Estranho no ninho: Giedo Van Der Garde no box da Sauber, contra a vontade da equipe, que perdeu a parada na justiça australiana. |
Quando nós achávamos
que a F-1 iria ter pelo menos um início de ano mais tranquilo, eis que surge
uma confusão que eleva os ânimos na categoria. Desta vez quem arrumou sarna
para se coçar foi a equipe Sauber, que nas piadas do paddock, inaugurou o
"overbooking" na categoria. "Overbooking" é um termo usado
quando uma companhia de transporte, geralmente as áreas, vendem mais bilhetes
de passagem do que assentos disponíveis em seus veículos. É uma prática que
fere os direitos do consumidor, pois as companhias, apostando no cancelamentos
de algumas passagens por parte dos compradores, já tem garantido compradores
para ocupar os lugares que ficam vagos. Geralmente no transporte aéreo, isso
até acontece com alguma frequência, mas sempre também ocorre que a empreitada
dá com os burros n'água, e quando isso acontece, as companhias tem de se virar
para honrar os compromissos assumidos de garantir lugares a todos que compraram
passagens, do contrário, podem levar um processo bravo dos consumidores. Se no
Brasil isso nem sempre é garantido, uma vez que nossa justiça vive emperrada na
maior parte das vezes, em outros países o bicho pega, e pega feio.
Pois bem, a Sauber
firmou contrato com os pilotos Felipe Nasr e Marcus Ericson para ser sua dupla
titular nesta temporada. Ambos trouxeram cerca de US$ 20 milhões cada um, que
ajudaram a reforçar as finanças do time suíço, que ficaram combalidas em 2014,
e forçaram a escuderia a escolher sua nova dupla de pilotos mais pelo
patrocínio do que pelo talento propriamente dito. O problema é que o time teria
firmado contrato, também em 2014, com o holandês Giedo Van Der Garde, que
previa que sua posição seria de piloto de testes no ano passado, e que seria
titular este ano. Um contrato que, segundo o piloto, não foi rescindido, nem
mesmo quando a escuderia anunciou Ericson e Nasr como sua dupla titular.
Daí que Giedo fez uma
coisa que pouco se viu entre pilotos na F-1 nos últimos tempos: foi à luta
pelos seus direitos. Entrou na justiça suíça e, com a F-1 chegando à Austrália,
também entrou com ação na justiça australiana para fazer valer o seu contrato e
a posição de titular na escuderia suíça. E aconteceu o que muitos não
imaginavam: a Corte Suprema do Estado de Vitória, onde fica Melbourne, deu
ganho de causa ao holandês. Trocando em miúdos, ele tem direito a ser piloto
titular. Nem é preciso dizer que a Sauber não gostou nada disso, apresentou
recurso, e perdeu também o recurso, com a justiça australiana confirmando a decisão
inicial. Ficou ridículo a posição de defesa da escuderia suíça, afirmando que o
holandês estaria se arriscando por não conhecer nada do novo modelo, por não
haver um banco moldado para ele, etc. Qualquer piloto profissional sabe que sua
profissão é de risco. Automobilismo é um esporte arriscado por natureza, uma
vez que por mais seguro que seja o veículo ou o local onde será disputada a
etapa em questão, sempre pode acontecer algo inesperado, com consequências até
imprevisíveis. O que pode acontecer é o holandês não ter uma boa
performance de início por não conhecer realmente as reações do novo modelo C34,
mas como piloto profissional que é, Giedo pode muito bem se recuperar nos
treinos. Com relação ao banco, mesmo que eles sejam moldados para cada piloto,
será que isso iria representar risco considerável para um piloto não poder
andar no monoposto? Não creio.
