sexta-feira, 4 de agosto de 2017

LUCAS CAMPEÃO NA F-E



Lucas Di Grassi chegou ao Canadá como azarão, mas faturou o título da terceira temporada da Formula-E, numa temporada onde fez da regularidade e constância suas grandes armas para vencer o rival Sébastien Buemi.

            O terceiro campeonato da Formula-E encerrou com mais um piloto brasileiro erguendo a taça de campeão. Lucas Di Grassi, da equipe Audi ABT, chegou como azarão em Montreal, cidade que sediou a rodada dupla final da competição, frente ao favoritismo de Sébastien Buemi, o atual campeão, e que lutava pelo bicampeonato, competindo pela e.dams, o melhor time da competição, que não por acaso faturou o campeonato de equipes nestas três temporadas de existência da categoria de competição de carros monopostos totalmente elétricos. Pelo que havíamos visto na temporada, em condições normais, Buemi tinha tudo para realmente sair do Québec novamente campeão. Havia vencido 6 corridas na temporada, praticamente metade do campeonato, enquanto Lucas parecia apenas lutar contra o inevitável, mantendo uma impressionante constância e deixando de pontuar em apenas uma prova.
            Jogava contra o piloto brasileiro a expectativa de não ter aproveitado a grande chance da temporada, a rodada dupla de Nova Iorque, onde todos sabiam que não teria a participação de Buemi, por ter de cumprir com seu contrato como piloto da equipe Toyota na classe LMP1 no Mundial de Endurance, que tinha as 6 Horas de Nurburgring marcadas para o mesmo final de semana. O brasileiro precisava descontar uma vantagem de 32 pontos do piloto suíço, mas conseguiu reduzir apenas para 10 pontos. Muitos diziam que havia sido perdida a chance de assumir a liderança da competição, e que em Montreal, Buemi trataria de fechar a fatura e correr para a comemoração.
            Como que para apimentar o clima de decisão, eis que Buemi iniciou uma guerra verbal e psicológica contra o brasileiro, lembrando da batida na prova final da temporada anterior, onde Lucas acabou sendo visto como o maior responsável pelo acidente, e até insinuando se o rival poderia apelar novamente para tal tipo de manobra nesta nova decisão. Nem é preciso dizer que as coisas realmente esquentaram: o suíço declarou que Lucas tinha algum problema de autoconfiança, já que falava várias vezes que andava mais que o carro permitia, quando todos sabiam que ele, Buemi, tinha o melhor equipamento. O brasileiro revidou, afirmando que o suíço era um piloto que não reagia bem sob pressão, por isso, as acusações e insinuações contra ele, neste momento crucial. Verdade seja dita: Buemi começou a discussão, muito possivelmente tentando desestabilizar o brasileiro, mas o tiro acabou saindo pela culatra: foi Buemi quem, no final, errou, e sucumbiu à pressão da decisão do título, perdendo a parada.
            Lucas apareceu muito forte no primeiro treino livre, e isso aparentemente mexeu com os nervos de Buemi, que tentando responder à performance do brasileiro, acabou acertando o muro. A batida que ele deu no segundo treino livre, danificando seriamente seu carro, complicou a situação, colocando tudo a perder já no sábado. A e.dams até conseguiu reparar o carro do suíço, mas por ter de trocar as baterias danificadas, ele perderia 10 posições no grid, e largaria em 12º lugar. E Lucas, ao marcar a pole-position com perfeição, colocava mais pressão sobre Buemi. Na primeira corrida, o brasileiro largou na frente, e lá ficou, apesar de um safety car, e uma pressão implacável de Jean-Éric Vergne nas voltas finais, conquistando uma vitória categórica e muito importante na luta pelo título. Sébastien mostrou sua categoria, e terminou na 4ª posição, por pouco não conquistando um lugar no pódio. Di Grassi agora era o líder, mas tudo ficava ainda mais imprevisível para a corrida final, no domingo.
