A Formula-E vem crescendo desde sua criação, mas ainda sofre muitas críticas de fãs de corridas, e ainda tem muitos desafios a vencer para se tornar mais relevante no mundo do automobilismo mundial. |
A Formula-E retoma a
disputa de seu novo campeonato neste final de semana, com a etapa de Marrakesh,
no Marrocos, com boas expectativas, depois dos resultados obtidos na rodada
dupla de Hong Kong, no mês passado, que surpreendeu pelas disputas e
vencedores, com certa folga até, para os tradicionais favoritos de plantão. Por
mais que alguns duvidem, o campeonato de carros monopostos elétricos iniciou
firme seu quarto campeonato, e a perspectiva é de crescimento para a quinta
temporada, quando teremos a presença oficial de mais fábricas na disputa. O
futuro é elétrico, todos andam dizendo recentemente. E Alejandro Agag, o
diretor principal da categoria, chega a afirmar que a F-E será, se não a única,
a maior categoria de competições no futuro.
Mas, vamos devagar com
todo esse entusiasmo... Eu defendo a proposta da F-E, e é preciso encarar uma
realidade, a era dos veículos movidos a combustíveis fósseis tem prazo de
validade. E ele não está muito distante assim. E é uma necessidade, ainda que
haja muitos desafios a serem vencidos para que esta nova era de motores movidos
a eletricidade seja de fato uma energia “limpa” e ecológica, como se pretende
no figurino exibido nas propagandas.
A era dos carros e veículos
movidos a derivados de petróleo propiciou um desenvolvimento sem precedentes na
história da humanidade, isso é verdade, mas também desencadeou um processo de
envenenamento do meio ambiente igualmente sem par na história do mundo. Por
mais que alguns imbecis afirmem que isso é uma mentira, não se pode negar
certos fatos. É preciso parar de poluir o mundo, antes que as consequências
possam se tornar catastróficas. A adoção de motores elétricos nos veículos de
transporte, contudo, é apenas um dos meios para se deter esse envenenamento de
nosso planeta. Muita coisa precisará ser adotada, em conjunto, para que o
futuro seja, de fato, “limpo”.
Os fabricantes querem
produzir motores melhores e mais econômicos, e o desafio para isso está na
competição, na qual a F-E tem sua meta principal. Mas as fábricas não estão
nessa por bondade: elas querem capitalizar sua imagem como “ecológicas” e
“limpas”, em que pese também terem tido sua parcela na poluição provocada pelos
tradicionais motores a combustão usados há mais de um século por toda a
humanidade. A adoção, por parte de países europeus, de legislações visando
restringir, e até extinguir veículos movidos a motores a combustão é apenas
outro dos motivos para se desenvolver o mais rápido possível carros movidos
unicamente a eletricidade. Quem dominar melhor essa nova tecnologia levará
vantagem na conquista do mercado e seus desdobramentos. Mas não será uma
transição rápida: os atuais veículos que todos conhecemos demorarão muito para
serem “extintos”. Isso fatalmente ocorrerá, mais cedo ou mais tarde.
E, com isso
acontecendo, obviamente as competições automobilísticas passarão a utilizar
motores puramente elétricos também. Mas, afirmar que a F-E será a única é
exagero, e ser a maior, bem... Pode até ser, mas trata-se de uma possibilidade,
até por ser a pioneira no gênero. Mas ainda há inúmeros problemas a serem
vencidos, e uma legião de críticos que não dá o braço a torcer, mesmo quando
abordamos aspectos positivos do novo certame.
Os fãs de corridas que
criticam a F-E falam que ela precisa correr em “pistas de verdade”, e não
nestes circuitos travados onde vem se apresentando. Em termos. Circuitos de rua
podem ser boas pistas de disputa de competições, mas exige-se critérios. A F-E
adotou este tipo de pista para ser seu diferencial, pelo menos neste início de
suas atividades, onde a sensação de velocidade que seus bólidos transmitem é
maior proporcionalmente do que em um circuito de autódromo permanente. Muitas
curvas? Sim, devido às necessidades do sistema de recuperação de energia usar
as freadas para recarregar a carga do carro. Isso infelizmente faz realmente
com que as pistas sejam muito travadas, o que joga contra as disputas, por
dificultar a existência de pontos de ultrapassagens ideais. São pistas apertadas
e estreitas? Infelizmente, sim, na maioria dos casos. É algo complicado de se
achar a combinação certa de ruas que sejam aptas a se tornarem parte de um
circuito urbano, e concordo que, em diversos locais, poderia ter sido feito
traçados melhores que propiciassem condições de disputa mais adequadas.
Pistas demasiado estreitas e travadas prejudicam a competição nas corridas. Melhores critérios na escolha dos locais de disputa podem ajudar nessa questão. |
Uma meta da F-E é
ficar próxima do público, deixar que ele se aproxime, e não tratar de se isolar
em um mundo hermético, como a F-1 se tornou, isolando-se de tudo e de todos.
