E Michael Mais caiu. Nome central do rolo que foi visto no final da etapa de Abu Dhabi na decisão do título da temporada passada, ele não é mais o diretor de provas da F-1 na FIA, e irá ocupar outro cargo na entidade que comanda o automobilismo mundial. Para o seu lugar, a organização decidiu dividir a função: vai usar o diretor de provas do WEC, o Mundial de Endurance, Eduardo Freitas, e o antigo responsável pelo mesmo cargo no campeonato do DTM, Niels Wittich. A dupla ainda passará a contar com orientação do ex-assistente de Charlie Whiting, Herbie Blash, que retorna à função de conselheiro sênior permanente.
Para “evitar exposição e pressão desnecessária”, os rádios de comunicação das equipes com estes profissionais não serão mais acessíveis ao público. Freitas e Wittich deverão se revezar como diretor de provas nos GPs, enquanto Blash não estará presente no local das corridas, mas acompanhará tudo de uma sala especial em alguma instalação da FIA, com acesso total aos dados e imagens da corrida, verificando tudo o que for necessário para ajudar no desenlance dos incidentes que ocorrerão na prova. Na prática, é como se Blash fosse um “VAR” do futebol para a F-1, com um novo controle “virtual” dos acontecimentos que será instituído pela FIA.
A comunicação da dispensa de Masi de sua função veio com elogios aos seus esforços no cargo desde o falecimento de Charlie Whiting há três anos, sem uma única menção de que tenha cometido “equívocos” em sua gestão. Só que sua queda, esperada por muitos depois de tudo o que aconteceu, só revela que a FIA teve de assumir o erro perpetrado pelo seu funcionário, por mais que tente negar a gravidade da situação, procurando resguardar sua própria imagem, que não anda a melhor no momento. Mas, o que se poderia esperar exatamente da FIA neste caso? Até mesmo a “investigação” promovida pela entidade para se apurar os acontecimentos da corrida final da temporada 2021, que a entidade prometia divulgar detalhes a respeito na última segunda-feira, mas ficou sem dizer nada, postergando a conclusão dos trabalhos para o mês que vem, na véspera do GP do Bahrein. Tal atitude, aliada à “demissão” de Michael Masi, só serve para dar mais motivos para descrença nas atitudes da FIA do que em uma solução para o caso, que na minha opinião, não há muito o que fazer a essa altura.
Meio que por linhas tortas, Max Verstappen é o campeão, e fim de papo. A atitude errada de Masi em relação aos procedimentos do Safety Car foram reprováveis quando se tenta justificar a necessidade de terminar a corrida sem bandeira amarela, uma vez que a atitude beneficiou apenas um piloto naquela situação, que foi justamente o piloto da Red Bull, que sem nada a ver com a história, fez o que todo mundo viu que ia acontecer, já que naquela volta final as condições de disputa ficaram desniveladas. Erro cometido, o lance é aprender com o episódio, e tomar providências para que isso não se repita, mas neste caso, é preciso uma revisão das regras, algo que a FIA anuncia que fará em breve. Mas fica o receio de o conserto sair pior que o defeito, já que a entidade é pródiga em complicar, ao invés de simplificar...
O problema nunca foi exatamente Michael Masi, mas sim o modo como a FIA elabora os regulamentos, e acaba por se complicar sozinha com isso na aplicação das normas. Masi foi apenas o nome exposto nessa confusão que ficou a aplicação das regras que a FIA deveria elaborar com muito mais clareza e objetividade, a fim de evitar interpretações que dessem margem a atitudes distintas em situações similares. A F-1 é apenas um lado dessa bagunça na execução dos regulamentos. Na segunda corrida da Formula-E em Diriyah, na Arábia Saudita, na abertura da temporada 2022 da categoria, a própria FIA acabou não acatando suas próprias regras de ocorrência do Safety Car, tendo tomado uma atitude que não agradou aos competidores na prova.
Com novas regras prevendo tempo adicional de corrida em caso de intervenção do carro de segurança, tivemos um incidente com necessidade de remoção do carro da pista, mas a direção de prova, leia-se FIA, demorou um tempo enorme para acionar o Safety Car, que quando entrou na pista, com muito atraso, acabou sendo usado como desculpa para não se conceder o tempo adicional de corrida para a situação, frustrando equipes e pilotos que esperavam por esse tempo adicional para disputarem as posições que queriam na pista. Não se concederia tempo adicional se o carro de segurança entrasse após 41 minutos de prova (de um total de 45 minutos, mais uma volta). Mas o incidente ocorreu após 35 minutos de prova, e enrolaram a entrada do Safety Cart até depois do minuto 41, para alegar a não-concessão do tempo adicional. A regra já tinha tido sua primeira aplicação na primeira corrida, no dia anterior, e foi elogiada por todos, por oferecer um novo desafio, e compensar o tempo de corrida perdido durante a intervenção do carro de segurança, quando as disputas de posição estão proibidas. Daí, a FIA precisava fazer burrada com isso no domingo, como ocorreu? E não era Michael Masi que estava como diretor de prova da competição dos carros monopostos elétricos...
