Chegamos agora à última parte de meu texto analisando como foi a temporada de 1994 na F-1, dando uma olhada geral no campo dos motores, e no que aconteceu fora da pista, em um ano que certamente foi bem tumultuado, tanto dentro quanto fora da pista. Boa leitura.
ANÁLISE DA TEMPORADA 94 DA FÓRMULA 1 – 3ª Parte
Adriano de Avance Moreno
OS MOTORES DE 1994
Passando agora para o campo dos motores, em 1994 tivemos uma agradável estréia na F-1: a Peugeot, que ingressou na categoria fornecendo propulsores à equipe McLaren. Para um motor estreante, a Peugeot surpreendeu até. Boa parte do sucesso deve-se à associação a um time de ponta, o que garantiu um chassi competitivo para o motor. Mesmo enfrentando problemas naturais de adaptação a uma categoria tão tecnológica como a F-1, a Peugeot conseguiu vários pódios com a McLaren e quase uma vitória (em Barcelona, onde Mika Hakkinem aproximava-se perigosamente de Damon Hill, até seu motor quebrar). A McLaren conseguiu, das provas da Bélgica à da Europa (Jerez) sempre subir ao pódio, terminando o ano com 42 pontos, ocupando a McLaren a 4ª colocação no campeonato de construtores. Os motores Peugeot V-10 A4 e depois a especificação A5, tiveram um notável avanço ao longo da temporada, chegando à versão que correu em Adelaide a ter cerca de 80 HPs a mais do que a versão que correu em Interlagos. Para 1995, a evolução do propulsor deve continuar firme, e com um orçamento maior no desenvolvimento dos propulsores, agora reduzidos para 3 litros, tudo indica que a marca francesa irá conseguir igualar-se à sua rival Renault no futuro próximo.
O motor Renault manteve por mais uma temporada o título e melhor propulsor da F-1. Apesar de ter sido igualado ou até superado em potência pelo motor V-12 da Ferrari, os V-10 franceses mostraram-se muito mais competitivos e confiáveis, honrando a durabilidade apresentada pelos motores nas últimas temporadas. A falta de um chassi mais competitivo da Williams não permitiu à Renault demonstrar a superioridade dos últimos anos, mas a marca francesa conquistou seu terceiro titulo de construtores consecutivo, e deverá manter o domínio em 95, quando irá abastecer as principais escuderias da categoria, a Williams e a Benetton, em igualdade de condições.
A Ford conseguiu seu primeiro título de pilotos desde 1982, quando o finlandês Keke Rosberg, com um Williams, conquistou o último título de um motor aspirado antes da Era Turbo dominar completamente. A evolução do motor V-8 da série HB especificação VIII para o Zetec-R utilizado pela Benetton neste ano foi notável. E mais uma vez a Ford mostrou a sua alta durabilidade nos motores. Pouco se viu de propulsores quebrados na Benetton durante todo o ano. O aumento da potência foi surpreendente, alcançando a nova versão cerca de mil rotações a mais que a anterior. Isso diminuiu a diferença de potência para os motores mais fortes, como o Renault, Ferrari, Yamaha e Mercedes, mas foi principalmente o talento de Michael Schumacher que soube canalizar e capitalizar o potencial deste motor para ganhar o campeonato.
Os demais times equipados com motores Ford, em sistema de leasing, não tiveram o mesmo sucesso alcançado pela equipe de fábrica. Os motivos básicos foram vários, mas os principais foram a falta de recursos dos times e a falta patente de potência dos antigos V-8 usados, todos de especificação anterior ao Zetec-R. Larrousse, Arrows, Minardi e Simtek não conseguiram muitos resultados. A Arrows, mesmo tento um ano atribulado, foi a que teve melhores resultados, graças a Christian Fittipaldi. A Minardi veio a seguir, ficando a Larrousse em último com apenas 2 pontos. E a Simtek nem teve chance de fazer parte de algum resultado melhor, nem sequer chegando perto da zona de pontuação.
Depois de vários anos como equipe oficial da Ford, a Benetton mudará para os motores Renault em 1995, e a fábrica norte-americana passará a ter como equipe oficial a Sauber, onde continuará o desenvolvimento da nova geração de motores e tentará manter o mesmo sucesso conseguido nesta temporada.
