O terceiro campeonato
da Formula-E encerrou com mais um piloto brasileiro erguendo a taça de campeão.
Lucas Di Grassi, da equipe Audi ABT, chegou como azarão em Montreal, cidade que
sediou a rodada dupla final da competição, frente ao favoritismo de Sébastien
Buemi, o atual campeão, e que lutava pelo bicampeonato, competindo pela e.dams,
o melhor time da competição, que não por acaso faturou o campeonato de equipes
nestas três temporadas de existência da categoria de competição de carros
monopostos totalmente elétricos. Pelo que havíamos visto na temporada, em
condições normais, Buemi tinha tudo para realmente sair do Québec novamente
campeão. Havia vencido 6 corridas na temporada, praticamente metade do campeonato,
enquanto Lucas parecia apenas lutar contra o inevitável, mantendo uma
impressionante constância e deixando de pontuar em apenas uma prova.
Jogava contra o piloto
brasileiro a expectativa de não ter aproveitado a grande chance da temporada, a
rodada dupla de Nova Iorque, onde todos sabiam que não teria a participação de
Buemi, por ter de cumprir com seu contrato como piloto da equipe Toyota na
classe LMP1 no Mundial de Endurance, que tinha as 6 Horas de Nurburgring
marcadas para o mesmo final de semana. O brasileiro precisava descontar uma
vantagem de 32 pontos do piloto suíço, mas conseguiu reduzir apenas para 10
pontos. Muitos diziam que havia sido perdida a chance de assumir a liderança da
competição, e que em Montreal, Buemi trataria de fechar a fatura e correr para
a comemoração.
Como que para
apimentar o clima de decisão, eis que Buemi iniciou uma guerra verbal e psicológica
contra o brasileiro, lembrando da batida na prova final da temporada anterior,
onde Lucas acabou sendo visto como o maior responsável pelo acidente, e até
insinuando se o rival poderia apelar novamente para tal tipo de manobra nesta
nova decisão. Nem é preciso dizer que as coisas realmente esquentaram: o suíço
declarou que Lucas tinha algum problema de autoconfiança, já que falava várias
vezes que andava mais que o carro permitia, quando todos sabiam que ele, Buemi,
tinha o melhor equipamento. O brasileiro revidou, afirmando que o suíço era um
piloto que não reagia bem sob pressão, por isso, as acusações e insinuações contra
ele, neste momento crucial. Verdade seja dita: Buemi começou a discussão, muito
possivelmente tentando desestabilizar o brasileiro, mas o tiro acabou saindo
pela culatra: foi Buemi quem, no final, errou, e sucumbiu à pressão da decisão
do título, perdendo a parada.
Lucas apareceu muito
forte no primeiro treino livre, e isso aparentemente mexeu com os nervos de
Buemi, que tentando responder à performance do brasileiro, acabou acertando o
muro. A batida que ele deu no segundo treino livre, danificando seriamente seu
carro, complicou a situação, colocando tudo a perder já no sábado. A e.dams até
conseguiu reparar o carro do suíço, mas por ter de trocar as baterias
danificadas, ele perderia 10 posições no grid, e largaria em 12º lugar. E
Lucas, ao marcar a pole-position com perfeição, colocava mais pressão sobre Buemi.
Na primeira corrida, o brasileiro largou na frente, e lá ficou, apesar de um
safety car, e uma pressão implacável de Jean-Éric Vergne nas voltas finais,
conquistando uma vitória categórica e muito importante na luta pelo título.
Sébastien mostrou sua categoria, e terminou na 4ª posição, por pouco não
conquistando um lugar no pódio. Di Grassi agora era o líder, mas tudo ficava
ainda mais imprevisível para a corrida final, no domingo.
Mas, como desgraça
pouca é bobagem, a batida causada por Buemi causou mais problemas do que o
suíço imaginava: se é verdade que seu time conseguiu reparar o carro
completamente, tanto que o monoposto apresentou uma performance excelente
depois na prova, por outro lado, acabaram cometendo um erro crasso. Eles
erraram no peso quando remontaram o carro, e o bólido ficou 4 Kg abaixo do peso
mínimo regulamentar. O resultado foi a desclassificação do suíço da primeira
corrida, e a desvantagem para Lucas subir para 18 pontos. Só isso já provocava
uma reviravolta completa no panorama, e o brasileiro, de azarão, agora se
tornava o favorito para levar o título da competição. Mas, apesar dessa
inversão de posições, Di Grassi se recusava a comemorar antecipadamente,
afinal, ainda havia uma corrida a ser disputada no domingo, e tudo poderia
acontecer inclusive Buemi virar o jogo. A própria etapa de sábado havia sido um
exemplo de que não havia garantias. Para nenhum dos postulantes ao título.
