Findo o Grande Prêmio
da China, a percepção que temos do Mundial de Fórmula 1 deste ano é uma
competição melhor que a encomenda. Se a prova chinesa foi burocrática em sua
primeira metade, a segunda mostrou algumas boas reviravoltas, cortesia do
oportunismo da Red Bull em aproveitar as circunstâncias, e que só não
frutificou como se esperava porque Max Verstappen precisa aprender a
ultrapassar sem esbarrar nos outros em momentos cruciais. A vitória de Daniel
Ricciardo ajuda a dar um tempero extra ao campeonato, que tem tudo para
continuar sendo interessante, pela imprevisibilidade que algumas situações que estão
surgindo nas corridas, e que são muito bem-vindas.
Uma delas é que a
esperada vantagem da Mercedes até agora não apareceu. Já se imaginava, dados os
indícios da pré-temporada, que o time alemão pudesse andar melhor do que se
apresentava, mas até agora isso não se concretizou. Quando se imaginava que o
time de Brackley fosse ter um campeonato um pouco mais previsível do que o de
2017, o que surgiu foi justamente o oposto, mas com alguns agravantes bem
incômodos. Se no ano passado todos no time sabiam que o modelo W08 era temperamental
com os pneus, havia um foco específico para se trabalhar, que foi sendo
corrigido e atenuado, de forma que a escuderia alemã assumiria a dianteira na
classificação de construtores, e o fez também na classificação de pilotos, um
pouco mais tardiamente. Isso, aliado a erros e incidentes em momentos cruciais
vividos pela Ferrari, acabaram sacramentando a conquista de ambos os títulos
por parte do time alemão e de Lewis Hamilton no ano passado. Mesmo vencida, a
Ferrari saía de cabeça erguida, pelo bom campeonato apresentado.
Este ano, o que se imaginava
era ver a Ferrari ter um pouco mais de dificuldades para se impor contra os
alemães, uma vez que, durante a pré-temporada, em nenhum momento surgiram
indícios de que o modelo W09 apresentava os problemas do carro do ano passado.
E a tranquilidade de Hamilton era tão acintosa, que todos imaginavam que um
massacre poderia ocorrer por parte dos prateados tão logo o mundial se
iniciasse. E, levando-se em conta o primeiro treino de classificação, com
Hamilton a impor mais de 0s5 de vantagem para o segundo colocado no grid do
Albert Park, o temor era compreensível. Mas não se confirmou, e a Ferrari,
aproveitando melhor as situações que apareceram durante o desenrolar da
corrida, venceu a primeira corrida com Sebastian Vettel, que também repetiu o
feito no Bahrein, impondo a segunda derrota consecutiva para a Mercedes neste
início de campeonato, e com uma facilidade até inesperada, ainda que o
resultado da prova barenita mais uma vez tenha sido decidido pelo inesperado
acidente no pit stop de Kimi Raikkonen, que obrigou o time italiano a uma mudança
de tática inesperada, que acabou por novamente pegar a Mercedes de guarda
baixa.
E as agruras do time alemão
continuaram em Shanghai, onde em nenhum momento Valtteri Bottas e Lewis
Hamilton exibiram uma performance dominante como se imaginava. O modelo W09
está se mostrando ser tão ou até mais temperamental do que o chassi W08, e para
complicar a situação, o time parece não compreender direito o que está levando
o carro a apresentar este comportamento, que não teria sido vislumbrado nos testes
da pré-temporada. E sem entender exatamente por que o carro está se comportando
assim, o trabalho para corrigir esta deficiência é muito mais complicado e
árduo. E o campeonato está andando. O ponto positivo é que a performance não
está exatamente ruim, mas no cômputo geral, os rivais estão muito mais
próximos, e até um pouco à frente, e isso está obrigando o time prateado a ter de
ficar mais atento à estratégia de corrida, como uma das ferramentas para virar
o jogo na pista. E infelizmente, a Mercedes tem se complicado neste quesito em
todas as corridas disputadas até agora no ano.
Na Austrália, Hamilton
não impôs vantagem suficiente para impedir que o Safety Car Virtual acabasse
pegando o time de surpresa, e acabasse superado por Vettel em sua parada de
box. No Bahrein, o time prateado estava pronto para dar o bote e ter boas
chances de vencer a corrida, mas demorou demais para perceber a mudança da
Ferrari que resolveu manter Vettel na pista, e com isso, desperdiçou outra chance
de vitória. Já na China, o time alemão marcou bobeira novamente por não seguir
o que a Red Bull fez com seus dois pilotos, tendo a possibilidade de fazer o
mesmo com Hamilton, e proporcionar ao inglês a chance de tentar vencer a
corrida, como Daniel Ricciardo acabou fazendo. Os anos de domínio do time
prateado deixaram a escuderia em posição tão privilegiada, dada a diferença
para todos os outros na pista, que eles podiam se dar ao luxo de optar por estratégias
“conservadoras”, já que só em ocasiões excepcionais acontecia algo que os fazia
perder a corrida. Bem, no ano passado, quando enfim tiveram concorrência
acirrada com a Ferrari, eles até que conseguiram se sair bem, mesmo com o
aperto sofrido, mas este ano, a situação ficou mais complicada, pois tivemos
problemas excepcionais nas três provas até aqui, e a Mercedes se embananou
momentaneamente, mostrando que precisará ficar muito mais atenta aos
acontecimentos em curso durante a corrida. Mas o problema não se resume somente
a isso.