O buraco, como se vê, é bem mais embaixo. Além de regulamentos claros e objetivos, o que já ajudaria a não dar margem para interpretações variadas, o uso do bom senso, com a aplicação de regras para tais ocorrências, também ajudaria. E a FIA também deveria fazer sua parte, ao ver que Masi estava ficando muito exposto na função, após algumas decisões polêmicas em momentos anteriores. A entidade deveria preparar novos diretores para poderem atuar em caso de necessidade, e ao mesmo tempo, tomar providências para evitar que equipes possam tentar exercer influência junto ao Diretor de Prova em situações assim, onde cada um dos envolvidos, obviamente, puxa a sardinha para o seu lado, com maior ou menor desenvoltura, como acontece no futebol quando jogadores tentam pressionar o juiz após um lance questionável numa partida de futebol.
A idéia de não permitir contato entre times e pilotos com o Diretor de Prova deve ajudar a evitar a pressão do momento, de modo que o novo profissional no cargo possa tomar a decisão mais correta a respeito do incidente ocorrido. A menção de não deixar mais este tipo de comunicação ir ao ar na transmissão das corridas, só ajuda se de fato não houver mesmo acesso ao Diretor de Prova, durante o desenrolar da corrida. Se os times continuarem tendo esse acesso, esconder o que se diz só dá margem para mais desconfiança por parte de todos. A FIA diz que as equipes poderão questionar as decisões que forem tomadas, de acordo com procedimentos que serão determinados para tanto. Em tese, isso é correto: nenhuma decisão deve ser imune de questionamentos, mas quando o regulamento for cumprido conforme ditam as normas, de forma clara e sem meios-termos, não se deve prolongar a discussão a respeito.
Nesse aspecto, trazer Herbie Blash de volta, depois de sua aposentadoria em 2016, é uma medida que tem seus méritos. Blash era conterrâneo de Charlie Whiting, e até hoje é um nome respeitado pelas equipes da F-1. Se a nova dupla de Diretores de Prova da FIA precisava de um conselheiro de renome, Herbie é um nome dos mais confiáveis para a função, e do alto de sua experiência, e principalmente vivência no mundo do automobilismo, desde quando era integrante da equipe Brabham, sob comando de Bernie Ecclestone, sabe muito bem o que fazer. E seria de bom grado que a FIA não apenas traga Blash de volta, mas que também já comece a preparar seu sucessor, o que não foi feito quando Michael Masi assumiu a função que era de Whiting quando este faleceu, às vésperas do GP da Austrália de 2019, lembrando que Blash também já é idoso, e pode nos deixar sem aviso prévio, assim como aconteceu com Charlie.
Herbie Blash: de volta da aposentadoria para ser consultor dos novos diretores de prova da FIA para a F-1.
A queda de Masi aplaca
a frustração da Mercedes com o ocorrido em Yas Marina. O time alemão tinha tudo
para manter seu protesto contra o resultado da prova, mas retirou seu recurso,
e ficou quieto, alegando que estava aceitando o ocorrido, e preferido manter
sua imagem esportiva frente aos acontecimentos. Um recuo que só podia indicar
uma coisa: que Masi fosse retirado de seu cargo, no mínimo, além de uma revisão
nas regras para evitar que algo assim ocorresse novamente. Até mesmo Lewis
Hamilton ficou quieto nestes últimos meses, sumindo das redes sociais onde era
um ativo membro. Em nome da tranquilidade, a FIA, agora sob a batuta de Mohammed
ben Sulayem, novo presidente da entidade, sucedendo Jean Todt, aceitou as
condições.
Mohammed ben Sulayem certamente tinha planos de iniciar sua gestão à frente da FIA com mais tranquilidade para tocar seus projetos na presidência da entidade, mas se viu no meio da tempestade desencadeada em Yas Marina, tendo de tomar providências e talvez, tomar atitudes que não preferiria fazer agora. Mas, com a politicagem que a FIA acaba fomentando, voluntaria ou involuntariamente, é preciso encarar as responsabilidades de se deixar a situação chegar a esse ponto. A FIA ganharia muito mais se resolvesse cuidar apenas do esporte, e deixasse parte da politicagem de lado, mas talvez isso seja pedir demais, já que a própria F-1 também está pra lá de enrolada em suas politicagens, para azar dos ideais esportivos, que poderiam ser um pouco mais valorizados, apesar de tudo. Já que preferem desse jeito, que não reclamem quando tem que dar conta das buchas que surgem diante de tais rolos.
Vendo o abacaxi que lhe caiu no colo tão logo assumiu a presidência da FIA, seria ótimo que Mohammed ben Sulayem aproveitasse para fazer uma revisão geral em toda a entidade e seus regulamentos, para se livrar de potenciais problemas que a postura por vezes anacrônica e acomodada da entidade acabará acarretando. Se ele quer fazer uma administração diferenciada, que faça então uma boa faxina em tudo o que precisa ser descartado na FIA, arejando a entidade e modernizando seus procedimentos. Pode ser pedir demais, mas é o que tem de ser feito. Ou então que ele arque com as consequências quando outra bomba desses estourar na sua mão...
