sexta-feira, 25 de setembro de 2015

COM QUE MOTOR EU CORRO?


Os sorrisos e bom humor dos tempos de vitórias da Red Bull desapareceram com a falta de performance dos motores híbridos da Renault, acusada de ser a única culpada pelo insucesso. Parceria foi desfeita para 2016, e agora o time ameaça até deixar a F-1 se não tiver motores de primeira linha da Ferrari.

            A Fórmula 1 chegou a Suzuka, para a disputa do Grande Prêmio do Japão, tendo como assuntos principais da semana o dilema dos motores de duas escuderias de ponta: McLaren e Red Bull. Para o time comandado por Ron Dennis, o assunto é discutir a atual relação da escuderia com a Honda, sua fornecedora de unidades de potência, que estão sendo o grande mico da temporada, conseguindo conjugar não apenas falta de potência, mas também apresentando falta de fiabilidade, e falta de perspectiva de melhoras no atual momento. Já pelo lado do time dos energéticos, chamou atenção a intimação à Ferrari de que não terá aceitação receber motores de "2° categoria" da fábrica italiana, e com isso, ameaçando até sair da categoria se não tiver um motor decente para competir em 2016.
            A situação da Honda é ridícula pelo retrospecto do ano: os carros pretos de Woking pontuaram em apenas 3 etapas até aqui: Jenson Button marcou pontos em Mônaco e Hungria, e Fernando Alonso pontuou na Inglaterra e Hungria. A escuderia tem míseros 17 pontos no ano, e a falta de performance e resultados já começa a criar frissons na relação nipo-britânica. Para piorar o panorama, estamos em Suzuka, pista que pertence à Honda, e que, no aspecto geral, não vai favorecer nem um pouco o propulsor nipônico, sugerindo que as unidades poderão passar por um tremendo vexame justo em sua casa. Suzuka é uma pista de velocidade média alta, com um primeiro trecho cheio de curvas que exigem boa retomada de velocidade, e um segundo trecho de alta velocidade, com inclusive um longo trecho em subida, que exige forte potência da unidade. Para quem assistiu nesta pista às célebres atuações de Ayrton Senna em 1988 e 1991, além dos desempenhos demonstrados pela McLaren nas temporadas de 1989 e 1990, fica extremamente difícil acreditar que seja a mesma marca de motor.
            Para complicar a situação, o atual diretor do projeto da Honda para a F-1, Yasuhisa Arai, já refutou as sugestões da McLaren de procurar mão-de-obra especializada na atual tecnologia de motores nas outras fabricantes, visando obter maior intercâmbio de idéias e melhorar o seu conhecimento da atual matriz híbrida das unidades de potência utilizadas atualmente na categoria. O orgulho japonês está falando mais alto, quando afirma que seria "desonroso" fazer tal coisa. Isso seria um motivo de orgulho positivo há 25 anos atrás, quando a Honda era a marca por excelência dos motores na F-1, deixando todos os concorrentes comendo poeira, tendo feito isso na era turbo, e na nova era aspirada que havia se iniciado em 1989. No atual momento, diante das dificuldades apresentadas, esse orgulho pode complicar o futuro próximo da montadora na F-1, se não conseguirem resultados a curto prazo. Se no ano que vem as coisas não melhorarem, ou pelo menos derem perspectivas de evolução real, os japoneses poderão fazer sua sessão de harakiri em grande estilo pelo fracasso da empreitada, se forem levar a questão da honra ao extremo como se fazia antigamente.
            Já pelo lado da Red Bull, o clima com a Renault, que já não andava bom no ano passado, azedou de vez este ano, com a unidade de potência francesa novamente a deixar a desejar, a ponto de ambas as partes já rescindirem o contrato já para a próxima temporada, um ano antes de seu término. Sendo mais direto: Red Bull não terá mais o motor Renault em 2016. E depois de levarem um sonoro não da Mercedes com relação a fornecimento de suas unidades, restou a Ferrari como possível fornecedora de unidades para o time dos energéticos. Seria uma solução de compromisso bem aceitável, em se confirmando os boatos de que a Volkswagen compraria o time da Red Bull, e em 2018, faria sua estréia fornecendo motores que seriam construídos com base na tecnologia das unidades híbridas construídas pela Audi para o Mundial de Endurance. Só que a Volkswagen acaba de entrar em uma tremenda fria a nível mundial, com o escândalo de seu programa de computador que ludibriaria a medição de poluição de suas unidades diesel, que deve levar o conglomerado a alterar suas prioridades no curto e médio prazo, inclusive com o pagamento de multas bilionárias consumindo recursos que antes poderiam ser direcionados para o programa de F-1. E como desgraça pouca é bobagem, eis que Dietrich Mateschitz, proprietário da escuderia da Red Bull de F-1, deu a forte declaração de que o time austríaco só aceita receber as mesmas unidades que serão utilizadas por Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen, não aceitando receber unidades "defasadas", dando a entender que Maranello não iria fornecer aos rivais seus motores com as últimas atualizações. E que se isso não acontecer, ele retira seus times da categoria, uma vez que também possui a escuderia Toro Rosso. Seriam 4 carros a menos no grid de 2016. Algo muito negativo para a imagem da F-1, que já não anda das melhores.