A Ferrari conseguiu aprimorar o seu motor V-12, que tornou-se o propulsor mais potente da F-1 (dizem que estourou o dinamômetro e o banco de provas em Maranello, durante seu teste de potência). Em Hockeinhein, o motor V-12 do time italiano mostrou toda a sua força, ao levar os carros vermelhos à primeira fila do grid e à vitória. A Ferrari conseguiu repetir o feito em Monza, nos treinos, mas na corrida teve de contentar-se com o 2º lugar de Gerhard Berger. Com um chassi muito melhor em 1995, tudo indica que a Ferrari deverá voltar em definitivo à condição de equipe de ponta, um status que neste ano foi atingido em apenas uns poucos GPs, enquanto em outros a Ferrari esteve enrolada no bloco intermediário.
A Mercedes, como já foi dito, abandonou a Sauber e foi para a McLaren, onde espera poder mostrar todo o seu potencial, até agora impossível na equipe suíça. Potência os motores Mercedes demonstraram o ano todo, embora também tenha deixado um pouco a desejar em termos de durabilidade e confiabilidade, deixando os pilotos da Sauber pelo caminho. Foi a mesma história dos motores Peugeot, que aliás, tiveram uma temporada de estréia bem melhor do que a da Mercedes.
Brian Hart teve a melhor temporada do seu motor V-10, que estreou em 1993. Competente como poucos, Hart só não foi mais longe por não possuir todos os recursos financeiros que dispõem os outros fabricantes de motores. Mas os resultados obtidos com a Jordan foram bons, o que os tornou os V-10 mais disputados do bloco intermediário. Cerca de 4 ou 5 equipes querem a primazia de utilizá-los na próxima temporada. Com um orçamento melhor, os motores deverão evoluir ainda mais em 1995. De realçar também o fato de o motor ter conquistado uma pole, com Rubens Barrichello na Bélgica, a segunda obtida com um motor construído por Brian Hart. A primeira foi em 1985, obtida com a Toleman, que suava um propulsor Hart turbo.
A Honda/Mugen não teve um ano de bons resultados. Boa parte deles deveu-se ao péssimo chassi da Lótus em 94, o que abortou a chance de se conseguir melhores performances. Em Monza, a Honda equipou a Lótus de Johnny Herbert com os motores utilizados pela McLaren em 1990, e o resultado foi assombroso: 4º lugar no grid, quase superando a Williams. Pena que não durou, pois Herbert acabou atingido na largada por uma confusão causada por Eddie Irvinne, e na nova largada, o caso reserva não tinha o mesmo motor. No resto do ano, a Lótus voltou a ocupar posições menos honrosas nos grids de largada e a chegar lá atrás nas corridas. O motor japonês ainda não tem equipes confirmadas para 1995, embora vários times estejam interessados no propulsor nipônico. Receia-se, entretanto, que o maior envolvimento dispendido pela Honda japonesa à F-Indy em 1995, onde irá fornecer motores a um dos novos times da categoria, a Tasman, que terá como piloto o brasileiro André Ribeiro, faça com que os japoneses percam o interesse pela F-1, e consequentemente, desenvolvam menos os seus motores.
A Yamaha, ao contrário, teve sua melhor temporada na F-1, desde que estreou na categoria em 1989, abastecendo a equipe Zackspeed. Equipando os carros de Ken Tyrrel, a Yamaha deu mostras de uma excelente evolução em seu motor V-10, que ainda foi auxiliado por um chassi competitivo. Em vários circuitos, os Tyrrel mostraram a força do novo motor, largando nas primeiras filas do grid. E em Barcelona, a Yamaha conquistou o seu primeiro pódio na F-1. O acordo para 1995 prevê a continuidade da parceria com a Tyrrel, provavelmente esperando-se resultados ainda melhores do que os conseguidos neste ano.
ROLOS FORA DA PISTA
No campo político, estivemos perto de uma crise na categoria. As discussões criadas em torno do quesito segurança chegaram ao ponto de quase provocar uma greve dos pilotos durante os treinos para o GP da Espanha. Depois de muita negociação, as coisas esfriaram e a prova foi realizada, com algumas exigências atendidas. As novas regras técnicas foram disparadas meio que a torto e a direito. Não que a intenção da FIA de reduzir a velocidade dos carros não fosse válida, mas deveria ter elaborado as novas regras com maior cuidado e ouvindo em maior escala e importância as opiniões dos construtores e projetistas. Os próprios pilotos admitiram que os carros haviam se tornado mais perigosos de guiar com as novas regras, apesar da velocidade ter sido diminuída.
