Aos 79 anos, Frank Williams faleceu no último final de semana. |
A história da Fórmula 1 ficou mais vazia neste último domingo, quando foi anunciado que Frank Williams, fundador da equipe que leva seu nome na categoria máxima do automobilismo, nos deixou, aos 79 anos de idade. A F-1 perde aquele que foi seu último “garagista”, termo que se dava aos antigos donos de equipe, que nos tempos já idos, literalmente construíam seus carros de competição nas garagens de casa, movidos pela paixão da velocidade e do esporte a motor. E foi essa paixão ao automobilismo que fez de Frank Williams um dos mais notáveis personagens da história da F-1.
Uma história que começou em fins dos anos 1960, em categorias inferiores, mas sempre com o desejo e sonho de chegar à F-1, algo muito complicado e difícil mesmo naquela época, onde tudo era ainda mais acessível que nos dias de hoje. Começou com carros comprados de outros times, algo comum na época, e que facilitava o ingresso de novos times que ainda não tinham capacidade de construir seus próprios carros. Mas a perda de Piers Courage, grande amigo e piloto do time, em um acidente, foi o primeiro dos grandes golpes que Frank sofreria por causa de sua paixão ao esporte. Dificuldade que não interrompeu sua luta pelo sonho de ter seu próprio time, lutando contra todo tipo de problemas, especialmente a falta de recursos, para se manter em atividade. Chegou a usar telefone público para se comunicar com seus clientes, depois de ficar sem ter como pagar a conta de sua sede, alocada inicialmente em um galpão na cidade de Didicot. E ia a hotéis ao menos uma vez por semana, para poder tomar um banho.
Só ao final dos anos 1970 as coisas começaram a melhorar, depois de muitos reveses, inclusive uma parceria que terminou malsucedida com Walter Wolf, ao fim de 1976, depois de ver naufragar sua primeira escuderia no ano anterior. Associou-se a Patrick Head, amigo e engenheiro, e soube vender muito bem o seu projeto de um novo time a empresas árabes que lhe proporcionaram os recursos para criar a Williams Grand Prix Engineering Limited, que iniciou suas competições em 1977, ainda com um carro de terceiro, mas já com o primeiro carro próprio sendo concebido, que fez sua estréia em 1978. Com os recursos agora bem mais generosos, e uma administração firme e competente, além do talento de Head na área técnica, a nova equipe começou a ter resultados, com os primeiros pódios e vitórias surgindo em 1979, marcando a estréia da nova Williams como um time competitivo, que no ano seguinte, conquistaria o seu primeiro título, com o australiano Alan Jones, após um bom duelo durante a temporada com Nélson Piquet, da Brabham.
Os dias de penúria e austeridade ficariam para trás, e Frank realizava sua grande paixão, uma vez que, como piloto, ele não tinha jeito para coisa. O piloto fracassado tinha proporcionado à F-1 um novo time que seria um dos mais bem-sucedidos na década de 1980. Um novo campeonato conquistado por Keke Rosberg em 1982 seguiu-se um biênio de grande domínio em 1986 e 1987 com a escuderia a conquistar muitas corridas, mas sentindo, ao lado do doce sabor da vitória, também a maior tragédia da vida de Frank, que quando voltava de um teste em Paul Ricard, na França, sofreu um violento acidente com seu carro que mudaria sua vida para sempre, deixando-o tetraplégico, e privando-o das coisas mais simples como se alimentar sozinho, ou ir ao banheiro.
Frank Williams (acima) nos anos 1970, dando os primeiros passos de sua nova equipe na F-1, com a ajuda daquele que seria seu grande sócio e parceiro por muitos e muitos anos, Patrick Head (abaixo).