Por isso mesmo, pistas de rua são locais onde, pela facilidade de acesso, o
público pode estar muito mais perto da pista do que em um autódromo, e se
sentir mais íntimo da disputa, como na votação do fanboost, onde os torcedores
podem dar uma “força” a seu piloto favorito, caso ele vença a disputa dos
votos. Mas, pistas de rua também tem um problema, que é o inconveniente causado
à parte da população local das cidades onde as corridas são realizadas. Por
mais legais que possam ser, é preciso reconhecer que nem todo mundo gosta de
corridas, e embora ninguém possa dizer que os carros façam barulho, a montagem
da estrutura da pista, que fecha também várias ruas, causa transtornos que
podem ser menores ou maiores aos vizinhos onde tudo é realizado. Essa discussão
já é antiga, e não se resume apenas à F-E: a própria Indy Racing League já
tentou implantar algumas corridas urbanas em seu calendário que não prosperaram
devido à resistência dos moradores de certas cidades em receber as corridas da
categoria. A F-1, quando correu em Phoenix, no Arizona, Estados Unidos, entre
1989 e 1991, foi alvo de várias críticas por parte dos moradores locais onde o
circuito urbano foi montado, por terem ficado “ilhados” pela estrutura criada
para a disputa do GP dos Estados Unidos naquelas temporadas.
Recentemente, a cidade
de Montreal recusou-se a receber novamente a categoria este ano. Embora a causa
principal tenha sido financeira, e o processo cheio de furos e falta de
transparência legal movido pelo prefeito anterior para receber a competição, a
atual prefeita também se valeu do fato de os moradores que vivem no local onde
a pista foi criada serem em sua maioria contra a corrida. Assim, a atual
prefeita da cidade canadense aproveitou para se promover não apenas tirando a
limpo um procedimento de curso duvidoso que aprovou a corrida, como zelar pela
economia dos cofres públicos, a meta principal, já que a prova não se pagou (e
deveria se valer de patrocinadores privados para isso, e não dinheiro público),
e ainda dar uma colher de chá atendendo às reclamações dos moradores, que à
época de se criar a prova, também não foram ouvidos como se deveria. Isso é um
sinal de que é preciso mais cuidado para se montar estas corridas, levando em
conta todos os fatores existentes. Isso quando problemas exclusivamente políticos
e administrativos não melam a situação, como foi o caso da etapa brasileira...
Por tudo isso, é
preciso ir devagar quando Agag também mencionava que existiam cidades fazendo
fila para receber a categoria, e vimos a negativa de Montreal, a perda de São Paulo,
e a F-E já deixou de correr em alguns lugares, como Londres, Moscou, e Long
Beach, para não citar outras praças que iriam receber os bólidos elétricos e
tudo ficou apenas na promessa, como Bruxelas... Então, o interesse do mundo
pela F-E existe, mas também não é essa bola toda. É preciso separar entusiasmo
da realidade. A categoria já é uma realidade, mas ainda tem muito a caminhar,
até atingir o status de um certame TOP mundial, como é a Fórmula 1, ou a
MotoGP. Ela caminha para isso, dando um passo de cada vez, para não tropeçar no
meio do caminho, que já tem seus percalços a serem vencidos.
Os carros são lentos?
Comparados a outros certames, podem até ser, mas é preciso lembrar que eles
carregam muito peso, devido às baterias, e que os mesmos vem se tornando pouco
a pouco mais rápidos. Há também a questão de as baterias não aguentarem uma
prova inteira, e por isso, obrigando os pilotos a efetuarem a troca de carros
durante a corrida. Na próxima temporada, com a adoção de novas baterias,
fornecidas pela McLaren, esta necessidade deverá desaparecer, com os novos
sistemas suportando uma corrida inteira. Penso que deveriam fazer o oposto:
manter a troca de carros, e liberar as disputas em pistas maiores, mesmo que
dentro das cidades, agregando trechos melhores, e dando mais velocidade às
provas, que poderiam se tornar inviáveis se a velocidade aumentasse demais nos
tamanhos atuais dos traçados utilizados no momento. Se os carros não aumentaram
tanto a velocidade como muitos gostariam, isso se deveu também às diretrizes de
custos da categoria, de manter os gastos sob controle, e não promover um
desenvolvimento mais vertiginoso que colocasse em risco as condições
financeiras das equipes, que poderia desequilibrar a competição. Com o tempo, e
um maior desenvolvimento dos trens de força e da autonomia das baterias e dos
sistemas de recuperação de energia e seu desempenho, os carros se tornarão
muito mais rápidos e com uma autonomia maior.
