Sebastian Vettel se acostumou a ganhar tudo nos últimos 4 anos. Ficar sem vencer este ano incomodou bastante, e agora vai tentar a sorte na turbulenta equipe Ferrari, pelas próximas 3 temporadas. |
A
Fórmula 1 chegou ao circuito de Yas Marina, nos Emirados Árabes Unidos, para a
sua prova final do campeonato de 2014. Lewis Hamilton ou Nico Rosberg, um dos
dois sairá coroado deste circuito que é uma maravilha fora da pista, e um
pesadelo para ultrapassagens dentro dela. Além da tradicional tensão de uma
decisão de título, o paddock anda agitado com a crise financeira que ameaça
cada vez mais alguns times da categoria. Tratarei deste assunto em breve em outra
coluna. Hoje o assunto é a oficialização do que todo mundo já sabia desde o GP
do Japão: Sebastian Vettel é piloto da Ferrari! O anúncio foi feito aqui em Abu
Dhabi e o tetracampeão vestirá as cores da escuderia de Maranello pelos
próximos 3 anos. Em 2015, terá como companheiro o finlandês Kimmi Raikkonem,
muito provavelmente em sua última temporada na F-1...
Vettel
vai em busca do sonho de ser campeão pela escuderia mais carismática da F-1, e
busca repetir o feito de Michael Schumacher, seu grande ídolo, que lá reinou
como um deus, amealhando 5 títulos mundiais de 2000 a 2004, e tornando-se o
maior nome da história da categoria. Já com 4 títulos no currículo, Sebastian
quer repetir o mesmo sucesso, e quem sabe, até superar as marcas de Schumacher.
Mas a parada promete ser dura, e muitos têm dúvidas se o jovem piloto, o mais
precoce tetracampeão da história, terá o sucesso que espera. Ou se terá a
paciência necessária para tanto.
Se
espelhar em Michael Schumacher para repetir seus feitos é legal, mas há de se
atentar para alguns detalhes que certamente pesam contra Vettel nesta
comparação. Em 1995, Schumacher surpreendeu a todos com o anúncio de que iria
para Maranello. O time italiano vinha de uma seca de títulos de mais de uma
década e meia, e Michael, coroado bicampeão, e tendo a Benetton no auge de sua
força, só tinha a perder indo para o time italiano. Ficasse na escuderia
multicolorida, era garantia de disputar novo título em 1996, e de ser
tricampeão naquele ano. Preferiu encarar o desafio que nem mesmo Ayrton Senna
se atreveu a tentar: fazer da Ferrari novamente um time campeão.
Vettel
sai da Red Bull, em direção a Maranello, logo no seu primeiro ano de
dificuldades no time das bebidas energéticas. Não apenas não conseguiu vencer
este ano, consequência da supremacia da Mercedes na temporada, como ainda
acabou superado, na pista, e até no campeonato, por seu novo companheiro de
equipe, Daniel Ricciardo. E a gota d'água sem dúvida, foi ver o parceiro
conseguir 3 vitórias no ano, sendo o único piloto a conseguir quebrar a
hegemonia do time alemão. Vettel assumiu com sinceridade que o novo companheiro
de equipe conseguia tirar do modelo RB11 mais do que ele conseguia, além de
revelar não ter se adaptado às reações do novo carro. Neste ponto, em que pese
muita gente criticar Fernando Alonso quando o asturiano tem seus chiliques ao
ver um companheiro de equipe andando mais do que ele, Vettel acabou
demonstrando o mesmo incômodo do espanhol, só foi mais discreto.
Para
muitos, eu inclusive, Vettel deveria dar mais uma chance à Red Bull, com quem
ainda tinha contrato até o fim do ano que vem. Seria a chance do tira-teima
contra Ricciardo, além de poder contar com aquele que deverá ser o último carro
de F-1 projetado por Adrian Newey, o modelo RB12. O projetista a partir da
próxima temporada passa a ser apenas consultor da escuderia, e irá se dedicar a
novos projetos fora da F-1. O modelo de 2016, esse sim, já não deverá contar
com sua genialidade no projeto total. A expectativa de que a Renault consiga
melhorar sua unidade de potência é também uma chance de poder ter um carro mais
competitivo, uma vez que neste setor, após os testes desastrosos da
pré-temporada deste ano, a escuderia conseguiu um progresso notável a ponto de
muitos hoje confirmarem que a Red Bull tem novamente o melhor chassi da
temporada. Mas, com um déficit de cerca de 80 HPs na unidade de potência, não
havia como desafiar a Mercedes, que além de um motor extremamente potente,
ainda conta com um chassi praticamente tão com quanto o do time rubrotaurino.
Se a perspectiva da Renault em diminuir sua desvantagem para o motor da
Mercedes não é totalmente fiável, pelo menos Sebastian ainda deveria considerar
a possibilidade de derrotar Ricciardo, além de ainda dar uma força ao time que
lhe deu tudo, em seu momento de dificuldade, antes de pular fora. Se ele
resolvesse sair ao fim do ano que vem, em virtude de outro ano de poucos
resultados, aí sim não poderia condená-lo pela atitude.
