sexta-feira, 21 de novembro de 2014

VETTEL NA FERRARI


Sebastian Vettel se acostumou a ganhar tudo nos últimos 4 anos. Ficar sem vencer este ano incomodou bastante, e agora vai tentar a sorte na turbulenta equipe Ferrari, pelas próximas 3 temporadas.

            A Fórmula 1 chegou ao circuito de Yas Marina, nos Emirados Árabes Unidos, para a sua prova final do campeonato de 2014. Lewis Hamilton ou Nico Rosberg, um dos dois sairá coroado deste circuito que é uma maravilha fora da pista, e um pesadelo para ultrapassagens dentro dela. Além da tradicional tensão de uma decisão de título, o paddock anda agitado com a crise financeira que ameaça cada vez mais alguns times da categoria. Tratarei deste assunto em breve em outra coluna. Hoje o assunto é a oficialização do que todo mundo já sabia desde o GP do Japão: Sebastian Vettel é piloto da Ferrari! O anúncio foi feito aqui em Abu Dhabi e o tetracampeão vestirá as cores da escuderia de Maranello pelos próximos 3 anos. Em 2015, terá como companheiro o finlandês Kimmi Raikkonem, muito provavelmente em sua última temporada na F-1...
            Vettel vai em busca do sonho de ser campeão pela escuderia mais carismática da F-1, e busca repetir o feito de Michael Schumacher, seu grande ídolo, que lá reinou como um deus, amealhando 5 títulos mundiais de 2000 a 2004, e tornando-se o maior nome da história da categoria. Já com 4 títulos no currículo, Sebastian quer repetir o mesmo sucesso, e quem sabe, até superar as marcas de Schumacher. Mas a parada promete ser dura, e muitos têm dúvidas se o jovem piloto, o mais precoce tetracampeão da história, terá o sucesso que espera. Ou se terá a paciência necessária para tanto.
            Se espelhar em Michael Schumacher para repetir seus feitos é legal, mas há de se atentar para alguns detalhes que certamente pesam contra Vettel nesta comparação. Em 1995, Schumacher surpreendeu a todos com o anúncio de que iria para Maranello. O time italiano vinha de uma seca de títulos de mais de uma década e meia, e Michael, coroado bicampeão, e tendo a Benetton no auge de sua força, só tinha a perder indo para o time italiano. Ficasse na escuderia multicolorida, era garantia de disputar novo título em 1996, e de ser tricampeão naquele ano. Preferiu encarar o desafio que nem mesmo Ayrton Senna se atreveu a tentar: fazer da Ferrari novamente um time campeão.
            Vettel sai da Red Bull, em direção a Maranello, logo no seu primeiro ano de dificuldades no time das bebidas energéticas. Não apenas não conseguiu vencer este ano, consequência da supremacia da Mercedes na temporada, como ainda acabou superado, na pista, e até no campeonato, por seu novo companheiro de equipe, Daniel Ricciardo. E a gota d'água sem dúvida, foi ver o parceiro conseguir 3 vitórias no ano, sendo o único piloto a conseguir quebrar a hegemonia do time alemão. Vettel assumiu com sinceridade que o novo companheiro de equipe conseguia tirar do modelo RB11 mais do que ele conseguia, além de revelar não ter se adaptado às reações do novo carro. Neste ponto, em que pese muita gente criticar Fernando Alonso quando o asturiano tem seus chiliques ao ver um companheiro de equipe andando mais do que ele, Vettel acabou demonstrando o mesmo incômodo do espanhol, só foi mais discreto.
            Para muitos, eu inclusive, Vettel deveria dar mais uma chance à Red Bull, com quem ainda tinha contrato até o fim do ano que vem. Seria a chance do tira-teima contra Ricciardo, além de poder contar com aquele que deverá ser o último carro de F-1 projetado por Adrian Newey, o modelo RB12. O projetista a partir da próxima temporada passa a ser apenas consultor da escuderia, e irá se dedicar a novos projetos fora da F-1. O modelo de 2016, esse sim, já não deverá contar com sua genialidade no projeto total. A expectativa de que a Renault consiga melhorar sua unidade de potência é também uma chance de poder ter um carro mais competitivo, uma vez que neste setor, após os testes desastrosos da pré-temporada deste ano, a escuderia conseguiu um progresso notável a ponto de muitos hoje confirmarem que a Red Bull tem novamente o melhor chassi da temporada. Mas, com um déficit de cerca de 80 HPs na unidade de potência, não havia como desafiar a Mercedes, que além de um motor extremamente potente, ainda conta com um chassi praticamente tão com quanto o do time rubrotaurino. Se a perspectiva da Renault em diminuir sua desvantagem para o motor da Mercedes não é totalmente fiável, pelo menos Sebastian ainda deveria considerar a possibilidade de derrotar Ricciardo, além de ainda dar uma força ao time que lhe deu tudo, em seu momento de dificuldade, antes de pular fora. Se ele resolvesse sair ao fim do ano que vem, em virtude de outro ano de poucos resultados, aí sim não poderia condená-lo pela atitude.
