O calvário de Marc Márquez continua: mais uma cirurgia, para tentar recuperar em definitivo o braço fraturado em 2020, e fora do resto da temporada de 2022. |
Marc Márquez está fora da temporada de 2022. A “Formiga Atômica” anunciou, às vésperas do GP da Itália em Mugello, semana passada, que iria passar por nova cirurgia no braço direito, e que o período de recuperação deve fazer com que ele fique de fora do restante da temporada deste ano. O objetivo da nova operação é para recuperar a força total de seu membro, que até hoje sente as sequelas da fratura decorrente do tombo na primeira prova de 2020.
Com isso, as chances da Honda na atual temporada diminuem consideravelmente. Stefan Bradl, que já havia substituído o hexacampeão nas provas onde ele não esteve presente, será o substituto, mais uma vez, fazendo companhia a Pol Spargaró. Márquez já havia declarado que não tinha condições de lutar pelo título desta temporada na classe rainha, referindo-se não apenas ao desempenho insuficiente da RC213V frente aos rivais, mas também ao desempenho de si próprio, onde não estaria conseguindo pilotar no nível que considera necessário.
O problema do piloto é duplo. Marc já declarou que o novo comportamento da moto da Honda não lhe permite guiar da maneira como sempre fez, e isso estaria forçando-o a usar o braço direito, que ainda não recuperou toda a força de antigamente, mais do que o necessário, para tentar obter mais desempenho na pista. Na busca pelos novos limites, o espanhol já acabou sofrendo alguns tombos nesta temporada, felizmente sem maiores consequências, por hora.
O problema também é duplo para a Honda: não apenas vai ficar sem seu principal piloto, como o time está tendo problemas para desenvolver o seu equipamento, que nos últimos anos ficou atrelado demais ao estilo no qual apenas Marc Márquez conseguia responder na pista. Era uma moto nervosa, arisca, mas que Márquez conseguia não só domar como levar a limites impensáveis, conquistando seis títulos na classe rainha do motociclismo. Só que isso teve uma consequência nefasta para a marca: ninguém mais conseguia tirar rendimento de alta performance da RC213V, o que na prática deixada a marca japonesa refém de um único piloto na pista. Ao invés de tentar minimizar o problema, eles foram deixando o comportamento da moto seguir nessa toada, ano após ano. Ou alguém lembra que Dani Pedrosa foi começando a ficar cada vez mais para trás no duelo interno da Honda desde o primeiro ano em que foram parceiros de time? No primeiro ano, Pedrosa foi 3º colocado em 2013, com 300 pontos, e 3 vitórias, enquanto Márquez foi o campeão, com 334 pontos e 6 vitórias. Já em 2018, último ano da parceria entre os dois, Márquez foi novamente campeão, com 321 pontos e 9 vitórias, enquanto Pedrosa foi apenas o 11º, com 117 pontos, e nenhuma vitória. E olhe que na comparação, estou relativizando os problemas que Dani teve nessas temporadas.
O que dizer então da comparação em 2019, quando Jorge Lorenzo, um tricampeão mundial da categoria, passou a ser o companheiro de Marc na Honda? A “Formiga Atômica” mais uma vez conquistou o título da competição, com 420 pontos e 12 vitórias, enquanto Lorenzo foi somente o 19º colocado, com meros 28 pontos. Dificuldades de Jorge com a adaptação à moto, que já havia acontecido na Ducati, devidamente consideradas, além dos azares que o ex-piloto de Yamaha e Ducati havia apresentado, a discrepância de resultados é patente. Até porque os demais pilotos que utilizavam motos da Honda já se manifestavam claramente não conseguirem se sentir confiantes de levar a moto ao limite, sem elevar os riscos consideravelmente, e isso não era questão de medo ou falta de talento, mas de capacidade para domar um equipamento difícil. Mas, Márquez ia conquistando títulos, então, por que mudar?