No momento decisivo da temporada, Buemi errou feio, e bateu forte com seu carro no treino livre. A equipe e.dams conseguiu consertar o carro, mas ele ficou abaixo do peso, ocasionando a desclassificação do suíço na primeira corrida.
            Mas, como desgraça pouca é bobagem, a batida causada por Buemi causou mais problemas do que o suíço imaginava: se é verdade que seu time conseguiu reparar o carro completamente, tanto que o monoposto apresentou uma performance excelente depois na prova, por outro lado, acabaram cometendo um erro crasso. Eles erraram no peso quando remontaram o carro, e o bólido ficou 4 Kg abaixo do peso mínimo regulamentar. O resultado foi a desclassificação do suíço da primeira corrida, e a desvantagem para Lucas subir para 18 pontos. Só isso já provocava uma reviravolta completa no panorama, e o brasileiro, de azarão, agora se tornava o favorito para levar o título da competição. Mas, apesar dessa inversão de posições, Di Grassi se recusava a comemorar antecipadamente, afinal, ainda havia uma corrida a ser disputada no domingo, e tudo poderia acontecer inclusive Buemi virar o jogo. A própria etapa de sábado havia sido um exemplo de que não havia garantias. Para nenhum dos postulantes ao título.
            Sébastien, aliás, protagonizou cenas ridículas discutindo com os outros pilotos. Durante a corrida, ele já havia praguejado contra Daniel Abt dentro dos boxes, ficando preso atrás do piloto da Audi ABT durante a troca de carros. Conseguiu sair na frente, mas logo na saída do box, deu uma brecada estranha, e levou um toque por trás de Daniel, que felizmente não resultou em nada. Mas, antes disso, nas primeiras voltas, Buemi andou dando umas encostadas em outros pilotos, na ânsia de recuperar posições na corrida, por pouco não resultando em um acidente, de modo que após a prova, ele bateu boca com diversos outros pilotos, sendo que tinha gente até que nem tinha nada a ver com aquilo. Buemi acusara o golpe da pressão da decisão do título, como Di Grassi havia sugerido no bate-boca travado durante a semana com as declarações do suíço. Perder a calma sugeria que o bicampeonato estaria cada vez mais distante de ser alcançado. Se o piloto da e.dams quisesse reverter as expectativas, ele teria de colocar a cabeça no lugar, e pilotar com o talento e maestria que já havia demonstrado várias vezes na temporada. Nada teoricamente muito difícil. Mas entre a teoria e a realidade, tem muito chão.
            E o domingo mostrou que Buemi teria mais dificuldades para virar a situação do que esperava. Na classificação, ele foi apenas o 14º, enquanto Lucas era o 5º no grid. Bastava o brasileiro se manter à frente do suíço e correr para o abraço de campeão. E, mais uma vez, quem acabou com problemas foi Buemi. Novamente tentando recuperar posições apressadamente, ele levou um toque logo no início da corrida, ficando com uma peça de proteção da traseira de seu carro balançando perigosamente pela pista. Acabou tomando uma advertência e sendo chamado aos boxes para a retirada da peça, que já tinha caído em um ponto da pista, e na prática, era um chamado inútil. Mas o estrago estava feito: Sébastien caiu para a última posição, e veio tendo de recuperar todas as posições, findando a prova final em 11º lugar, e sem marcar pontos. Di Grassi, por outro lado, correu de forma segura, e abriu mão de tentar a vitória, preferindo completar a prova de forma segura e sem muitos sustos. Ele acabou auxiliado por seu companheiro de equipe Daniel Abt, que agiu como escudeiro durante toda a prova, defendendo-o de outros pilotos que ameaçavam sua posição em determinados momentos da corrida. Mesmo correndo de forma segura, Lucas chegou à 6ª posição com algumas ultrapassagens, mas na reta de chegada, cedeu a posição a Daniel, finalizando em 7º lugar, posição mais do que suficiente para comemorar a conquista do título da temporada. Lucas terminou o ano com 181 pontos, 2 vitórias, e 3 pole-positions, contra Sébastien Buemi, que terminou como vice-campeão com 157 pontos, 6 vitórias, duas pole-positions, e 1 volta mais rápida. Talvez nem em suas melhores previsões o brasileiro esperasse levar o título com tamanha vantagem na classificação do campeonato.
