Sem grana, sem GP. Nurburgring está fora da F-1, deixando a Alemanha sem prova no campeonato este ano. |
No fim de semana
passado veio a notícia oficial de que o campeonato de Fórmula 1 deste ano terá
uma prova a menos, o que ninguém queria ouvir, mesmo sabendo da dura realidade:
o Grande Prêmio da Alemanha está fora! Os motivos já são amplamente conhecidos:
a falta de fundos da pista de Nurburgring para realização do GP. Bernie
Ecclestone não se comoveu nem um pouco com o pedido de baixar as altíssimas
taxas cobradas pela FOM pelo direito de sediar um GP, e mesmo tentando apelar
para o circuito de Hockenhein para tentar sediar novamente a corrida germânica
lá nesta temporada, a falta de fundos impediu que o negócio fosse adiante,
assim como o pedido para baixar o alto valor da taxa de direito de realização
do GP. Bernie segue sua lógica: contratos firmados devem ser honrados, e se
abrir exceções, todo mundo vai se sentir no direito de pedir também, e a última
coisa que o chefão da categoria quer é ver os lucros diminuírem. Dá para
entender a lógica, o que não quer dizer que concorde com ela. Quem perde são os
torcedores, e a própria F-1.
Ingressos de F-1 são
caros no mundo inteiro, e infelizmente são caros porque os custos de realização
de um GP são enormes. Para começar, é preciso pagar a Promoter Fee, que é uma
taxa para que alguém tenha o "direito" de organizar e promover um
Grande Prêmio. Paga essa taxa, que nunca é barata, começam os trabalhos de
montagem da prova, com a adequação da estrutura do autódromo, contratação dos
funcionários que trabalharão, suporte e logística a todos que lá estarão, etc.
É um trabalho danado, e acreditem, de pouco retorno. Pouco retorno? Pois é,
isso mesmo. Mas e todas aquela placas de patrocinadores, e toda aquela penca de
gente que paga os caríssimos ingressos do Hospitality Center? Vai tudo para a
Formula One Management - FOM, leia-se Bernie Ecclestone, que é quem também
cobra a Promoter Fee. Em outras palavras, Ecclestone fica com o prato
principal, as entradas, e até a sobremesa, numa comparação com um banquete. Aos
promotores dos GPs, sobram literalmente, "as sobras"..., ou seja, os
ingressos que são cobrados dos torcedores que comparecem às corridas.
Por isso, os ingressos
são caros porque tem de cobrir todos os gastos operacionais de um GP. E tem
vezes que essa conta não fecha. No ano passado, o GP da Alemanha já havia dado
prejuízo, pelo pouco público que a prova teve. Foi preocupante ver as enormes
arquibancadas do Motodron - a seção do autódromo junto à reta dos boxes cujas
arquibancadas acompanham a pista, e lembram um estádio de futebol, por isso o
nome, ocupadas por muito menos da metade de sua capacidade. E olhe que a
Mercedes, um time alemão, dominava o campeonato, e seu piloto Nico Rosberg,
também alemão, liderava a competição. Mesmo assim, a corrida foi um fiasco em
termos de público, algo nunca imaginado nos tempos de Michael Schumacher, e até
mesmo recentemente, dos títulos de Sebastian Vettel.
Nurburgring ainda tem
o pesadelo de ter sido criado um complexo turístico dentro do autódromo, com
hotel e tudo, tentando capitalizar com os fãs da velocidade. Só que exageraram
na dose, e o complexo vive recebendo muitos poucos turistas interessados em
conhecer a história e os feitos do circuito. As contas de manutenção passam
longe as receitas. Por mais famosa que fosse, a pista de Nurburg não tinha
corridas suficientes para atrair fãs o ano todo que ajudassem a manter a
estrutura que foi criada no local. Daí a juntar esse prejuízo com as altas
taxas de realização de uma prova de F-1, foi um pulo para a insolvência. A
Mercedes, maior interessada em manter o GP no calendário, tentou mediar um
acordo para custear metade dos custos da corrida, mas as negociações com Bernie
não frutificaram. Espera-se que a prova retorne em 2016, mas este retorno fica
ameaçado pela não-realização da corrida este ano. E devemos lembrar que, só
para manter a pressão e a ameaça, Ecclestone já tem gente na fila para ocupar o
lugar da Alemanha...
Para 2016, está
prevista a estréia do Azerbaijão no calendário, e alguém certamente teria de
sair do calendário atual para dar lugar a esse novo GP. E os alemães acabaram
de dar seu "aval" para facilitar as coisas para o cartola. E as
coisas não param por aí: o chefão da FOM anda ameaçando o GP da Itália de ser
excluído do calendário ao fim do atual contrato que vence justo no ano que vem.
E ele quer aumento dos valores, dizendo-se tremendamente insatisfeito com o que
recebe da prova em Monza. O recado é claro: ou paga e fica, ou cai fora, porque
tem gente na fila mais do que disposta a pagar muito, muito mais. É
praticamente um leilão desavergonhado: quem dá mais, leva, e enquanto tiverem
candidatos a dar lances, essa prática não cessará.