Muitos torcedores até concordam com a postura do time. Afinal, Márquez estava vencendo e ganhando títulos. Por que mudar isso, só porque os demais pilotos da marca não conseguiam se dar bem com o equipamento? Seria nivelar por baixo, dizem, dando atenção a pilotos “secundários” quando deveriam focar sempre na sua principal estrela, que é quem traz os resultados esperados. O argumento tem sua lógica, e até funciona por um tempo, mas tem um ponto fraco fatal: o que acontece se a principal estrela sai, ou fica fora de combate? A dependência que tal estratégia causa pode comprometer seriamente a escuderia, que pode levar muito tempo para acertar novamente o rumo, ou até não conseguir fazer isso.
Cito um caso conhecido na F-1. A equipe Benetton, a partir de 1993, passou a projetar seus carros para um estilo de pilotagem particular de sua principal estrela, Michael Schumacher, que conseguia pilotar o bólido em um nível que beirava o precipício, pois era um carro de comportamento arisco, nervoso, mas que o piloto alemão conseguia domar com seu talento, e arrancar dele uma performance impossível para outros pilotos, que não sentiam confiança e segurança para levar o carro a tais limites. E quem reclamasse levava uma bronca de Flavio Briatore, do tipo “apenas pilote, e não queira dar palpites”. Bom, Schumacher foi bicampeão com a escuderia em 1994 e 1995, então tudo parecia funcionar bem. Só que aí o alemão foi para a Ferrari em 1996, pegando todo mundo de surpresa, até a própria Benetton, que sem seu principal piloto, teve de recorrer, obviamente, a outros pilotos para a temporada de 1996. Só que Jean Alesi e Gerhard Berger, apesar de talentosos, não tinham como tirar do carro o mesmo desempenho de Schumacher, pelo que a performance da escuderia, que precisou “reaprender” a fazer um carro “mais normal”, simplesmente despencou, nunca mais conseguindo disputar um título, e sendo vendida alguns anos depois.
É o panorama vivenciado pela Honda atualmente, que precisa ter uma moto que seja “pilotável” por seus outros pilotos, já que ficou sem Marc Márquez. Basta ver que, de protagonista na década passada, sem a “Formiga Atômica”, virou coadjuvante na competição, sem vencer. No ano passado, ainda conseguiu alguns brilhos graças ao hexacampeão, mas era necessário tomar outro rumo para voltar a ser um time de ponta, e especialmente, não ficar refém de Marc Márquez. Por isso, o novo comportamento da RC213V a partir deste ano, visando estabelecer novas bases, algo que já explanei aqui em momento recente, e que em teoria, deveria até ajudar Marc Márquez, com a adoção de um equipamento mais “dócil” de pilotar, que em tese deveria expô-lo a menos riscos na obtenção de desempenho na pista, e ao mesmo tempo, ajudar seus demais pilotos a conseguirem melhores resultados conjuntamente. Só que uma mudança de conceito dessas não gera resultado de uma hora para outra, e no momento, o time da Honda luta para desenvolver a performance de sua moto com este novo comportamento na pista, um desafio que certamente não será vencido neste ano, mas que pode gerar frutos para a temporada de 2023, se os engenheiros conseguirem criar uma base de desenvolvimento consistente e promissora. Algo que poderiam ter evitado, ou pelo menos minimizado, lá atrás, quando ouviram as primeiras críticas de seus pilotos a respeito do comportamento difícil da moto japonesa. Mas, preferiram ignorar, acreditando que sempre teriam Marc Márquez para trazer vitórias e títulos, mesmo sabendo que um dia ele deixará a competição. Certamente não contavam que o espanhol entrasse em um inferno astral com aquele acidente de Jerez em meados de 2020, que gera consequências até hoje, e que colocou a posição da Honda como time de ponta da MotoGP completamente em xeque. E agora, é correr atrás do prejuízo, e se as perspectivas para a temporada de 2022 já não eram lá muito otimistas, ficam menos positivas agora, sem poder contar novamente com seu principal piloto.