            A Mercedes, antevendo que entregar para a Red Bull suas excelentes unidades de potência seria fortalecer demais uma de suas rivais, prefere fornecer motores para times menos capazes, como a Manor, que deve usar as unidades alemãs em 2016. E a Ferrari, diga-se de passagem também tem seu lado "empresarial" a ditar que seus times clientes, na teoria, tenham que se contentar com unidades que não contenham as últimas atualizações. Nesse aspecto, tanto uma quanto a outra agem de interesse próprio para manterem seu status quo, mesmo que esportivamente isso soe de forma bem negativa, prejudicando a competição em si. Por outro lado, é compreensível que cada uma não queira dar a um rival potencialmente forte as armas para derrotá-la.
            Diante dos problemas enfrentados pelas duas escuderias, que opções lhes restam? Para a McLaren, desfazer a união com a Honda seria traumático neste momento para ambas as partes. Para a Honda, seria a admissão tácita do fracasso de sua nova empreitada na F-1, o segundo consecutivo, depois da empreitada levada a cabo com time próprio de 2006 a 2008, onde obtiveram apenas 1 vitória, e dois anos tenebrosos com resultados quase tão pífios quanto os atuais. Seria desastroso para a imagem dos japoneses, tão obcecados pela perfeição e pela vanguarda tecnológica. Para a McLaren, depois de desfazerem a parceria com a Mercedes, com que motor iriam correr em 2016? E tem mais: sem conseguir um patrocinador master desde o ano passado, o time inglês vem tendo um déficit orçamentário que vem sendo coberto justamente pelo investimento feito pela Honda como parceria, além do uso de recursos de outras empresas do Grupo McLaren. E a perspectiva para o próximo ano é de aumentar a penúria financeira, uma vez que a escuderia deve ficar mesmo em penúltimo lugar no campeonato de construtores, o que vai render em premiação muito menos do que o recebido este ano, que foi em melhor posição obtida no campeonato de 2014. Além de ficar sem motor, perderiam sua principal fonte de recursos financeiros no atual momento, e isso é algo que a McLaren não pode prescindir.
A retomada da parceria entre McLaren e Honda até agora não mostrou a que veio, e a falta de resultados já está deixando a paciência curta em algumas pessoas no time inglês...
            Seria também um momento de derrocada para Ron Dennis, que no ano passado, demitiu Martin Withmarsh sob a alegação de falta de resultados, depois de Martin sucedê-lo como diretor da escuderia de F-1 nas temporadas mais recentes. Dennis reassumiu as rédeas do time prometendo "corrigir" os desvios de Withmarsh, que na sua opinião fizeram o time perder a sua força, especialmente depois de perder Lewis Hamilton para a Mercedes há dois anos atrás. Desde então, contudo, Ron Dennis não tem muito do que se orgulhar de seu retorno à administração da escuderia de F-1. O time perdeu patrocinadores importantes, e o acordo com a Honda, visto como salvação do time, e um potencial retorno às vitórias, até o momento está dando apenas vexames nas corridas. E, ao ter de utilizar recursos de outras áreas e empresas do Grupo McLaren para cobrir o orçamento da F-1, Dennis já se desentendeu com os demais proprietários do grupo, como o fundo barenita que adquiriu boa parte das ações do McLaren Group, bem como Mansour Ojeh, sócio proprietário da McLaren desde os anos 1980, e que hoje não fala a mesma língua que o inglês.
            Para a Red Bull, o panorama também não é dos melhores. Ao crucificar publicamente a Renault de forma intensa e veemente culpando-a pelos maus resultados de 2014 e 2015, em que pese tenham suas razões, a escuderia austríaca exibe uma arrogância e prepotência que desagrada não apenas à Renault, mas também aos outros fabricantes de motores que poderiam lhe fornecer seu produto. Com a ruptura com a Renault, e a negativa da Mercedes, sobrou mesmo a Ferrari, uma vez que os maus resultados exibidos pela Honda até agora fazem os propulsores nipônicos estarem longe de serem desejados por outros times. Só que nem mesmo o acordo saiu ainda, e vem essa intimação de que ou têm os melhores motores ou nada feito, já não indica um início de relação muito bom. Periga os italianos dizerem "ciao, bambini" ao pessoal da Red Bull, que teria de ir passear em outra freguesia, se existisse alguma. E, pelo temperamento demonstrado pela escuderia dos energéticos nos últimos tempos, o clima não deve melhorar muito o humor.