Lucas partiu para o ataque na primeira corrida: marcou a pole e liderou praticamente de ponta a ponta, vencendo sua segunda corrida na temporada.
            Foi justo Buemi, o piloto mais vencedor da temporada, perder o título para Di Grassi, que venceu apenas duas vezes? Se olharmos apenas pelas vitórias, até podemos dizer que não. Mas um campeonato não se faz apenas de vitórias, mas de um conjunto de resultados em todas as corridas. Lucas fez da constância a sua grande arma para derrotar a performance superior do adversário, e lutou sempre pelos melhores resultados possíveis. Deixou de pontuar apenas uma vez, só não subiu ao pódio em 4 das 12 corridas. Muitos podem alegar que Buemi teve um revés adicional, que foi sua ausência forçada em duas provas, por ter de competir no WEC, e com isso perdeu duas oportunidades de pontuar, dando vantagem ao brasileiro. Em termos. O suíço já sabia há tempos que teria esse problema, quando da divulgação dos calendários das competições. Portanto, ele tinha plena consciência de que deveria garantir uma vantagem suficiente para que isso não fosse crucial, e não podemos dizer que ele fez corpo mole. Buemi tinha 32 pontos de vantagem, que Lucas não conseguiu eliminar naquelas duas provas, apenas a diminuiu. E, se alguém também tem culpa a levantar no cartório, é a própria e.dams, que ocasionou a desclassificação do suíço numa das provas de Berlim, por pressão errada nos pneus de seu carro, e o fez perder 10 pontos. Só que, mais uma vez, é preciso ser realista: estes 10 pontos perdidos não teriam impedido o título de Lucas, que terminou 24 pontos à frente do suíço. E Buemi também ficou sem pontuar na etapa da Cidade do México, onde só garantiu 1 ponto por fazer a volta mais rápida. Até então, tinha sido o único ponto negativo do então campeão da F-E na temporada.
            Para quem afirma que por culpa do time Buemi perdeu o título por ter sido desclassificado da primeira corrida de Montreal, mesmo que isso não tivesse ocorrido, ele marcaria mais 12 pontos. Se imaginarmos que ele não tivesse perdido os 10 pontos de Berlim, ainda assim, teríamos 22 pontos, e Lucas teria faturado o título por 2 pontos. Em outras palavras, as duas desclassificações sofridas por Buemi prejudicaram, mas não foram determinantes na perda do título. Situação diferente da vivida por Lucas nas duas temporadas anteriores, onde ele sofreu duas desclassificações por motivos completamente alheios a seu controle, que o fizeram perder uma vitória em cada temporada, e pontos decisivos que teriam feito dele, hoje, tricampeão da categoria de carros elétricos. Se Buemi acabou desclassificado da primeira prova de Montreal por seu carro ter ficado abaixo do peso, é preciso lembrar que o carro precisou ser reparado por culpa da batida que ele deu no treino livre. Ou seja, o piloto teve parcela de culpa na situação. Logo, o campeonato de Di Grassi torna-se mais do que merecido. Sébastien errou quando não podia errar, e tinha plena consciência disso.
Buemi venceu metade das corridas da temporada e era o franco favorito, pelo retrospecto e pelo carro de que dispunha. Mas na guerra psicológica que iniciou contra o brasileiro, acabou perdendo feio, dando adeus às chances do bicampeonato.