A encrenca está
armada. Como este texto foi fechado antes do primeiro treino livre aqui no
Albert Park, quando a coluna estiver sendo lida, talvez já tenhamos uma
resposta para o que vai acontecer de fato, se a Sauber vai enfim ceder o carro
ao holandês, ou se haverá novos desdobramentos desta encrenca que a escuderia
arrumou com precisão suíça. E bota encrenca nisso: o fato de a Corte Suprema de
Vitória ter dado ganho a Giedo simplesmente indica que o contrato é mesmo
válido e continua firme, do contrário, nenhum piloto compraria uma briga dessas
sem estar seguro do que tem em mãos. E a Sauber ter perdido o seu recurso só
confirma a impressão de que o time meteu mesmo os pés pelas mãos ao não
resolver isso da maneira mais adequada quando teve chance.
E o que o time faz
agora? Todos os planejamentos foram feitos com Nasr e Ericson. Se um deles for
alijado da condição de titular, haverá problemas. O Banco do Brasil, principal
patrocinador de Felipe Nasr, já avisou ao time que o brasileiro precisa estar
disputando o campeonato, caso contrário, o contrato de patrocínio não apenas será
revisto como até cancelado. Do lado de Ericson, podem esperar atitudes
similares de seus patrocinadores, que a exemplo do banco brasileiro, também
contam com o sueco defendendo o time na pista. E a Sauber, no seu momento
atual, não pode prescindir de perder nenhum dos patrocínios trazidos por sua
dupla. E qualquer um deles que perca seu lugar como titular certamente também
irá acionar a justiça buscando seus direitos, o que é mais do que justo, pois não
tiveram ligação com a má atitude da escuderia com relação a Van Der Garde.
E a Sauber, como se
vira com o piloto holandês? Ao buscar seus direitos, ele não fez nada demais,
pelo contrato ser válido. E soube agir com precisão cirúrgica: ao acionar a
justiça australiana a poucos dias da corrida de F-1 do país, colocou a
escuderia numa saia justa da qual não terá tempo hábil de se desvencilhar. Se
tivesse entrado com a ação no ano passado, o time levaria em banho maria,
procurando negociar a situação, e certamente, planejando como pagar a multa
rescisória que costuma acompanhar contratos deste tipo. E deve haver uma multa
bem razoável pelo não cumprimento do acordo, do contrário, o time já a teria
pago e dado a questão por encerrada. Ou não? Sem ver os detalhes do contrato, não
posso dizer com certeza, só especular que, pelo rumo que a situação tomou, não
vai ser fácil ignorar o cumprimento do acordo sem mais nem menos, ou não
haveria esse estardalhaço todo, e nem a justiça teria dado ganho de causa ao
piloto.
O fato é que Van Der
Garde vai atrair para si toda a fúria do time, e não me refiro apenas à direção
da escuderia. Mesmo os mecânicos vão ficar constrangidos, e até irritados, de
terem de trabalhar com o holandês. E isso pode comprometer qualquer esperança
de uma boa preparação do carro para a corrida. Por outro lado, se bater o pé e
resolver desobedecer à justiça, a Sauber corre o risco de ter seus equipamentos
apreendidos e bloqueados, o que tiraria a escuderia da disputa do GP da Austrália
e de cara já comprometeria a corrida seguinte, daqui a duas semanas, na Malásia.
Pior, Monisha Kaltelborn, chefe da escuderia, poderia até ser presa por
descumprimento da ordem judicial. Ironia da situação: antes de entrar para o
time suíço, ela pertencia a uma firma de advocacia que prestava serviços à
escuderia de Peter Sauber. Era advogada, portanto, deve ter ciência da
enrascada em que está metida agora, por ter firmado um contrato com um piloto,
e simplesmente deixá-lo a ver navios depois. Será que, com a experiência que
tem no meio jurídico, nunca lhe passou pela cabeça que o piloto poderia exigir
seus direitos? Pior ainda, para ser aceito como plenamente válido, a ponto de
levar o time a ter de lhe dar obrigatoriamente assento, conforme ordenou a
justiça após analise dos documentos, é que o contrato firmado deve ter sido
excepcionalmente bem feito, com todos os detalhes bem delineados e claros na
garantia dos direitos e deveres de ambas as partes. O documento tornou-se
literalmente um tiro pela culatra para a Sauber.