Nesse
ponto, Schumacher também teve atitude diferente: depois de 5 títulos
consecutivos na Ferrari, o alemão virou coadjuvante de luxo em 2005, com a
Ferrari incapaz de competir com os times da Renault e McLaren, equipados com
pneus mais competitivos da Michelin, frente aos Bridgestone usados pela
Ferrari. O heptacampeão poderia muito bem ter largado o time e até se
aposentado, já tinha feito história mesmo, mas Michael manteve a cabeça no
lugar, e prometeu que em 2006 daria a resposta a quem o achava
"acabado" para a F-1. E no ano seguinte, com um carro novamente
competitivo, calou todos os críticos, e saiu para a aposentadoria com sua
cotação plenamente em alta. Vettel resolveu não dar a mesma chance à Red Bull.
Se
ele vai conseguir ser campeão na Ferrari, ainda é cedo para dizer. O time rosso
tem sua pior temporada em vários anos, e acaba de sofrer uma mudança de direção
e passa por reformulação na área técnica. Ajeitar as novas peças em seus
devidos lugares deve levar tempo, mas pela fraca performance do time neste ano,
todos apostam que em 2015 a
escuderia deverá se sair melhor. A questão é quanto melhor. Sebastian tem noção
de que o desafio que terá pela frente será grande. Será que ele está preparado
para todas as dificuldades que o esperam? E, principalmente, terá a paciência
necessária para colher os frutos que espera no time italiano? É o que todos
perguntam.
Quando
Schumacher chegou à Ferrari em 1996, o time já vinha sofrendo uma
reestruturação desde 1994, com a nova chefia de Jean Todt, que assumiu a
direção do time em 1993. Todt colocou ordem na casa, que vivia uma bagunça, não
conseguindo manter a coordenação de todos os setores da fábrica e da escuderia.
E com a sua chegada, havia um talento incontestável que poderia dar os
resultados na pista que todos esperavam. E foi naquele ano também que, por
indicação de Schumacher, que a Ferrari contratou os principais nomes do staff
técnico que foram responsáveis pelo sucesso da Benetton nos anos anteriores,
Rory Byrne e Ross Brawn. Com a estrutura montada, os frutos começaram a
aparecer já em 1997, quando Michael voltou a disputar o título. Mas foram
precisas mais 3 temporadas, até tudo ficar totalmente 100%, e em 2000, quatro
anos depois de chegar a Maranello, Michael iniciou o maior período de vitórias
de um único piloto na história da F-1.
O
contrato de Vettel é de 3 anos. Ele alcançará o sucesso de Schumacher no time
neste período? Os mais otimistas garantem que a Ferrari já voltará a vencer
corridas em 2015, podendo disputar o título novamente em 2016. Os mais
realistas garantem que a escuderia italiana só deverá estar mesmo forte em
2017, teoricamente o último ano do contrato de Sebastian. Os mais pessimistas
garantem que Vettel pula fora antes mesmo de cumprir estes 3 anos. Fico no time
dos realistas, até pelo histórico recente da passagem de Alonso pelo time. O asturiano
ficou 5 anos em Maranello, e tudo o que conseguiu foram 3 vice-campeonatos e 11
vitórias, sendo que em apenas 2 anos ele lutou efetivamente pelo título, 2010 e
2012. No ano passado, apesar do vice-campeonato, Alonso assistiu impotente ao
passeio de Vettel nas 9 corridas finais do campeonato, vendo o alemão
conquistar o tetra praticamente sem oposição.
Alonso
também chegou a Maranello em um momento onde a estrutura eficiente de
profissionais montada por Todt e Schumacher não mais lá se encontrava. O time
não tinha mais a mesma coesão de antes, situação que se repete neste momento,
complicada ainda mais pela mudança de direção, que está impondo também um novo
tipo de mentalidade no time. Tudo pode dar certo, mas neste momento, os
prognósticos indicam que Vettel pode enfrentar mais problemas do que Alonso em
sua estada no time italiano. E que poderão demandar mais tempo para serem
solucionados, isso se forem. Não se pode descartar a possibilidade de se
produzirem novos modelos de performance fraca.
É
uma decisão errada Sebastian ir para a Ferrari? Isso vai depender mais dele do
que dos outros. Ele tem liberdade para fazer o que quiser de sua carreira. E o
jovem alemão tem alguns desafios a cumprir. O primeiro deles é calar os
críticos que dizem que seus títulos se devem unicamente aos carros de Adrian
Newey, e que seu talento não seria assim tão grande quando pensa que é. Vencer
pela Ferrari mostraria que Sebastian é o grande piloto que seus títulos dizem,
e não fruto de um carro superior aos demais. Ele quer mostrar que seu talento é
fato e não presumido apenas por ter o melhor carro. E ele precisa provar isso
para mostrar a todos que é mesmo um campeão de fato. É seu direito buscar isso.
Infelizmente, o resultado desse ano joga um pouco contra ele, por ter ficado
atrás do companheiro de equipe quando não teve mais um carro
"superior" aos demais.
