Max Verstappen comemorou a vitória espetacular em Interlagos, mostrando que o título seria dele e de mais ninguém, apesar das dificuldades enfrentadas em 2024.
A Fórmula 1 iniciou a
temporada deste ano sob um panorama muito preocupante. Depois do massacre imposto
por Max Verstappen e a equipe Red Bull na temporada passada, quando o piloto
holandês e o time dos energéticos venceram quase todas as corridas, a
pré-temporada indicava uma situação similar para este ano, com os demais times
aparentemente se mostrando incapazes de oferecer alguma resistência à dupla que
proporcionou um dos maiores massacres na história da categoria máxima do
automobilismo. Uma repetição poderia ser um golpe e tanto na atratividade da
F-1, cujo interesse poderia despencar diante da previsibilidade óbvia de quem
venceria as corridas.
De certa forma, a temporada começou dessa maneira. Com o novo e até revolucionário modelo RB20 em mãos, bem diferente do carro que havia vencido quase tudo em 2023, Max Verstappen não se fez de rogado, e até a 5ª corrida do ano, na China, só não venceu na Austrália por causa de um raro problema mecânico no seu carro, onde a vitória foi conquistada por Carlos Sainz Jr., da Ferrari, até então o time que mais perto parecia chegar da Red Bull, mas mesmo assim, pouco podendo fazer para complicar de fato a vida dos taurinos. A superioridade era tamanha que até mesmo Sergio Perez parecia imbatível aos demais pilotos, ficando quase sempre em 2º lugar, atrás de Verstappen, mesmo distante do holandês. O monólogo rubrotaurino parecia cumprir a ameaça de uma temporada de 2024 tão enfadonha e previsível quanto fora a de 2023.
Mas, diante de todo aquele sucesso, o clima na verdade fervia dentro da Red Bull. Christian Horner enfrentava uma acusação de assédio a uma funcionária, e embora o caso tenha sido abafado em seus detalhes, e sua conclusão, dada como feita, a verdade é que restaram sequelas do episódio, revelando uma briga velada pelo poder dentro do time entre Horner e Helmut Marko. Mas o sucesso na pista parecia inabalável diante destes problemas internos. Ou pelo menos parecia assim.
Mas aí, eis que Adrian Newey, o grande mago das pranchetas da escuderia, de onde saíram todos os carros vencedores e campeões do time, resolveu pedir as contas. O clima belicoso na escuderia não estava agradando o inglês, que depois de quase 20 anos trabalhando por lá, sentiu que era hora de procurar outros ares. E, coincidência ou não, as coisas começaram a se complicar na pista depois disso.
No Grande Prêmio de Miami, a McLaren promoveu várias atualizações no seu carro, e da mesma maneira como havia acontecido no ano anterior, o time de Woking deu novo salto de performance, e Lando Norris acabou vencendo a prova na Flórida, agora desbancando Max Verstappen realmente na pista, embora o lance do Safety Car durante a corrida tenha dado uma certa ajuda nisso. Só que o holandês não conseguiu reagir para recuperar a liderança da corrida depois que a perdeu, de modo que era a primeira vez no ano que outro carro demonstrava desempenho superior ao carro rubrotaurino, e a Verstappen na pista. Teria a McLaren dado sorte, pelas particularidades do traçado de Miami, ou realmente seus upgrades foram certeiros na aprimoração do modelo MCL38? A resposta veio, em parte, na etapa seguinte, em Ímola. Max Verstappen venceu a corrida, mas esteve perto de ver Norris obter nova vitória, com o inglês da McLaren cruzando a linha de chegada colado atrás. Se Norris não tivesse perdido tempo na parte inicial da prova, teria não apenas alcançado Max algumas voltas antes, como poderia até tê-lo superado. O recado parecia claro: a concorrência, pelo menos por parte da McLaren, havia chegado, e poderia complicar os planos de mais uma temporada de domínio do time dos energéticos, e de Verstappen, que havia se habituado a correr quase sozinho nos últimos dois anos.