Muitos podem criticar
que os pilotos também não andam tão rápido como poderiam, mas desde que existem
as corridas, o desafio é ser o mais rápido dentro das possibilidades. Não se
trata de ser um competidor “burocrático”: quanto melhor o trabalho realizado no
carro, tornando-o melhor, mais rápido o piloto pode correr na prova, e
manter-se na disputa. O fato de ninguém querer sofrer uma quebra, por vezes
torna a disputa mesmo meio maçante, e até sem graça, infelizmente. Antigamente,
muitos pilotos abandonavam por quebra ou panes secas, sendo estas últimas
extremamente raras nos últimos tempos em muitas categorias. E as penalidades de
exigência que alguns equipamentos durem muito também tornaram os carros muito
resistentes, diminuindo o número de abandonos nas provas. Mas este desafio
sempre existiu: o que mudou foi que alguns bólidos ficaram muito mais fiáveis,
passando a quebrar menos. Mas a grande maioria dos pilotos sempre tenta andar o
mais forte e rápido possível. Mas os tempos atuais não permitem dizer que tudo
ainda é igual: o fato de a competição hoje ser mais negócio do que esporte
impôs as condições de que os pilotos tenham de valorizar mais chegar ao final
das corridas, mesmo um pouco mais devagar, do que andar a fundo, e quebrar os
carros, não obtendo os resultados exigidos pelos times. Neste quesito, a F-E é
mais lenta por suas atuais limitações técnicas do que pela atitude dos pilotos
propriamente, que em diversos momentos já partiram para o tudo ou nada,
propiciando alguns duelos e momentos muito divertidos e empolgantes em algumas
corridas.
A categoria tem
corridas chatas? Então aponte uma que não tenha provas monótonas. Até mesmo a
Nascar, que muitos gostam de vangloriar, teve que mudar o regulamento da
pontuação para evitar que muitos pilotos corressem de forma burocrática na
maior parte de algumas corridas, partindo para a luta apenas nas partes finais
de várias provas. Já vi alguns bons duelos na F-E, como também já vi na F-1, ou
na Indy, ou na MotoGP, etc. Mas não nego que algumas corridas na F-E também já
foram frustrantes... E algumas pistas truncadas demais tiveram sua culpa neste
quesito... Como a F-1 também tem suas pistas maçantes e travadas...
Os críticos também
batem na tecla de que a categoria não é “limpa”, e que é até mais poluída e
perigosa que as”tradicionais”, e que por isso, nunca abrirão mão dos motores
convencionais. Esse é um ponto delicado, e é preciso ser dito: o atual estágio
das tecnologias das baterias precisa mesmo ser desenvolvido. Sua vida útil não
é grande no momento, e ainda há um problema de como descartá-las, e promover a
sua reciclagem de forma adequada e correta. Caso contrário, os componentes
usados na sua fabricação serão um pesadelo maior do que todos podem imaginar, e
cuja descontaminação será igualmente mais complicada.
Outro ponto igualmente
complicado, e que também adoram marretar em cima da F-E, para mostrar que ela
não é “ecológica”: como se produzir a energia que abastecerá seus carros
elétricos? Sim, a eletricidade pode ser algo limpo, mas produzi-la, até o
presente momento, não é. Mas o desenvolvimento da geração de energia por fontes
renováveis se expande a todo vapor pelo mundo, e é preciso que assim seja. A
fome de energia no mundo só cresce, e o uso de combustíveis convencionais para
gerar esta energia apenas transfere a poluição de um estágio para o outro: ao
invés de poluirmos no consumo, o fazemos na geração. E a poluição criada por
isso já atingiu níveis alarmantes em determinados locais na China e na Índia,
onde chegaram a decretar situação de emergência.
O desenvolvimento e a
ampliação de geração elétrica fotovoltaica e pelos ventos são as melhores
apostas para o futuro, mas não poderão ser as únicas. Diversas modalidades de
geração energética precisarão se coordenar e entrar em sincronia para oferecer
a energia em quantidade que permita ao mundo ser mais limpo em todos os
aspectos desta cadeia de produção e consumo. E, mesmo que sua produção melhore
e aumente, os motores elétricos também precisarão ser cada vez mais
desenvolvidos, para serem muito mais eficientes, gastando menos e produzindo
mais por cada Kw consumido. E a competição da F-E é um dos locais onde este
desenvolvimento pode ser trabalhado e alcançado, mas não o único.
A F-E deve ser vista
como a ponta de um imenso iceberg de mudanças pelas quais o mundo passará
paulatinamente nos próximos tempos, como resultado de um conjunto de esforços
globais e individuais que poderão permitir um desenvolvimento e crescimento que
permita que possamos melhorar o mundo sem parar de destruí-lo cada vez mais, e
quem sabe, até nos permita recuperar um pouco de tudo o que já fizemos de mal
neste nosso planeta, ao longo de todo o processo de desenvolvimento e
crescimento sem freios exibido pela civilização nos últimos séculos...
Pode ser um sonho
muito otimista... Mas sonhos sempre são assim, otimistas e cheios de esperança...
Do contrário, não seriam sonhos, mas pesadelos... E eu ainda prefiro acreditar
nos sonhos de um futuro melhor...
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