sexta-feira, 20 de abril de 2018

BALANÇO DA CHINA

Com ultrapassagens precisas e pneus novos, Daniel Ricciardo faturou a vitória no GP da China, depois do suplício de ver seu motor Renault estourar no treino livre na manha de sábado (abaixo), e quase ficar sem participar da classificação para o grid de largada.

            Findo o Grande Prêmio da China, a percepção que temos do Mundial de Fórmula 1 deste ano é uma competição melhor que a encomenda. Se a prova chinesa foi burocrática em sua primeira metade, a segunda mostrou algumas boas reviravoltas, cortesia do oportunismo da Red Bull em aproveitar as circunstâncias, e que só não frutificou como se esperava porque Max Verstappen precisa aprender a ultrapassar sem esbarrar nos outros em momentos cruciais. A vitória de Daniel Ricciardo ajuda a dar um tempero extra ao campeonato, que tem tudo para continuar sendo interessante, pela imprevisibilidade que algumas situações que estão surgindo nas corridas, e que são muito bem-vindas.
            Uma delas é que a esperada vantagem da Mercedes até agora não apareceu. Já se imaginava, dados os indícios da pré-temporada, que o time alemão pudesse andar melhor do que se apresentava, mas até agora isso não se concretizou. Quando se imaginava que o time de Brackley fosse ter um campeonato um pouco mais previsível do que o de 2017, o que surgiu foi justamente o oposto, mas com alguns agravantes bem incômodos. Se no ano passado todos no time sabiam que o modelo W08 era temperamental com os pneus, havia um foco específico para se trabalhar, que foi sendo corrigido e atenuado, de forma que a escuderia alemã assumiria a dianteira na classificação de construtores, e o fez também na classificação de pilotos, um pouco mais tardiamente. Isso, aliado a erros e incidentes em momentos cruciais vividos pela Ferrari, acabaram sacramentando a conquista de ambos os títulos por parte do time alemão e de Lewis Hamilton no ano passado. Mesmo vencida, a Ferrari saía de cabeça erguida, pelo bom campeonato apresentado.
            Este ano, o que se imaginava era ver a Ferrari ter um pouco mais de dificuldades para se impor contra os alemães, uma vez que, durante a pré-temporada, em nenhum momento surgiram indícios de que o modelo W09 apresentava os problemas do carro do ano passado. E a tranquilidade de Hamilton era tão acintosa, que todos imaginavam que um massacre poderia ocorrer por parte dos prateados tão logo o mundial se iniciasse. E, levando-se em conta o primeiro treino de classificação, com Hamilton a impor mais de 0s5 de vantagem para o segundo colocado no grid do Albert Park, o temor era compreensível. Mas não se confirmou, e a Ferrari, aproveitando melhor as situações que apareceram durante o desenrolar da corrida, venceu a primeira corrida com Sebastian Vettel, que também repetiu o feito no Bahrein, impondo a segunda derrota consecutiva para a Mercedes neste início de campeonato, e com uma facilidade até inesperada, ainda que o resultado da prova barenita mais uma vez tenha sido decidido pelo inesperado acidente no pit stop de Kimi Raikkonen, que obrigou o time italiano a uma mudança de tática inesperada, que acabou por novamente pegar a Mercedes de guarda baixa.
            E as agruras do time alemão continuaram em Shanghai, onde em nenhum momento Valtteri Bottas e Lewis Hamilton exibiram uma performance dominante como se imaginava. O modelo W09 está se mostrando ser tão ou até mais temperamental do que o chassi W08, e para complicar a situação, o time parece não compreender direito o que está levando o carro a apresentar este comportamento, que não teria sido vislumbrado nos testes da pré-temporada. E sem entender exatamente por que o carro está se comportando assim, o trabalho para corrigir esta deficiência é muito mais complicado e árduo. E o campeonato está andando. O ponto positivo é que a performance não está exatamente ruim, mas no cômputo geral, os rivais estão muito mais próximos, e até um pouco à frente, e isso está obrigando o time prateado a ter de ficar mais atento à estratégia de corrida, como uma das ferramentas para virar o jogo na pista. E infelizmente, a Mercedes tem se complicado neste quesito em todas as corridas disputadas até agora no ano.
            Na Austrália, Hamilton não impôs vantagem suficiente para impedir que o Safety Car Virtual acabasse pegando o time de surpresa, e acabasse superado por Vettel em sua parada de box. No Bahrein, o time prateado estava pronto para dar o bote e ter boas chances de vencer a corrida, mas demorou demais para perceber a mudança da Ferrari que resolveu manter Vettel na pista, e com isso, desperdiçou outra chance de vitória. Já na China, o time alemão marcou bobeira novamente por não seguir o que a Red Bull fez com seus dois pilotos, tendo a possibilidade de fazer o mesmo com Hamilton, e proporcionar ao inglês a chance de tentar vencer a corrida, como Daniel Ricciardo acabou fazendo. Os anos de domínio do time prateado deixaram a escuderia em posição tão privilegiada, dada a diferença para todos os outros na pista, que eles podiam se dar ao luxo de optar por estratégias “conservadoras”, já que só em ocasiões excepcionais acontecia algo que os fazia perder a corrida. Bem, no ano passado, quando enfim tiveram concorrência acirrada com a Ferrari, eles até que conseguiram se sair bem, mesmo com o aperto sofrido, mas este ano, a situação ficou mais complicada, pois tivemos problemas excepcionais nas três provas até aqui, e a Mercedes se embananou momentaneamente, mostrando que precisará ficar muito mais atenta aos acontecimentos em curso durante a corrida. Mas o problema não se resume somente a isso.