Qualquer conclusão teria que ser adiada, porque na etapa seguinte, em Mônaco, as características particulares da pista do Principado, como de costume, ofereceram um resultado fora da normalidade usual. Charles LeClerc fez a pole, e desta vez não cometeu erros, vencendo a prova de ponta a ponta, e com Verstappen encaixotado em 6º lugar, devido a não conseguir fazer uma classificação imponente. Mas seria isso apenas algo relativo a Monte Carlo, ou a Red Bull estava perdendo o encanto inicial?
Miami: a McLaren reage, e começa a batalha para tirar os títulos da Red Bull na temporada. O de pilotos não deu, mas o de construtores voltou a Woking depois de 26 anos de ausência.
Novamente, as
respostas ficaram apenas parcialmente respondidas no Canadá, onde a chuva
bagunçou a situação, mas Verstappen, sempre ele, deu um jeito de manter tudo
como era antes, obtendo nova vitória, mas ficando nítido que aquele ritmo
avassalador que impunha nas corridas iniciais não estava mais presente. O
holandês havia vencido, mas precisou dar duro para impedir que os adversários
tomassem conta da situação. Os rivais estavam realmente chegando perto, e
talvez já tivessem até deixado a Red Bull para trás, não fosse o extraordinário
talento do tricampeão, e os percalços enfrentados pelos rivais.
Um dado preocupante era o desempenho de Sergio Perez, que despencou, não apenas em relação ao resultado de pista, mas ficando até mais distante de Verstappen, evidenciando que havia mesmo um problema. Na Espanha, onde o circuito de Barcelona costuma ser referência para apontar as virtudes e defeitos de qualquer máquina, Verstappen conseguiu segurar novamente as pontas, obtendo mais uma vitória, e reforçando a impressão de que, com problemas ou sem problemas, ele continuava mandando no campeonato sem oposição. Mas, tal como em Ímola, o piloto da Red Bull também teve uma certa dose de sorte aproveitando percalços dos rivais no início da corrida, que fizeram a diferença mais uma vez. Novamente, Lando Norris tinha o carro mais rápido, e poderia ter vencido, não tivesse titubeado na largada, e ficado preso atrás de concorrentes que o fizeram perder tempo crucial na pista, enquanto Verstappen tratou logo de ir para a liderança e poder tentar sumir na frente. O inglês chegou novamente em 2º, e o recado era claro: a Red Bull não tinha mais o carro dominante, mas até ali, isso parecia não fazer diferença, com Max Verstappen a resolver a situação no braço, com seu grande talento, explorando toda e qualquer vacilada dos rivais.
Mas, uma hora, até a sorte do holandês poderia falhar, e os rivais não iriam errar sempre. Mas entre querer e fazer, tem algumas diferenças. Lando Norris, por exemplo, começava a sentir a cobrança de não ser enérgico o suficiente no duelo com Verstappen. Amigos declarados fora da pista, tinha virado consenso de que o inglês endurecia com qualquer um na pista, menos com o holandês. Com o que já era visto como o novo melhor carro do grid, Norris poderia fazer melhor. E em Zeltweg, ele até tentou, mas na dividida com Max, acabou levando a pior, com o holandês se mostrando um osso duro de roer em disputas de posição sendo levadas ao limite, área onde Max já era cobra criada, ao contrário de Lando.
George Russell (acima) e Carlos Sainz (abaixo) subiram ao degrau mais alto do pódio, ajudando a melhorar a temporada, mas mesmo assim ficando longe da briga pelo título.