A situação começou a
ficar fora de controle em 1999, quando estreou o GP da Malásia, que foi, e
continuando sendo, bancado pelo governo do país, interessado em usar a prova
para divulgar o seu país, turística e financeiramente, ao mundo. Com o uso das
estatais para custear a corrida, principalmente da petrolífera malaia, a
Petronas, Bernie viu ali a mina de ouro: um GP onde seus promotores não
recusariam suas exigências financeiras para realização da prova. Só piorou o
fato o governo da Malásia ainda bancar a construção de um autódromo considerado
faraônico até então, se comparado às estruturas dos outros autódromos então
presentes na categoria, cujo projeto foi contratado a Hermann Tilke, por
indicação de Ecclestone, claro. Indicação que não foi de graça.
A Malásia inaugurou a era dos "megaautódromos" e GPs bancados por governos sem receio de pagar as taxas da FOM. Bernie Ecclestone deitou e rolou desde então... |
Com outros países e
governos seguindo o exemplo, o caldo engrossou: China, Bahrein, Turquia,
Cingapura, Valência, Índia, Abu Dhabi, Coréia do Sul, Rússia, todos aceitando
sem pestanejar as condições impostas, os valores foram subindo cada vez mais. E
como aceitar tanta prova nova no calendário? Simplesmente "chutando
fora" aqueles que começavam a ser "inconvenientes" ou
"pobres" demais para aceitar pagar as taxas bem mais altas na
renovação dos contratos dos GPs. San Marino foi riscada da competição. Depois,
foi a vez da França. Com o aumento do número de provas, conseguiu-se evitar,
momentaneamente, a "expulsão" de mais provas, mas a ganância de
Bernie não parou de subir. Uma hora, a corda iria estourar do lado mais fraco,
e mesmo com alguns dos novos GPs também pulando fora por não aguentarem as
taxas exorbitantes - os sul-coreanos, valencianos e turcos jogaram a toalha, e
com os indianos foi mais um problema relativo a situação tributária local que
não abriu exceções para a movimentação milionária da F-1, era só questão de
tempo até novas "vítimas" surgirem, como agora, com a saída, pelo
menos por este ano, da prova da Alemanha.
Não há muito o que os
promotores podem fazer. Tratam-se de empresas privadas, e como tal, precisam
ter lucro para viver, do contrário, fecham. Geralmente podem conseguir fazer
acordos com alguns patrocinadores e arrecadar mais alguns recursos com suas
corridas, mas não contam com benesses dos governos de seus países - que diga-se
de passagem, tem assuntos mais prioritários para tratarem, do que sustentarem
corridas de F-1 em seus territórios. Como competir com países como Malásia,
China, Bahrein, e agora a Rússia, onde os governos despejam rios de dinheiro
sem pestanejar para a realização de suas etapas, não importando se terão
prejuízo ou lucro? Não há. Mas a F-1 não perde seus fãs, uma vez que nestes
países, pouca gente se entusiasma pelas corridas, ou nem dá bola para elas?
Ecclestone não parece perder o sono por causa disso, e diga-se de passagem que
certa vez ele já declarou que gostaria de não ter "público" nos
autódromos, alegando que eles seriam um estorvo, já que o filão do faturamento
estava na venda dos direitos de TV. Então, para que se preocupar se quem está
na arquibancada nessas corridas está afinado ou não com o acontece na pista? Se
estão ali, já pagaram a entrada mesmo...
Aliás, esta escalada
das taxas de promoção dos GPs hoje já superaram a arrecadação obtida dos
direitos de TVs, o que dá uma idéia de como os preços inflacionaram desde
então. E o chefão da FOM não pretende parar. Além da prova do Azerbaijão, já há
conversas com o Vietnã para sediar um GP, e outro país do Oriente Médio, o
Catar, que já sedia uma corrida da MotoGP, também iria atrás de seu GP, para
concorrer com seus "rivais" do deserto, Bahrein e Abu Dhabi. Bernie
ainda ambiciona ter outro GP nos Estados Unidos, na Costa Leste, onde já tentou
incluir uma prova em Nova Jérsei, que só não saiu ainda do papel porque seus
idealizadores não conseguiram viabilizar o empreendimento - diga-se arcar com
os altos custos cobrados pelo inglês.
Outro efeito colateral
nefasto destes novos GPs é o que se fazer com os autódromos em alguns lugares.
Para os turcos, a pista de Istambul não foi um bom negócio, porque só foi
utilizada para a F-1, e desde que esta saiu de lá, o lugar virou praticamente
um elefante branco. Os sul-coreanos tinham a intenção de usar a corrida de F-1
para trazer desenvolvimento à região de Yeongam, esperando que o circuito
despertasse o interesse dos empresários em investir na região. O plano também
não deu certo, e a pista está também sem uso. Ao menos eles pularam fora quando
viram que o negócio não seria mais atrativo, mas ainda assim, ficaram com
pistas que atualmente não tem utilidade. Assim como a cidade de Valência, que
viu o buraco crescer mais do que imaginavam, e tiveram de sair também, cujos
políticos quiseram se dar bem e quebraram a cara...