Pessoa de comportamento altivo, e principalmente ativo, Frank costumava correr a pé nas pistas onde as corridas seriam disputadas. De um instante para o outro, tudo mudou, e ele precisou ser um verdadeiro gigante para seguir em frente. De início uma luta para se recuperar em 1986, tornou-se um desafio diário para continuar vivendo dali em diante. Confinado a uma cadeira de rodas, e com movimentos mínimos nos braços e nas mãos, Frank precisava de alguém para fazer literalmente tudo dali em diante. Coisas triviais como vestir a roupa, comer, e simplesmente andar tornaram-se impossíveis para ele, passando a depender dos outros para tudo o que se pudesse imaginar. O acidente também fez com ele perdesse o controle de urinar e evacuar, necessitando usar fraldas. Mas nunca deixou que isso lhe impedisse de continuar gerenciando seu time, com uma garra e determinação que surpreendia a todos. Muitos teriam desistido diante das dificuldades diárias que passou a enfrentar, entre elas a própria respiração, que era um desafio diante das sequelas do acidente, necessitando fazer muitos exercícios para fazer com que o pulmão trabalhasse de forma satisfatória. Uma necessidade para sobreviver dia após dia.
A Williams conquistou o título de 1987 depois de um duelo fraticida entre Nélson Piquet e Nigel Mansell, com o brasileiro levando a melhor, depois de perder o campeonato do ano anterior para Alain Prost e a McLaren por causa da mesma briga interna. A Honda, nova parceira que permitiu a Frank Williams ser a nova superpotência da F-1, deixou a escuderia, que só voltaria a dominar a categoria em 1991, com a nova parceria com a Renault, e os talentos de Adrian Newey combinados com os de Patrick Head, fazendo o time ser novamente campeão em 1992 e 1993. Devido a mudanças no regulamento, banindo diversos sistemas técnicos, a equipe perdeu competitividade em 1994, voltando a ser campeã apenas em 1996, e por último, em 1997, com Damon Hill e Jacques Villeneuve, as últimas conquistas na categoria. De lá para cá, o time foi decaindo por diversas razões, enfrentando momentos ruins, e alguns períodos de breve renascimento.
Frank Williams era de fato um gigante, tocando seu time com incrível competência, enquanto lutava a todo instante com as limitações corporais que tornavam cada dia a mais uma vitória conquistada com garra, determinação, e coragem incomuns. Mas toda essa determinação também o fez ser teimoso, e inflexível com certas atitudes que eram necessárias em uma F-1 que estava mudando, e que precisava de nova visão de comando e planejamento, para se manter no topo. Anos depois, ele até confessou que cometeu estes erros, quando já era tarde para se corrigir o andar das coisas. Entre esses erros, a desconsideração por seus pilotos campeões, negligenciando a falta que eles fariam ao time. Nélson Piquet, Nigel Mansell, Alain Prost, Damon Hill, Jacques Villeneuve, todos eles deixaram o time, sendo que Villeneuve foi o único a defender seu título ainda pela Williams, tendo os demais saído, sem que Frank se esforçasse para manter os talentos deles. Ele também deixou Adrian Newey ir embora para a concorrência, um grande talento da área de engenharia que até hoje projeta carros vencedores na Red Bull, que foi tetracampeã entre 2010 e 2013. Newey também projetaria os McLaren campeões de 1998 e 1999. Na época, Newey propôs ser sócio do time, a exemplo de Patrick Head. Mas Frank não aceitou, e com isso, perdeu um dos pilares que poderia ter garantido a seu time condições de projetar melhores carros.
Com a parceira BMW, foi algo similar. A montadora bávara queria comprar o time e assumir a escuderia, com Frank como um dos responsáveis pelo comando. Mas ele não quis abrir mão do controle total da escuderia, querendo mantê-la dentro dos negócios “da família”. A BMW então acabou comprando a Sauber, e a Williams decaiu na competição. É verdade que a BMW, com a crise econômica de 2008, desistiu da F-1 em 2009, “devolvendo” o time a Peter Sauber, algo que certamente teria ocorrido com o time da Williams, que teria tido pelo menos uma segunda metade de década podendo competir com melhores recursos contra os concorrentes. Mas, mesmo admitindo o erro cometido, outros vieram.