Nas corridas seguintes, a situação da Red Bull foi ficando mais débil. As atualizações do modelo RB20 não surtiam os efeitos desejados, e o desempenho foi estagnando, enquanto o da concorrência, crescia assustadoramente, com Ferrari e Mercedes também vindo para cima, engrossando a disputa. O time alemão, que acabou herdando a vitória na Áustria devido ao enrosco entre Verstappen e Norris, conseguiu uma grande vitória com Lewis Hamilton em Silverstone, numa grande exibição do heptacampeão, enquanto Norris mais uma vez padecia de erros, seus, e do time, na corrida que acabou tendo parte dela com chuva. Mas, graças à grande folga conquistada por Verstappen no início do ano, tudo parecia estar sob controle, bastando apenas administrar a situação, e esperar que a Red Bull recuperasse o rumo técnico nas evoluções do carro, algo que, agora sem a presença de Adrian Newey, pareceram ficar bem complicadas.
Mas, as coisas não foram tão fáceis como muitos imaginavam. Se por um lado ver a Red Bull perder sua supremacia técnica foi uma surpresa inesperada, mas muito bem-vinda, faltou à concorrência conseguir aproveitar esta situação de forma mais eficiente. Se a McLaren assumiu a primazia de ter o melhor carro, o problema foi que não apenas a escuderia inglesa, mas sobretudo seus pilotos, não souberam aproveitar a contento o excelente momento de que desfrutavam. Tendo estado por uma década e meia praticamente sem disputar o título da competição, a escuderia que já foi sinônimo de eficiência na F-1 estava enferrujada neste quesito, e cometeu vários erros de estratégia nas corridas, bem como na gestão de seus pilotos, não sabendo como lidar com a situação de seus pilotos, como vimos na Hungria, onde o time fez uma corrida dominadora, mas na hora de vencer, se complicou toda ao decidir dar a vitória a Oscar Piastri depois que o australiano perdeu a liderança no pit stop para Lando Norris. E Norris também não ajudou nessa situação, no que resultou numa vitória em dobradinha com efeitos mais do que negativos.
A Mercedes e a Ferrari vieram para cima, mas sem a constância exibida pela McLaren em termos técnicos. Tanto o time italiano quanto o alemão viveram de altos e baixos na performance de seus carros, de modo que não conseguiam garantir pontos que pudessem colocá-los na briga pelo título, apesar das vitórias que ambos os times conseguiram durante a temporada, ajudando a resgatar em certo clima de imprevisibilidade muito bem-vindo à competição. Neste aspecto, a Mercedes ainda ficou devendo, enquanto a Ferari pelo menos se aproximou firme da frente, mas sem ameaçar o favoritismo de Max rumo ao título. E com Norris e Piastri dividindo resultados na McLaren de forma até meio atabalhoada com o time não sabendo maximizar os resultados, Max Verstappen, ainda que aos trancos e barrancos em alguns momentos, foi conseguindo não apenas administrar a situação, como até mantendo e ampliando levemente sua vantagem na classificação, o que não significa que o ambiente no time da Red Bull, e o piloto, estivessem calmos. Muito pelo contrário, o ambiente era de forte pressão: as atualizações não funcionavam, e Verstappen cada vez mais cobrava resultados do corpo técnico, ameaçando perder até o campeonato de pilotos, se não conseguissem pelo menos recuperar parte da performance do carro. Afinal, até o braço do gênio holandês tinha lá seus limites, e não era bom dar chance para o azar.
Se não conseguiam colocar a dianteira de Verstappen em perigo, contudo, na classificação de construtores, a situação era outra. Graças a falta de performance exibida por Sergio Perez, que despencou nas corridas, diante das dificuldades maiores do mexicano para extrair melhor desempenho do carro, algo muito mais natural para Verstappen do que para ele, a Red Bull praticamente virou time de um piloto só, enquanto McLaren e Ferrari, apesar de tudo, contavam com duplas mais equilibradas, e que conseguiam pontuar de forma mais regular e eficiente. Não deu outra: demorou, mas tanto McLaren quanto Ferrari superaram o time dos energéticos, que caiu para a 3ª posição, e a contragosto, teve de se contentar em pelo menos levar o título de pilotos com Max, que apesar das pressões de Norris e da McLaren por vários GPs, foram sendo contornadas pelo talento de Verstappen em conseguir tirar tudo do carro e mais um pouco sempre que possível.