E,
também por esse motivo, ele estaria indo para a Ferrari, justamente para evitar
uma possível nova derrota para Ricciardo em 2015 na Red Bull. Caso o australiano
o suplantasse novamente como tem feito este ano, sua imagem de campeão
certamente sofreria um forte abalo, e os críticos às suas conquistas teriam
ainda mais munição para contestá-lo. Infelizmente, eles terão assunto neste
sentido ao afirmarem que Vettel "fugiu" da disputa indo para
Maranello, com medo de nova derrota.
E
Vettel terá sucesso onde Alonso falhou? Sebastian tem pontos positivos a seu
favor: não é egocêntrico como o asturiano, não cria clima ruim dentro do time
(pelo menos, não como Alonso), e mais do que todos, quer provar do que é capaz.
Isso sugere que ele vai entrar de cabeça em todos os esforços para tornar a
Ferrari novamente um time campeão. E de início, terá em Raikkonem um parceiro
com o qual não deverá ter problemas. O finlandês não é dado a brigas dentro da
equipe, e ele tem um excelente relacionamento com Sebastian, que deve ajudar a
desanuviar o clima carregado de centralização que o espanhol sempre impôs ao
redor de si como condição de seu contrato. Com um clima mais cordial e sereno,
todos ganham mais tranquilidade pra poderem produzir mais e melhor, o que
certamente deve ajudar a escuderia a melhorar seu rendimento.
O
ponto negativo é a Ferrari ser justamente...a Ferrari. Diferente da Red Bull,
um time jovial e descontraído, com uma percepção mais fresca da F-1, a Ferrari é um time cheio
de picuinhas e frescuras políticas. Luca de Montezemolo nunca deixou o pessoal
totalmente à vontade, cobrando sempre mais e mais. Mas pelo menos ele ainda
entendia a "alma" da F-1, e isso lhe dava uma compreensão do que
deveria ser feito. A Ferrari agora tem outra direção, escolhida pela Fiat, com
um novo diretor geral que veio de uma área diferente das competições. O
objetivo é impôr uma nova mentalidade administrativa, e isso pode implicar em mais
cobranças do que o habitual. Cobranças, aliás, que logo começarão a ser feitas
de forma implacável também pela torcida da escuderia, que tem costumeiramente
pouca paciência para maus resultados.
Acostumado
à rotina de um time que era bem menos ocupado com politicagens,Vettel vai
encontrar um ambiente bem diferente no time italiano. A princípio tudo poderá
correr bem, mas e quando a lua de mel acabar, será que Sebastian terá paciência
de aguentar o clima carregado que costuma rondar a escuderia? E se os
resultados não vierem como se espera, continuará por lá? Alonso aguentou 5
anos, e não fosse a péssima performance deste ano, poderia até continuar por lá
em 2015. Mas o entusiasmo esmoreceu, a confiança acabou, e já não era de hoje.
Com seu último campeonato datando de 2006, o asturiano está perto de completar
10 anos sem conquistar um novo título, e isso pesa. O bastante para ele agora
ter de se arriscar na renovada parceria da Honda com a McLaren como única
alternativa para seguir adiante.
Vettel
mostrou impaciência pulando fora da Red Bull no primeiro ano de dificuldade.
Pode enfrentar um jejum ainda pior na Itália. E terá de aguentar firme; pular
fora novamente em pouco tempo iria deixar uma péssima impressão em sua imagem.
O alemão ainda é bem jovem, e se mantiver a cabeça no lugar, e ser paciente
tanto quando necessário, terá sua chance de colher frutos na Ferrari. Ou mudar
de time novamente, mas depois de findar seu contrato, se sentir que não terá
melhor sorte em continuar por lá. Agora ele não pode é voltar atrás. Se ele
quer seguir o mesmo caminho trilhado por Schumacher, terá de esperar e torcer
para as peças que estão sendo montadas pela nova direção da Ferrari combinarem
entre si. Com Alonso não deu certo, e o espanhol aguentou 5 anos. O que espera
por Vettel é seu futuro na F-1. Se vai ser glorioso ou fracassado, só o tempo
dirá.
Seja
bem-vindo à Ferrari, e boa sorte em sua nova empreitada, Sebastian.
E a Caterham está mesmo aqui em Abu Dhabi. Com uma vaquinha virtual, e
uma ajudinha de Bernie Ecclestone, o time verde estará na pista, fazendo o grid
retornar a 20 carros. Mas que ninguém se empolgue: é o canto do cisne da
escuderia, que demitiu todos os funcionários na semana passada, e com aqueles
que vieram para Yas Marina recebendo como "free-lancers", para
conseguirem pôr os carros na pista. Kamui Kobayashi volta para defender o time
em sua última participação, que terá como outro piloto Will Stevens, anunciado
há pouco. Vai ser uma despedida melancólica, fazendo até menos do que normalmente
faria na pista. Triste, mas consequência do modelo atual de competição da
categoria, que virou há tempos um saco sem fundo no que tange aos custos de
competição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário