A Fórmula 1 chegou a
Suzuka, para a disputa do Grande Prêmio do Japão, tendo como assuntos
principais da semana o dilema dos motores de duas escuderias de ponta: McLaren
e Red Bull. Para o time comandado por Ron Dennis, o assunto é discutir a atual
relação da escuderia com a Honda, sua fornecedora de unidades de potência, que
estão sendo o grande mico da temporada, conseguindo conjugar não apenas falta
de potência, mas também apresentando falta de fiabilidade, e falta de
perspectiva de melhoras no atual momento. Já pelo lado do time dos energéticos,
chamou atenção a intimação à Ferrari de que não terá aceitação receber motores
de "2° categoria" da fábrica italiana, e com isso, ameaçando até sair
da categoria se não tiver um motor decente para competir em 2016.
A situação da Honda é
ridícula pelo retrospecto do ano: os carros pretos de Woking pontuaram em
apenas 3 etapas até aqui: Jenson Button marcou pontos em Mônaco e Hungria, e Fernando
Alonso pontuou na Inglaterra e Hungria. A escuderia tem míseros 17 pontos no
ano, e a falta de performance e resultados já começa a criar frissons na relação
nipo-britânica. Para piorar o panorama, estamos em Suzuka, pista que pertence à
Honda, e que, no aspecto geral, não vai favorecer nem um pouco o propulsor nipônico,
sugerindo que as unidades poderão passar por um tremendo vexame justo em sua
casa. Suzuka é uma pista de velocidade média alta, com um primeiro trecho cheio
de curvas que exigem boa retomada de velocidade, e um segundo trecho de alta
velocidade, com inclusive um longo trecho em subida, que exige forte potência da
unidade. Para quem assistiu nesta pista às célebres atuações de Ayrton Senna em
1988 e 1991, além dos desempenhos demonstrados pela McLaren nas temporadas de
1989 e 1990, fica extremamente difícil acreditar que seja a mesma marca de
motor.
Para complicar a
situação, o atual diretor do projeto da Honda para a F-1, Yasuhisa Arai, já
refutou as sugestões da McLaren de procurar mão-de-obra especializada na atual
tecnologia de motores nas outras fabricantes, visando obter maior intercâmbio
de idéias e melhorar o seu conhecimento da atual matriz híbrida das unidades de
potência utilizadas atualmente na categoria. O orgulho japonês está falando mais
alto, quando afirma que seria "desonroso" fazer tal coisa. Isso seria
um motivo de orgulho positivo há 25 anos atrás, quando a Honda era a marca por
excelência dos motores na F-1, deixando todos os concorrentes comendo poeira,
tendo feito isso na era turbo, e na nova era aspirada que havia se iniciado em
1989. No atual momento, diante das dificuldades apresentadas, esse orgulho pode
complicar o futuro próximo da montadora na F-1, se não conseguirem resultados a
curto prazo. Se no ano que vem as coisas não melhorarem, ou pelo menos derem
perspectivas de evolução real, os japoneses poderão fazer sua sessão de
harakiri em grande estilo pelo fracasso da empreitada, se forem levar a questão
da honra ao extremo como se fazia antigamente.
Já pelo lado da Red
Bull, o clima com a Renault, que já não andava bom no ano passado, azedou de
vez este ano, com a unidade de potência francesa novamente a deixar a desejar,
a ponto de ambas as partes já rescindirem o contrato já para a próxima
temporada, um ano antes de seu término. Sendo mais direto: Red Bull não terá
mais o motor Renault em 2016. E depois de levarem um sonoro não da Mercedes com
relação a fornecimento de suas unidades, restou a Ferrari como possível
fornecedora de unidades para o time dos energéticos. Seria uma solução de
compromisso bem aceitável, em se confirmando os boatos de que a Volkswagen
compraria o time da Red Bull, e em 2018, faria sua estréia fornecendo motores
que seriam construídos com base na tecnologia das unidades híbridas construídas
pela Audi para o Mundial de Endurance. Só que a Volkswagen acaba de entrar em
uma tremenda fria a nível mundial, com o escândalo de seu programa de
computador que ludibriaria a medição de poluição de suas unidades diesel, que
deve levar o conglomerado a alterar suas prioridades no curto e médio prazo,
inclusive com o pagamento de multas bilionárias consumindo recursos que antes
poderiam ser direcionados para o programa de F-1. E como desgraça pouca é
bobagem, eis que Dietrich Mateschitz, proprietário da escuderia da Red Bull de
F-1, deu a forte declaração de que o time austríaco só aceita receber as mesmas
unidades que serão utilizadas por Sebastian Vettel e Kimi Raikkonen, não aceitando
receber unidades "defasadas", dando a entender que Maranello não iria
fornecer aos rivais seus motores com as últimas atualizações. E que se isso não
acontecer, ele retira seus times da categoria, uma vez que também possui a
escuderia Toro Rosso. Seriam 4 carros a menos no grid de 2016. Algo muito
negativo para a imagem da F-1, que já não anda das melhores.
