DUELO DE GIGANTES

 

A pista de Interlagos viu um novo round no grande duelo da temporada, entre Max Verstappen e Lewis Hamilton, com vitória do inglês, depois de um duelo acirrado (acima) mas em outras provas no ano o piloto da Red Bull levou a melhor (abaixo).

            O retorno da F-1 ao Brasil, depois de nosso país ficar ausente no ano passado por causa da pandemia da Covid-19, não poderia ter sido mais épico. Pudemos ver um verdadeiro duelo de gigantes pela vitória no Grande Prêmio de São Paulo, reafirmando com todas as letras que o velho Interlagos produz mesmo boas corridas. E o público teve o privilégio de conferir in loco como está sendo a ferrenha disputa pelo título da temporada, vista pela televisão somente até aqui.

            Lewis Hamilton, o heptacampeão, em busca de seu oitavo título, o que faria dele o recordista absoluto de títulos na F-1, está tendo o desafio mais difícil de sua carreira em muito tempo, na figura do holandês Max Verstappen, que com uma Red Bull em sua melhor forma desde a temporada de 2013, quando foi campeã pela última vez, não apenas encara o oponente como o superou em várias etapas este ano. Mas, como Lewis declarou, “ainda não acabou”, e faltando três corridas para encerrar a competição, tudo ainda pode acontecer, e os 14 pontos de vantagem ostentados pelo piloto do time dos energéticos não são uma dianteira tão sólida como podem parecer.

            Interlagos viu a melhor exibição de Hamilton na temporada. Não apenas com um carro com boa performance, o desempenho do inglês no circuito paulistano lembrou as corridas épicas de Ayrton Senna, com direito até ao piloto da Mercedes desfilar com a bandeira brasileira após vencer a corrida, e de subir com ela ao pódio, para delírio dos torcedores. E Hamilton fez uma corrida que fez juz ao estilo do falecido tricampeão mundial. Aliás, duas corridas, já que na Sprint Race, punido por uma abertura maior na sua asa traseira do que o permitido, largou em último, e com uma performance no melhor estilo “faca nos dentes”, foi passando todo mundo, para terminar em 5º lugar após 24 voltas. Cumprindo nova punição por troca da unidade V-6 turbo, largou em 10º no domingo, e foi para cima de quem estivesse à frente, ultrapassando-os sem a menor cerimônia. Um breve duelo com Sergio Pérez, e logo Hamilton estava na caça de Verstappen, o seu grande rival. E aí, foi um verdadeiro duelo homem a homem.

            Numa perseguição implacável, Verstappen resistiu tanto quanto pôde, e ainda dificultou perder a posição na primeira tentativa do inglês, com uma manobra de jogar o adversário para fora da pista, espalhando na entrada da Curva do Lago, numa manobra in extremis. O inglês evitou a colisão e continuou firme no ataque, até conseguir a derradeira ultrapassagem, e rumar firme para a vitória, invertendo as expectativas para as corridas finais do campeonato, que são quase completamente novidade para todos no grid.

            Expectativas que vieram mudando de lado desde o início da temporada, onde a excelente forma da Red Bull nos testes da pré-temporada indicavam que a Mercedes ia ter trabalho para repetir as conquistas de títulos dos últimos anos. Mas a propalada superioridade do time austríaco não se manteve em tempo integral. Depois de um início onde apenas tentava minimizar os prejuízos, a Mercedes parecia ter acertado seu rumo, e que poderia voltar a ser favorita. Mas então a Red Bull tomou as rédeas da competição, como se esperava, e o favoritismo mudou de lado, a partir de Mônaco. E aí, em Silverstone, Hamilton acabou voltando a vencer, e ainda teve aquele incidente com Verstappen, que estava até demorando para ocorrer, entre dois pilotos tão arrojados. Desde então, a situação ficou mais parelha, com a Red Bull só voltando a ostentar certa vantagem no últimos GPs. E que aqui, em São Paulo, mudou de lado mais uma vez.

