Na coluna da semana
passada, o assunto tratado era a nova regra imposta pela FIA no campeonato
mundial de F-1, resolvendo acabar com as "ajudas" que os pilotos da
categoria recebem na condução de seus bólidos, recebendo instruções dos
engenheiros de box a todo instante. E esta semana, volto ao mesmo assunto, com
os desdobramentos da discussão. Mostrando um pouco de bom senso, eis que a
Federação Internacional de Automobilismo resolveu voltar parcialmente atrás em
sua nova e estabanada regra de proibição de conversas no rádio entre equipes e
pilotos durante treinos e corridas na F-1. Reuniões com times e pilotos, além
do tradicional briefing destes com Charlie Whiting em Cingapura conseguiram
enfiar um pouco de sensatez na entidade, que ao voltar atrás em vários pontos
da nova regra, apesar de se mostrar assim ainda mais desacreditada, por mostrar
que tentou implantar uma regra sem conhecer todas as suas consequências, fez o
certo.
Continuam proibidas
informações que dêem ajuda na pilotagem como indicações de marcha, traçados,
etc, que melhorem diretamente a performance do piloto. Informações sobre as
condições técnicas do carro estão liberadas. Mas para o próximo ano, a
tendência é que a FIA volte a apertar o cerco do que poderá ou não ser
discutido via rádio entre escuderias e pilotos. Isso ainda vai ser debatido e
discutido melhor, o que já é muito mais do que a entidade fez do GP da Itália
até a prova de Cingapura, impondo a proibição praticamente na base da canetada.
Continuo na posição
firme de que não se deve mudar as regras durante o campeonato, assim, mesmo a
proibição amenizada para as corridas finais não me agrada, pelos motivos de
descrédito que isso gera, e pela sensação de que mudar as regras durante a
competição sempre irá beneficiar alguns e prejudicar outros, e com isso,
torna-se algo totalmente desleal no aspecto esportivo. A proibição das
conversas de rádio, defendida por mim, é o caminho mais correto para se
eliminar a celeuma. Mas há detalhes complicados a serem considerados.
Jenson Button,
defendendo o fim das ajudas do rádio, deu um argumento importante, ao afirmar
que os pilotos jovens que entram na F-1 recebem ajudas demais, e com isso, não
ganham a importante experiência de saber o que fazer em determinados momentos,
afirmando que errando é que se aprende. Ao receberem as informações
"prontas", estes pilotos não compreendem às vezes as razões de fazer
manobra "X" ou "Y", dependendo da situação. Ele está certo.
Recebendo informações a toda hora, estes pilotos podem se acostumar a pilotar
assim, e ao ficarem sem dados, podem literalmente ficar perdidos na condução em
alta velocidade. Da mesma forma, os pilotos precisam aprender a
"enxergar" a corrida, decidirem por si mesmos de acordo com seus
instintos e, principalmente, experiência de pilotagem. Ao ditarem o que os
pilotos devem ou não fazer, os engenheiros estariam criando uma dependência
perigosa para estes pilotos, que deixariam de crescer como profissionais, ou
ficariam muito limitados.
Felipe Massa, em sua
defesa das comunicações de rádio, frisou outro ponto crucial na situação: a
segurança. A complexidade dos sistemas atuais dos carros demanda um grau de
informação a que os pilotos não tem condições de buscarem e ajustarem a todo instante,
e ao dividir tanto as atenções com informações do comportamento do carro, podem
cometer deslizes na pilotagem, podendo até gerar um acidente por distração ou
conflito de informação, como por exemplo, em disputa de posição, onde a atenção
ao seu redor tem de ser total, podendo ficar seriamente comprometida se tiver
de fazer ajustes no carro e ainda buscar os dados do ajuste a ser feito.
Felizmente, as informações a respeito dos detalhes técnicos continuam
liberadas.
Este detalhe, por
incrível que pareça, vai ser o grande complicador da proibição de conversas do
rádio. Não é segredo para ninguém que a F-1 usa da mais alta tecnologia de
construção de carros de corrida. Mesmo com as várias limitações existentes
sobre uma série de sistemas que já chegou a utilizar e que hoje são proibidos,
como suspensões ativas, diferenciais autoblocantes, e câmbios completamente
automáticos, os carros carregam uma eletrônica embarcada impressionante, sendo
que há anos muitos chamam os carros de "computadores sobre rodas".