A Ferrari levou a melhor sobre a Mercedes até agora, vencendo duas corridas, enquanto os alemães ainda não subiram ao degrau mais alto do pódio. |
A Ferrari mostrou que
está se entendendo muito melhor com os pneus do que os prateados, e tem conseguido
lidar melhor com as variáveis de estratégias na pista. Outro detalhe
interessante é que a unidade de potência de Maranello parece ter conseguido
equiparar-se à da Mercedes, que desde 2014 até o ano passado, sempre foi a mais
potente e confiável da categoria, mesmo com a forte evolução mostrada pela
Ferrari em 2017, que prosseguiu na unidade deste ano. Com um propulsor tão
forte quanto o alemão equipando os carros vermelhos, a Mercedes não pode mais compensar
o uso de mais asa para melhorar o equilíbrio de seu carro, como fazia até o ano
passado, a fim de melhorar o desempenho em curvas, sacrificando um pouco a
performance nas retas. E esse é outro ponto que parece ter atingido fundo os
alemães, que não imaginavam ter um campeonato mais renhido do que o do ano
passado.
A Red Bull está um
pouco atrás tanto de Mercedes quanto de Ferrari, mas a performance em corrida
está bem mais próxima, e no caso de acontecer algum imprevisto, eles mostraram,
como na China, que podem complicar a situação dos alemães e italianos. E a
Renault prepara para breve uma atualização que, segundo a fábrica francesa,
deverá eliminar boa parte do déficit de potência que a unidade de potência
francesa tem para a italiana e a alemã. Mas o time dos energéticos terá de
gerenciar alguns problemas para se manter na luta e evitar que os rivais
disparem. Um deles é a gana excessiva de Max Verstappen nas corridas, que tem
feito muito bem às corridas, adicionando um tempero todo especial, dado o
arrojo do jovem holandês, que acelera tudo o que pode, e não se intimida na
pista diante de ninguém, mas que também acaba jogando fora várias chances que
poderiam se converter em melhores resultados se mantivesse um pouco mais de
autocontrole:Max cometeu erros nas três corridas, sendo que em uma delas acabou
tendo como consequência o abandono. Na Austrália, rodou na perseguição a um
rival na pista, e em Shanghai, acertou Vettel quando tentou ultrapassá-lo sem calcular
direito onde enfiar o carro. Ninguém está pedindo para Verstappen deixar de ser
arrojado, mas não precisa ficar batendo tanto também. Por muito menos, Helmut
Marko defenestrou Daniil Kvyat do time. O holandês ainda tem muito crédito, mas
não é bom exagerar tanto na dose e ficar contando tanto com a boa vontade de
Marko. O outro problema é a confiabilidade do equipamento: Daniel Ricciardo já
perdeu um motor com apenas 3 provas, e tem apenas mais dois para completar o
ano sem sofrer perda de posições no grid. O incremento prometido pela Renault
pode tanto melhorar as chances quanto complica-las, se a potência adicional
comprometer a durabilidade do equipamento. Ricciardo, aliás, também sofreu um apagão
em seu carro no Bahrein, e não fosse isso, estaria bem mais próximo dos
ponteiros, o que deixaria o campeonato bem mais embolado.
Tanto é que, Vettel
lidera a competição com 54 pontos, apenas 9 a mais que Hamilton, com 45. Bottas
já tem 40, e Ricciardo vem logo a seguir com 37. Raikkonen, que até tem andado
forte, vem logo a seguir, com 30 pontos. Guardadas as proporções, a disputa
está bem interessante. Nos construtores, a Mercedes conseguiu assumir a
liderança, com 85 pontos, mas a Ferrari tem 84, e não deve deixar os alemães
desgarrarem tão fácil. Já a Red Bull, com seus problemas, tem 55, e junto com
Mercedes e Ferrari, já disparou à frente de todos os demais times. Aliás, a disputa
no segundo pelotão segue animada, com Fernando Alonso, mesmo sem ter a melhor
performance do resto, aproveitando todas as oportunidades na pista, e já tendo
marcado mais pontos que em todo o certame de 2017. Mas em performance bruta,
Hass e principalmente Renault, tem demonstrado melhor performance,
especialmente em classificação, o que tem obrigado os pilotos do time de Woking
a ter de recuperar terreno nas corridas, o que dificulta a obtenção de melhores
resultados.
O desempenho ainda está abaixo do esperado, mas Fernando Alonso já conseguiu marcar mais pontos em três corridas do que em todo o ano passado, aproveitando todas as oportunidades na pista. |
Mesmo assim, Alonso
tem feito sua parte, enquanto Stoffel Vandoorne não tem tido a mesma
desenvoltura do espanhol a tempo integral, tendo ficado sem pontuar na China.