            Nesse ponto, Schumacher também teve atitude diferente: depois de 5 títulos consecutivos na Ferrari, o alemão virou coadjuvante de luxo em 2005, com a Ferrari incapaz de competir com os times da Renault e McLaren, equipados com pneus mais competitivos da Michelin, frente aos Bridgestone usados pela Ferrari. O heptacampeão poderia muito bem ter largado o time e até se aposentado, já tinha feito história mesmo, mas Michael manteve a cabeça no lugar, e prometeu que em 2006 daria a resposta a quem o achava "acabado" para a F-1. E no ano seguinte, com um carro novamente competitivo, calou todos os críticos, e saiu para a aposentadoria com sua cotação plenamente em alta. Vettel resolveu não dar a mesma chance à Red Bull.
            Se ele vai conseguir ser campeão na Ferrari, ainda é cedo para dizer. O time rosso tem sua pior temporada em vários anos, e acaba de sofrer uma mudança de direção e passa por reformulação na área técnica. Ajeitar as novas peças em seus devidos lugares deve levar tempo, mas pela fraca performance do time neste ano, todos apostam que em 2015 a escuderia deverá se sair melhor. A questão é quanto melhor. Sebastian tem noção de que o desafio que terá pela frente será grande. Será que ele está preparado para todas as dificuldades que o esperam? E, principalmente, terá a paciência necessária para colher os frutos que espera no time italiano? É o que todos perguntam.
            Quando Schumacher chegou à Ferrari em 1996, o time já vinha sofrendo uma reestruturação desde 1994, com a nova chefia de Jean Todt, que assumiu a direção do time em 1993. Todt colocou ordem na casa, que vivia uma bagunça, não conseguindo manter a coordenação de todos os setores da fábrica e da escuderia. E com a sua chegada, havia um talento incontestável que poderia dar os resultados na pista que todos esperavam. E foi naquele ano também que, por indicação de Schumacher, que a Ferrari contratou os principais nomes do staff técnico que foram responsáveis pelo sucesso da Benetton nos anos anteriores, Rory Byrne e Ross Brawn. Com a estrutura montada, os frutos começaram a aparecer já em 1997, quando Michael voltou a disputar o título. Mas foram precisas mais 3 temporadas, até tudo ficar totalmente 100%, e em 2000, quatro anos depois de chegar a Maranello, Michael iniciou o maior período de vitórias de um único piloto na história da F-1.
            O contrato de Vettel é de 3 anos. Ele alcançará o sucesso de Schumacher no time neste período? Os mais otimistas garantem que a Ferrari já voltará a vencer corridas em 2015, podendo disputar o título novamente em 2016. Os mais realistas garantem que a escuderia italiana só deverá estar mesmo forte em 2017, teoricamente o último ano do contrato de Sebastian. Os mais pessimistas garantem que Vettel pula fora antes mesmo de cumprir estes 3 anos. Fico no time dos realistas, até pelo histórico recente da passagem de Alonso pelo time. O asturiano ficou 5 anos em Maranello, e tudo o que conseguiu foram 3 vice-campeonatos e 11 vitórias, sendo que em apenas 2 anos ele lutou efetivamente pelo título, 2010 e 2012. No ano passado, apesar do vice-campeonato, Alonso assistiu impotente ao passeio de Vettel nas 9 corridas finais do campeonato, vendo o alemão conquistar o tetra praticamente sem oposição.
            Alonso também chegou a Maranello em um momento onde a estrutura eficiente de profissionais montada por Todt e Schumacher não mais lá se encontrava. O time não tinha mais a mesma coesão de antes, situação que se repete neste momento, complicada ainda mais pela mudança de direção, que está impondo também um novo tipo de mentalidade no time. Tudo pode dar certo, mas neste momento, os prognósticos indicam que Vettel pode enfrentar mais problemas do que Alonso em sua estada no time italiano. E que poderão demandar mais tempo para serem solucionados, isso se forem. Não se pode descartar a possibilidade de se produzirem novos modelos de performance fraca.
            É uma decisão errada Sebastian ir para a Ferrari? Isso vai depender mais dele do que dos outros. Ele tem liberdade para fazer o que quiser de sua carreira. E o jovem alemão tem alguns desafios a cumprir. O primeiro deles é calar os críticos que dizem que seus títulos se devem unicamente aos carros de Adrian Newey, e que seu talento não seria assim tão grande quando pensa que é. Vencer pela Ferrari mostraria que Sebastian é o grande piloto que seus títulos dizem, e não fruto de um carro superior aos demais. Ele quer mostrar que seu talento é fato e não presumido apenas por ter o melhor carro. E ele precisa provar isso para mostrar a todos que é mesmo um campeão de fato. É seu direito buscar isso. Infelizmente, o resultado desse ano joga um pouco contra ele, por ter ficado atrás do companheiro de equipe quando não teve mais um carro "superior" aos demais.
