Na série sobre pistas que sediaram provas da Fórmula 1, hoje vamos conhecer um pouco do circuito de Ímola, na Itália, e sua evolução de traçado ao longo dos anos, desde sua inauguração, até os dias atuais, onde retornou à categoria máxima do automobilismo, em decorrência da pandemia da Covid-19 no ano passado. Confiram no texto a seguir, e boa leitura a todos...
ÍMOLA
Hoje falaremos de uma das pistas italianas mais conhecidas a sediar um Grande Prêmio de Fórmula 1. Trata-se do circuito de Ímola, localizado na cidade de mesmo nome, a cerca de 40 quilômetros a leste de Bolonha, na região da Emília-Romagna, em plena Itália. Foram até agora nada menos do que 28 Grandes Prêmios que foram realizados oficialmente no circuito, que leva o nome de Autódromo Enzo e Dino Ferrari. O circuito inicialmente recebeu o nome de Circuito Santermo, nome do rio que passa bem ali ao lado. Posteriormente, seria renomeado em 1970 como Autódromo Dino Ferrari, em homenagem a Alfredo Ferrari, filho do comendador Enzo Ferrari, conhecido por todos como “Dino”, que falecera em 1956, vítima de diastrofia muscular, com apenas 24 anos de idade. Após o falecimento de Enzo em 1988, seu nome foi incluído junto do filho na nomenclatura oficial da pista, homenageando o fundador da Ferrari, ao lado de seu filho.
A região da Emilia-Romagna já tinha visto por ali disputas entre carruagens de gladiadores, por volta do ano 80 a.C., muitos séculos antes de um grupo de entusiastas pela velocidade ter a idéia de criar uma pista semipermanente aproveitando alguns trechos de estradas existentes, com a pedra fundamental do projeto sendo lançada em 1950, com a presença do próprio Enzo Ferrari. Em 1953, o circuito estava inaugurado, oferecendo um traçado de cerca de 5,018 Km, e dez curvas, a ser percorrido no sentido anti-horário, algo pouco comum nas pistas até então. Não havia nenhuma chicane no traçado, e isso conferia ao novo circuito italiano a possibilidade de altas médias de velocidade nas provas disputadas ali. Essa configuração original do circuito permaneceu até 1972.
A primeira configuração de Ímola mostrava uma pista de alta velocidade (acima). Em 1973, isso começou a ser mudado com a introdução da Variante Baixa, antes de se entrar na reta dos boxes (abaixo).
No ano seguinte, seria criada a primeira chicane no traçado, a Variante Baixa, na aproximação da reta dos boxes, quebrando a velocidade na aproximação daquele setor, e aumentando traçado para 5,122 Km de extensão. Em 1974, seria introduzida mais uma chicane, a Variante Alta, a meio do percurso entre as curvas Acqua Minerale e Rivazza. Foi com esta configuração que o circuito, que já tinha recebendo diversas categorias automobilísticas, recebesse pela primeira vez uma prova oficial da Fórmula 1, em 1980. Na verdade, a pista já havia recebido os carros da F-1, mas em provas extra-campeonato, algo comum naqueles tempos. Em 1963, o circuito veria pela primeira vez os carros daquela que viria a ser a categoria máxima do automobilismo. Sem contar para o campeonato mundial daquele ano, a corrida teve vitória de Jim Clark com a Lotus-Climax. Em 1979, houve outra corrida extra-campeonato ali, com Niki Lauda e sua Brabham-Alfa Romeo.
Terceira configuração da pista de Ímola, com a introdução da Variante Alta, em 1974. Foi com esta configuração que o autódromo recebeu sua primeira prova de F-1, o GP da Itália de 1980 (abaixo).
Assim, em 1980, seria disputado ali o Grande Prêmio da Itália, a única edição do GP realizada fora do seu palco tradicional, Monza, cuja pista passava por reformas para melhorar sua segurança e infraestrutura, e que não ficaria pronta a tempo de receber a corrida. Por isso, a pista de Ímola acabou sendo escolhida. A primeira pole-position oficial foi de René Arnoux, com Renault turbo, com o tempo de 1min33s988, ao lado de Jean-Pierre Jabouille, seu companheiro de equipe. Mas os carros do time francês não tiveram uma boa corrida: Jabouille ficou pelo caminho com problemas de câmbio, e Arnoux terminou apenas em 10º lugar, duas voltas atrás de Nélson Piquet, da Brabham-Ford, o vencedor daquela corrida, que teve a dupla da Williams-Ford fechado o pódio, com Alan Jones em 2º, e Carlos Reutemann em 3º. O excelente público presente à corrida convenceu os organizadores de que a F-1 deveria continuar presente em Ímola, mas para 1981, Monza já estava com seu retorno garantido. O que fazer então?