Claro que não foi fácil assim, até porque em alguns momentos Verstappen abusou da agressividade na pista, o que o levou a tomar algumas punições por manobras desleais, e além dos limites aceitáveis. A disputa era complicada, mas a McLaren e Norris mantinham suas esperanças de levar a disputa para as etapas finais e conseguir virar no extremo da competição. Até Norris parecia um pouco mais arrojado e decidido em algumas provas, mas ainda pesava sobre ele certa desconfiança se teria o “instinto assassino” necessário a um piloto campeão, onde ele precisa ir para o tudo ou nada se for preciso, em que Max já havia demonstrado em vários outros momentos, como outros grandes campeões.
Mas, se a F-1 precisava de uma prova para mostrar que Lando Norris e a McLaren não deveriam subestimar Max Verstappen, isso foi visto em Interlagos. Com uma classificação problemática, que fez o holandês largar lá bem atrás no grid, enquanto Norris partia da pole-position, e uma pista inóspita pela chuva que caiu no autódromo paulistano, eis que Max deu um baile em tudo, e em todos, vencendo a corrida de forma categórica, enquanto Lando e a McLaren perdiam o rebolado sozinho no piso molhado, e perdiam ali qualquer esperança de ainda levarem o campeonato de pilotos. Dito e feito, com Verstappen sacramentando sua conquista de forma definitiva na etapa seguinte, em Las Vegas, e partindo para o abraço de seu quarto troféu de campeão consecutivo na F-1.
Restou, então, o prêmio de consolo: o Campeonato de Construtores, que foi disputado entre Ferrari e McLaren em Abu Dhabi, com conquista da McLaren, graças ao triunfo de Lando Norris na corrida, que de quebra também firmou o seu vice-campeonato. Mas as disputas ficaram incertas até a bandeirada final da corrida. Norris, que largou na pole, comandou a corrida inteira, mas não podia baixar a guarda em nenhum momento, sob risco de perder não apenas a vitória, mas até o troféu de construtores para o time, já que a Ferrari veio logo a seguir com seus dois pilotos. Carlos Sainz Jr. despediu-se de Maranello com um excelente 2º lugar, enquanto Charles LeClerc, que teve de pagar punição devido à estúpida regra de troca de bateria além do permitido, largou lá do fundo do grid para fechar o pódio em 3º lugar. É verdade que o monegasco também aproveitou um pouco a confusão causada por Max Verstappen na largada em Yas Marina, quando o novo tetracampeão deixou o carro escorregar na freada e atingiu Oscar Piastri, fazendo ambos rodarem e todo mundo vindo atrás precisar desviar, mas isso não tira os méritos da bela recuperação de LeClerc. Piastri ter terminado apenas em 10º causou frisson na McLaren na possibilidade de perda do título de construtores, mas no fim, deu tudo certo para a escuderia, que viu a Ferrari ter de se contentar com o vice-campeonato, ficando mais uma vez na fila para encerrar seu jejum, que já vem desde 2008 no que tange ao mundial de construtores. Para a McLaren, o jejum já vinha desde 1998. E a Red Bull terminou em 3º, como já era esperado.
Quanto a Verstappen, bem, só para tirar qualquer dúvida de que ele esteve sempre no comando da temporada, o holandês conquistou uma vitória categórica na etapa do Qatar, onde não deu chances para ninguém, calando a boca dos críticos. Mas méritos também para a Red Bull, que conseguiu mexer o suficiente no carro para lhe dar uma performance um pouco mais aceitável, mas nem de longe voltar a considerar o RB20 um carro dominante, mostrando que foi mais uma vez o talento de Max que fez toda a diferença.
Há muitas outras considerações a se fazer a respeito desta temporada que se encerrou domingo passado, mas fica para a segunda parte desta análise, a conferir na coluna da semana que vem. Nos vemos lá, então.
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