sexta-feira, 14 de março de 2014

PARA CHEGAR EM PRIMEIRO, PRIMEIRO SERÁ PRECISO CHEGAR...



Os carros de F-1 de 2014 devem enfrentar muitas quebras, mas que ninguém espere exageros nesta expectativa...

            Escrevo este texto da coluna imediatamente antes de ir acompanhar o primeiro treino lire oficial do ano, então quando estiver sendo lido no Brasil, é provável que parte do que falo aqui tenha se confirmado, ou na pior das hipóteses, ter errado exponencialmente em muita coisa a respeito do que esperar da F-1 nesta temporada, mas é assim mesmo, nestas corridas que são disputadas do outro lado do mundo. Quando nossos textos são publicados em algumas mídias, já viraram coisa velha.
            Pelo que vimos na pré-temporada, o grande volume de mudanças que o novo regulamento técnico da F-1 implantou este ano ia dar muita dor de cabeça para as equipes. Se os engenheiros queriam um desafio para fazer valer os seus salários e a reputação de profissionais dos mais competentes do mundo na área, conseguiram. Talvez até mais do que esperavam. Todo mundo chegou no Albert Park com dúvidas sobre as reais capacidades de seus times. Nem mesmo a Mercedes, que despontou na pré-temporada como carro e motor mais fiável, admitia estar 100% segura do que esperar quando seus carros entrassem na pista. E, se a própria Mercedes falava isso, ainda que fosse para despistar sobre a real condição de seus carros, o que dizer dos times equipados pelas usinas de potência da Renault, que andaram provocando mais baixos que altos em todas as escuderias, a ponto de deixar até mesmo a campeoníssima Red Bull sem rumo na maior parte dos dias? Confiabilidade será a palavra-chave deste campeonato de F-1, pelo menos no seu início, e parafraseando aquela antiga frase dos velhos tempos da categoria, para "chegar em primeiro, primeiro será preciso chegar..."
            Isso mesmo. Todo mundo espera um índice alto de quebras para as primeiras corridas, a ponto disso influir de maneira radical nos resultados das primeiras etapas. Vai ganhar quem conseguir se manter na pista até a bandeirada inicial, e quem realizar a façanha poderá muito bem não ser o mais veloz. De nada vai adiantar os carros da Mercedes comprovarem o potencial de estarem acima dos demais se não conseguirem chegar ao final da corrida. Depois dos últimos anos terem transformado as quebras em acontecimentos ocasionais na categoria, este ano podemos ver muita gente ficando pelo caminho.
            Os maiores candidatos a penarem para atingir a bandeira quadriculada são os times da Renault. A Lotus, por exemplo, é quem menos treinou na pré-temporada, e não será surpresa nenhuma se seus pilotos ficarem a pé logo de cara. Em maior ou menor grau, vale para todos os demais times da marca francesa: seu novo motor V-6 turbo ainda não se achou totalmente, e os sistemas de recuperação de energia ainda não atingiram a sincronia perfeita para atuarem em conjunto com as novas unidades motrizes turboalimentadas. Por outro lado, os carros em si também poderão quebrar muito mais, como há tempos não acontece nestas provas. Surpresas poderão surgir neste panorama de incerteza.
            Não devemos, é claro, contar com uma hecatombe de carros quebrados. Um técnico da Magnetti Marelli, que fornece sistemas eletrônicos para as escuderias, chegou a dizer por aqui que a expectativa poderia ser a de ninguém conseguisse chegar ao fim da corrida. A possibilidade de algo assim acontecer é remota: se nos treinos livres os times sentirem que isso pode acontecer, todo mundo deverá adotar restrições de performance nos carros, com a finalidade de tentar chegar ao fim da prova. Não vai garantir que todo mundo chegue ao fim, mas certamente vai permitir que alguém chegue. Por outro lado, as expectativas de um desastre assim, mesmo que plausíveis, podem ser completamente irreais: os times tiveram tempo para trabalhar em suas fábricas, e todos trouxeram para cá as últimas novidades que conseguiram produzir, a fim de resolver seus problemas e incrementar sua performance: depois daqui da Austrália, apenas na etapa da China os times poderão receber material de suas sedes a tempo de implementar algumas novidades nos carros, pois daqui todo mundo vai para a Malásia, onde daqui da duas semanas já tem outra prova, e apenas uma semana depois, a etapa do Bahrein.
            Para os times, uma quebra vai ser potencialmente danosa: os limites de equipamentos disponíveis para a temporada estão ainda mais restritos este ano. Cada piloto, por exemplo, só poderá usar 5 motores durante toda a temporada. A partir da 6ª unidade a ser utilizada, perderá o lugar no grid, precisando largar do box. O câmbio também precisará durar nada menos do que 6 provas, e trocá-lo antes do permitido resultará nas tradicionais 5 posições a menos no grid de largada. Ninguém vai querer correr o risco de uma quebra porque o prejuízo vai ser grande. Se for preciso, eles diminuem o ritmo, para evitar sofrer com a falta de fiabilidade, mas claro que isso não vai ser exatamente regra: podem apostar que vai haver quem queira arriscar tudo, não importa os prejuízos que possam advir depois, mas cada um sabe onde pode e onde não pode arriscar.
            Numa expectativa mais otimista, pelo menos metade do grid deve receber a bandeirada. Mais do que isso, certamente deverá ser comemorado pelos times, e pela própria competição. Quebras em demasia também tira a graça. Mas corridas em que ninguém quebra também podem ser um convite ao enfadonho. Melhor uma prova como a do GP de Mônaco de 1996, quando Olivier Panis conquistou a única vitória de sua carreira na F-1, e a última da história da Ligier, em que pese apenas 4 carros terem recebido a bandeirada, do que provas em que ninguém fica pelo caminho. Mas não é caso de glorificar também a quebradeira: é preciso haver um equilíbrio que não prejudique o esporte. Nos anos 1970 e 1980, muitos times pequenos conseguiram pontuar devido às quebras dos melhores carros, abrindo caminho para que gente esforçada, mas sem recursos, conseguissem ter algum brilho. Não era questão de favor: quem pontuava, mesmo que à custa da falta de fiabilidade dos melhores, saía com o dever cumprido de ter conseguido manter seu carro na pista melhor do que os times mais ricos, mesmo que apenas ocasionalmente, porque chegar ao final das corridas, naqueles tempos, já era um feito de respeito. Nas temporadas recentes, como os melhores raramente quebram, os pequenos praticamente não tem chance alguma de mostrar serviço. Ficam sempre lá atrás.
            Mas também não é querer que os melhores quebrem para que os pequenos se sobressaiam: os times médios, e os grandes com menos performance, também podem brilhar neste contexto, e ajudar a variar as disputas. Mas o risco de quebrar é algo que pode afligir a todos, portanto, desejar que haja uma quebradeira não é a torcida de muita gente. O que todos querem é uma boa disputa, onde o inesperado sempre possa estar presente. E, por mais tecnologia e competência que alguém tenha, sempre tem o risco das coisas não saírem como o esperado, e sofrer uma pane. O risco aumentou bastante este ano, e acredito que poderá pegar muita gente pelo caminho, até quem não esperava sofrer nenhum problema.
            Além do problema da fiabilidade mecânica, ainda temos o dilema do consumo de combustível: a redução dos 150 Kg embarcados de gasolina usados até o ano passado para os atuais 100 Kg impôs uma redução brutal no consumo. Felizmente, a tecnologia turbo já ajuda as novas unidades a serem mais econômicas que os antigos V-8 aspirados, mas mesmo assim, os novos propulsores terão de ser ainda mais econômicos. Todos os times tentaram fazer suas simulações de corrida, para terem uma idéia mais precisa de seus dados de consumo, mas apenas Mercedes e Ferrari contavam com dados mais completos até todo mundo entrar na pista nesta sexta-feira. Um erro nos cálculos pode resultar em pane seca para alguns competidores, e o perigo é bem real. Saber dosar o consumo será outro desafio.
            Claro, terão aqueles que chiarão dizendo que isso não é F-1, que os pilotos não podem mais andar com o pé em baixo, etc e tal. Discordo: quem é piloto tem de saber andar o mais rápido possível de acordo com as limitações existentes. Pilotos arrojados podem ser cerebrais sem deixarem de serem rápidos, e o desafio de resguardar seus equipamentos é outro desafio a ser vencido. Sei que muita gente prefere de forma diferente, e é uma opinião a se respeitar, mas o desafio proposto não é pouca coisa, nem tira o charme da competição. Vencerá quem souber ser rápido e manter o carro inteiro e funcionando. Não é defender pilotos lentos nem aqueles que esperam tudo cair no colo, muito pelo contrário.
            Mas chega de conversa, está na hora de acompanharmos mais uma temporada, e de minha parte, espero que seja um ano melhor do que 2013. E que vença o melhor piloto, sempre.