A solução foi criar um novo Grande Prêmio, e por isso, a prova recebeu o nome de Grande Prêmio de San Marino, um pequeno país de cerca de 61 Km² de área, encravado em meio à Itália, situado não muito longe dali. E pronto: agora a Itália tinha duas corridas em seu território. E o primeiro GP com essa nomenclatura viu Nélson Piquet repetir a vitória do ano anterior, na temporada em que conquistaria o seu primeiro título mundial, pela equipe Brabham-Ford. Para essa nova corrida, a curva da Acqua Mineralle sofreu uma pequena alteração, ficando mais larga, e mais rápida, o que agradou os pilotos. Com uma extensão de 5,04 Km, a pole foi de Gilles Villeneuve, com a Ferrari, com o tempo de 1min34s523. Essa configuração do circuito seria utilizada até 1994, na trágica edição onde o final de semana da prova acabou sendo recheado de acidentes, com os falecimentos de Roland Ratzemberger e Ayrton Senna, que mancharam a história do circuito. O recorde da pole foi de Ayrton Senna, com a Williams-Renault naquele ano, com a marca de 1min21s548.
A pista já havia sido palco de acidentes fortes na curva Tamburello. Em 1987, Nélson Piquet estampou sua Williams-Honda no muro, mas de lado, e ficou de fora da corrida. Em 1989, foi a vez de Gerhard Berger seguir reto na Tamburello, bater com tudo, e seu carro pegar fogo, numa cena que deixou a todos, no autódromo e mundo afora, receosos com o que poderia acontecer ao piloto, que felizmente fora resgatado com poucos ferimentos, rapidamente pelo time de socorro, que chegou rápido ao local. Mas as mortes de Senna e Ratzemberger fez a FIA empreender uma cruzada sem precedentes para melhorar as condições de segurança da categoria, em todos os aspectos, carros e pista. E o circuito de Ímola teve as curvas Tamburello e Villeneuve modificadas, com a inclusão de chicanes, quebrando a velocidade com que ambos os trechos eram feitos até então. A curva Acqua Mineralle também foi alterada, perdendo sua chicane, mas tornando-se mais fechada, e por isso mesmo, também mais lenta. As curvas da Rivazza também foram modificadas, ficando mais fechadas, de modo a serem contornadas em velocidade menor. A curva da Variante Baixa, por outro lado, ficou mais aberta, perdendo sua primeira perna, ajudando a compensar um pouco a perda dos trechos mais velozes.
Em 1987 Nélson Piquet bateu forte na Curva Tamburello com sua Williams (acima). O brasileiro teve sequelas em sua concentração de pilotagem pelo restante do ano, o que afetou sua performance. Já Gerhard Berger teve um acidente muito mais impressionante em 1989, quando bateu forte e sua Ferrari se incendiou após o impacto (abaixo), gerando angústia em todos naquele momento, preocupados com a integridade do austríaco em meio às chamas.
Os acidentes fatais do fim de semana do GP de 1994 em Ímola: Roland Ratzemberger bateu forte com sua Simtek na Curva Villeneuve no sábado (acima). No domingo, foi a vez de Ayrton Senna se chocar violentamente com o muro da Curva Tamburello (abaixo).
A consequência foi que Ímola se tornou uma pista “travada”, com as novas chicanes implantadas “matando” os pontos de ultrapassagem que nela havia até então, e tornando o circuito um autódromo menos veloz, mais travado e com poucas opções ideais de ultrapassagens, uma vez que passaram a ser necessárias fortes freadas para contornar as chicanes onde antes os carros entravam em plena aceleração, mas permitindo que os carros que viessem atrás pudessem embutir e tentar ultrapassar, se as condições de prova ajudassem. A extensão da pista havia sido reduzida para 4,933 Km. A falta de pontos de ultrapassagens tornou as corridas mais difíceis para quem não largava na frente, e aos poucos, o interesse dos italianos foi diminuindo em relação ao GP de San Marino. As necessidades de novas mudanças na pista, melhorias em sua infraestrutura, ainda basicamente a mesma do início dos anos 1980, e o anseio de Bernie Ecclestone em incluir outras etapas que estavam interessadas em pagar muito mais para realizar um GP, também pesaram na decisão, fora o fato de Ímola ter ficado “marcada” pelo GP trágico de 1994, o que diminuiu o interesse dos italianos, não justificando mais a presença de dois GPs na Itália. Nesta nova configuração, o recorde da pole-position é de Jenson Button, com BAR-Honda, com o tempo de 1min19s753, obtido em 2004. Michael Schumacher se tornaria o maior vencedor do GP de San Marino, com sete triunfos, em 1994, 1999, 2000, 2002, 2003, 2004, e 2006, ano em que a prova foi realizada pela última vez. Entre os brasileiros, além das duas vitórias obtidas por Nélson Piquet na pista, uma como GP da Itália, e outra como GP de San Marino, Ayrton Senna triunfou em três ocasiões no GP, nos anos de 1988, 1989, e 1991. Na corrida de 1989, Senna daria o estopim final na até então paz velada que havia entre ele e o francês Alain Prost na equipe McLaren, então dominante na categoria. Havia um acordo de ambos os pilotos não se atacarem na primeira volta de um GP, contudo, naquele ano, a prova teve duas largadas, devido ao acidente sofrido por Gerhard Berger na Tamburello. Na primeira largada Senna havia partido melhor e assumido a liderança; já na segunda largada, Prost saiu melhor, mas Ayrton foi ao ataque, e ultrapassou o francês ainda na primeira volta da prova, justificando-se que o acordo não valia para esta segunda partida. Dali em diante, os dois pilotos se tornaram praticamente inimigos mortais na F-1, resultando na maior rivalidade entre dois campeões vistas até hoje na história da categoria. De ressaltar que Senna é até hoje o recordista de poles na pista de Ímola, tendo largado na posição de honra oito vezes, sendo sete delas consecutivas, entre 1985 e 1991. Foi também nessa pista que ele conquistou a última pole da carreira, em 1994, na prova onde perderia a vida poucas voltas após a largada.