            Todo mundo já está antevendo que Bernie Ecclestone terá de entrar na parada, ajudando a costurar um acordo que seja aceitável para todas as partes envolvidas. Seria muito ruim para a F-1 perder dois times para 2016, de modo que o grid reduziria para 18 carros, uma vez que teremos a estréia da nova equipe norte-americana Hass. A Red Bull tem compromisso com a F-1 ainda por mais alguns anos, de acordo com o Pacto de Concórdia, que define os direitos e obrigações de todas as escuderias com a FOM e a FIA na F-1, mas mesmo as pesadas multas pelo seu rompimento, em caso de abandono, não seriam nenhum pesadelo financeiro para Mateschitz, cujo império dos energéticos é global e com faturamento na casa dos bilhões de dólares. Bernie, por sua vez, tem interesses óbvios em evitar que a F-1 sofra essa perda de dois times, sendo um deles grande e de muito sucesso em tempos recentes, e tem ainda sua opinião contra as atuais unidades de potência hibridas, que segundo ele são complicadas demais para serem entendidas pelo público da categoria, colaborando assim para a perda dos fãs. Ele está batalhando para em 2017 serem adotadas unidades com muito mais potência, achando que isso trará os fãs de volta. De um jeito ou de outro, Bernie sempre conseguiu ajeitar várias situações na F-1 e colocar panos quentes em várias crises que poderiam complicar a categoria. Resta saber se ele vai conseguir isso novamente.
            Para a F-1, o problema maior dos novos motores não são sua estrutura em si, mas as regras que impedem o desenvolvimento pleno das unidades, o que está sendo determinante para Renault e Honda não conseguirem reverter seus maus momentos. Um afrouxamento destas regras seria útil, mas difícil é convencer Mercedes e Ferrari disso. A marca alemã não quer perder sua dianteira, e a turma de Maranello mostrou este ano como conseguiu reverter seu projeto ruim de 2014 para se tornar a principal ameaça aos alemães, coroando um excelente e bem-feito trabalho de readequação de seu projeto. Portanto, se a Ferrari conseguiu se recuperar, em tese, Renault e Honda que se virem e tratem de melhorar também. Infelizmente, o panorama não pode ser visto apenas por este aspecto.
Afundada em dívidas, a atual Lotus tem como esperança de salvação ser recomprada pela Renault, a qual já foi equipe oficial da marca francesa há alguns anos atrás. Mas o negócio ainda não foi fechado...
            No que tange à Renault, sua única chance de permanecer na categoria agora é efetivar a recompra de seu antigo time de fábrica, que atualmente chama-se Lotus. As negociações nesse sentido estão adiantadas, e segundo dizem, faltam acertar detalhes para se concretizar a recompra, permitindo assim que a escuderia Renault volte oficialmente a existir. Na pior das hipóteses, se o negócio não sair, será também um desastre duplo: para a Lotus, que está altamente endividada, e já tendo problemas até para terminar o atual campeonato, e ainda tendo de se preparar para 2016, algo que, sem ser comprada pela Renault, parece algo extremamente difícil de ocorrer. E, sem ter novamente um time próprio de fábrica, a Renault poderia abandonar, mais uma vez, a F-1, tendo de aceitar o fracasso que foram suas unidades híbridas na categoria. Ironicamente, foi a Renault a maior defensora da introdução das novas unidades turbo V-6 e seus sistemas híbridos de recuperação de energia, e quem diria que seria justamente a fábrica francesa que teria o maior fracasso na empreitada? Aguardemos o que a Honda vai aprontar ano que vem para sabermos se eles vão superar os franceses na ruindade de seus propulsores...
            E sem a Renault, a Lotus pode ser outro time a cair fora da F-1, atolado em dívidas. Mas, mais importante, seria a categoria ficar sem mais um fabricante de motor, restando então apenas Mercedes, Ferrari, e Honda. mas, e se a Honda continuar ruim em 2016, e resolver também cair fora? A F-1 ficaria reduzida a duas marcas: Ferrari e Mercedes, e para a imagem da categoria, mostraria o descrédito que ela tem junto às montadoras automotivas. Duas importantes marcas que estiveram nesta competição na década passada, BMW e Toyota, já declararam não ter interesse em retornar. A Toyota está firme no Mundial de Endurance, onde já conseguiu ser campeã, inclusive, o que nunca conseguiu na F-1, tendo competido como equipe completa por quase uma década. E a BMW saiu quando estourou a crise financeira mundial em 2008/2009, e no momento, estuda investir justamente na Endurance, onde já estão a própria Toyota, e a Porshe e Audi.
            Em outras palavras, na pior das hipóteses, a F-1 pode correr o risco de se ver com apenas duas marcas de motores em um futuro muito próximo. E, pelo fato de ambas as marcas competirem com times próprios, as perspectivas de competitividade tendem a ser bastante prejudicadas pelo fato de que irão dar preferência dos melhores equipamentos a si próprios, do que a terceiros que podem se tornar rivais muito perigosos na pista. E então com que motor eles poderão correr?
            Espero não chegarmos a tanto...

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