Marc Márquez, por outro lado, toma a decisão certa ao se afastar para tentar, com a nova cirurgia, que teria sido realizada ontem, resolver de vez seus problemas com o braço afetado, e conseguir se recuperar decentemente para poder seguir com sua carreira na MotoGP. Admitir suas limitações, e tomar as medidas necessárias para corrigir, ou pelo menos minimizar o problema, é algo que deve ser elogiado e respeitado. E com a devida torcida para que tudo corra bem, e que o piloto possa retornar tão logo esteja plenamente restabelecido. Neste momento, o período de espera pode ser angustiante, dependendo da velocidade da recuperação, e da fisioterapia e demais procedimentos que serão necessários para se completar o tratamento, que dependerão da determinação de Marc para serem bem-sucedidos. Poderia ser apenas isso.
Só que Márquez está tendo de encarar também a dura realidade de sua impaciência e talvez, irresponsabilidade. Após a cirurgia no braço fraturado logo após a primeira prova em Jerez em 2020, eis que o piloto resolveu voltar a competir já no fim de semana seguinte, e os médicos ainda acabaram autorizando sua participação, que felizmente não aconteceu, devido às fortes dores que sentiu, o que o fez se retirar da prova. Mas ele continuou forçando o braço em casa, tentando apressar sua recuperação, e aí as coisas complicaram, quebrando a placa de titânio implantada no braço, e tendo de passar por nova cirurgia, que aí, complicou ainda mais, tendo gerado uma infecção que comprometeu todo o restante da temporada de 2020 e o início da temporada de 2021, tendo sido necessária nova cirurgia no membro afetado. E dali em diante, nada mais seria tão tranquilo e previsível como antes. E Márquez, infelizmente, teve sua parcela de culpa por tudo isso, como mencionei.
O espanhol já havia se acidentado várias vezes desde sua estréia na MotoGP em 2013, devido a seu estilo excessivamente agressivo de pilotagem, mas sempre escapou com nenhum ou poucos ferimentos sérios. Só que estamos falando de competição de motos, onde os riscos de acidentes são bem maiores do que numa competição de carros, uma vez que o corpo do piloto fica praticamente exposto em caso de quedas, se comparado com o chassi de proteção de um carro. Você sempre pode dar sorte de escapar ileso, ou sem machucados de monta, mas uma hora, a sorte pode não sorrir para você, e depois de tantos tombos, e mantendo sempre um estilo tremendamente agressivo na pista, ficamos pensando se Marc Márquez não passou do ponto sempre imaginando que poderia continuar a escapar ileso ou com poucos ferimentos dos acidentes que poderia vir a sofrer? É verdade que ele passou a maneirar um pouco com o passar do tempo, aprendendo a não ir sempre na base do vai ou racha nas corridas, desenvolvendo senso tático e de estratégia para tentar sempre capitalizar com as oportunidades na pista. Mas, em alguns momentos, ele voltava a exibir um pouco aquele estilo kamikaze que o caracterizou nos primeiros anos, especialmente quando se sentia mais pressionado na pista. E aí, veio o tombo em Jerez, que não foi nem tão espetacular ou assustador quanto outros que já havia sofrido antes. Mas, dessa vez, faltou sorte, e aí...
A sensação de invencibilidade, então, procurando retornar já no final de semana seguinte, sem nem dar tempo ao corpo de se recuperar direito de uma cirurgia que apesar de rotineira, devia inspirar cuidados maiores em sua recuperação, a fim de evitar problemas posteriores, acabou levando ao desastre. Não na pista, onde os médicos, de forma inacreditável, ainda o liberaram para competir, o que ele felizmente não levou adiante pelas dores que sentia, mas em casa mesmo, forçando demais para tentar apressar seu retorno já na corrida seguinte, ajudando a danificar a placa posta na cirurgia, e desencadeando todo esse problema que vem afetando a vida do piloto até hoje. Costumo dizer que a pressa pode ser a perdição de toda uma vida, quando não se sabe dosar a sua necessidade. Pilotos normalmente querem ir o mais rápido possível, é sua meta e seu trabalho, e muitas vezes, acabam até levando essa necessidade de velocidade para fora da pista. No caso, aqui, infelizmente o apressado comeu cru, e deu no que deu.