A Ferrari levou a melhor sobre a Mercedes até agora, vencendo duas corridas, enquanto os alemães ainda não subiram ao degrau mais alto do pódio.
            A Ferrari mostrou que está se entendendo muito melhor com os pneus do que os prateados, e tem conseguido lidar melhor com as variáveis de estratégias na pista. Outro detalhe interessante é que a unidade de potência de Maranello parece ter conseguido equiparar-se à da Mercedes, que desde 2014 até o ano passado, sempre foi a mais potente e confiável da categoria, mesmo com a forte evolução mostrada pela Ferrari em 2017, que prosseguiu na unidade deste ano. Com um propulsor tão forte quanto o alemão equipando os carros vermelhos, a Mercedes não pode mais compensar o uso de mais asa para melhorar o equilíbrio de seu carro, como fazia até o ano passado, a fim de melhorar o desempenho em curvas, sacrificando um pouco a performance nas retas. E esse é outro ponto que parece ter atingido fundo os alemães, que não imaginavam ter um campeonato mais renhido do que o do ano passado.
            A Red Bull está um pouco atrás tanto de Mercedes quanto de Ferrari, mas a performance em corrida está bem mais próxima, e no caso de acontecer algum imprevisto, eles mostraram, como na China, que podem complicar a situação dos alemães e italianos. E a Renault prepara para breve uma atualização que, segundo a fábrica francesa, deverá eliminar boa parte do déficit de potência que a unidade de potência francesa tem para a italiana e a alemã. Mas o time dos energéticos terá de gerenciar alguns problemas para se manter na luta e evitar que os rivais disparem. Um deles é a gana excessiva de Max Verstappen nas corridas, que tem feito muito bem às corridas, adicionando um tempero todo especial, dado o arrojo do jovem holandês, que acelera tudo o que pode, e não se intimida na pista diante de ninguém, mas que também acaba jogando fora várias chances que poderiam se converter em melhores resultados se mantivesse um pouco mais de autocontrole:Max cometeu erros nas três corridas, sendo que em uma delas acabou tendo como consequência o abandono. Na Austrália, rodou na perseguição a um rival na pista, e em Shanghai, acertou Vettel quando tentou ultrapassá-lo sem calcular direito onde enfiar o carro. Ninguém está pedindo para Verstappen deixar de ser arrojado, mas não precisa ficar batendo tanto também. Por muito menos, Helmut Marko defenestrou Daniil Kvyat do time. O holandês ainda tem muito crédito, mas não é bom exagerar tanto na dose e ficar contando tanto com a boa vontade de Marko. O outro problema é a confiabilidade do equipamento: Daniel Ricciardo já perdeu um motor com apenas 3 provas, e tem apenas mais dois para completar o ano sem sofrer perda de posições no grid. O incremento prometido pela Renault pode tanto melhorar as chances quanto complica-las, se a potência adicional comprometer a durabilidade do equipamento. Ricciardo, aliás, também sofreu um apagão em seu carro no Bahrein, e não fosse isso, estaria bem mais próximo dos ponteiros, o que deixaria o campeonato bem mais embolado.
            Tanto é que, Vettel lidera a competição com 54 pontos, apenas 9 a mais que Hamilton, com 45. Bottas já tem 40, e Ricciardo vem logo a seguir com 37. Raikkonen, que até tem andado forte, vem logo a seguir, com 30 pontos. Guardadas as proporções, a disputa está bem interessante. Nos construtores, a Mercedes conseguiu assumir a liderança, com 85 pontos, mas a Ferrari tem 84, e não deve deixar os alemães desgarrarem tão fácil. Já a Red Bull, com seus problemas, tem 55, e junto com Mercedes e Ferrari, já disparou à frente de todos os demais times. Aliás, a disputa no segundo pelotão segue animada, com Fernando Alonso, mesmo sem ter a melhor performance do resto, aproveitando todas as oportunidades na pista, e já tendo marcado mais pontos que em todo o certame de 2017. Mas em performance bruta, Hass e principalmente Renault, tem demonstrado melhor performance, especialmente em classificação, o que tem obrigado os pilotos do time de Woking a ter de recuperar terreno nas corridas, o que dificulta a obtenção de melhores resultados.
O desempenho ainda está abaixo do esperado, mas Fernando Alonso já conseguiu marcar mais pontos em três corridas do que em todo o ano passado, aproveitando todas as oportunidades na pista.