            E, também por esse motivo, ele estaria indo para a Ferrari, justamente para evitar uma possível nova derrota para Ricciardo em 2015 na Red Bull. Caso o australiano o suplantasse novamente como tem feito este ano, sua imagem de campeão certamente sofreria um forte abalo, e os críticos às suas conquistas teriam ainda mais munição para contestá-lo. Infelizmente, eles terão assunto neste sentido ao afirmarem que Vettel "fugiu" da disputa indo para Maranello, com medo de nova derrota.
            E Vettel terá sucesso onde Alonso falhou? Sebastian tem pontos positivos a seu favor: não é egocêntrico como o asturiano, não cria clima ruim dentro do time (pelo menos, não como Alonso), e mais do que todos, quer provar do que é capaz. Isso sugere que ele vai entrar de cabeça em todos os esforços para tornar a Ferrari novamente um time campeão. E de início, terá em Raikkonem um parceiro com o qual não deverá ter problemas. O finlandês não é dado a brigas dentro da equipe, e ele tem um excelente relacionamento com Sebastian, que deve ajudar a desanuviar o clima carregado de centralização que o espanhol sempre impôs ao redor de si como condição de seu contrato. Com um clima mais cordial e sereno, todos ganham mais tranquilidade pra poderem produzir mais e melhor, o que certamente deve ajudar a escuderia a melhorar seu rendimento.
            O ponto negativo é a Ferrari ser justamente...a Ferrari. Diferente da Red Bull, um time jovial e descontraído, com uma percepção mais fresca da F-1, a Ferrari é um time cheio de picuinhas e frescuras políticas. Luca de Montezemolo nunca deixou o pessoal totalmente à vontade, cobrando sempre mais e mais. Mas pelo menos ele ainda entendia a "alma" da F-1, e isso lhe dava uma compreensão do que deveria ser feito. A Ferrari agora tem outra direção, escolhida pela Fiat, com um novo diretor geral que veio de uma área diferente das competições. O objetivo é impôr uma nova mentalidade administrativa, e isso pode implicar em mais cobranças do que o habitual. Cobranças, aliás, que logo começarão a ser feitas de forma implacável também pela torcida da escuderia, que tem costumeiramente pouca paciência para maus resultados.
            Acostumado à rotina de um time que era bem menos ocupado com politicagens,Vettel vai encontrar um ambiente bem diferente no time italiano. A princípio tudo poderá correr bem, mas e quando a lua de mel acabar, será que Sebastian terá paciência de aguentar o clima carregado que costuma rondar a escuderia? E se os resultados não vierem como se espera, continuará por lá? Alonso aguentou 5 anos, e não fosse a péssima performance deste ano, poderia até continuar por lá em 2015. Mas o entusiasmo esmoreceu, a confiança acabou, e já não era de hoje. Com seu último campeonato datando de 2006, o asturiano está perto de completar 10 anos sem conquistar um novo título, e isso pesa. O bastante para ele agora ter de se arriscar na renovada parceria da Honda com a McLaren como única alternativa para seguir adiante.
            Vettel mostrou impaciência pulando fora da Red Bull no primeiro ano de dificuldade. Pode enfrentar um jejum ainda pior na Itália. E terá de aguentar firme; pular fora novamente em pouco tempo iria deixar uma péssima impressão em sua imagem. O alemão ainda é bem jovem, e se mantiver a cabeça no lugar, e ser paciente tanto quando necessário, terá sua chance de colher frutos na Ferrari. Ou mudar de time novamente, mas depois de findar seu contrato, se sentir que não terá melhor sorte em continuar por lá. Agora ele não pode é voltar atrás. Se ele quer seguir o mesmo caminho trilhado por Schumacher, terá de esperar e torcer para as peças que estão sendo montadas pela nova direção da Ferrari combinarem entre si. Com Alonso não deu certo, e o espanhol aguentou 5 anos. O que espera por Vettel é seu futuro na F-1. Se vai ser glorioso ou fracassado, só o tempo dirá.
            Seja bem-vindo à Ferrari, e boa sorte em sua nova empreitada, Sebastian.


E a Caterham está mesmo aqui em Abu Dhabi. Com uma vaquinha virtual, e uma ajudinha de Bernie Ecclestone, o time verde estará na pista, fazendo o grid retornar a 20 carros. Mas que ninguém se empolgue: é o canto do cisne da escuderia, que demitiu todos os funcionários na semana passada, e com aqueles que vieram para Yas Marina recebendo como "free-lancers", para conseguirem pôr os carros na pista. Kamui Kobayashi volta para defender o time em sua última participação, que terá como outro piloto Will Stevens, anunciado há pouco. Vai ser uma despedida melancólica, fazendo até menos do que normalmente faria na pista. Triste, mas consequência do modelo atual de competição da categoria, que virou há tempos um saco sem fundo no que tange aos custos de competição.

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