Os motores Renault iniciaram 2014 com mais fumaça do que performance. |
Enquanto a grande
maioria dos brasileiros está padecendo das altas temperaturas do verão
nacional, que está chegando a mais de 40° em alguns lugares, com sensação
térmica acima dos 55° em alguns lugares, o clima na Renault, um dos
fornecedores de motores para o campeonato mundial de Fórmula 1 anda quase tão
quente quanto nossas temperaturas.
O resultado da
primeira sessão coletiva de testes da pré-temporada, realizada semana passada
em Jerez de La Fronteira, na Espanha, acendeu o alerta vermelho não apenas na
fabricante de motores, mas também nas escuderias abastecidas pela fábrica
francesa, e há razões de sobra para ficarem preocupados: as unidades francesas
foram as que menos acumularam quilometragem. Quem conseguiu andar mais com
novos V-6 turbo da terra de Napoleão foi justamente a Caterham, teoricamente o
time mais inexpressivo da marca na F-1. E como que numa escala inversamente
proporcional à reputação do time, coube à Red Bull o principal vexame de ver
sua primeira sessão de testes virar fumaça, literalmente, conseguindo um número
pífio de voltas.
O baque foi tão forte
que o primeiro escalão da escuderia, leia-se Christian Horner e Adrian Newey,
retornaram à fábrica na Inglaterra antes do fim dos testes, com parte do
equipamento. O resto da escuderia ficou para o último dia de treinos em Jerez,
com mais um dia sem resultados aproveitáveis. E Daniel Ricciardo passou por sua
primeira saia justa como piloto da Red Bull, tendo de encarar os jornalistas e
dar declarações sobre o fiasco dos testes para o time que se tornou a
excelência na F-1 nas últimas 4 temporadas.
O consenso geral é de
que o novo projeto de Adrian Newey, o modelo RB10, terá de ser repensado.
Quanto não dá para saber, mas informações mais disponíveis dão conta de que o
sistema de refrigeração do novo carro simplesmente não dá conta das
necessidades da nova unidade de potência. E, sem refrigeração adequada, não há
motor que aguente. Como que para confirmar o fato, a Toro Rosso, time satélite
da Red Bull, também teve problemas de refrigeração das suas unidades. Menores
do que os do time matriz, mas ainda assim, também preocupantes. O modelo STR09
usa o RB10 como base, mas tem seu design próprio, o que ajuda a mitigar, mas
não eliminar os problemas de superaquecimento enfrentados pelo novo motor
turbo. Mesmo a Caterham não ficou livre de alguns percalços, o que mostra que,
mesmo que se aponte erros no projeto dos carros, também sobra culpa para o
propulsor.
Preocupação mais do
que confirmada pelo fato de a fábrica francesa pedir a presença de todos os
seus times hoje em Jerez para a apresentação do novo modelo E22 da Lotus, time
que não foi ao autódromo da Andaluzia semana passada, alegando precisar de mais
tempo para finalizar seu carro, e que também usa os propulsores franceses. A
desculpa da presença da Lotus é realizar filmagens promocionais do novo carro e
o shakedown do mesmo, mas ninguém duvida que mesmo essa rodagem limitada do
carro é crucial para a fábrica verificar se as modificações realizadas no
propulsor na última semana resolveram os problemas de aquecimento.
Oficialmente, Red Bull, Toro Rosso e Caterham estarão com representantes no
teste a convite da própria Renault, que está bancando o dia de
"filmagens" da Lotus.
Pelo que se pode notar
na semana passada, a Mercedes saiu bem na frente na nova era turbo de motores
da F-1. Embora não tenham sido exigidos ao máximo, todos os times abastecidos
pela marca alemã acumularam quilometragem expressiva, o que é significativo em
um ano onde o novo regulamento técnico permite a cada piloto dispor de apenas 5
motores para toda a temporada, que tem quase 20 corridas, o que dá uma média de
que cada motor precise durar 4 provas ou mais, dependendo das circunstâncias.
Se a Renault não conseguir mostrar fiabilidade, corre o risco de ver seus
pilotos ficando pelo caminho durante as corridas com uma frequência assustadora
durante o campeonato. Até a Ferrari, no momento, parece estar distante de ser
alcançada pelos franceses, apesar de se encontrar, teoricamente, abaixo da
Mercedes no rendimento potencial de seus propulsores.
A situação na Renault
ficou alarmante pelo fato de não ter havido problemas em apenas um setor, mas
em todo o sistema do motor e do novo Ers, o novo equipamento de recuperação de energia.
Em cada problema surgido, a falha foi em um local diferente. A empresa jurou
que tudo estará resolvido para a próxima sessão de testes, a ser feita no
Bahrein, a partir do dia 19 deste mês. E tem motivos cruciais para tentar
resolver isso até lá: as temperaturas. Em Jerez, o clima esteve frio, mas
fresco. No Bahrein, todos os motores e carros terão de encarar as altas
temperaturas do deserto, um cenário de calor que é o que se espera em todas as
corridas. Se os motores da Renault sofreram no clima ameno da Andaluzia,
poderiam simplesmente estourar de vez no forte calor das areias barenitas.