Aos trancos e barrancos, as escuderias trataram de resolver o problema e a temporada continuou em frente. Mas a FIA não parou por aí. A punição a Michael Schumacher pelo ocorrido em Silverstone foi pesada, sem dúvida, mas deveria ter sido mesmo aplicada. A FIA sempre teve muita severidade nas aplicações de punições; quem não se lembra de Nigel Mansell no GP de Portugal de 1989, quando o inglês foi desclassificado por dar marcha-a-ré nos boxes e, depois de lhe ser mostrada a bandeira preta, continuou na pista como se nada tivesse acontecido? Mansell, em disputa de posição, acabou tirando Ayrton Senna da prova. O castigo de Mansell foi bravo: uma corrida suspenso e uma multinha de cerca de US$ 50 mil.
A Benetton também andou pisando na bola ao permitir incidentes que quase chegaram a uma tragédia. A desclassificação de Schumacher na Bélgica, por medidas irregulares da prancha de madeira no fundo do carro, deixou a forte impressão de erro amadorístico por parte da escuderia. O incêndio no carro de Verstappen na Alemanha deu um tremendo susto. A Benetton também foi acusada de ter mecanismos proibidos nos carros, como controle de tração, por exemplo. Mais tarde, confirmou-se que nada estava fora do regulamento, mas a imagem da Benetton como escuderia levou um belo tombo de credibilidade. Flavio Briatore, então, tomou a pecha de maior vigarista da F-1. Não que os demais chefes de equipe sejam santos, mas Briatore parece ter deixado todos os demais parecendo amadores neste quesito.
Por linhas tortas, porém, a FIA conseguiu o pretendido, e a disputa do mundial só terminou na última prova, em Adelaide, na Austrália. Schumacher venceu o campeonato, mas deixou a forte sensação de que, sob pressão, pode ser extremamente vulnerável, como o próprio Rubens Barrichello declarou: “Ele (Schumacher) vai sofrer quando tiver um rival de verdade!”
Ron Dennis também andou tentando fazer suas tacadas, e para mostrar o quanto o dirigente fez, segue-se um resumo de tudo: tentou aplicar um contrato leonino a Rubens Barrichello (até ele admitiu que o contrato era ruim para o piloto depois); deu um chute na Peugeot e fechou contrato com a Mercedes; insultou repórteres, etc. Ao menos com a imprensa, os chefes de equipe têm de mostrar educação, bolas, desde que estes não dêem início a uma guerra de ofensas! O ambiente na F-1 já é carregado, não precisa piorar assim.
Jean Todt conseguiu cumprir parcialmente sua promessa de que este ano a Ferrari voltaria às vitórias e às primeiras filas do grid. Conseguiu 1 vitória e 3 poles, sendo que em duas provas a Ferrari monopolizou a primeira fila de partida. Ainda é pouco, mas já foi um começo. O ambiente na Ferrari continua meio bagunçado, mas Todt está mesmo botando a casa em ordem e deve mostrar para valer os resultados de seu trabalho em 1995.
Para o próximo ano, não podemos nos esquecer que teremos a estréia de uma nova escuderia, a Forti Corse, que este ano disputou o campeonato da F-3000 Internacional. O que chama a atenção nesta equipe é o fato de que ela é ítalo-brasileira. Seus proprietários são Carlo Gancia e Guido Forti. Para completar, o primeiro piloto do time será um brasileiro, Pedro Paulo Diniz, que será nosso mais novo representante na F-1, juntando-se a seus compatriotas Rubens Barrichello e Christian Fittipaldi. A Forti Corse garante que seu orçamento inicial para 1995 beira os US$ 20 milhões, uma quantia satisfatória para se estrear na F-1, mas já avisam que os resultados só deverão aparecer a partir de 1996. Para a vaga do segundo piloto, Roberto Moreno está na parada das opções, pois o time quer um piloto experiente e rápido. As cotas de patrocínio da nova escuderia já estão quase totalmente firmados. Várias empresas brasileiras estão investindo no projeto, entre elas a Kaiser e a Sadia. A Forti agora espera repetir o feito de Eddie Jordan, que estreou na F-1 em 1991 e sua equipe acabou sendo a revelação da temporada.
Como se disse, a F-1 não pára. A renovação de suas escuderias prossegue, apesar da crise que a categoria apresentou nestes últimos tempos. Alguns times lamentavelmente se foram, outros vieram. Esperemos que o esporte, acima de tudo, continue mantendo sua essência original, apesar do lado mercadológico da F-1 estar cada vez mais forte.
E, para quem acha que os brasileiros estão por baixo, engana-se. Uma nova safra de talentos nacionais bons de braço e acelerador está a caminho, para em futuro próximo, juntarem-se a seus conterrâneos Christian Fittipaldi, Rubens Barrichello, e Pedro Paulo Diniz. Podemos citar Tarso Marques, Hélio Castro Neves, Marco Campos, etc, etc... Os europeus que se cuidem...
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