Não vingou o projeto de aumentar a duração do primeiro treino livre das sextas-feiras com o objetivo de incentivar os times a colocarem seus pilotos reserva na pista: ambas as sessões de treino continuam tendo 90 minutos cada uma. Mas a FIA modificou a regra sobre a ocupação dos carros, e agora, as escuderias podem sim incluir um piloto reserva no treino, mas não precisam mantê-lo durante toda a sessão. Se quiserem, por exemplo, que seu piloto reserva ande apenas 30 dos 90 minutos do treino, podem fazê-lo. Terminado o tempo determinado, o piloto reserva cede o lugar ao títular. Até o ano passado, o time tinha de manter os mesmos pilotos durante todo o treino.


Uma novidade que acabou sim implantada foi em relação ao treino de classificação: Valendo já para este sábado, o Q1 perde 2 minutos de duração, passando a ter 18 minutos, com todo mundo na pista, e onde serão eliminados os 6 carros mais lentos; o Q2 continua igual: 15 minutos de duração, com os 16 carros restantes, e a eliminação de mais 6; já o Q3 passa a ter 12 minutos, e os times passarão a ter direito a um jogo extra de pneus do composto mais macio para cada piloto, a fim de que possam disputar com mais efetividade a pole-position. Ao fim do Q3, este composto deverá ser devolvido pelos times à Pirelli. Para iniciar a corrida, a partir de agora o piloto terá de largar com os compostos com os quais fez sua melhor volta no Q2. A mudança foi efetivada para incentivar os carros a irem para a pista e disputarem posição, e não ficarem parados nos boxes. No ano passado, alguns pilotos que passaram para o Q3 praticamente nem saíram para disputar posição, uma vez que já estavam garantidos dentro dos 10 primeiros, e preferiam economizar pneu para a corrida.

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