            O duelo entre Hamilton e Verstappen, que levantou o público em Interlagos, já havia acontecido também em Austin, onde o holandês venceu, mas com o inglês colado na sua traseira. Tivesse o GP mais algumas voltas, o resultado poderia ter sido outro, ou talvez não. Da mesma forma como Hamilton guiou o fino em São Paulo, Verstappen fez o mesmo no Texas. Tanto Lewis quanto Max deixam seus companheiros de equipe Sergio Pérez e Valtteri Bottas muito para trás, com raras ocasiões onde ambos terminam as provas perto de seus parceiros ou em melhor posição de chegada. Um duelo de titãs deflagrado em diversos momentos no campeonato, com direito a reveses por parte de cada um, e momentos de genialidade e brilhantismo para cada um deles. Uma disputa que já não víamos há algum tempo na F-1, em período tão longo de competição.

Lewis Hamilton nunca escondeu sua admiração por Ayrton Senna, e depois de conseguir uma vitória antológica justo em Interlagos, o inglês repetiu o gesto de seu ídolo e desfilou com a bandeira brasileira (acima), levando-a inclusive para o pódio (abaixo), sendo muito aplaudido pela torcida presente no autódromo. 

            A disputa, que após os resultados dos GPs dos EUA e do México, parecia caminhar firme para o piloto da Red Bull, sofreu um revés em Interlagos, pista onde se imaginava que o carro rubrotaurino se destacaria mais. Mas o piloto holandês ainda é líder do campeonato, com uma folga que, a repetir o resultado nas próximas corridas, deixaria Hamilton e Verstappen empatados na largada para a última corrida, em Abu Dhabi, em um duelo que seria completamente imprevisível, sem termos a menor condição de apontar um favorito. E qualquer um deles que for campeão, o será com méritos, pelos duelos travados durante este ano, demonstrando serem os melhores de todo o grid da categoria máxima do automobilismo.

            A experiência e velocidade do heptacampeão mundial Lewis Hamilton contra o talento nato e arrojo puro de Max Verstappen? Quem irá levar a melhor? São dois titãs da velocidade medindo forças, e onde cada detalhe será crucial na disputa para conquistar o título. Uma pena que parte do comportamento das torcidas de ambos os pilotos parte para a desqualificação das qualidades do rival, em detrimento de seu ídolo, com discussões muitas vezes descambando para provocações pueris, sem o mínimo respeito ou educação. Ninguém é obrigado a tomar partido neste duelo, até porque tem muitos outros pilotos no grid para se torcer, mesmo que não estejam disputando o título do campeonato, mas um pouco mais de comedimento e respeito, valorizando os feitos do rival, não fariam mal a ninguém, muito pelo contrário.

            Se Hamilton vencer a disputa, sua conquista será mais do que valorizada pelo modo como duelou contra Verstappen, que por sua vez, também sairá extremamente reconhecido pela vitória obtida contra um dos maiores pilotos da história da F-1. Um confronto de alto nível, como foram diversos outros em toda a história da categoria máxima do automobilismo mundial. E deveríamos nos sentir privilegiados por podermos testemunhar essa disputa, não transformá-la em uma rinha de galo despropositada e rasteira. Ambos os pilotos têm suas qualidades e defeitos, mostrando serem pessoas bem humanas, apesar de seus rótulos de gênios da velocidade, uma estirpe rara dentro do mundo do automobilismo. Um deles já é um monstro consagrado do esporte a motor, enquanto o outro busca se tornar de fato outro monstro com iguais conquistas. A luta do passado recente contra o futuro próximo no presente.

            Aproveitemos ao máximo este singular duelo que os deuses do automobilismo estão nos proporcionando. E que vença o melhor, seja ele quem for.