Com Alan Jones (acima), Frank conquistaria seu primeiro mundial na F-1. Entre os pilotos brasileiros com os quais trabalhou, tinha a maior admiração por Ayrton Senna (abaixo).
Como indicar sua filha Clairie para comando do time no início da década passada, preterindo nomes mais competentes na própria família. Clairie, apesar de trabalhar na área de comunicação da escuderia, não tinha jogo de cintura para administrar o time. A escuderia ainda deu sorte com o início da nova era híbrida ao usar a unidade de potência da Mercedes, a melhor da F-1, e renascer na competição, terminando as temporadas de 2014 a 2017 entre as primeiras do campeonato, mas desperdiçando a chance de se reestruturar adequadamente para manter o novo status reconquistado. A esta altura, já com a saúde debilitada, Frank se afastaria das atividades de comando do time, deixando até de viajar para as corridas, algo mais do que compreensível para alguém em suas condições, quase trinta anos depois do acidente que mudou sua vida. Ali, o gigante que assombrou a F-1 com sua garra, determinação, e talento administrativo, já dava sinais de que a idade cobrava seu preço, um preço já alto diante da luta diária que ele precisava travar somente para sobreviver.
A história da família Williams encerrou-se no ano passado, com a escuderia sendo vendida ao grupo norte-americano de investimentos Dorilton, que assumiu o comando do time ainda com a temporada em andamento. Encerrava-se ali a história de Frank Williams com seu time, em que pese esse envolvimento já ter sido encerrado algum tempo antes, quando Clairie assumiu as rédeas do time. Restou a escuderia na F-1, mantendo o nome de seu fundador, respeitando a memória e a história da escuderia desde seus primeiros dias, até ali, e adiante. Foi a pior temporada da equipe desde sua estréia em 1977, terminando o ano sem conseguir marcar um único ponto, e em último lugar no campeonato de construtores. Não fosse a venda, muito provavelmente o time não existiria mais atualmente, ou estaria muito próximo de encerrar suas atividades.
Já idoso, Frank Williams ao menos viu sua família sair com certa dignidade da F-1 que ele tanto amou ao longo de sua vida. Apesar do jejum de títulos e vitórias, seu time ainda é um dos maiores vencedores da história da categoria máxima do automobilismo. Até o Grande Prêmio do Qatar, semana passada, a Williams disputou 761 corridas, triunfando em 114 delas, com 128 pole-positions, 133 voltas mais rápidas. Foram 9 títulos de construtores (1980, 1981, 1986, 1987, 1992, 1993, 1994, 1996, e 1997) e 7 títulos de pilotos (1980, 1982, 1987, 1992, 1993, 1996, e 1997). Em número de títulos, à época da conquista dos últimos deles, em 1997, a Williams era à época uma das maiores vitoriosas destes números na F-1. Atualmente, em títulos de construtores, a escuderia ocupa o segundo lugar nesse ranking, perdendo apenas para a Ferrari, com 16 campeonatos de construtores. Já no campeonato de pilotos, a Williams foi superada pela Mercedes, ocupando no momento a 4ª melhor posição nesse ranking. A Ferrari é a recordista, com 15 títulos, seguida pela McLaren com 12, e pela Mercedes com 9.
Erros e acertos, a vida de Frank Williams foi ímpar, não apenas pelos momentos de glória, mas pelos sofrimentos que enfrentou ao longo da vida, especialmente após 1986. Seu amor ao esporte, que ele manteve vivo tanto quanto possível, são o melhor exemplo de um sentimento que se perdeu na F-1 atual, comandada por megacorporações e montadoras, que podem até ter o esporte como um objetivo real, mas sem conseguir demonstrar o mesmo amor e paixão que foram exemplos dos garagistas que fizeram a fama da F-1. Uma estirpe que hoje ficou definitivamente no passado, com o falecimento de Frank Williams. O mundo do automobilismo, bem como figuras diversas, manifestaram seu pesar pela perda de alguém como ele. É verdade que os tempos são outros, mas a figura de Frank Williams não encontra rivais que possam se contrapor ou sequer concorrer à sua estatura. Que descanse em paz, recebendo os devidos respeitos por todos aqueles que tiveram chance de conhece-lo ou trabalhar com ele.