Sobre o que deveria ter acontecido em Abu Dhabi, volto a afirmar o que teria sido a decisão mais justa na minha opinião: dava-se bandeira vermelha, limpava-se a pista, e relargava todo mundo para as cinco voltas finais, com pneus novos, e carros alinhados com suas posições de corrida. Todos estariam em paridade de condições básicas, e vencesse quem fosse melhor. E aí, poderia dar tanto Lewis Hamilton quanto Max Verstappen. Numa disputa a fundo de poucas voltas, poderíamos todos ver um duelo homem-a-homem entre os dois, que certamente deixaria todo mundo arrepiado. E, para quem afirma que Hamilton seria favorecido, eu retruco que, ao momento da entrada do Safety Car, a vantagem ostentada pelo piloto da Mercedes, de 11s, fora construída durante toda a corrida, não sendo fruto de poucas voltas. Com pneus novos, e indo para o tudo ou nada em apenas 5 voltas, o desempenho entre ambos poderia ser bem parelho, oferecendo aos fãs uma oportunidade de duelo muito mais emocionante do que o que vimos na pista, onde Verstappen não teve a menor dificuldade em superar Lewis com seus pneus novos diante dos já desgastados compostos do inglês. Além disso, ao permitir que somente os carros entre ambos descontassem a volta, Masi negou o mesmo direito, válido, dos demais retardatários poderem fazer o mesmo, e eles poderiam ter feito algo em suas disputas particulares no GP para mudar suas posições, o que lhes foi negado. Vimos isso em Baku, onde os pilotos partiram para apenas 2 voltas finais da corrida, e o clima pegou fogo entre os pilotos, com várias brigas e duelos que deixaram todo mundo arrepiado. E ninguém questionou o resultado daquela prova, que terminou com a vitória de Sergio Pérez. E certamente não estaríamos falando tanto a respeito do assunto como se falou desde então, fosse quem fosse que tivesse chegado na frente, Lewis Hamilton ou Max Verstappen, se bem que, do jeito como as pessoas estão hoje, nem isso ficaria a salvo de controvérsias também...
Presente desde 1994 em todos os seus carros, desde o falecimento do piloto no trágico Grande Prêmio de San Marino daquele ano, a marca de Ayrton Senna não estará mais presente nos carros da equipe Williams a partir desta temporada. A justificativa do time, de que é preciso “olhar para o futuro”, não tem nada demais, apesar de alguns fãs mais exaltados reclamarem do ocorrido, como se fosse um desprezo à memória do piloto brasileiro. A presença da marca de Ayrton no bico dos carros da escuderia inglesa era uma homenagem do time ao seu falecido piloto, uma perda que abalou profundamente Frank Williams, falecido no ano passado. Um gesto pessoal, e muito bonito, por parte do dirigente, que foi mantido todos estes anos. Mas a vida segue, e como a nova direção do time diz, é hora de olhar para o futuro. Ayrton Senna é parte do passado do time, e o piloto continuará a marcar presença no museu da equipe, que mostra a história da escuderia inglesa. Não tem nada a ver com desprestigiar a lembrança do piloto brasileiro. Aliás, seria bom se parte da torcida também deixasse Senna descansar em paz, algo que não ocorreu direito até hoje. Mas a vida segue em frente, o que não significa ignorar quem Ayrton foi e o que fez na pista. A Williams, sob nova propriedade e administração, volta-se para o seu futuro, buscando voltar a evoluir, e ocupar novamente o lugar na F-1 que sua rica história já registrou várias vezes.
E continuam a aparecer os novos bólidos da temporada 2022 da F-1, sejam em apresentações oficiais das equipes, ou flagrados em pistas fazendo seus shakedowns. Esta semana tivemos a Alpha Tauri, Williams, Ferrari, e hoje é a vez da Mercedes apresentar o seu novo carro. E a Alfa Romeo foi vista fazendo a checagem de seu bólido com uma pintura disfarçando os contornos do seu novo projeto. Parece que depois de muito tempo poderemos ver os carros voltarem a ter alguma personalidade, diante do modo como os engenheiros das equipes interpretaram as regras do novo regulamento técnico, num retorno aos velhos tempos, quando os projetistas tinham mais liberdade para projetar os carros e por vezes adotavam soluções bem interessantes. Afinal, a nova geração de carros resgata o efeito-solo que era a moda da F-1 no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980. Vamos ver como se dará o comportamento destes novos monopostos na pista, e quão será o seu comparativo de desempenho em relação aos carros do ano passado.
A Ferrari resgata no seu novo SF-75 a pintura clássica da escuderia no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990.
Apesar de sua posição ser insustentável na FIA, Michael Masi tinha lá aqueles que o defendiam na função, e um deles, coincidentemente, foi Helmut Marko, conselheiro da Red Bull, time que acabou sendo campeão de pilotos com Max Verstappen em 2021, justamente pela maneira como o agora ex-diretor de prova lidou com a situação em Yas Marina. Será que se a situação fosse o inverso, ele ainda defenderia o australiano? Duvido muito...
Nenhum comentário:
Postar um comentário