Em 2008, o circuito, já fora da F-1, realizaria reformas tanto na pista quanto em suas instalações. Á exceção da “Torre Marlboro”, no final do pit line, todas as instalações do paddock foram demolidas. Em virtude da necessidade de ampliar a área dos boxes e do paddock, foi necessário eliminar a Variante Baixa, criando um novo trecho de reta em curva iniciando-se pouco depois de sair da Rivazza. A Variante Alta foi ligeiramente ampliada, para quebrar de forma mais efetiva a passagem dos bólidos naquele ponto. Para corridas de moto, foi feita a opção de uso de uma chicane no meio da nova reta dos boxes, impondo uma redução de velocidade de modo a oferecer mais segurança às competições de duas rodas. O projeto de mudanças foi de Hermann Tilke, que já havia ganho fama, boa e ruim, pelos novos circuitos que havia projetado que foram incluídos no Mundial de F-1 àquela altura. Ímola havia perdido sua classificação de circuito de Categoria Grau 1 com o fim do GP de F-1, mas recuperou este status em 2011, de modo que a pista poderia receber novamente a categoria máxima do automobilismo. Mas Bernie Ecclestone não tinha interesse em ressuscitar a prova de San Marino, preferindo encher o calendário com novas pistas em lugares distantes da Europa que pagavam com prazer as já absurdas taxas de promoção de GP da F-1.
A nova configuração de Ímola, para atender às novas normas de segurança da F-1, “truncou” os trechos de alta velocidade das curvas Tamburello e Villeneuve, eliminando os melhores pontos de ultrapassagem do circuito.
No ano passado, contudo, diante da pandemia do coronavírus, a FIA e a Liberty Media, nova proprietária da F-1, precisaram remodelar completamente o campeonato, devido às restrições de viagens impostas por vários países do mundo como forma de conter a disseminação da Covid-19, o que inviabilizou a realização de quase todos os GPs fora do continente europeu. Além a solução de se efetuar rodadas duplas, a categoria buscou preencher as opções com pistas que nunca haviam sediado um GP antes, mas que estavam disponíveis para poder realizar um GP. Mas também procurou por circuitos que já haviam sediado corridas da F-1, e estavam fora do calendário. Nurburgring foi uma delas, e Ímola foi outra, de modo que o circuito pôde, enfim, fazer o seu retorno ao campeonato, mas agora sediando um terceiro Grande Prêmio, o da Emilia-Romagna, e não mais o GP de San Marino.
Na nova era turbo híbrida da F-1, a pole-position foi conquistada por Valtteri Bottas, com Mercedes, com o tempo de 1min13s609. Já a melhor volta da prova foi de Lewis Hamilton, o vencedor, também com Mercedes, com o tempo de 1min15s484. Infelizmente, a corrida não foi das mais emocionantes, devido às chicanes ainda deixarem a pista “travada” e com poucos pontos de ultrapassagem, situação complicada pela configuração aerodinâmica dos carros atuais, mesmo com o uso do sistema do DRS. Os pilotos, contudo, até gostaram de voltar a Ímola, pelo estilo antigo do traçado, diferente de muitos circuitos mais atuais do calendário. Devido à pandemia da Covid-19, a prova de retorno da F-1 ao Autódromo Enzo e Dino Ferrari foi realizada a portões fechados, sem a presença de público. A corrida conseguiu se manter no calendário deste ano, e está marcada para o dia 18 de abril, mais uma vez como GP da Emilia-Romagna, o nome da região onde a pista está situada, com a F-1 a marcar, pelo menos este ano, mais uma vez presença neste circuito, que terá o seu 29º GP a ser disputado em seu traçado.
Além da F-1, a pista de Ímola já sediou corridas da MotoGP e do Mundial de Superbikes, além de etapas de turismo e categorias de acesso menores.
A nova configuração da pista de Ímola (acima), após as reformas implantadas em 2008, puderam ser conferidas pela F-1 em seu retorno ao circuito, no ano passado (abaixo). |
Vista aérea do Autódromo Enzo e Dino Ferrari (acima), que teve o nome do falecido filho do Comendador nomeando a pista em 1970, com a presença do fundador da Ferrari (abaixo). |
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