Di Grassi agora vai guiar em tempo integral no WEC. |
O Brasil terá este ano
mais um brasileiro em um time de ponta em uma categoria TOP do automobilismo
mundial. Contando com o campeonato da Indy Racing League, onde teremos pelo
menos dois brasileiros com condições de lutar pelo título - Tony Kanaan,
defendendo a Chip Ganassi; e Hélio Castro Neves firme na Penske, a estrela
potencial do nosso país agora é Lucas Di Grassi, que foi confirmado na semana
passada como piloto oficial da Audi para o Campeonato Mundial de Endurance de
2014. Certo, Lucas já era piloto do time alemão no último ano, mas estava
inscrito apenas em poucas provas, onde a Audi competiu com 3 carros; no
restante do campeonato, onde alinhava com dois, os lugares já pertenciam a
outros pilotos. Mas agora o brasileiro, que desde que estreou pela primeira vez
defendendo o time das quatro argolas, ainda em 2012, e sempre deixou ótima
impressão na cúpula da equipe, vai ser piloto da Audi por todo o campeonato do
WEC.
Lucas ocupará a vaga
deixada por Allan McNish, que se aposentou no fim de 2013. Com isso, Di Grassi
simplesmente terá em mãos o melhor carro da categoria, a grande estrela do WEC,
o modelo E-tron R18 quattro, e que foi campeão nos dois primeiros campeonatos
do certame. Como afirmou Fábio Seixas em sua coluna na semana passada, o
anúncio é do mesmo porte de quando Ayrton Senna foi contratado pela McLaren na
década de 1980 na F-1. Para Lucas, uma vitória pessoal do seu grande esforço,
desprezado na F-1 em detrimento do fator financeiro. Pela perspectiva de
sucesso como piloto da Audi no WEC, a categoria máxima do automobilismo virará
apenas uma nota de rodapé na carreira de Lucas, que se esforçou para permanecer
na F-1, mas quando viu que dificilmente teria o retorno que merecia, resolveu
procurar outros caminhos.
Alguns podem dizer:
mas o que Di Grassi fez para merecer isso, se na F-1 não fez nada? Em primeiro
lugar, ele não fez nada porque o time por onde pilotou, a Virgin, era
praticamente uma carroça, nos times que estrearam em 2010 com o aval de Max
Mosley, que sentia que a categoria precisava de novos times. Das escuderias que
adentraram a F-1 naquele ano, apenas a Lotus - atual Caterham, tinha condições
mais decentes (e que mesmo assim não conseguiu fazer quase nada), enquanto a
Virgin e a Hispania eram quase arremedos de carros de F-1, com o time espanhol
conseguindo ser o pior time e carro do ano. E com um time assim tão pouco
competitivo, nem mesmo a comparação com o companheiro de escuderia era algo
muito confiável, pois ambos os carros nunca conseguiam ter uma preparação
decente e igual. Foi um ano de frustrações e nenhuma satisfação, e quando
começaram as negociações para tentar se manter na categoria em 2011, o que mais
se exigia era uma conta bancária recheada; talento estava em segundo plano.
Assim, não foi surpresa Lucas acabar preterido pelos times com os quais
negociou em favor de pilotos com patrocínios mais generosos. Seu talento e
inegável qualidade técnica não bastavam. Nem mesmo quando passou a ser piloto
de testes da Pirelli, ajudando a desenvolver os compostos utilizados pela F-1
ajudou muito: por mais experiência e feedback que pudesse trazer a qualquer
time sobre os pneus - informação valiosa para qualquer escuderia da categoria,
conseguia superar a oferta de pilotos com mais verba financeira.
Procurando novos
espaços, conseguiu em 2012 acertar para correr pela Audi na etapa brasileira do
WEC. Fez bonito logo de cara, ficando em 3° lugar, o que lhe valeu um contrato
para ser piloto da escuderia alemã na categoria, embora não fosse pilotar em
tempo integral no WEC, realizando vários testes para o time. O bom trabalho
nesta atividade, além das boas performances apresentadas nas corridas que
disputou efetivamente deixaram excelente impressão, e agora Lucas certamente
irá colher os frutos de seu esforço. É um dos candidatos ao título de 2014 do
WEC, mas vamos devagar com a coisa, porque a Audi tem mais pilotos, e não se pode
dizer que o brasileiro vai ser campeão só porque será piloto do melhor time do
certame. Ele vai ter de ralar na pista, o que não quer dizer que a Audi vai dar
preferência a alguém dentro da escuderia. Ao contrário da F-1, no WEC a disputa
na pista vai ser livre e limpa, e também intensa e difícil.