Não é um mero eufemismo. Nos boxes, existe um grupo de engenheiros cuja função
é observar e analisar todos os dados dos carros. Sentados geralmente lado a
lado em uma mesa, são vários indivíduos, todos com um computador na frente,
desempenhando esta funçao: o fluxo de dados enviado em tempo real pelos
inúmeros sensores instalados nos bólidos é tal que cada engenheiro fica
responsável por acompanhar apenas determinado setor do carro. Imaginem repassar
tal volume de informação para o piloto. É muita, muita coisa.
Certo, boa parte
destas informações, a grosso modo, poderia parecer grego para o piloto. Então,
o que os engenheiros fazem é "traduzir" todos aqueles dados em poucas
palavras, a fim de simplesmente relatar o que é essencial: Há um problema? O
carro está OK? Como está o desgaste dos pneus, ou freios, etc? E, caso
necessário, o que fazer para solucionar ou evitar algum mal funcionamento? Com
a proibição do sistema bidirecional de telemetria, adotado já há vários anos,
todos os ajustes necessários passaram a ser feitos pelo piloto, através do
volante, que foi ganhando botões a torto e a direito. E, com as instruções
recebidas do box, o piloto efetua o ajuste requisitado. Com a telemetria
bidirecional, os engenheiros ajustavam os sistemas do carro e motor on-line do
box, dispensando o piloto de ter de fazer este serviço. A proibição, para
evitar possíveis manipulações durante a corrida que violassem o espírito
esportivo, além de servir ao regulamento que proíbe "ajuda" na
pilotagem, tinha um aspecto fundamental de segurança, que era evitar que algum
ajuste pudesse pegar o piloto de surpresa de modo a este ter o controle do
carro posto em perigo, causando um possível acidente.
Nos velhos tempos, com
os carros sendo puramente mecânicos, os pilotos sabiam "sentir" o
comportamento do bólido, e pela experiência e conhecimento, identificar boa
parte dos problemas e saber o que fazer, se não para resolver, minimizar. Quem
tinha bom conhecimento de mecânica, então, tinha uma grande arma nas mãos em
relação aos concorrentes, sabendo driblar percalços que surgiam, dependendo da
situação. Isso ficou bem difícil de ser feito atualmente, pois não dá para
"sentir" os sistemas eletrônicos do carro, como se faz com a
mecânica. Daí a necessidade do fornecimento dos dados da telemetria.
A situação, que já era
complicada, ficou ainda pior este ano. Os novos sistemas de recuperação de
energia implantados, bem como a nova eletrônica de gerenciamento de
equipamentos integrados aos novos motores adotados exigiram um aumento considerável
do monitoramento de dados nos bólidos. E tentar repassar estes dados aos
pilotos tornou-se mais indispensável do que nunca, não apenas para melhorar sua
performance, mas tentar manter o piloto na competição, uma vez que a
complexidade dos novos aparatos, devido ao pouco tempo dos testes da
pré-temporada, não permitiu aos times destrincharem todas as possibilidades de
ajustes e desenvolvimento.
Criou-se também uma
"divisão" entre as equipes. Algumas escuderias mantiveram em seus
volantes telas onde os pilotos podem acessar várias informações do
comportamento do carro e seus sistemas. Mesmo assim, dependendo do tipo de
informação, pode ser necessário ao piloto "mover" a tela em exibição
na janela, uma vez que são tantos dados que não há como serem exibidos todos ao
mesmo tempo. Mas alguns times, que preferiram repassar todos os dados via
rádio, reduziram as telas dos volantes ao mínimo, para darem apenas um tipo ou
outro de informação, ou até exibirem apenas um dado por vez. Para estes times,
ou não tem como repassar a informação necessária pela tela do volante, ou o
piloto tem de "caçar" a informação, mudando os dados exibidos, até
achar o dado necessário no momento. Se o acúmulo de dados disponíveis já torna
o processo penoso para as escuderias que dispõem de telas "grandes"
nos volantes, quem tem uma tela "básica" e/ou "pequena",
torna-se o inferno, com o piloto passando mais tempo procurando uma informação
do que pilotando o carro.