Monisha Kaltelborn: de advogada a chefe de equipe de F-1, e agora enrolada com um contrato que o próprio time firmou com Van Der Garde no ano passado. |
Treinar adequadamente
com o carro, e disputar a corrida, vai ser uma situação tremendamente
desgastante para a escuderia, tendo de aceitar um piloto que ela jogou para
escanteio. Imaginem o caso se não fosse um piloto relativamente modesto como
Van Der Garde e um time médio com a Sauber. Já imaginaram Fernando Alonso
movendo esse tipo de ação contra a Ferrari se o time o tivesse jogado para escanteio
quando contratou Sebastian Vettel? Claro, a Ferrari não cometeria uma burrada
tremenda destas, mas e se cometesse? E Alonso não tivesse ido para a McLaren,
claro. Imaginem a cena do asturiano levando o time rosso na saia justa da
justiça para lhe dar o carro para disputar o campeonato com base neste tipo de
contrato firmado e ignorado? Vettel ou Kimi Raikkonem, um deles teria de ser
rifado, e quem perdesse o lugar iria arrumar um tremendo bafafá sobre o
assunto. A casa iria cair com um impacto tremendo, para não mencionar que tanto
a Ferrari quanto a F-1 cairiam no total descrédito. Como foi com Van Der Garde
e a Sauber, o impacto é menor, mas não menos constrangedor e desmoralizante.
A F-1 já ignorou
contratos várias vezes, e desfez acordos firmados inúmeras outras. Não foram
ocasiões dignificantes, muito pelo contrário. Raramente as discussões
terminaram com ambas as partes satisfeitas. Mas dava-se um jeito de se chegar a
um acordo, ainda que não fosse o ideal. E, desde que assumiu seu lado mais
corporativo e dane-se o esportivo, tudo o que os times sempre desejaram é que
os pilotos ficassem quietos no seu canto e pilotassem. Um dos que mais defenestrava
seus pilotos era Flavio Briatore, para quem os competidores não eram ninguém além
de meros empregados que deviam calar a boca, sentar nos carros e pilotarem, sem
dar palpites. Claro que sempre se fez contratos com salvaguardas no caso de
algum piloto se irritar e ir tirar satisfações, especialmente com quem não
tinha reputação no meio. A arrogância e prepotência dos cartolas já era
irritante, e atualmente, parece cada vez mais insuportável. Agora, essa postura
que queixo alto e dominação acaba de levar um belo abalo com a atitude de
Giedo, que podem apostar, vão deixar os outros times bem mais cuidadosos na
hora de firmarem contratos com os pilotos, a fim de garantirem uma blindagem
que só vai dificultar ainda mais para o lado mais fraco, que sempre foram os
pilotos.
Afinal, nenhum time
gosta de pilotos "rebeldes" ou que não sigam as determinações do
time. Assim, como o time da Sauber vai acolher Van Der Garde como piloto depois
que ele levou a escuderia à justiça? Vai haver um clima tremendamente pesado
nos boxes entre mecânicos, engenheiros, etc, que não vão simplesmente nem olhar
para a cara do holandês. E isso pode ser potencialmente perigoso: imaginem que
a preparação malfeita, ou feita com extrema má vontade do carro que Giedo
pilotar possa comprometer sua segurança? E se ele sofrer um acidente? Por mais
que irão afirmar que estavam certos em não permitir que ele assumisse o carro,
como fizeram questão de afirmar em sua defesa, vai pairar uma imensa desconfiança
sobre a escuderia que pode comprometer sua reputação, que teria feito descaso e
até "sabotagem" para ir à forra contra o piloto. Exagero? Talvez, mas
como ignorar a possibilidade de isso acontecer?
Ainda vai rolar muita
coisa sobre essa situação. Até o fechamento desta coluna, iria haver nova audiência
nesta quinta-feira, na Corte Suprema de Vitória. Na pior das hipóteses, a
Sauber pode dizer adeus à prova australiana. Na melhor das hipóteses, Van Der
Garde sai com uma bela rescisão recebida e tudo se acerta. Mas isso é nos
extremos, se a coisa ficar pelo meio, tudo pode ficar ainda mais complicado.