Na Renault, é Nico Hulkenberg quem tem dado as cartas, e está pau a pau com
Alonso na classificação, deixando Carlos Sainz na saudade até agora. Na disputa
de construtores, a McLaren tem 28 pontos, enquanto a Renault tem 25, e deve se
consolidar como 4ª força, se os rivais não reagirem logo.
Se a Toro Rosso
surpreendeu no Bahrein, na China voltou a figurar nas últimas posições, e ainda
viu Pierre Gasly, destaque da prova de Sakhir, acertar seu próprio companheiro
de time e com isso acabar com a corrida dele, e perder qualquer esperança de um
resultado melhor. A performance animadora exibida na corrida barenita em nenhum
momento se repetiu na etapa chinesa, para azar daqueles que já comemoravam uma
possível redenção da Honda na F-1. Nada como um dia depois do outro. Melhor esperar
mais algumas corridas para avaliarmos melhor quanto os japoneses realmente
melhoraram...
Kevin Magnussem tem
deitado e rolado sobre Romain Grosjean na Hass neste início de campeonato, mas
o time levou um baque tremendo na Austrália, quando andava entre os primeiros,
e a escuderia caiu de produção nas etapas seguintes, dando a entender que o
time estadunidense ainda não está com aquela bola toda que se imaginava. Mas
também poderia estar melhor se Grosjean estivesse mais eficiente na pista,
tendo perdido o duelo para Kevin desde o início do ano até aqui. Um time não
pode ter apenas um dos pilotos apresentando resultados, e a falta de performance
de Romain já está se fazendo sentir na pontuação da Hass, com apenas 11 pontos,
na 7ª colocação, atrás até da Toro Rosso, em 6º lugar, que marcou 12 na primorosa
exibição feita no Bahrein.
No bloco da “lanterna”,
Sauber e Williams vão se virando como podem, com o time de Grove a continuar
colecionando performances abaixo do esperado e sendo o único ainda sem pontos
na temporada, após Marcus Ericsson ter um brilho momentâneo em Sakhir e marcado
dois pontos para a escuderia suíça. Difícil imaginar os dois times conseguindo
maiores resultados no ano. A dupla da Williams não é lá grande coisa, e se
Lance Stroll até mostrou alguma velocidade no ano passado, ele não tem perfil
de líder que a escuderia de Grove necessita neste momento. Sergey Sirotkin está
apenas começando, e já viu que pegou uma tremenda bucha para sua temporada de
estréia, não restando outra opção além de trabalhar duro para tentar dar um
jeito na situação, com expectativas de pontuar apenas excepcionalmente, se não
conseguirem dar um desenvolvimento decente ao carro. Na Sauber, Ericsson nunca
foi um piloto de quilate, e Charles LeClerc ainda está aprendendo os caminhos da
F-1, e pela pouca performance do carro, e pelo noviciado, não se pode esperar
muito dele. Será um ano muito complicado para ambas as escuderias, pelo posto
nada invejável de último colocado na classificação. E ninguém quer ganhar essa
disputa...
Depois da corrida dos sonhos no Bahrein, a dura realidade na China, onde Pierre Gasly ainda acabou acertando o companheiro de equipe numa disputa de posição. |
Por isso mesmo, a
Force India está se mexendo para tentar escapar dessa situação. A escuderia
indiana tem a seu favor uma dupla experiente e talentosa, e que pode ajudar o
time a encontrar um rumo para desenvolvimento do monoposto de 2018, mas ainda
assim, muito longe do que se poderia esperar do time que foi o melhor do resto do
grid nos últimos dois anos. Ao menos, eles parecem já ter identificado parte
dos problemas da baixa performance, iniciando a luta para corrigi-los, o que
não é o caso de Williams e Sauber, cujos projetos realmente são fracos como um
todo. Mesmo assim, a missão de Sergio Pérez e Esteban Ocon não deixa de ser
complicada, uma vez que a grande maioria de seus rivais já se mostraram muito
mais competitivos e fortes. Recuperar terreno no meio da luta renhida do meio
do grid será um serviço bem árduo e difícil, e para piorar, os recursos
financeiros não são os mais fartos. Mais do que nunca, o time sediado ao lado
da pista de Silverstone precisará mostrar do que é capaz na otimização de seus
recursos.
A temporada da F-1 como
um todo mostra bom potencial para segurar a atenção dos torcedores, tanto no
pelotão da frente, quanto no intermediário, e até na rabeira do grid. Se os
acontecimentos excepcionais ou inesperados continuarem dando o ar da graça, vencerá
aqueles que souberem aproveitar melhor as chances que se apresentarem, ou que
errarem menos que os outros no desenrolar das corridas. E, pelo que vimos até
aqui, ninguém está imune de marcar bobeira ou sofrer algum revés inesperado em
virtude dos acontecimentos. E essa imprevisibilidade tem tudo para nos oferecer
um campeonato muito legal e disputado. Aguardemos os próximos embates na
pista...
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