Para as escuderias, o
sinal também foi dado: mesmo que a Renault melhore seu equipamento, pelo sim
pelo não é preciso melhorar a refrigeração dos bólidos. Dependendo do projeto,
a operação pode ser mais ou menos custosa, tecnicamente falando, com perdas
e/ou ganhos no quesito performance. Não é impossível que a situação seja
corrigida: todos os times possuem técnicos de alta capacidade, e a categoria
sempre conseguiu dar a volta por cima em todas as restrições que enfrentou até
hoje. O problema é que antigamente os times tinham a chance de testar
livremente, o que não ocorre nos dias de hoje. Os dias de pista são escassos,
então o trabalho nas fábricas está sendo intenso, a fim de preparar e simular
todas as modificações necessárias para corrigir os problemas verificados. Mas
apesar dos simuladores estarem cada vez mais perfeitos, o trabalho de pista
ainda é imprescindível, e não há outro meio melhor de se apurar a
confiabilidade dos dados. Se os simuladores fossem tão bons, como explicar que
a Renault levou um susto tão grande com o teste de pista de suas unidades? E
isso para não falar dos times, igualmente pegos de surpresa com os problemas
gerados por seus próprios carros.
A nova sessão de
testes em Sakhir promete pegar fogo se as unidades francesas continuarem
apresentando problemas. E a relação dos times com a fábrica francesa pode
esquentar também, se os defeitos acabarem vindo mais dos motores do que dos carros.
E ninguém pode afirmar que foram pegos exatamente de surpresa: todos sabiam que
os novos propulsores turbo teriam necessidades diferenciadas de refrigeração em
relação aos velhos V-8 aspirados usados até 2013. Da mesma maneira, o novo Ers,
uma evolução do Kers usado até o ano passado, que disponibiliza muito mais
potência e durante muito mais tempo, pelo fato de canalizar muito mais energia
e utilizar um conjunto maior de baterias para acumular toda essa força
proveniente dos sistemas de recuperação de energia, iria precisar de muita
refrigeração, razão pela qual as laterais de todos os carros tiveram as
entradas de ar para os radiadores bem aumentadas em relação ao que víamos até
2013. Até o ano passado, o sistema de recuperação oferecia apenas 80 cavalos extras
que poderiam ser utilizados por alguns segundos por volta, aproveitando a
energia das frenagens dos bólidos. Este ano, o sistema é bem mais complexo, e
além de reaproveitar a energia gerada pelos freios, ele se aproveita também do
calor gerado pelo próprio motor turbo, e oferece 160 cavalos por até 33s por
volta. O sistema de recuperação de energia ficou bem mais complexo, e está
muito mais intimamente ligado ao próprio motor, de modo que o Ers e o motor
praticamente funcionam em ressonância, como se fossem uma peça só. Não é por
acaso que todos estão se referindo aos motores como "power units", ou
"unidades de força", e não somente como propulsores simplesmente. Se
o motor não funciona a contento, o Ers também fica comprometido, e vice-versa. É
preciso garantir que ambos estejam mais afinados do que nunca, e até agora, o
equipamento produzido pelos franceses está mostrando precisar de mais cuidados
do que se imaginava a princípio, a ponto de se previsar repensar estas
necessidades. Vai ter muita pressão tanto nos times como na própria Renault, e
dependendo de como a situação evoluir, algumas relações poderão ficar bem
tensas.
De seu lado, a Renault
precisa mais do que nunca mostrar que pode e deve resolver o problema: é o
motor campeão do mundo, vencedor dos 4 últimos campeonatos de F-1. Um mérito
que não cabe apenas a Sebastian Vettel ou aos excelentes carros concebidos por
Adrian Newey, mas também ao motor francês, que tinha excelentes qualidades
técnicas, que foram muito bem usadas tanto pelo monoposto como pelo piloto. E,
pelo seu lado de campeã, a Red Bull também enfrenta pressão similar.
Fica uma dúvida: as
unidades da Mercedes e da Ferrari não tiveram problemas em Jerez, mas e se
tiverem no forte calor do Bahrein? Eis uma questão que será preciso desvendar
por parte dos times e das fábricas. Só faltava o forte calor bagunçar com eles
também a esta altura, e com a Renault já enrolada no problema, o campeonato
pode até começar com todo mundo sem saber a quantas pode acelerar seus novos
motores, podendo haver uma quebradeira generalizada. Esportivamente, seria
interessante, por ver a monotonia quebrada, e vendo quem se daria melhor.
Aguardemos para descobrir o que vai acontecer...
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