            Com isso, a F-E agora tem nada menos do que dois brasileiros campeões em sua curta história. Nelsinho Piquet foi o primeiro a levantar o título, dois anos atrás, e agora Lucas Di Grassi iguala o feito de seu compatriota. E a própria F-E termina o ano em franco crescimento, com mais corridas em sua terceira temporada, mais montadoras chegando em breve, e novas pistas integrando o calendário da competição. Aliás, o traçado montado nas ruas de Montreal para a corrida foi um dos melhores que a F-E já teve até aqui, com boa extensão (uma prática que deveria ser mais bem analisada para as outras pistas que sediam corridas da categoria), e contando com bons trechos de reta e uma largura bem mais aceitável de pista em muitos trechos do que a vista na etapa anterior, em Nova Iorque, naquele circuito travado e estreito do Brooklyn, onde ultrapassar era extremamente difícil. Uma volta pelo traçado da pista montada nas ruas da metrópole canadense já bastava para fazer com que ninguém tivesse saudades do Battersea Park, palco das decisões nas duas temporadas anteriores, com um circuito muito estreito e tortuoso. Montreal decididamente entrou com o pé direito na competição, com o traçado da sua pista sendo muito elogiado por todos os participantes, e com um público excelente nas duas corridas. Que permaneça por muitos anos na competição.
            A e.dams foi realmente o melhor time do ano, e seu equipamento, o mais competitivo do grid, haja vista que a Techeetah, que também usava o trem de força concebido pela Renault, sempre se mostrou muito competitiva durante toda a temporada, só não conseguindo disputar o título por diversos percalços sofridos nas corridas, onde algumas coisas sempre aconteciam para deixar os esforços do time pelo caminho. E a vitória só veio mesmo nesta última corrida, com Jean-Éric Vergne tendo batido na trave antes em pelo menos 4 provas. Ainda assim, o francês finalizou o ano em 5º lugar, com 117 pontos, bem próximo de Felix Rosenqvist, que foi o 3º colocado, com 127 pontos, apenas 10 a mais. E entre eles, ainda se classificou Sam Bird, com 122 pontos.
            A Audi ABT teve um desempenho um pouco inconstante em algumas corridas, ora permitindo a Di Grassi lutar pelas vitórias, ora sendo difícil chegar ao pódio. Mas o brasileiro conseguiu extrair o melhor do seu equipamento em todas as oportunidades, sendo que em algumas provas outros times, como a Virgin e a Mahindra, conseguiram evoluir bastante e apresentar performances muito melhores. Isso fornece boas perspectivas de crescimento destas escuderias para a próxima temporada da competição, na esperança de disputarem o título junto à e.dams e à Audi ABT, agora elevada ao patamar de time oficial de fábrica da Audi, mesmo status da e.dams em relação à Renault.
            A e.dams levou o título do campeonato de equipes pela terceira vez consecutiva, com 268 pontos,20 de vantagem para a Audi ABT, vice-campeã, com 248 pontos. Em 3º lugar, com 215 pontos, a Mahindra surpreendeu na segunda metade da competição, especialmente a partir da prova de Berlim, com méritos. A Virgin chegou a assustar um pouco, mas ficou mesmo em 4º lugar, com 190 pontos. E a Techeetah, com seu grande potencial de equipamento, foi a 5ª colocada, com 156 pontos. Os demais times fizeram figuração, com a Jaguar vendo que terá muito o que trabalhar para evoluir na competição, tendo ficado em último lugar, com apenas 27 pontos, mostrando que nem só poderio financeiro garante performance na pista.
            Por tudo o que Lucas trabalhou, dentro e fora da pista, antes até mesmo da primeira corrida da F-E virar realidade, ele tem mais é que comemorar a sua conquista. E isso é assunto para outra coluna, que trarei em breve. Pelo momento, meus parabéns a Di Grassi pelo título, pelo qual ele mais do que fez juz. Congratulações, Lucas!
Se a pista da etapa de Nova Iorque foi travada e estreita, o traçado de Montreal recebeu elogios de todos, oferecendo pontos de ultrapassagem e uma pista com largura bem mais decente. As duas provas tiveram vários duelos em várias posições durante todas as corridas, fechando a temporada com chave de ouro.

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