quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

GRANDES CIRCUITOS DO MUNDO – LAGUNA SECA

            Depois de estrear essa nova série de textos sobre circuitos do mundo inteiro que nunca receberam a Fórmula 1, hora de falar um pouco de outra pista que até teria seu charme em receber a categoria máxima do automobilismo, mas que provavelmente nunca verá uma competição oficial, a pista de Laguna Seca, no Estado da Califórnia, Estados Unidos. Boa leitura a todos...

LAGUNA SECA

          Dando sequência às matérias de grandes circuitos do mundo da velocidade que estão fora do mapa da Fórmula 1, hoje veremos novamente uma pista dos Estados Unidos, no caso, a de Laguna Seca, no Estado da Califórnia.

          Localizada nas encostas da península de Monterey, o circuito, chamado atualmente de Wheather Tech Raceway, atendia pelo nome de Laguna Seca Raceway, e seu nome deriva do fato de que naquele local existia um lago, que secou devido ao clima semidesértico da região. A pista foi construída nos anos 1950, ao redor deste lago, para atender à demanda de disputas automobilísticas na região, depois que provas realizadas em vias públicas nas cidades próximas tiveram que ser abandonadas por questões de segurança.

          Com a arrecadação de fundos públicos e de empresas privadas, a nova pista foi construída em 1957, em parte de uma antiga base do exército chamada Fort Ord, até então uma área usada para manobras e alvos de tiro. A pista foi oficialmente inaugurada em 9 de novembro de 1957, com uma corrida de carros esportivos. O grande destaque da pista, que subia um morro próximo, era a sua curva final em descida, uma chicane que conduzia a um declive abrupto, praticamente em ponto cego, que fazia os pilotos suarem frio em suas primeiras passagens pelo local. O traçado total do circuito contava com uma amplitude de 55 metros entre o ponto mais baixo e o mais alto, no morro próximo, e só na curva Saca-Rolha (Corkscrew, no original em inglês), o desnível entre a entrada e a saída é de 18 metros, o que dá uma idéia de como ela é impressionante, ainda mais para um trecho tão curto. Para alguns, se a curva Eau Rouge em Spa-Francorchamps é um desafio de ser vencida pé embaixo, em subida, a Saca-Rolha é o seu oposto, já que é feita em descida, e o chão parece “sumir” por um breve momento na visão do piloto, em um desafio inverso à da famosa curva belga, e por vezes, quase tão desafiadora quanto.

Laguna Seca, em sua configuração original (acima), onde o lago que deu nome ao circuito já não existia mais, conforme se vê na foto abaixo.



          Rapidamente a pista de Monterey passou a ser palco de diversas corridas. Carros esporte sempre foram os mais frequentes, mas o circuito também passou a sediar corridas das mais variadas competições, como a F-Indy original, a Fórmula 5000, Trams-Am, Can-Am, IMSA, e corridas de moto da Superbike e Motovelocidade/MotoGP, entre outras categorias. Em 1974, a propriedade foi doada ao Departamento de Parques do Condado de Monterey e continua a fazer parte do sistema de parques da cidade californiana até hoje.

          Laguna Seca passou por algumas mudanças desde sua inauguração como circuito de corridas nos anos 1950. Inicialmente, a pista tinha um traçado de cerca de 3,058 Km, contornando o morro no local, com um total de 9 curvas, entre elas a já mencionada Saca-Rolha, desde sempre o ponto mais distinto do circuito californiano. A área dos boxes já era no mesmo ponto onde é atualmente. Essa configuração original foi de 1957 a 1963. De 1964 a 1967, foi feita uma pista auxiliar para os boxes do lado externo da reta do circuito, com a extensão da pista permanecendo a mesma. A partir de 1968, a área de box voltou para a parte interna do circuito, tendo sido feita uma pista de acesso que começava na antiga curva 8, oferecendo mais segurança para acesso ao pit lane, apesar de aumentar o traçado e o tempo de acesso ao box.

Mapa do circuito em sua configuração atual.


          Em 1988 o circuito passaria por sua maior alteração, com a reta entre as antigas curvas 2 e três sendo suprimida, com a curva 2 passando a ser um hairpin, ligando a um pequeno trecho de reta, ligado a outro trecho de reta, conectando-se à pista, e retomando o traçado dali em diante. Essa mudança eliminou um ponto mais favorável de ultrapassagens que havia entre a curva 2 e 3, agora substituído por uma curva em grampo, e por dois pequenos trechos circundando um novo lago criado no local. A alteração ampliou o traçado, que passou a ser de 3,563 Km, contando agora com 11 curvas no traçado total. Em 1990, a saída dos boxes, que era feita no meio da reta, já no declive do trecho, foi mudada, passando a ser logo após a curva do hairpin. A saída levava os carros para parte do traçado ideal da reta naquele ponto, de modo que, dependendo da saída dos carros do pit lane, poderia ocorrer um acidente com pilotos menos atentos. A nova saída, já após o hairpin, mostrou-se mais segura para os competidores, que retornam ao traçado fora da tangência ideal no setor.

          Em 1995 houve a última alteração no traçado, quando o trecho entre as curvas 9 e 10 foi encurtado, e a ligação com a reta dos boxes, entre as curvas 10 e 11 foi “puxado” mais para fora, de modo a ampliar, ainda que por pouca diferença, a reta dos boxes, e propiciar maior segurança na aproximação do trecho, especialmente para as competições em duas rodas, além de melhores oportunidades de disputa de posição na reta ampliada. Com esta mudança, o traçado do circuito passou a ser de 3,602 Km, e permanece assim até os dias atuais. As únicas mudanças posteriores foram que algumas curvas do circuito ganharam nomes, homenageando pilotos dos Estados Unidos. A curva em hairpin após a reta dos boxes ganhou o nome de Andretti Hairpin, em homenagem a Mario Andretti, campeão tanto na F-1 quando na antiga F-Indy, e também nas 500 Milhas de Indianápolis. O trecho entre a curva 6 e o Saca-Rolha ganhou o nome de Rahal Straigh, em homenagem a Bobby Rahal, tricampeão da antiga F-Indy. A curva 9, após a descida do Saca-Rolha, recebeu o nome de Rainey Curve, em homenagem a Wayne Rainey, que foi tricampeão da Motovelocidade na década de 1990.

A ultrapassagem de Alessandro Zanardi sobre Brian Herta na famosa curva Saca-Rolha na prova de 1996 da F-Indy, que valeu ao piloto da Chip Ganassi a vitória na corrida.


          Para os brasileiros, sem dúvida alguma a pista ficou conhecida pelas disputas da F-Indy original, que correu no circuito entre 1983 e 2004. Estava prevista o retorno na temporada de 2007, mas com a falência da F-Indy, o circuito só voltaria a receber uma categoria Indy em 2019, agora pela Indycar, antiga Indy Racing League, com a categoria de monopostos correndo no circuito até a temporada atual, encerrando a temporada, como costumava ocorrer em vários anos da Indy original. Apesar de ser um circuito curto, e de difícil ultrapassagem, Laguna Seca já registrou alguns duelos memoráveis, como por exemplo a ultrapassagem de Alessandro Zanardi, da Ganassi, sobre Brian Herta, da Rahal, na prova de 1996 da antiga F-Indy, na disputa pela liderança da corrida em sua volta final, com o italiano a fazer a ultrapassagem nos extremos, contornando parte da curva pelo lado de fora em declive nas quatro rodas na terra, aproveitando uma brecha deixada por Herta.

          Os torcedores brasileiros já tiveram a chance de ver nossos pilotos vencendo em Laguna Seca, na antiga F-Indy. Gil de Ferran venceu a prova em 1995, obtendo ali sua primeira vitória na F-Indy, com a equipe de Jim Hall. No ano 2000, Hélio Castro Neves venceu a corrida, em seu ano de estréia na equipe Penske. E Cristiano da Matta, pilotando para a Newmann-Haas, venceu a prova em 2002, ano em que foi campeão da categoria.

A Indycar estreou na pista de Laguna Seca em 2019, resgatando mais um circuito da antiga F-Indy em seu campeonato.


 

          Infelizmente, a curva do Saca-Rolha também teve seu momento trágico, quando o uruguaio Gonzalo Rodriguez, então defendendo a Penske em 1999, em um treino, passou reto na aproximação da curva, atingindo a proteção do local e capotando com seu carro, que caiu na ribanceira logo atrás de cabeça para baixo, ocasionando a morte do piloto.

          E uma pergunta que todos fazem: como seria uma corrida da Fórmula 1 na pista de Laguna Seca? Possivelmente a corrida não seria das mais emocionantes. O circuito, por ser curto, não tem muitos trechos de reta propícios para ultrapassagens, com exceção da reta dos boxes, que é o melhor ponto para ultrapassagens da pista. Se as corridas da Indycar já são meio truncadas no circuito, isso seria potencializado com os F-1, cuja capacidade de aceleração e frenagem são bem mais eficientes. A pista também não é muito larga, o que dificultaria ainda mais as disputas de posição. Uma comparação seria com a pista da Hungria, que em tese só possui um ponto favorável de ultrapassagem, que é na reta dos boxes, e mesmo assim, as disputas são difíceis, e várias edições da corrida húngara foram para lá de monótonas. Mesmo assim, houve disputas memoráveis em diversos momentos, e poderia até ocorrer o mesmo em Laguna Seca, mas dependeria muito das condições da corrida para vermos uma prova emocionante.

          A pista possui categoria Grau 2 da FIA, o que a equipara ao circuito de Elkhart Lake, habilitando o circuito para receber várias categorias, mas não a Fórmula 1. Mesmo as melhorias que a pista recebeu para sediar as provas da MotoGP foram insuficientes para que o circuito recebesse classificação máxima da FIA, até porque, pelas regras de segurança atuais praticadas pela entidade, o fato da área extrapista não contar com caixas de brita, e com muita areia, e poucos trechos asfaltados, não ofereceria condições de desaceleração ideais em caso de carros escapando.

          Fora isso, há a questão da infraestrutura da pista, que a exemplo do belo circuito de Road America, possui um paddock muito simples e sem construções permanentes suficientes para abrigar as necessidades que a F-1 e suas equipes impõem em todos os circuitos por onde passa. E mesmo as arquibancadas no local não poucas, mesmo que boa parte do público fique acampada no entorno da pista, em barracas e/ou motorhomes, um estilo de acomodação que não é comum nas etapas da categoria máxima do automobilismo. E quão velozes seriam os carros da Fórmula 1 na pista de Laguna Seca? Por incrível que pareça, o circuito já contou com a presença de alguns carros da F-1, mesmo que fora de competições oficiais.

A famosa curva do Saca-Rolha, principal destaque da pista de Laguna Seca. Um declive de quase 20 metros faz o chão “sumir” da vista dos pilotos.


          Em 2012, durante o Ferrari Racing Day, o piloto de testes da escuderia, Marc Gené, pilotou o modelo F2003-GA no circuito californiano, e marcou o tempo de 1min05s786. Para efeito de comparação, o melhor tempo obtido na pista até então havia sido de Sebastian Bourdais, com um modelo DP01 da Panoz, em 2007, da antiga F-Indy, com o tempo de 1min05s88, em testes particulares da sua equipe Newmann-Haas. Em 2006, a equipe Toyota também fez um teste com seu modelo de F-1 TF106 na pista, com o brasileiro Ricardo Zonta ao volante, que marcou o tempo de 1min06s309. O recorde oficial do circuito em tempo de volta é de outro brasileiro, Hélio Castro Neves, obtido com um Reynard/Honda da equipe Penske, com o tempo de 1min07s772, que lhe valeu a pole-position para a corrida da temporada 2000 da antiga F-Indy no circuito. Os tempos parecem próximos, com ligeira vantagem para os carros da F-1, mas como as aparições destes monopostos não foram feitas em treinos e competições oficiais, mas em demonstrações, deve-se lembrar que nestas ocasiões os carros não usam pneus de corrida em condições otimizadas para competição, de modo que, com ajustes finos, os carros poderiam ser até mais velozes.

          Como Laguna Seca costuma sediar apresentações de carros de corrida históricos, houve momentos em que carros clássicos da F-1, em especial dos anos 1980, em raros momentos onde os carros da categoria máxima do automobilismo se apresentaram no circuito californiano.

          Infelizmente, assim como em Road America, outro circuito por excelência do automobilismo dos Estados Unidos, sonhar com uma corrida da F-1 em Laguna Seca continuará um sonho na mente dos amantes da velocidade, ainda que a categoria máxima do automobilismo esteja com o entusiasmo em alta pelo país da América do Norte atualmente, tanto que nesta temporada serão disputadas três corridas na terra do Tio Sam: o tradicional GP dos EUA, no Circuito das Américas, em Austin, no Texas; o GP de Miami, que estreou no ano passado, em um circuito de rua; e teremos a estréia do GP de Las Vegas, que também será realizado em um traçado urbano na capital do jogo, em Nevada. Mas, quem sabe algum milagre ainda possa acontecer, e a F-1 se apresentar em pistas de verdade como Elkhart Lake, e até Laguna Seca, algum dia, em lugar das pistas artificiais e insossas de rua apresentadas recentemente. É um sonho difícil, e muito complicado, haja vista que tanto Miami quanto Las Vegas estão despejando rios de dinheiro para estas corridas, e duvido muito que houvesse tanto entusiasmo por levar as corridas para os circuitos mistos citados. Mas, quem sabe o que o futuro nos espera? Algum dia, talvez...?

          Sonhar ainda é válido...

Laguna Seca já sediou provas dos mais variados campeonatos, como a Can-Am (acima) e a MotoGP (abaixo).



Alguns carros da Fórmula 1 já estiveram presentes em Laguna Seca, nas provas de carros históricos, como visto acima. Ferrari e Toyota também já estiveram presentes em testes de demonstração no circuito californiano, que nunca viu uma prova oficial da competição.


Vista aérea da pista de Laguna Seca.


O IMSA, campeonato de Endurance norte-americano também tem provas no circuito.


Com poucas arquibancadas, boa parte do público se acomoda à beira da pista, apreciando o belo visual do circuito.


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