Sébastien, aliás,
protagonizou cenas ridículas discutindo com os outros pilotos. Durante a
corrida, ele já havia praguejado contra Daniel Abt dentro dos boxes, ficando
preso atrás do piloto da Audi ABT durante a troca de carros. Conseguiu sair na
frente, mas logo na saída do box, deu uma brecada estranha, e levou um toque
por trás de Daniel, que felizmente não resultou em nada. Mas, antes disso, nas
primeiras voltas, Buemi andou dando umas encostadas em outros pilotos, na ânsia
de recuperar posições na corrida, por pouco não resultando em um acidente, de
modo que após a prova, ele bateu boca com diversos outros pilotos, sendo que
tinha gente até que nem tinha nada a ver com aquilo. Buemi acusara o golpe da
pressão da decisão do título, como Di Grassi havia sugerido no bate-boca
travado durante a semana com as declarações do suíço. Perder a calma sugeria
que o bicampeonato estaria cada vez mais distante de ser alcançado. Se o piloto
da e.dams quisesse reverter as expectativas, ele teria de colocar a cabeça no
lugar, e pilotar com o talento e maestria que já havia demonstrado várias vezes
na temporada. Nada teoricamente muito difícil. Mas entre a teoria e a
realidade, tem muito chão.
E o domingo mostrou
que Buemi teria mais dificuldades para virar a situação do que esperava. Na
classificação, ele foi apenas o 14º, enquanto Lucas era o 5º no grid. Bastava o
brasileiro se manter à frente do suíço e correr para o abraço de campeão. E,
mais uma vez, quem acabou com problemas foi Buemi. Novamente tentando recuperar
posições apressadamente, ele levou um toque logo no início da corrida, ficando
com uma peça de proteção da traseira de seu carro balançando perigosamente pela
pista. Acabou tomando uma advertência e sendo chamado aos boxes para a retirada
da peça, que já tinha caído em um ponto da pista, e na prática, era um chamado
inútil. Mas o estrago estava feito: Sébastien caiu para a última posição, e
veio tendo de recuperar todas as posições, findando a prova final em 11º lugar,
e sem marcar pontos. Di Grassi, por outro lado, correu de forma segura, e abriu
mão de tentar a vitória, preferindo completar a prova de forma segura e sem
muitos sustos. Ele acabou auxiliado por seu companheiro de equipe Daniel Abt,
que agiu como escudeiro durante toda a prova, defendendo-o de outros pilotos
que ameaçavam sua posição em determinados momentos da corrida. Mesmo correndo
de forma segura, Lucas chegou à 6ª posição com algumas ultrapassagens, mas na
reta de chegada, cedeu a posição a Daniel, finalizando em 7º lugar, posição
mais do que suficiente para comemorar a conquista do título da temporada. Lucas
terminou o ano com 181 pontos, 2 vitórias, e 3 pole-positions, contra Sébastien
Buemi, que terminou como vice-campeão com 157 pontos, 6 vitórias, duas
pole-positions, e 1 volta mais rápida. Talvez nem em suas melhores previsões o
brasileiro esperasse levar o título com tamanha vantagem na classificação do
campeonato.
Lucas partiu para o ataque na primeira corrida: marcou a pole e liderou praticamente de ponta a ponta, vencendo sua segunda corrida na temporada. |
Foi justo Buemi, o
piloto mais vencedor da temporada, perder o título para Di Grassi, que venceu
apenas duas vezes? Se olharmos apenas pelas vitórias, até podemos dizer que
não. Mas um campeonato não se faz apenas de vitórias, mas de um conjunto de
resultados em todas as corridas. Lucas fez da constância a sua grande arma para
derrotar a performance superior do adversário, e lutou sempre pelos melhores
resultados possíveis. Deixou de pontuar apenas uma vez, só não subiu ao pódio
em 4 das 12 corridas. Muitos podem alegar que Buemi teve um revés adicional,
que foi sua ausência forçada em duas provas, por ter de competir no WEC, e com
isso perdeu duas oportunidades de pontuar, dando vantagem ao brasileiro. Em
termos. O suíço já sabia há tempos que teria esse problema, quando da
divulgação dos calendários das competições. Portanto, ele tinha plena
consciência de que deveria garantir uma vantagem suficiente para que isso não
fosse crucial, e não podemos dizer que ele fez corpo mole. Buemi tinha 32
pontos de vantagem, que Lucas não conseguiu eliminar naquelas duas provas,
apenas a diminuiu. E, se alguém também tem culpa a levantar no cartório, é a
própria e.dams, que ocasionou a desclassificação do suíço numa das provas de
Berlim, por pressão errada nos pneus de seu carro, e o fez perder 10 pontos. Só
que, mais uma vez, é preciso ser realista: estes 10 pontos perdidos não teriam
impedido o título de Lucas, que terminou 24 pontos à frente do suíço. E Buemi
também ficou sem pontuar na etapa da Cidade do México, onde só garantiu 1 ponto
por fazer a volta mais rápida. Até então, tinha sido o único ponto negativo do
então campeão da F-E na temporada.