 

 

A Fórmula 1 inicia hoje os treinos oficiais para a mais nova corrida do calendário da categoria máxima do automobilismo: O Grande Prêmio do Qatar. O palco é o Losail International Circuit, palco já mais do que conhecido pelo pessoal da MotoGP, que corre no circuito desde 2004, ano de sua inauguração, e que desde 2008 é disputada à noite, tendo sido a primeira corrida noturna da motovelocidade. O autódromo foi construído em menos de um ano, tendo custado cerca de US$ 60 milhões. O traçado possui 5,4 Km de extensão, com 16 curvas, sendo 6 à esquerda e 10 à direita, e uma grande reta. A pista tem uma largura de 12 metros, e o trecho da reta, que possui pouco mais de um quilômetro de extensão (1,068 Km), será o único setor de uso do DRS pelos carros da F-1, que provavelmente correrão pela primeira e única vez na pista de Losail. O GP do Qatar não fará parte da temporada de 2022, mas a corrida estará de volta em 2023, para um contrato de 10 anos com a categoria máxima do automobilismo, e deverá ser disputada em outro local no Qatar, ainda a ser definido. A pista sempre viu grandes duelos da MotoGP na pista, que teve como primeiro vencedor o espanhol Sete Gibernau, com Honda. Valentino Rossi e Casey Stoner foram os maiores vencedores do GP do Qatar, com 4 vitórias para cada um. Jorge Lorenzo venceu 3 provas. Já em pole-positions, Casey Stoner e Jorge Lorenzo são quem mais largaram na frente, com 4 poles cada um. O recorde oficial da pista nas provas da MotoGP é do italiano Francesco “Peco” Bagnaia, com o tempo de 1min54s491, obtido com a Ducati na segunda corrida disputada em Losail este ano, nomeada como GP de Doha, com velocidade média de 167,4 Km/h. O piloto também marcou a pole position com o tempo recorde de 1min52s772 na primeira corrida, com média de 171,7 Km/h. Já Johaan Zarco, da Pramac, time satélite da Ducati, alcançou a velocidade máxima de 362,4 com sua Desmosédici. Os tempos de volta, em pole e corrida, obviamente, deverão ser pulverizados pelos bólidos da F-1, dada a diferença de performance entre o monoposto e os protótipos da MotoGP. Para exemplo de uma comparação mais aproximada, em 2009 o italiano David Rigon marcou o tempo de 1min38s699 ao volante de um Dallara GP2/08, em prova da categoria GP2 asiática, quando eles correram na pista qatariana, com direito à pole-position de Nico Hulkenberg, com a marca de 1min35s135. Por essa marca, pode-se imaginar que os F-1 deverão marcar tempos entre 1min25s e 1min30s. Descobriremos a resposta nos treinos de hoje.

A bela pista de Losail (acima) receberá a F-1 pela primeira vez. O circuito costuma abrir a temporada da MotoGP, com vários duelos entre os competidores na classe rainha do motociclismo (abaixo).

 

 

A FIA anunciou que decidirá apenas hoje sobre o recurso de revisão solicitado pela Mercedes a respeito da manobra de Max Verstappen em Interlagos domingo passado quando o holandês, resistindo à tentativa de ultrapassagem de Lewis Hamilton, forçou o adversário para fora da pista, com ambos os pilotos fazendo a Curva do Lago além dos limites de pista. No domingo, a entidade preferiu dizer que havia liberado a disputa, porém imagens do cockpit do carro de Verstappen mostra que o piloto, através da posição do volante, forçou intencionalmente o rival para fora da pista, não ocorrendo uma colisão por pouco, com ambos saindo momentaneamente da pista e retornando a ela. A Mercedes, indignada com a manobra do holandês, entrou com recurso após as imagens serem disponibilizadas, objetivando uma punição para o piloto por manobra antidesportiva e desleal. Caso acate os argumentos, Verstappen pode perder posições no grid de largada, o que poderia comprometer parte de sua corrida no domingo, e facilitar a disputa para Hamilton, que vem embalado pelo espetacular triunfo no GP de São Paulo.