            Mesmo assim, Alonso tem feito sua parte, enquanto Stoffel Vandoorne não tem tido a mesma desenvoltura do espanhol a tempo integral, tendo ficado sem pontuar na China. Na Renault, é Nico Hulkenberg quem tem dado as cartas, e está pau a pau com Alonso na classificação, deixando Carlos Sainz na saudade até agora. Na disputa de construtores, a McLaren tem 28 pontos, enquanto a Renault tem 25, e deve se consolidar como 4ª força, se os rivais não reagirem logo.
            Se a Toro Rosso surpreendeu no Bahrein, na China voltou a figurar nas últimas posições, e ainda viu Pierre Gasly, destaque da prova de Sakhir, acertar seu próprio companheiro de time e com isso acabar com a corrida dele, e perder qualquer esperança de um resultado melhor. A performance animadora exibida na corrida barenita em nenhum momento se repetiu na etapa chinesa, para azar daqueles que já comemoravam uma possível redenção da Honda na F-1. Nada como um dia depois do outro. Melhor esperar mais algumas corridas para avaliarmos melhor quanto os japoneses realmente melhoraram...
            Kevin Magnussem tem deitado e rolado sobre Romain Grosjean na Hass neste início de campeonato, mas o time levou um baque tremendo na Austrália, quando andava entre os primeiros, e a escuderia caiu de produção nas etapas seguintes, dando a entender que o time estadunidense ainda não está com aquela bola toda que se imaginava. Mas também poderia estar melhor se Grosjean estivesse mais eficiente na pista, tendo perdido o duelo para Kevin desde o início do ano até aqui. Um time não pode ter apenas um dos pilotos apresentando resultados, e a falta de performance de Romain já está se fazendo sentir na pontuação da Hass, com apenas 11 pontos, na 7ª colocação, atrás até da Toro Rosso, em 6º lugar, que marcou 12 na primorosa exibição feita no Bahrein.
            No bloco da “lanterna”, Sauber e Williams vão se virando como podem, com o time de Grove a continuar colecionando performances abaixo do esperado e sendo o único ainda sem pontos na temporada, após Marcus Ericsson ter um brilho momentâneo em Sakhir e marcado dois pontos para a escuderia suíça. Difícil imaginar os dois times conseguindo maiores resultados no ano. A dupla da Williams não é lá grande coisa, e se Lance Stroll até mostrou alguma velocidade no ano passado, ele não tem perfil de líder que a escuderia de Grove necessita neste momento. Sergey Sirotkin está apenas começando, e já viu que pegou uma tremenda bucha para sua temporada de estréia, não restando outra opção além de trabalhar duro para tentar dar um jeito na situação, com expectativas de pontuar apenas excepcionalmente, se não conseguirem dar um desenvolvimento decente ao carro. Na Sauber, Ericsson nunca foi um piloto de quilate, e Charles LeClerc ainda está aprendendo os caminhos da F-1, e pela pouca performance do carro, e pelo noviciado, não se pode esperar muito dele. Será um ano muito complicado para ambas as escuderias, pelo posto nada invejável de último colocado na classificação. E ninguém quer ganhar essa disputa...
Depois da corrida dos sonhos no Bahrein, a dura realidade na China, onde Pierre Gasly ainda acabou acertando o companheiro de equipe numa disputa de posição.
            Por isso mesmo, a Force India está se mexendo para tentar escapar dessa situação. A escuderia indiana tem a seu favor uma dupla experiente e talentosa, e que pode ajudar o time a encontrar um rumo para desenvolvimento do monoposto de 2018, mas ainda assim, muito longe do que se poderia esperar do time que foi o melhor do resto do grid nos últimos dois anos. Ao menos, eles parecem já ter identificado parte dos problemas da baixa performance, iniciando a luta para corrigi-los, o que não é o caso de Williams e Sauber, cujos projetos realmente são fracos como um todo. Mesmo assim, a missão de Sergio Pérez e Esteban Ocon não deixa de ser complicada, uma vez que a grande maioria de seus rivais já se mostraram muito mais competitivos e fortes. Recuperar terreno no meio da luta renhida do meio do grid será um serviço bem árduo e difícil, e para piorar, os recursos financeiros não são os mais fartos. Mais do que nunca, o time sediado ao lado da pista de Silverstone precisará mostrar do que é capaz na otimização de seus recursos.
            A temporada da F-1 como um todo mostra bom potencial para segurar a atenção dos torcedores, tanto no pelotão da frente, quanto no intermediário, e até na rabeira do grid. Se os acontecimentos excepcionais ou inesperados continuarem dando o ar da graça, vencerá aqueles que souberem aproveitar melhor as chances que se apresentarem, ou que errarem menos que os outros no desenrolar das corridas. E, pelo que vimos até aqui, ninguém está imune de marcar bobeira ou sofrer algum revés inesperado em virtude dos acontecimentos. E essa imprevisibilidade tem tudo para nos oferecer um campeonato muito legal e disputado. Aguardemos os próximos embates na pista...

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