Assim, do jeito como a
FIA queria implantar a proibição, banindo até as informações técnicas que
ajudassem a manter o nível de pilotagem, obviamente os times com estas telas
pequenas sairiam claramente prejudicados. E mesmo os times com volantes dotados
de telas maiores também teriam seus problemas, ainda que em menor grau do que
os outros. Felizmente, o recuo da entidade elimina esse risco, pelo menos até o
fim do campeonato. Para o ano que vem, se quiser proibir este tipo de
informação, os times precisarão mudar seus métodos de comunicação de dados. E
pode ser necessário mudar até mesmo o gerenciamento dos sistemas eletrônicos,
de modo que o piloto possa receber os dados direto do próprio carro e fazer os
ajustes necessários ele mesmo. Isso implicará em criar um esquema de informação
com dados simplificados que possam ser entendidos de imediato pelo piloto, de
forma que perca o mínimo de tempo compreendendo os dados e sabendo que tipo de
ajuste precisará ser feito nos sistemas do bólido. Times e pilotos precisarão
treinar bem para usar este tipo de procedimento. Não será algo a ser dominado
em poucas semanas. Pode levar meses. O ponto positivo é que em 2015 os times
terão todos os dados desta temporada como experiência positiva dos novos
sistemas que foram implantados, portanto, será uma tecnologia bem mais
conhecida e desenvolvida, o que deve permitir eliminar alguns imprevistos,
reduzindo as áreas que precisem de atenção e ajustes durante treinos e
corridas.
Mesmo assim, a regra
ainda precisa ser melhor esclarecida. A FIA precisa estudar como deixar a
proibição do contato pelo rádio mais precisa e objetiva, assim como estabelecer
critérios para o seu descumprimento. E quanto antes fizer isso, melhor, para se
evitar situações que podem levar a punições equivocadas, bem como
interpretações erradas do que se pode ou não fazer. Para não mencionar evitar
se desgastar ainda mais perante o público, e evitar constrangimentos e perda de
credibilidade, ainda mais que a imagem da F-1 não anda nos seus melhores dias.
Transparência, objetividade, e mais competência na condução da categoria
ajudariam muito a reverter a imagem negativa da politicagem que impera na F-1,
e deixaria o aspecto esportivo voltar a sobressair.
A FIA, claro, não é
boba nem ignorante. Mas, por vezes, parece não saber conduzir as coisas como se
deveria. E tem o hábito de não ouvir adequadamente o público da F-1, de modo
que "pérolas" como essa implantação aos trancos e barrancos da
proibição de rádio deveriam ser apenas um ponto fora da curva, mas que tem sido
muito mais frequente do que deveria ser, ainda mais em um esporte que se gaba
do seu "superprofissionalismo" aos quatro ventos. Mais ponderação e
bom senso na tomada de decisões viriam a calhar. Alguém na FIA pode ouvir isso?
BOM SENSO, CÂMBIO...
Lewis Hamilton largou na frente e venceu depois de dar um show de performance após a intervenção do safety car. O inglês reassume a liderança da competição, e promete vir com tudo para ser bicampeão. |
Lewis Hamilton teve em Cingapura
a corrida dos seus sonhos. Além de largar na pole e vencer, mesmo que tenha
dado duro para fazer isso, como o fez, ainda teve o prazer de ver seu
companheiro de equipe, Nico Rosberg, abandonar a corrida com problemas na
comunicação do volante do seu carro com os sistemas eletrônicos do bólido.
Assim, o que era uma desvantagem de 22 pontos, virou a liderança do campeonato,
com 3 pontos de vantagem para o piloto alemão. Hamilton reassume a dianteira no
melhor momento possível, mas sabe que não pode relaxar e baixar a guarda.
Rosberg continua logo ali, e pode reverter a situação, dependendo do que
acontecer nas próximas corridas. Mas a bola, por enquanto, está toda com
Hamilton, e a julgar pela cara de Rosberg no paddock de Cingapura após seu
abandono, é hora do piloto alemão colocar à prova sua frieza e inteligência,
tão propagadas como suas principais virtudes como piloto. Se Nico acusar o
golpe, suas expectativas de finalmente ser campeão podem sofrer um grande
revés. Hamilton, por sua vez, vai procurar não dar chance para uma reação do companheiro,
e começa a ganhar cada vez mais ares de favorito ao bicampeonato...
Um exemplo de como o excesso de
eletrônica hoje nos carros de F-1 pode fazer toda a diferença na performance do
carro: O problema que arruinou a prova de Nico Rosberg em Cingapura foi causado
por um cabo rompido que conectava o volante aos sistemas eletrônicos do seu
bólido. E, com todos os controles hoje no volante, sem a peça conseguir se
comunicar com o restante do carro adequadamente, não havia como reverter a
situação. Rosberg estava com problema até para competir com os carros da
Marussia e Caterham, virando 5s mais lento que o parceiro, e fatalmente, iria
terminar a corrida com várias voltas de desvantagem se continuasse na pista,
presumindo que a falha não afetasse ainda mais os sistemas, nem comprometesse a
fiabilidade. Não havia o que o piloto pudesse fazer para resolver o problema,
infelizmente, como se viu em sua parada de box, quando simplesmente não
conseguiu mais engatar marcha alguma, não conseguindo nem mesmo sair de volta
para a pista.