrari é contraditória: quer um piloto que
ande forte, mas ao mesmo tempo, ele não pode andar mais forte que Vettel.
Conciliar essas exigências é algo complicado. A menos que a escuderia seja mais
flexível e liberal, permitindo a seus dois pilotos, mesmo com a preferência por
um deles, lhes dar total condição de disputa aberta, para exercer o jogo de
equipe apenas na parte final da competição, se um deles já não tivesse
condições de lutar pelo título. Não o que se viu nos períodos citados com Eddie
Irvinne, Rubens Barrichello, e Felipe Massa (com Alonso ao lado), onde eles já
eram preteridos praticamente desde a largada da primeira corrida.
Isso foi tolerado por
muito tempo na história da F-1, e não há campeão que não defenda essa visão,
afinal, eles sempre foram os beneficiados, e a desculpa é de jogar pelo time.
Mas o Liberty Media, atual dono da categoria, tem como visão do esporte uma
perspectiva mais de como os norte-americanos encaram isso, e se eles quiserem
tornar a categoria mais atrativa, podem em algum momento tomar medidas para
coibir tal tipo de atitude por parte das escuderias, afinal, nos Estados
Unidos, o pau come livre na pista, e se um piloto é realmente bom, ele que
prove isso, vencendo seus próprios companheiros de equipe, sem favoritismos ou
conchavos. Por essa razão, dentro da poderosa equipe Penske na Indycar, seus
integrantes podem digladiar-se entre eles mesmos, se estiverem disputando
posição na pista. Talvez a exceção seja na prova derradeira, quando apenas um
deles estiver apto a conquistar o título, contra outro concorrente de outro
time, mas se todos estão na disputa, o duelo é livre e franco.
Muitos fãs repudiam o
jogo de equipe, sendo uma das razões para a falta de interesse na F-1, alegando
que tal procedimento equivale a um jogo de cartas marcadas, e portanto,
antiesportivo, onde um dos pilotos não pode dar o seu melhor na pista, para
atender a estes interesses. E concordo com eles. No seu esforço para tentar
fazer a F-1 recuperar o seu prestígio e atratividade, o Liberty Media poderia
agir no sentido de combater tal prática, e deixar a competição entre os pilotos
a mais aberta e livre possível. Seria muito bom para o esporte, e para o
campeonato, pois quanto mais pilotos duelando por posições e vitórias, melhor.
Mas duvido que a
Ferrari aceite isso passivamente. Seria outra de suas birras para justificar
deixar a F-1, como vem ameaçando constantemente nos últimos tempos, por sentir
que perderá privilégios e poder na categoria. Mas, se isso resultar em uma F-1
melhor, mais competitiva e interessante, creio que o sacrifício terá de ser
necessário. E, para muitos, mais do que bem-vindo. Vejamos o que acontecerá a
respeito. E esperemos que Kimi Raikkonen tenha sua chance de brilhar na
temporada por seus méritos, a despeito do que a Ferrari lhe inflige.