Vários pilotos brasileiros tiveram chance de guiar para Frank Williams. O primeiro deles foi José Carlos Pace, ainda na primeira equipe de Frank na F-1. Já na atual Williams, Nélson Piquet foi o único campeão. Ayrton Senna, que fez seu primeiro teste com um carro de F-1 justamente pelo time de Frank Williams, infelizmente sofreu aquele fatídico acidente em Ímola, em 1994, outro trauma na vida do construtor. Outros que guiaram os carros da Williams foram Antonio Pizzonia, Rubens Barrichello, Bruno Senna, e Felipe Massa. O dirigente nunca escondeu sua admiração principalmente por Senna, uma relação que não teve o tempo necessário para dar frutos.
A F-1 chegou à Árábia Saudita, onde hoje inicia os treinos oficiais na nova pista de Jeddah, que ficou pronto literalmente em cima da hora, recebendo sua aprovação como circuito ontem. Tudo ficou pronto de última hora, sendo que até poucas semanas atrás, era quase impensável imaginar que a F-1 correria ali. A categoria, que tantas condições e imposições fez para correr em diversos lugares mundo agora, literalmente se vendeu de mala e cuia para os árabes e seus petrodólares, que numa tentativa de “comprar” sua boa imagem pelo mundo, tem avançado sobre o mundo dos esportes, onde o dinheiro fala mais alto que muita coisa. Seria bom se os esforços dos sauditas, que tem uma das monarquias mais autoritárias do mundo, e um extenso rol de desrespeito aos direitos humanos, estivessem engajados de fato em melhorar como sociedade, e evoluir, utilizando os recursos da indústria petrolífera para avançar como nação e povo. Infelizmente, não é o que vemos, de forma que os eventos esportivos acabam se convertendo em ferramenta de promoção política de seus regimes, e de validação de seus costumes arcaicos. Mas a F-1 está sedenta de dinheiro, ainda mais precisando se recuperar dos baques financeiros provocados pela pandemia da Covid-19, onde eles foram achar sua tábua de salvação justamente em companhias sauditas como a Aramco, cujo nome tem sido visto com grande frequência em muitos GPs recentes. O preço que a F-1 paga de sua dignidade para um regime que ainda tem muito que avançar para converter sua nação em uma sociedade realmente moderna, e que respeite os direitos das pessoas, especialmente das mulheres, que são relegadas quase a subcidadãs pelos costumes islâmicos em muitos lugares do planeta. Ao menos, eles revogaram uma “cartilha” de “sugestões” de vestimenta para o pessoal da F-1, depois de muitas críticas por parte da opinião pública mundial, mas curiosamente, quase nenhuma da própria F-1. Regras de vestimenta que são impostas praticamente a ferro e fogo aos cidadãos sauditas...
Na luta pelo título, o campeonato está em um momento decisivo. Lewis Hamilton vem embalado depois das vitórias no Brasil e no Qatar, e promete lutar até o último momento. Max Verstappen ainda tem 8 pontos de vantagem sobre o inglês, mas se repetir o que vimos no Brasil, uma nova vitória do piloto da Mercedes, se conquistar a melhor volta, com o holandês em segundo novamente, faria ambos chegaram a Abu Dhabi, semana que vem, praticamente empatados na pontuação, com o título sendo decidido em Yas Marina. Para complicar, ninguém sabe ainda o que esperar deste novo circuito no calendário, que pode revelar surpresas para os times e pilotos, até mesmo pelo fato do circuito estar finalizado em cima da hora, o que pode prejudicar a condição do asfalto, que não teve o tempo de curagem necessária. Vamos ver o que acontece...
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