Para quem afirma que
por culpa do time Buemi perdeu o título por ter sido desclassificado da
primeira corrida de Montreal, mesmo que isso não tivesse ocorrido, ele marcaria
mais 12 pontos. Se imaginarmos que ele não tivesse perdido os 10 pontos de
Berlim, ainda assim, teríamos 22 pontos, e Lucas teria faturado o título por 2
pontos. Em outras palavras, as duas desclassificações sofridas por Buemi
prejudicaram, mas não foram determinantes na perda do título. Situação
diferente da vivida por Lucas nas duas temporadas anteriores, onde ele sofreu
duas desclassificações por motivos completamente alheios a seu controle, que o
fizeram perder uma vitória em cada temporada, e pontos decisivos que teriam
feito dele, hoje, tricampeão da categoria de carros elétricos. Se Buemi acabou
desclassificado da primeira prova de Montreal por seu carro ter ficado abaixo
do peso, é preciso lembrar que o carro precisou ser reparado por culpa da
batida que ele deu no treino livre. Ou seja, o piloto teve parcela de culpa na
situação. Logo, o campeonato de Di Grassi torna-se mais do que merecido.
Sébastien errou quando não podia errar, e tinha plena consciência disso.
Com isso, a F-E agora
tem nada menos do que dois brasileiros campeões em sua curta história. Nelsinho
Piquet foi o primeiro a levantar o título, dois anos atrás, e agora Lucas Di
Grassi iguala o feito de seu compatriota. E a própria F-E termina o ano em
franco crescimento, com mais corridas em sua terceira temporada, mais
montadoras chegando em breve, e novas pistas integrando o calendário da competição.
Aliás, o traçado montado nas ruas de Montreal para a corrida foi um dos
melhores que a F-E já teve até aqui, com boa extensão (uma prática que deveria
ser mais bem analisada para as outras pistas que sediam corridas da categoria),
e contando com bons trechos de reta e uma largura bem mais aceitável de pista
em muitos trechos do que a vista na etapa anterior, em Nova Iorque, naquele
circuito travado e estreito do Brooklyn, onde ultrapassar era extremamente
difícil. Uma volta pelo traçado da pista montada nas ruas da metrópole
canadense já bastava para fazer com que ninguém tivesse saudades do Battersea
Park, palco das decisões nas duas temporadas anteriores, com um circuito muito
estreito e tortuoso. Montreal decididamente entrou com o pé direito na competição,
com o traçado da sua pista sendo muito elogiado por todos os participantes, e
com um público excelente nas duas corridas. Que permaneça por muitos anos na
competição.
A e.dams foi realmente
o melhor time do ano, e seu equipamento, o mais competitivo do grid, haja vista
que a Techeetah, que também usava o trem de força concebido pela Renault,
sempre se mostrou muito competitiva durante toda a temporada, só não
conseguindo disputar o título por diversos percalços sofridos nas corridas,
onde algumas coisas sempre aconteciam para deixar os esforços do time pelo
caminho. E a vitória só veio mesmo nesta última corrida, com Jean-Éric Vergne
tendo batido na trave antes em pelo menos 4 provas. Ainda assim, o francês
finalizou o ano em 5º lugar, com 117 pontos, bem próximo de Felix Rosenqvist,
que foi o 3º colocado, com 127 pontos, apenas 10 a mais. E entre eles, ainda se
classificou Sam Bird, com 122 pontos.
A Audi ABT teve um
desempenho um pouco inconstante em algumas corridas, ora permitindo a Di Grassi
lutar pelas vitórias, ora sendo difícil chegar ao pódio. Mas o brasileiro
conseguiu extrair o melhor do seu equipamento em todas as oportunidades, sendo
que em algumas provas outros times, como a Virgin e a Mahindra, conseguiram
evoluir bastante e apresentar performances muito melhores. Isso fornece boas
perspectivas de crescimento destas escuderias para a próxima temporada da
competição, na esperança de disputarem o título junto à e.dams e à Audi ABT,
agora elevada ao patamar de time oficial de fábrica da Audi, mesmo status da
e.dams em relação à Renault.
A e.dams levou o
título do campeonato de equipes pela terceira vez consecutiva, com 268
pontos,20 de vantagem para a Audi ABT, vice-campeã, com 248 pontos. Em 3º
lugar, com 215 pontos, a Mahindra surpreendeu na segunda metade da competição,
especialmente a partir da prova de Berlim, com méritos. A Virgin chegou a
assustar um pouco, mas ficou mesmo em 4º lugar, com 190 pontos. E a Techeetah,
com seu grande potencial de equipamento, foi a 5ª colocada, com 156 pontos. Os
demais times fizeram figuração, com a Jaguar vendo que terá muito o que
trabalhar para evoluir na competição, tendo ficado em último lugar, com apenas
27 pontos, mostrando que nem só poderio financeiro garante performance na
pista.
Por tudo o que Lucas
trabalhou, dentro e fora da pista, antes até mesmo da primeira corrida da F-E
virar realidade, ele tem mais é que comemorar a sua conquista. E isso é assunto
para outra coluna, que trarei em breve. Pelo momento, meus parabéns a Di Grassi
pelo título, pelo qual ele mais do que fez juz. Congratulações, Lucas!
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