sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

PILOTOS PAGANTES: MAL NECESSÁRIO


ACIMA: A Jordan, em 1993, tinha vários patrocínios para se manter, mesmo sem a verba trazida por Rubens Barrichello; basta ver o tamanho do logo da Arisco em seu carro.
ABAIXO: O principal patrocinador da Sauber, em 2013, é a Claro/Telmex, unicamente pela presença de Esteban Gutiérrez. A Sauber não conseguiu arrumar outros patrocinadores fortes...
            Com o campeonato de Fórmula 1 de 2013 se aproximando, uma das discussões que vi nos últimos dias foi sobre o “acúmulo” de pilotos “pagantes” que a categoria vem apresentando, com opiniões quase sempre críticas a respeito desta “modalidade”, associando-a quase sempre a pilotos de pouco talento e carteira recheada, que por conta dos dólares que trazem, estariam tirando a chance de pilotos de real talento, mas que não possuem o mesmo respaldo financeiro. Essa discussão, a rigor, não é nova, visto que a categoria máxima do automobilismo sempre foi um tremendo buraco negro, sumidouro de recursos financeiros por parte de pilotos que desejaram competir em seu certame, sejam eles pagantes ou não pagantes. O tom certo da discussão seria mais a “dimensão” que os pilotos pagantes ocupam hoje em dia, pois eles sempre existiram no automobilismo. Não são um fenômeno nada recente.
            Até mesmo nossos grandes campeões na categoria entraram lá com apoio financeiro de alguém. Alguns se mantiveram, outros não. E todos os pilotos brasileiros que tentaram a sorte na F-1 nas últimas duas décadas precisaram esfregar a carteira para entrarem na categoria, portanto, raros são os pilotos que nunca precisaram pagar para correr na F-1. Essa na verdade é a exceção, e não a regra. O problema hoje, como já mencionei, é o tamanho da “conta” que é apresentada aos pilotos interessados em correr.
            Tomemos a Sauber como exemplo mais contundente: sua dupla de pilotos atuais é de ambos “pagantes”. Nico Hulkenberg traz a verba da Dekra, que o acompanha há anos. E Esteban Gutiérrez, por sua vez, foi escolhido para que o time continuasse a ter o polpudo patrocínio das empresas de Carlos Slim, que nos últimos dois anos bancou o time dando lugar a Sérgio Pérez. No ano passado, Pérez garantia com sua posição a conta de seu mecenas do México, enquanto Kamui Kobayashi era um piloto “assalariado”. Para este ano, o japonês foi mandado embora e em seu lugar entrou Hulkenberg. Desnecessário dizer que isso foi feito para reforçar o caixa do time, em que pese a escuderia alegar que o piloto alemão é um talento maior do que o japonês. Mas também não dá para negar que, talento por talento, Nico tem dado mostras de ser melhor que Kamui. Só que mesmo assim, não se consegue apagar a impressão velada de que foi substituído o japonês por receber salário, por um que paga para correr. Por sua vez, Monisha Kaltenborn, chefe do time suíço, diz não ver nada de anormal nisso, e que todos fazem muito barulho por nada.
            Agora passemos pela entrada de Rubens Barrichello na F-1 em 1993. O paulista entrou na categoria pela Jordan, um time médio, e também trouxe patrocínios pessoais que certamente ajudaram na sua contratação pelo time de Eddie Jordan naquele ano. E aí, qual é a diferença do Barrichello “pagante” de 1993, para os “pagantes” Hulkenberg e Gutiérrez de 2013? A diferença é que os patrocínios trazidos por Rubinho há 20 anos atrás na Jordan eram verbas “secundárias” no orçamento da escuderia para aquela temporada. Eram importantes, mas não essenciais para a temporada da Jordan, que tinha na petrolífera Sasol e nos cigarros Barclay seus principais aportes financeiros. Agora, se for olhar para a Sauber este ano, vai ser ver que seu principal patrocinador é a Claro e a Telmex, empresas que se mantiveram no time pela presença de Gutiérrez, que lá estiveram nos últimos anos devido à presença de Sérgio Pérez. Basta dizer que, sem eles, a Sauber praticamente não conseguiria disputar a temporada, por não ter verba suficiente para isso.
            Se a Jordan poderia se virar em 1993 sem os patrocínios trazidos por Barrichello, o mesmo não pode ser dito do time suíço este ano. E é essa a diferença que realmente incomoda atualmente na questão dos pilotos “pagantes”: o fato de que sem eles, alguns times não terem patrocinadores de fato. Um sinal preocupante da real condição da F-1. Se formos ver bem de perto, apenas McLaren, Ferrari, Red Bull e Mercedes não tem absolutamente nenhum piloto contratado na base essencial de patrocínio. Até mesmo a Lótus, que fez um excelente campeonato no ano passado, possui um piloto “pagante”, que é Romain Grossjean, apoiado pela Total, e até certa forma, imposto ao time. E dali para baixo, praticamente ninguém escapa do adjetivo, exceção aos pilotos da Toro Rosso, filial da Red Bull, que é um caso à parte. Marussia e Caterham renderam-se de vez aos pagantes; a Williams, outrora potência dos anos 1980 e 1990, ficou reduzida a pilotos pagantes desde o ano passado em regime integral; a Sauber já comentei; e a Force Índia está exigindo uma boa e recheada carteira no leilão de sua vaga restante, então.