A Mercedes, antevendo
que entregar para a Red Bull suas excelentes unidades de potência seria
fortalecer demais uma de suas rivais, prefere fornecer motores para times menos
capazes, como a Manor, que deve usar as unidades alemãs em 2016. E a Ferrari, diga-se
de passagem também tem seu lado "empresarial" a ditar que seus times clientes,
na teoria, tenham que se contentar com unidades que não contenham as últimas
atualizações. Nesse aspecto, tanto uma quanto a outra agem de interesse próprio
para manterem seu status quo, mesmo que esportivamente isso soe de forma bem
negativa, prejudicando a competição em si. Por outro lado, é compreensível que
cada uma não queira dar a um rival potencialmente forte as armas para derrotá-la.
Diante dos problemas
enfrentados pelas duas escuderias, que opções lhes restam? Para a McLaren,
desfazer a união com a Honda seria traumático neste momento para ambas as
partes. Para a Honda, seria a admissão tácita do fracasso de sua nova
empreitada na F-1, o segundo consecutivo, depois da empreitada levada a cabo
com time próprio de 2006 a
2008, onde obtiveram apenas 1 vitória, e dois anos tenebrosos com resultados quase
tão pífios quanto os atuais. Seria desastroso para a imagem dos japoneses, tão
obcecados pela perfeição e pela vanguarda tecnológica. Para a McLaren, depois
de desfazerem a parceria com a Mercedes, com que motor iriam correr em 2016? E
tem mais: sem conseguir um patrocinador master desde o ano passado, o time inglês
vem tendo um déficit orçamentário que vem sendo coberto justamente pelo
investimento feito pela Honda como parceria, além do uso de recursos de outras
empresas do Grupo McLaren. E a perspectiva para o próximo ano é de aumentar a
penúria financeira, uma vez que a escuderia deve ficar mesmo em penúltimo lugar
no campeonato de construtores, o que vai render em premiação muito menos do que
o recebido este ano, que foi em melhor posição obtida no campeonato de 2014. Além
de ficar sem motor, perderiam sua principal fonte de recursos financeiros no
atual momento, e isso é algo que a McLaren não pode prescindir.
A retomada da parceria entre McLaren e Honda até agora não mostrou a que veio, e a falta de resultados já está deixando a paciência curta em algumas pessoas no time inglês... |
Seria também um
momento de derrocada para Ron Dennis, que no ano passado, demitiu Martin
Withmarsh sob a alegação de falta de resultados, depois de Martin sucedê-lo
como diretor da escuderia de F-1 nas temporadas mais recentes. Dennis reassumiu
as rédeas do time prometendo "corrigir" os desvios de Withmarsh, que
na sua opinião fizeram o time perder a sua força, especialmente depois de
perder Lewis Hamilton para a Mercedes há dois anos atrás. Desde então, contudo,
Ron Dennis não tem muito do que se orgulhar de seu retorno à administração da
escuderia de F-1. O time perdeu patrocinadores importantes, e o acordo com a
Honda, visto como salvação do time, e um potencial retorno às vitórias, até o
momento está dando apenas vexames nas corridas. E, ao ter de utilizar recursos
de outras áreas e empresas do Grupo McLaren para cobrir o orçamento da F-1,
Dennis já se desentendeu com os demais proprietários do grupo, como o fundo
barenita que adquiriu boa parte das ações do McLaren Group, bem como Mansour
Ojeh, sócio proprietário da McLaren desde os anos 1980, e que hoje não fala a
mesma língua que o inglês.
Para a Red Bull, o
panorama também não é dos melhores. Ao crucificar publicamente a Renault de
forma intensa e veemente culpando-a pelos maus resultados de 2014 e 2015, em
que pese tenham suas razões, a escuderia austríaca exibe uma arrogância e
prepotência que desagrada não apenas à Renault, mas também aos outros
fabricantes de motores que poderiam lhe fornecer seu produto. Com a ruptura com
a Renault, e a negativa da Mercedes, sobrou mesmo a Ferrari, uma vez que os
maus resultados exibidos pela Honda até agora fazem os propulsores nipônicos
estarem longe de serem desejados por outros times. Só que nem mesmo o acordo saiu
ainda, e vem essa intimação de que ou têm os melhores motores ou nada feito, já
não indica um início de relação muito bom. Periga os italianos dizerem
"ciao, bambini" ao pessoal da Red Bull, que teria de ir passear em
outra freguesia, se existisse alguma. E, pelo temperamento demonstrado pela
escuderia dos energéticos nos últimos tempos, o clima não deve melhorar muito o
humor.