 

 

Aliás, a FIA arrumou sarna para se coçar por causa disso. Por mim, a disputa foi incidente de corrida, e até mesmo Lewis Hamilton acha isso, e foi um duelo de tirar o fôlego. Mas a entidade que comanda o automobilismo mundial se acostumou a distribuir punições a rodo aos pilotos por atitudes por vezes esdrúxulas, em especial quando o assunto são limites de pista, e atitudes consideradas antidesportivas, coisas que antigamente não davam em nada, com a competição correndo mais solta, e os pilotos duelavam acirradamente por posições na pista. Uma disputa como a que vimos entre Lewis Hamilton e Max Verstappen, nos velhos tempos, não seria nada demais, além de vermos dois pilotos levando seu duelo aos limites. Mas, hoje em dia, isso parece ter virado tabu, e agora, deixar a disputa rolar mais solta, como sempre deveria ter sido, pode parecer passar a mão na cabeça de Verstappen, já que sua manobra teve a intenção de jogar Hamilton para fora da pista. Por outro lado, o mesmo Hamilton espalhou na primeira curva de Austin, no GP dos Estados Unidos, com Verstappen saindo da pista naquele trecho. E como ficam os demais pilotos, quando acabam punidos por atitudes semelhantes? Eles querem tratamento igualitário, e não é porque Hamilton e Verstappen disputam o título que eles seriam merecedores de tratamento diferente. Por outro lado, punir o holandês agora daria base a muitos críticos de que a FIA está “tomando partido” na luta pelo título em favor do heptacampeão. E como se resolve isso? De um jeito ou de outro, qualquer decisão que a entidade tomar vai pesar na sua credibilidade junto à competição. Curioso que instalou-se uma espécie de “caça às bruxas” por condutas antidesportivas entre os pilotos, além da cobrança exagerada de limites de pista nos autódromos que recebem a categoria máxima do automobilismo, mas o público quer ver é duelo entre os pilotos, de modo que a parte da emoção que poderia vir da competição acaba tolhida pelo medo das punições da FIA. Cobrar mais responsabilidade por parte dos pilotos deveria ser chover no molhado, mas elas são feitas quase que como se os pilotos fossem todos crianças malcriadas que precisam e palmadas quando fazem algo ruim. Não queremos um derby de demolição, é claro, mas não precisa que as corridas virem frescurices onde praticamente nada pode acontecer, e toques de carro, algo muito possível de ocorrer, virem penas capitais. Mas não dá para ignorar também que Verstappen se acostumou a jogar o carro em cima dos rivais como método de intimidação, dada a sua agressividade, e ele parece não ver nada de errado nisso. Mas a hora que ninguém mais arredar pé para suas intimidações, podemos ver batidas muito desnecessárias. E se o holandês pode, os outros pilotos podem querer também dar duro na pista assim. Um abacaxi que vai ser difícil de ser descascado sem se machucar com os espinhos...

 

 

Quem vai dar as cartas em Losail? Max Verstappen e a Red Bull, ou Lewis Hamilton e a Mercedes? A longa reta do circuito, com seus 1,068 Km, é preocupante para os rubrotaurinos se Hamilton, com sua nova unidade motriz turbo estreada em Interlagos demonstrar a mesma performance, o que tornaria qualquer carro presa fácil para o heptacampeão, e ainda com o DRS, para não esquecer o ímpeto que o inglês exibiu no circuito brasileiro. Em caso de nova vitória de Lewis, tirando o ponto extra da melhor volta, a diferença cairia de 14 para 7 pontos a favor de Verstappen, restando as etapas da Arábia Saudita e de Abu Dhabi para fechar o campeonato. E o GP vai ser disputado à noite, com temperatura mais amena, o que em tese favoreceria a Mercedes, que parece sofrer mais com as altas temperaturas. Mas as expectativas de favorecimento não andam muito confiáveis, e o duelo Verstappen X Hamilton, assim como Mercedes X Red Bull, segue completamente aberto, mesmo com o ritmo melhor dos carros germânicos em Interlagos. Não vamos esquecer que na Turquia a Mercedes também exibiu um desempenho melhor, e até mesmo em piso molhado, dando a entender que poderia estar na dianteira no restante da competição, o que não se confirmou. Muito pelo contrário, a Red Bull quase virou o jogo no Mundial de Construtores, e ampliou sua dianteira no mundial de pilotos. Não há nada garantido nas expectativas...