Pista de Istambul, que sediou o GP da Turquia: sem GP, ficou sem uso praticamente. Os turcos não gostaram da brincadeira... |
Aliás, motivações
políticas não são novidade, e em 1991, a França passou a ter seu GP disputado no
circuito de Magny-Cours, numa região central da França onde não havia nada por
perto. Fora as belas instalações do circuito, ninguém gostou do traçado da
pista e do lugar, ainda mais se comparado a Paul Ricard, que sediara os GPs
anteriores. A idéia era usar a corrida para desenvolver a região, próxima à
cidade de Nevers. Foram 18 corridas, de 1991 a 2008, até que os franceses cansaram da
brincadeira e deram um basta. Bernie Ecclestone não pensou duas vezes em rifar
a França do calendário. E Magny-Cours continua sendo um lugar sem importância,
com o desenvolvimento nunca tendo surgido por lá levado pela pista. Mas a idéia
não era exatamente ruim: o circuito de Barcelona também foi criado para
incrementar o desenvolvimento da região da Catalunha, que em 1991, não tinha
nada nos arredores, e hoje é uma área bem mais desenvolvida. Ali, o projeto deu
certo.
Sediar uma corrida
hoje em dia é algo completamente sem garantias, porque Bernie Ecclestone cuidou
de garantir os bons resultados para si, e deixar quaisquer pepinos que surjam a
cargo dos promotores locais. E, quando se tem o governo por trás, estes tem
muito mais fôlego e capacidade para resolverem os percalços. Também tem outro
detalhe: os governos de países como Bahrein, China, e Rússia não se sentem na
obrigação de prestar detalhes do que fazem caso alguém queira se meter a besta
de contestar os gastos da corrida. No caso da China, ainda chegou a ser
ridículo toda a paparicação do presidente russo Vladimir Putin, numa clara
demonstração da mais pura hipocrisia de Ecclestone quando ele afirma que a F-1
não se mete em política...
A F-1 vem perdendo
contato com seus torcedores nos últimos anos. E acabar com as corridas de
países onde ainda há amor puro e genuíno pela categoria, em prol de lugares
onde o que se conta é somente a conta bancária da FOM, certamente só vai ajudar
a categoria a despencar ainda mais junto aos fãs. E com Bernie dando de ombros
para isso, quando se tocar que está indo longe demais, talvez não tenha como
voltar atrás para desfazer seus erros...
Hoje começaram os treinos
oficiais para a segunda etapa da temporada, na pista de Sepang, na Malásia.
Começando com boas notícias: Valtteri Bottas e Fernando Alonso estarão na
pista. Ambos os pilotos passaram pelos médicos e foram liberados para a
competição. Alonso vai ter um fim de semana complicado de estréia oficial na
McLaren/Honda: duas semanas atrás, na Austrália, os carros do time inglês largariam
em último - Kevin Magnussem quebrou quando saiu dos boxes para alinhar no grid,
e apenas Jenson Button disputou a corrida. Button aliás terminou em último
entre os que cruzaram a linha de chegada, com 2 voltas de atraso para o
vencedor Lewis Hamilton. O time garante que aqui em Sepang terá condições de
andar melhor, uma vez que a prova da Austrália serviu para coletarem muitos
dados importantes. Pode ser, mas com o motor Honda atuando com limitação de
potência, o que fez os carros de Ron Dennis andarem quase 20 Km/h mais lentos nas
retas do Albert Park, nesta pista, com suas duas grandes retas, os carros de
Alonso e Button poderão ser protagonistas de um festival de ultrapassagens -
dos adversários sobre eles. Tomara que tenham melhorado mesmo, pois do contrário,
o vexame tende a ser muito pior do que o visto na Austrália...
Tencionando evitar o problema com
as chuvas torrenciais que costumam cair no horário da corrida, a FIA antecipou
as etapas disputadas no Oriente em uma hora em relação aos horários utilizados
no ano passado. Assim, no Brasil, onde se acostumou a ver a prova no horário
das 5 da madrugada de domingo, desta vez o pessoal terá que acordar mais cedo:
a prova será às 4 da madrugada pelo horário de Brasília. A intenção é ter mais
tempo, e dia sobrando em caso de uma chuva obrigar a interrupção da corrida,
como aconteceu em 2009, quando um temporal impediu que a prova fosse retomada,
e depois acabou sendo finalizada definitivamente, por não haver mais luz
natural. Uma medida que a FIA já deveria ter tomado há muito mais tempo, pois
no clima de Sepang, a dúvida não é se vai chover, mas quando vai chover, porque
chuva sempre costuma ter, pelo clima equatorial da região, que está bem próxima
à linha do Equador. Vejamos se a medida funciona...