Os suíços gostam de
mostrar como são precisos e organizados. Dessa vez, a encrenca foi armada mesmo
com precisão de um relógio suíço. Mas aposto que os suíços dificilmente vão
gostar dessa piada... Depois de atravessarem um ano complicado em 2014, tudo
que a Sauber não precisava era se enrolar novamente, mas não é que eles
conseguiram...?
A corrida da Austrália deve ter o
menor número de carros no grid de que há memória em uma corrida da F-1. A Manor/Marussia chegou a
Melbourne, mas está com inúmeros problemas para terminar de montar seus carros,
enfrentando até a insólita falta do software de gerenciamento do motor Ferrari
que utilizam, por terem em mãos a versão errada do programa, a de 2015, quando a
unidade precisa da versão de 2014, e muito provavelmente não terão como
disputar a corrida, uma vez que seu carro, na verdade o modelo do ano passado
adaptado ao regulamento técnico deste ano, sequer andou um metro até agora. Com
isso, o grid só teria 18 carros, mas o imbróglio jurídico em que a Sauber se
meteu também pode deixar o time suíço de fora do GP. Restariam então apenas 16
carros para alinhar na prova. E ainda dizem que, se a McLaren não conseguiu
melhorar seu novo MP4/30, o time pode nem conseguir tempo para largar, ou mesmo
que largue, pode ficar pelo caminho logo de cara. Resumindo, a corrida pode
ficar logo de início com apenas 14 carros...
A F-E disputa neste sábado sua
nova etapa do campeonato, o GP de Miami. O circuito, montado nas ruas de Biscayne
Bay, tem cerca de 2,17 Km
de extensão, com 8 curvas, quase todas em 90°. A corrida terá 39 voltas, e será
disputada neste sábado, no horário das 16:00 de Miami. O canal pago Fox Sports
transmite a corrida ao vivo, com direito a reprise às 21:00 no horário do
Brasil. Será a primeira corrida da categoria em solo americano, que no dia 04
de abril disputará nova etapa nos Estados Unidos, nas ruas de Long Beach,
tradicional palco de corridas da Indy, e que já recebeu a F-1 no fim dos anos
1970 e início dos anos 1980. O brasileiro Lucas Di Grassi, da equipe Audi Sport
ABT, defende a liderança da competição, com 58 pontos, seguido pelo inglês Sam
Bird, da Virgin Racing, com 48 pontos. Nélson Ângelo Piquet, da equipe China
Racing, é o 5° colocado na classificação, com 37 pontos, enquanto Bruno Senna,
da Mahindra Racing, ocupa a 11ª colocação, com 18 pontos, estando empatado com
seu colega de time, o indiano Karun Chandhock. As corridas do campeonato de
carros elétricos bem melhorando a cada etapa, e a expectativa é de uma prova
bem disputada nas ruas da capital do Estado da Flórida. Na última etapa,
disputada em Buenos Aires, na Argentina, a corrida foi cheia de surpresas do
começo ao fim, com os pilotos efetuando disputas acirradas em diversos
momentos, a ponto de vários deles acabarem se estranhando e até perdendo a
noção de que posição se encontravam com tantas disputas, levando o público
presente ao delírio. Aguardemos para ver a etapa de Miami consegue repetir a
dose de emoção. Uma novidade na etapa deste fim de semana é que a categoria
perdeu sua representante do sexo feminino no grid: Michela Cerruti deixou sua
posição na equipe de Jarno Trulli, e o veterano ex-piloto de F-1 terá como
companheiro de equipe Vitantonio Liuzzi. Pela pouca performance demonstrada nas
etapas disputadas até aqui, Cerruti fará muito pouca falta.
Traçado da pista de Miami para a Formula E: trechos de reta devem favorecer boas disputas de posições, apesar de curtas. |
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