Márquez reafirma que não pensa em aposentadoria, e que o objetivo da nova cirurgia é conseguir lhe proporcionar a chance de voltar a se divertir com a pilotagem da moto, dando claras indicações de que não gostou do novo comportamento mais “normal” da RC213V, que segundo ele, não dá para conduzir com seu estilo “natural” de pilotagem. Não seria o primeiro grande piloto a sofrer com isso, como vimos em tempos recentes na própria MotoGP. Mas a Honda, se quiser pensar para o futuro, não pode ficar apenas na dependência de Marc Márquez, que mesmo que se recupere totalmente, pode não vir mais a apresentar a mesma performance de antigamente. Queira ou não, o espanhol precisará aceitar que será necessário se adaptar às novas condições de pilotagem que o comportamento da moto exigir. Pode ser complicado, mas não impossível. Valentino Rossi precisou se reinventar para se manter competitivo, durante seus mais de vinte anos na MotoGP, e seguiu firme na pista durante muito tempo. Márquez ainda é novo, e se conseguir ser bem-sucedido em sua adaptação, ainda poderá competir por vários anos na classe rainha do motociclismo, e se o equipamento lhe permitir, voltar a ser campeão.
Depende apenas dele agora ter a paciência que lhe faltou anteriormente, e saber encarar as causas e consequências de suas decisões. Ele ainda pode dar a volta por cima, e seus fãs certamente vão esperar para ver isso acontecer, assim como toda a MotoGP, que aguardará ansiosa pelo seu retorno, se possível na melhor forma de sempre.
Em homenagem a Valentino Rossi, a MotoGP “aposentou” o número 46 da competição, em cerimônia realizada na pista de Mugello domingo passado, por ocasião do GP da Itália. O número utilizado pelo “Doutor” não poderá ser usado no futuro por outros pilotos. Valentino agradeceu a homenagem recebida, diante dos fãs que tanto o acompanharam em sua longa carreira na classe rainha do motociclismo, onde foi sete vezes campeão. Não é algo incomum a MotoGP “aposentar” números utilizados por seus pilotos. A última vez havia sido em 2019, quando eles retiraram o número 69 em homenagem a Nicky Hayden, morto em um acidente de trânsito. Outros números “aposentados” foram o 65, de Loris Capirossi; o 58, de Marco Simoncelli; o 34, de Kevin Schwantz; o #48, de Showa Tomizawa; além do 74, de Daijiro Kato. Apenas Capirossi e Schwantz foram homenageados em vida, com Rossi agora fazendo parte desse seleto grupo.
A Formula-E estréia sua mais nova corrida na categoria neste final de semana, com o ePrix de Jakarta, na Indonésia, em um novo circuito que terá cerca de 2,4 Km de extensão, e nada menos do que 18 curvas, montado na área portuária de Ancol, que começou a ser montado este ano, de modo que é esperado um asfalto bem ondulado que pode significar um desafio para os pilotos e times da categoria. A prova deveria ter estreado no calendário da F-E já em 2020, mas os planos tiveram que ser adiados devido à pandemia da Covid-19. Além disso, as perspectivas iniciais da F-E era de competir em uma área mais ao centro da cidade, idéia que acabou não sendo viável diante das dificuldades da rotina da metrópole, o que obrigou a necessidade de se achar outro local para a realização da corrida, que terá transmissão ao vivo a partir das 5 da manhã neste sábado, pela TV Cultura e SporTV 3.
Traçado de Jakarta, que recebe a F-E na madrugada deste sábado. |
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