            O problema maior da grande quantidade de pilotos pagantes vem do fato de que eles se tornaram um “mal necessário” à F-1. Devido aos custos cada vez mais altos da categoria para se manter e competir no nível que se exige no campeonato, tornou-se absurdamente imprescindível optar por pilotos que tragam mais verba do que talento propriamente. Felizmente, tem sido possível ver que vários destes pilotos tem conseguido conjugar talento e patrocínio, mas a verdade é que eles deveriam ser escolhidos de qualquer jeito, se fossem apenas talentosos, o que não vem sendo mais o caso. Preocupa mais é o fato de os times, mais do que nunca, se mostrarem incapazes de atrair patrocinadores por si próprios, e este é um sinal claro de que a F-1 precisa reduzir seus custos e tentar efetivar mudanças que promovam mais igualdade de competição entre seus times.
            Tirando os patrocinadores pessoais de suas carenagens, Williams, Sauber, Marussia, Caterham, e Force Índia ficam quase limpos, um sinal claro de que não estão conseguindo mais andar somente com suas próprias pernas. No caso da Force Índia, seu visual até engana, mas praticamente todos os seus logos na carenagem são de empresas de Vijay Mallya e do grupo Sahara, acionista do time. Sauber e Force India, apesar de terem feito um campeonato bem satisfatório em 2013, ainda assim não parecem ter conseguido atrair patrocinadores de porte para ajudar a aliviar a necessidade de um piloto pagante. E aí, estamos de volta ao fator custo da F-1, algo que é mencionado pela chefe da Sauber, Monisha, que adverte que é preciso baixar os custos de competição, panorama que também foi salientado por Martin Whitmarsh, da McLaren, para quem o modelo atual da F-1 está se tornando inviável para os times médios.
            A F-1 sempre foi cara. Mesmo em 1990, quando um time de ponta tinha um orçamento de cerca de US$ 70 milhões, já se dizia que os custos eram altos demais. Depois que as montadoras resolveram fincar bandeira na categoria, no final daquela década, os custos aumentaram ainda mais. Em 2008, times como Ferrari e McLaren já dispunham de orçamentos estimados na faixa de US$ 500 milhões, se não mais. O baque da crise econômica mundial ao fim daquele ano levou a categoria a implantar um pacote de redução de custos. O problema é que, na mesma medida em que os gastos caíram, em especial pela redução radical dos testes dos times, os patrocinadores potenciais caíram ainda mais, pela crise econômica que até hoje continua afetando a Europa e parte do mundo. Sem a redução, o panorama estaria muito pior, mas é preciso continuar a cortar gastos, e quando se fala nisso, ninguém mais se entende como deveria. E os times, a FIA, e também a FOM, não chegam a um denominador comum para se chegar a um acordo. Todos querem gastar menos, mas não querem é ser afetados pelo corte de gastos imposto por regras novas.
            E a crise mundial fez cada empresário se retrair quando o assunto é gasto em publicidade. Boa parte deles passou a visar mais mercados regionais, e a concentrar seu investimento em opções de maior retorno. No Brasil, basta ver que a Stock Car concentra os melhores patrocínios do país, que são mais viáveis e apresentam maior retorno no mercado nacional do que apoiando pilotos nacionais pelo mundo afora, onde seria preciso gastar muito mais, com um retorno praticamente nulo, pois são raríssimas as categorias estrangeiras que hoje sequer são noticiadas na imprensa brasileira ou em canais esportivos. A Indy Racing League também enfrenta problema parecido nos Estados Unidos: as empresas preferem investir mais na Nascar, que dá muito mais audiência e retorno, com seus carrões, do que nos monopostos de uma categoria que é uma pálida imagem da F-Indy que há 20 anos atrás mostrava força e pujança, e concorria fortemente com a Stock americana. E a IRL também anda mais do que nunca, por causa da escassez de patrocinadores, exigindo pilotos com patrocínio para alinhar em seus carros, mesmo com seus baixos custos de competição, se comparados à F-1.
            É uma questão mercadológica. Custo x Benefício x Retorno. Enquanto todos os elementos desta equação não se equilibrarem, sempre será necessário apelar para soluções de compromisso, que nem sempre são as melhores do ponto de vista esportivo, mas imprescindíveis do ponto de vista financeiro. A ordem é garantir a sobrevivência do time. Depois, pensa-se no resto. Sem pilotos pagantes, muitos times certamente já teriam fechado as portas. Um mal necessário, como já falei aqui, mas enquanto não se consegue, ou não se implanta uma solução melhor, não há o que fazer a respeito. É necessário tornar as categorias que estão sofrendo esse problema serem mais atrativas para os patrocinadores. Se estes voltarem, ótimo, pois dará aos times melhores condições de competição, e poderem escolher seus pilotos da melhor maneira possível, mesmo que sejam pagantes, desde que o dinheiro destes não sejam tão imprescindíveis como estão sendo atualmente...

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