Todo mundo já está
antevendo que Bernie Ecclestone terá de entrar na parada, ajudando a costurar
um acordo que seja aceitável para todas as partes envolvidas. Seria muito ruim
para a F-1 perder dois times para 2016, de modo que o grid reduziria para 18
carros, uma vez que teremos a estréia da nova equipe norte-americana Hass. A
Red Bull tem compromisso com a F-1 ainda por mais alguns anos, de acordo com o
Pacto de Concórdia, que define os direitos e obrigações de todas as escuderias
com a FOM e a FIA na F-1, mas mesmo as pesadas multas pelo seu rompimento, em
caso de abandono, não seriam nenhum pesadelo financeiro para Mateschitz, cujo
império dos energéticos é global e com faturamento na casa dos bilhões de dólares.
Bernie, por sua vez, tem interesses óbvios em evitar que a F-1 sofra essa perda
de dois times, sendo um deles grande e de muito sucesso em tempos recentes, e
tem ainda sua opinião contra as atuais unidades de potência hibridas, que
segundo ele são complicadas demais para serem entendidas pelo público da categoria,
colaborando assim para a perda dos fãs. Ele está batalhando para em 2017 serem
adotadas unidades com muito mais potência, achando que isso trará os fãs de
volta. De um jeito ou de outro, Bernie sempre conseguiu ajeitar várias situações
na F-1 e colocar panos quentes em várias crises que poderiam complicar a
categoria. Resta saber se ele vai conseguir isso novamente.
Para a F-1, o problema
maior dos novos motores não são sua estrutura em si, mas as regras que impedem
o desenvolvimento pleno das unidades, o que está sendo determinante para
Renault e Honda não conseguirem reverter seus maus momentos. Um afrouxamento
destas regras seria útil, mas difícil é convencer Mercedes e Ferrari disso. A
marca alemã não quer perder sua dianteira, e a turma de Maranello mostrou este
ano como conseguiu reverter seu projeto ruim de 2014 para se tornar a principal
ameaça aos alemães, coroando um excelente e bem-feito trabalho de readequação
de seu projeto. Portanto, se a Ferrari conseguiu se recuperar, em tese, Renault
e Honda que se virem e tratem de melhorar também. Infelizmente, o panorama não
pode ser visto apenas por este aspecto.
No que tange à
Renault, sua única chance de permanecer na categoria agora é efetivar a
recompra de seu antigo time de fábrica, que atualmente chama-se Lotus. As
negociações nesse sentido estão adiantadas, e segundo dizem, faltam acertar
detalhes para se concretizar a recompra, permitindo assim que a escuderia
Renault volte oficialmente a existir. Na pior das hipóteses, se o negócio não
sair, será também um desastre duplo: para a Lotus, que está altamente
endividada, e já tendo problemas até para terminar o atual campeonato, e ainda
tendo de se preparar para 2016, algo que, sem ser comprada pela Renault, parece
algo extremamente difícil de ocorrer. E, sem ter novamente um time próprio de fábrica,
a Renault poderia abandonar, mais uma vez, a F-1, tendo de aceitar o fracasso
que foram suas unidades híbridas na categoria. Ironicamente, foi a Renault a
maior defensora da introdução das novas unidades turbo V-6 e seus sistemas híbridos
de recuperação de energia, e quem diria que seria justamente a fábrica francesa
que teria o maior fracasso na empreitada? Aguardemos o que a Honda vai aprontar
ano que vem para sabermos se eles vão superar os franceses na ruindade de seus
propulsores...
E sem a Renault, a
Lotus pode ser outro time a cair fora da F-1, atolado em dívidas. Mas, mais
importante, seria a categoria ficar sem mais um fabricante de motor, restando
então apenas Mercedes, Ferrari, e Honda. mas, e se a Honda continuar ruim em
2016, e resolver também cair fora? A F-1 ficaria reduzida a duas marcas:
Ferrari e Mercedes, e para a imagem da categoria, mostraria o descrédito que ela
tem junto às montadoras automotivas. Duas importantes marcas que estiveram
nesta competição na década passada, BMW e Toyota, já declararam não ter
interesse em retornar. A Toyota está firme no Mundial de Endurance, onde já
conseguiu ser campeã, inclusive, o que nunca conseguiu na F-1, tendo competido
como equipe completa por quase uma década. E a BMW saiu quando estourou a crise
financeira mundial em 2008/2009, e no momento, estuda investir justamente na
Endurance, onde já estão a própria Toyota, e a Porshe e Audi.
Em outras palavras, na
pior das hipóteses, a F-1 pode correr o risco de se ver com apenas duas marcas
de motores em um futuro muito próximo. E, pelo fato de ambas as marcas
competirem com times próprios, as perspectivas de competitividade tendem a ser
bastante prejudicadas pelo fato de que irão dar preferência dos melhores
equipamentos a si próprios, do que a terceiros que podem se tornar rivais muito
perigosos na pista. E então com que motor eles poderão correr?
Espero não chegarmos a
tanto...
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