Para boa parte do
público, infelizmente, o que interessa em termos de esporte a motor é apenas
F-1. Talvez o fato de Felipe Massa não poder ser considerado favorito a
vitórias, por não estar mais na Ferrari, ajude os brasileiros a verem que há
corridas fora da F-1. Mas ultimamente o automobilismo anda meio em baixa,
devido aos poucos resultados obtidos por nossos representantes nos últimos
anos. A massa do público ainda enxerga apenas a F-1, e isso atrapalha, pois muitos
nem se dão conta do que acontece em outros campeonatos. Apenas uma parcela mais
restrita dos fãs, que inclusive possuem TV por assinatura, e seguem com
frequência o mundo do automobilismo, estão mais inteirados do valor e
importância que Di Grassi tem ao se tornar piloto Audi integral no WEC. Mas a
situação não é de hoje...
Em 1987, no antigo
campeonato de Esporte-Protótipos, antecessora do atual Mundial de Endurance,
Raul Boesel conquistou o único título de um piloto brasileiro naquele certame.
Mas sua conquista acabou ofuscada por Nélson Piquet, que no mesmo ano tornou-se
tricampeão mundial de F-1 na equipe Williams, em duelo ferrenho com Nigel
Mansell. Com o grande público voltado para a conquista de Piquet, aliado ao
fato de que em 1988 Ayrton Senna correria na McLaren, quem estava se importando
para o título conquistado por Boesel? Pouca gente, infelizmente.
Émerson Fittipaldi
abriu os olhos dos brasileiros para a Fórmula Indy em 1989, ao vencer o
campeonato, sendo o primeiro não-americano a conquistar tal feito. Naquele
mesmo ano, foi também o primeiro brasileiro a vencer a tradicional 500 Milhas de
Indianápolis, uma das mais famosas e prestigiadas corridas do mundo inteiro.
Mas boa parte do público foi levada pelo "renascimento" de Émerson,
que havia sido bicampeão da F-1, e que havia saído desta com o prestígio em
baixa, no começo daquela década. A grosso modo, boa parte do público via a Indy
como uma F-1 "B", pois tinha muita coisa similar. O foco da atenção,
em si, ainda era pela F-1 propriamente. A Indy era uma "imitação" da
F-1, e partindo desse conceito, até conseguiu ganhar espaço em nosso país, mas
sem chacoalhar a supremacia do interesse brasileiro pela F-1.
Mesmo nossas
conquistas nas categorias menores do automobilismo europeu, como a F-3 e a
F-3000, eram mais destaque com o sentido de que "em breve, teremos mais um
talento na F-1" do que qualquer outra coisa. Em 2000, quando Gil de Ferran
conquistou seu primeiro título na F-CART, o grande público estava mais
interessado em ver como Rubens Barrichello se sairia como piloto de um time de
ponta, a Ferrari. Só mesmo os aficcionados para valorizar e comemorar a
conquista de Gil de Ferran, que tinha como meta chegar à F-1, como a grande
maioria, mas que ao ver fechadas as portas desta, deu outro rumo à carreira, e
não se arrependeu nem um pouco.
Muito pelo contrário:
Gil foi bicampeão da F-CART, e ainda venceu as 500 Milhas de Indianápolis.
A estrada aberta por Émerson na categoria, ainda nos anos 1980, mostrou a
nossos pilotos que havia um campeonato muito interessante onde se poderia fazer
carreira. Nos anos 1990, a
leva de representantes verde-amarelos no certame teve seu ápice, com muitos
escolhendo os Estados Unidos para dar andamento às suas carreiras. Além de Gil
de Ferran, quem também migrou para os EUA foram Christian Fittipaldi, Roberto
Moreno, André Ribeiro, Hélio Castro Neves, Tony Kanaan, Guálter Salles, Maurício
Gugelmim, entre muitos outros. Alguns conseguiram melhores resultados que
outros. Mas souberam rumar para outros campeonatos.
Outro exemplo de
grande talento brasileiro que desistiu da F-1 foi Augusto Farfus Jr., que já
está na Europa há bastante tempo, e ao invés da categoria máxima do
automobilismo, foi para o turismo, e hoje compete no DTM, um dos mais
conceituados campeonatos da modalidade no planeta.
Embora seja importante
um piloto contar com a admiração dos fãs e do público, acima de tudo ele é um
profissional, e sua meta é conseguir pilotar bons carros e disputar sempre a
melhor prova possível. Poucos de fato poderão ser vencedores e campeões, mas um
verdadeiro vencedor e campeão não se resume apenas a títulos, mas pela atitude
que cada um tem na condução de sua vida e carreira. Lucas Di Grassi pode não
ter conseguido muito sucesso em sua carreira internacional de piloto, mas suas
atitudes, determinação, talento e técnica o credenciam a ser um verdadeiro
vencedor e um campeão por si mesmo. Na Audi, terá todas as condições de fazer
seu talento brilhar, e ele certamente vai dar o melhor de si para justificar à
marca alemã a confiança depositada nele.
Sempre existiu vida no
automobilismo fora da F-1. E este ano, espero que a grande torcida do Brasil
abra os olhos para os feitos de Lucas no WEC. Meus parabéns ao piloto, e
aguardo para assistir às suas performances na nova categoria. Pelo pouco que já
vi, ele terá muito a mostrar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário