Momento de frustração para Charles LeClerc em Baku, quando seu motor quebrou sem o menor aviso.
Há
algumas semanas, escrevi aqui sobre a inversão de papéis no atual campeonato da
Fórmula 1, que começou com a Ferrari e Charles LeClerc favoritos na competição,
com uma renhida Red Bull posando de desafiante vítima de problemas internos que
poderiam comprometer a disputa com os ferraristas. Com o abandono na Espanha de
Charles LeClerc, sem que seu time tivesse a mínima idéia de como aquilo
aconteceu, e a vitória de Max Verstappen, que assumia ali a liderança da
competição, o panorama mudava de mãos, com os protagonistas trocando de posição
em relação ao que tínhamos visto na etapa do Bahrein. O sinal amarelo surgiu no
time italiano, como um aviso de que a situação favorável das primeiras corridas
já não era mais a mesma.
Bem, agora a situação é bem mais séria. Outro abandono de LeClerc, novamente sem aviso prévio, e desta vez com o abandono também de Carlos Sainz Jr., ligaram o sinal vermelho no time vermelho. E, com direito a ver outra dobradinha da Red Bull, que venceu a corrida sem maiores preocupações, depois do desaire ferrarista, e disparou no campeonato, tanto no de pilotos quanto no de construtores, prenunciando tempos difíceis para os rivais da escuderia italiana. Com este segundo abandono, LeClerc caiu para a 3ª posição no campeonato, superado por Sergio Perez, que com o 2º lugar, assumiu também a vice-liderança do campeonato. No Mundial de Construtores, a Red Bull sumiu na frente, chegando aos 279 pontos, contra 199 da Ferrari, 80 pontos de diferença, que começam a ficar extremamente preocupantes. O sinal vermelho está ecoando no time vermelho, e isso não é um simples trocadilho, infelizmente.
No campeonato de pilotos, Verstappen abriu 21 pontos de vantagem para o rival mais próximo, no caso, algo duvidoso, porque é Sergio Perez, que na prova de domingo passado teve uma “queda de performance” nos pneus de seu carro, além de ter recebido um aviso de “No fighting” quando se defendia de Verstappen, no que parece que a conversa da Red Bull de que permitiria ao mexicano poder lutar pelo título era de fato só conversa mesmo, o que todo mundo já imaginava, claro, só não esperando que a máscara fosse cair tão rápido. Para LeClerc, o adversário “real”, já são 34 pontos, de modo que mesmo que o holandês ficar sem marcar pontos na próxima prova, nem assim o monegasco o alcançará, caso vença a corrida e marque todos os pontos possíveis. Para Carlos Sainz, a situação é mais vexatória, porque além do abandono, seu ritmo de corrida nas voltas em que esteve na pista, só ia deixando o espanhol para trás em relação à dupla da Red Bull e ao companheiro de equipe. Sem marcar pontos no GP de Baku, manteve-se em 5º no campeonato, vendo George Russell escapar à frente, com um carro inferior, já em 16 pontos de desvantagem para o piloto da Ferrari.
Como desgraça pouca é bobagem, na classificação de construtores, vejam só quem está chegando perto da Ferrari: a Mercedes! Sim, o time prateado, apesar dos problemas crônicos de seu problemático chassi W13, já chegou a 161 pontos, contra 199 dos italianos. Pode-se falar muita coisa do time germânico, mas seu carro não quebra, apesar de faltar desempenho este ano. Só que a Ferrari, que no início da temporada, podia se orgulhar especialmente do seu desempenho global, tendo um carro forte, e acima de tudo, fiável, se vê agora às voltas com problemas inesperados que ela mesma parece ter dificuldades em resolver, tendo visto resultados potenciais irem pelo ralo, de modo que, além de estar ficando para trás na luta contra a Red Bull, ainda vê a Mercedes chegando perto. Imagine se o time alemão acerta seu carro de vez, e entra firme na briga...?
A batalha que não houve: Sergio Perez recebe mensagem da Red Bull, e Max Verstappen supera o mexicano (acima) e parte para a vitória (abaixo).
Pior é que a força da Ferrari ainda está lá. Charles marcou a pole nas últimas quatro corridas, e com autoridade, mostrando que o SF-75 tem sim desempenho para mostrar. Só que ser Leão de Treino não leva a lugar nenhum, e nas corridas, o monegasco tinha chances bem claras de vitória, não fossem os problemas de fiabilidade, no caso da Espanha, e de estratégia, em Mônaco. Na pista da Catalunha Charles vinha comandando a prova sem problemas, mas de repente o carro apresentou problemas. No principado, ele estava no comando, até a Ferrari se atrapalhar no pit stop, e jogá-lo para trás de Max Verstappen. Já em Baku, domingo passado, LeClerc vinha forte para tentar a vitória, ainda que a luta com a Red Bull parecesse ser bem mais parelha, indicando que o triunfo teria de ser conquistado na raça, mas era um resultado possível, quando novamente seu carro o deixou na mão, sem o menor indício de que poderia dar problemas. Quantos pontos foram desperdiçados nestes momentos infelizes? Ao menos o suficiente para não perder a liderança do campeonato, algo imprescindível, porque a Red Bull e Verstappen continuariam pressionando, e cada vez com mais força.
A Red Bull ainda tem alguns problemas aqui e ali, mas parece que a fiabilidade deixou de ser um problema crucial para o time dos energéticos, que foi conseguindo não apenas melhorar a performance do seu carro, e ao mesmo tempo resolver seus problemas de quebras. Já a Ferrari, claramente o carro a ser batido no início do ano, confiável e extremamente rápido, agora padece de confiabilidade, e não apenas o carro, devo lembrar. Na corrida do Azerbaijão, outros dois carros equipados com a unidade de potência da Ferrari também tiveram problemas com o equipamento: a Haas de Kevin Magnussen, e a Alfa Romeo de Guan Yu Zhou. Até mesmo o propulsor italiano, que não despertava suspeitas, agora pode vir a ser uma dor de cabeça. Para piorar, a Ferrari afirmou não saber o que aconteceu para explicar o motivo das quebras ocorridas, e isso traz problemas adicionais. Hoje começam os treinos livres para mais um GP, no Canadá, e sem saber porque aconteceram as quebras no motor domingo passado, a Ferrari já tem que entrar de novo na pista, e torcer para que o problema no propulsor não se repita. E quebras de motores e seus componentes, com essa regra estúpida de se permitir apenas 3 unidades por ano, vai começar a complicar, com os pilotos tendo de pagar punições por peças novas que forem necessárias, extrapolado o limite regulamentar. E na disputa contra a Red Bull, qualquer punição vai ser um revés a mais para uma disputa que tem tudo para ser muito mais complicada.
Como desgraça pouca é bobagem, no histórico das últimas temporadas, a disputa tem tudo para ficar muito mais difícil para a Ferrari. A Red Bull tem um retrospecto de conseguir fazer um desenvolvimento muito mais efetivo de seu carro conforme o avançar da temporada, mesmo quando o projeto parecia fraco inicialmente. Já a Ferrari, por outro lado, mostra que se complicou sozinha em anos recentes onde teve um projeto muito forte para disputar o título, e acabou se perdendo no meio do caminho, fosse por erros dos pilotos, ou da equipe em si. Só que isso costumava acontecer na segunda metade do campeonato, e agora, estamos vendo isso ocorrer antes de chegarmos à metade da temporada. A única “esperança” para a Ferrari, por incrível que pareça, parece ser o teto de gastos, no que Mattia Binotto afirma que a rival Red Bull já teria gasto boa parte de seu orçamento para toda a temporada, e por isso, deve ficar sem poder apresentar novas atualizações de seu carro para não ferir o teto de gastos estipulado no regulamento, bem mais cedo. De acordo com o italiano, seu time ainda teria folga no orçamento para apresentar mais atualizações no carro, o que devolveria o favoritismo à Ferrari.
É uma aposta de alto risco, pois no ritmo em que a Red Bull e Max Verstappen estão se descolando dos rivais, quando isso acontecer, pode faltar tempo hábil para se tentar uma reação, e mesmo assim, tudo precisaria acontecer conforme o script previsto pelos italianos, o que não é garantia de ocorrer. Basta ver o que aconteceu em Barcelona, onde as atualizações da Ferrari se mostraram boas e capazes de devolver o favoritismo ao time. Mas, Sainz saiu da pista, e LeClerc quebrou sem aviso prévio, quando dominava a corrida com certa facilidade, fazendo cair por terra as esperanças dos tiffosi e da escuderia de retomar o controle da situação, que ameaçava escapar. E deu no que deu. Não dá para contar com essa estratégia, pelo menos se a Ferrari quer de fato lutar pelo título, caso contrário, melhor entregar a taça do campeonato ao time dos energéticos e a Max Verstappen. É verdade que outro perigo ronda o time austríaco, que seria também extrapolar o limite de propulsores para a temporada, mas é outra aposta sem garantias, já que o time rosso também está em perigo neste quesito, e é difícil prever quem levaria alguma vantagem na aplicação das penalidades previstas em caso de necessidade de uso de novas unidades. O panorama ficou turvo para a esquadra de Maranello, e muito mais rápido do que eles imaginavam. Mesmo os fãs mais afoitos só imaginavam um enfrentamento mais duro talvez na segunda metade da temporada, pelo ritmo e confiança que a Ferrari e seus pilotos transpareciam. Nada como uma corrida depois da outra para tudo tomar outro rumo...
LeClerc: abandono em um momento que pode ser crucial na luta pelo título, vendo o rival Verstappen disparar na classificação.
E
o time ferrarista viu até Sergio Perez ultrapassar LeClerc na classificação,
algo que ninguém esperava. Charles LeClerc, tirando o erro de Ímola, tem feito
o seu papel até aqui, levando a Ferrari à luta em todas as etapas. Mas a
situação está se complicando, e para piorar, por motivos alheios a seu
controle, enquanto Carlos Sainz Jr. tem tido muitos erros, e ainda não se
entendeu direito com o carro, mostrando em corrida ritmo inferior ao do
monegasco, e sendo superado já com alguma facilidade pela dupla da Red Bull. Ou
a Ferrari reage, e de forma contundente e competente, ou só vai ver os carros
rubrotaurinos pela traseira, e amargando mais um ano sem título. O último foi
conquistado em 2007 por Kimi Raikkonen. Já vão ser 15 anos de jejum. Maurizio
Arrivabene foi demitido por não entregar os resultados esperados, e Mattia
Binotto, em que pese ser um funcionário com carreira no time, vindo da área de
motores da escuderia, até aqui tem tido que provar ser melhor que seu
antecessor, que sempre foi criticado por ter vindo de fora do time. Não vai
demorar para Mattia ser posto novamente na fogueira das críticas se o time
ficar sem rumo.
Urge reagir, se quiser aspirar novamente à conquista do título de 2022. Caso contrário, melhor pensar em ter um ano melhor em 2023, como se os rivais fossem dar mais folga no próximo ano, e olhe lá...
E a F-1 está de volta ao Canadá, depois de dois anos de ausência, devido à pandemia da Covid-19, que inviabilizou a realização de qualquer corrida no continente americano em 2020, e que atrapalhou no ano passado, uma vez que o governo canadense ainda mantinha as fronteiras fechadas diante da ameaça do coronavírus. O circuito de Montreal, montado numa ilha do Rio São Lourenço, que corta a metrópole canadense, tem trechos sinuosos e uma grande reta, onde parte dos problemas encontrados pelas equipes em Baku pode se repetir, especialmente as dificuldades com o porpoising nos carros, assunto que já está gerando maior preocupação nos pilotos. A Mercedes, que parecia ter conseguido minimizar parte dos problemas com atualizações na Espanha, voltou a sofrer bastante com os quiques de seu carro nos trechos de alta velocidade, a ponto de George Russell afirmar que a situação pode ficar perigosa, e que pode haver até um acidente, se uma solução não for encontrada logo para resolver, ou pelo menos minimizar o problema, uma vez que o excesso de quiques estaria comprometendo a dirigibilidade do bólido da Mercedes, algo que poderia se repetir em outros carros. Carlos Sainz também bateu na mesma tecla, afirmando que os saltos dos carros podem gerar problemas de saúde graves para os pilotos. Isso tem de ser discutido, a fim de se achar uma solução, mas como é de hábito, a própria F-1 se meteu em uma encrenca neste assunto, porque poderia ter evitado o problema, mas optou por não fazê-lo. E agora, como se resolve isso, sem desagradar a gregos e troianos?
Foi revelado que, no ano passado, a FIA já previa que o porpoising poderia vir a ser um problema sério. Ocorre que os times vetaram uma proposta que visava diminuir o problema, já que isso implicaria também em diminuição da performance, e neste ponto, como ninguém queria perder desempenho, com receio de ficar para trás dos concorrentes, simplesmente não aprovaram a medida, talvez também acreditando que poderiam solucionar o problema. Bom, de fato, um ou outro time conseguiu solucionar a questão, ou pelo menos, reduzir o incômodo a níveis mais aceitáveis, enquanto outros, como a Mercedes, ainda estão sem conseguir resolver a questão a contento. A solução mais simples, e também mais óbvia, por ser de conhecimento geral, é aumentar a altura dos carros em relação ao solo, o que se traduz também em perda do nível de downforce, e por tabela, na performance dos carros. Mas, ninguém quer fazer isso, e ficar para trás em relação aos concorrentes, que por sua vez, também receiam perder desempenho. A solução é cada time conseguir desenvolver e entender melhor o seu carro, de forma a neutralizar ou minimizar o porpoising. Mudar as regras no meio do campeonato, a essa altura, seria visto como um benefício aos times que não conseguiram resolver a questão, e um desfavorecimento àqueles que conseguiram lidar melhor com o problema. Não costuma pegar bem.
É a postura de Christian Horner, da Red Bull, justamente o time que menos sofre com o porpoising até aqui. O dirigente fala que é injusto favorecer os times que não tiveram competência para resolver o problema, e de certa forma, está com razão, porque as regras são para todos, e todos os times sabiam quais seriam, até com ampla antecedência. Por outro lado, Horner está se aproveitando do momento, lembrando que em anos recentes seu time foi o que mais reclamou de vantagens “injustas” dos rivais, no caso, a Mercedes, tendo conseguido que algumas delas fossem proibidas, junto com a pressão de outros times. Agora que a Red Bull está por cima, é fácil ele defender esse pensamento, já que seu time é que seria prejudicado. Curiosamente, um dos times que também está penando com o porpoising é a Alpha Tauri, sendo que Pierre Gasly tem criticado os quiques de seu carro também, ainda que não com a mesma veemência da Mercedes ou de seus pilotos. De qualquer modo, mesmo que o problema tenha que ser efetivamente resolvido pelos times, cujos departamentos de engenharia tem a tarefa de apresentar soluções para o porpoising, é preciso analisar como está o comportamento dos carros, e se ficar constatado que de fato esse excesso de quiques pode levar ao comprometimento da saúde dos pilotos, a FIA poderá ter de intervir, para salvaguardar a integridade física dos competidores. O automobilismo já é um esporte de risco, e não tem porque obrigar os pilotos a competirem em condições comprometedoras de sua saúde. Com tanta preocupação com a segurança em tempos recentes, isso não seria algo preocupante para a imagem da entidade. Mas que vai ser uma discussão acalorada, podem apostar que vai. E com tiroteios verbais por todos os lados, onde ninguém é inocente nesta história toda, muito pelo contrário...
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