sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

LIÇÕES APRENDIDAS

Uma cena há muito tempo não vista na F-1: A bola de fogo (acima) que envolveu o cockpit da Hass de Romain Grosjean após colidir com o guard-rail na primeira volta do GP do Bahrein (abaixo), com o piloto ainda lá dentro, deixou todo mundo em suspense, enquanto as equipes de socorro tentavam prestar ajuda.


 

            A imagem que ficou do Grande Prêmio do Bahrein, no domingo passado, foi a do pavoroso acidente sofrido por Romain Grosjean, que bateu forte com sua Hass no guard-rail logo na primeira volta da corrida, com consequências assustadoras, como há muito não se via na categoria máxima do automobilismo. Houve uma bola de fogo após o impacto com as lâminas de metal, em virtude do carro ter literalmente se partido ao meio, o que gerou angústia e suspense em todos que assistiam pela TV, e nos monitores no autódromo.

            Felizmente, o pior foi evitado. Grosjean, depois de alguns momentos, surgiu inteiro, e ileso, praticamente, pulando o guard-rail, saindo das chamas, e sendo conduzido ao carro médico, onde havia surgido primeiro sua imagem, tranquilizando a todos, que ficaram no escuro após a cena da explosão de fogo, temendo pelo que pudesse ter sofrido o piloto. O acidente foi impressionante: Grosjean perdeu o controle do seu carro ao tocar na Alpha Tauri de Danill Kvyat, indo direto contra o guard-rail. Romain tentou desviar, quando os carros à sua frente desaceleraram momentaneamente, com o piloto indo para a direito, sem notar que o russo estaria logo ali ao lado. Na colisão, o carro do francês furou a proteção metálica, atingindo o espaço entre as placas do guard-rail, e a cabeça do piloto só não foi atingida pelas placas de metal porque o halo cumpriu com sua função. A força cinética do choque, de cerca de 53g, frente ao “enrosco” no guard-rail, simplesmente rachou o monoposto, que foi parar alguns metros adiante, enquanto a parte frontal do cockpit era envolta em chamas pela combustão da gasolina do tanque, que estourou com o fortíssimo impacto. Da pancada até Grosjean conseguir sair efetivamente, foram 29s em meio às chamas, que para o piloto e boa parte dos expectadores, pareceu certamente uma eternidade.

            A violência do acidente traz de volta à tona os questionamentos a respeito das normas de segurança implantadas pela F-1, que desde o fim de semana trágico do GP de San Marino de 1994, desencadeou um processo de evolução sem precedentes da segurança da categoria como um todo, impondo novas regras tanto para pilotos, carros, e principalmente autódromos, que tiveram de ser seguidas à risca. Mas por mais segurança que se coloque na categoria como um todo, ainda é preciso lembrar que o automobilismo é um esporte de risco, e acidentes como o sofrido por Grosjean nos lembram desse perigo inerente ao esporte a motor, bem como dos resultados da implantação das medidas de segurança, por mais polêmicas que algumas pudessem ser.

Com a força do impacto, o carro quebrou ao meio, com a parte traseira ficando a alguns metros longe (acima), enquanto a parte frontal do cockpit ficou presa no guard-rail, e envolta pelo fogo originado do tanque de combustível rompido. Foram quase 30 segundos até Grosjean conseguir sair do habitáculo (abaixo), para surpresa do médico que foi em seu socorro.


            E o consenso geral é que, ao menos neste caso, as lições decorrentes de experiências anteriores foram aprendidas. A mais significativa, a implantação do halo, estrutura de segurança que visa a proteção da cabeça do piloto, que para muitos, desvirtuou o design dos monopostos, afrontando a estética e beleza deste tipo de carros de corrida. Não há como negar que a FIA poderia ter sido menos truculenta na implantação do dispositivo, de forma a evitar bate-bocas desnecessários, até porque ninguém ignorava a necessidade de se aumentar a proteção da cabeça dos pilotos, depois do acidente sofrido por Jules Bianchi no GP do Japão de 2012. E, depois de implantado, o dispositivo continuou a ser questionado, não apenas pela estética duvidosa, mas pelo espaço que, em tese, ainda ficava sem proteção, como no caso de algum estilhaço, ou pedaço pequeno de algo, que voasse na direção do piloto, e ainda fica com o capacete exposto ao vento. Para muitos, a Indycar, com seu windscreen, seria uma opção melhor do que o halo, até por uma questão estética, bem mais harmoniosa com o visual do carro. A discussão não era exatamente sem propósito, por mais ardorosa que fosse.

            Mas, estética à parte, não há como negar que o halo, queiram ou não, foi vital para a sobrevivência de Grosjean neste acidente assustador. A peça impediu que a cabeça do piloto fosse atingida pela lâmina do guard-rail, que poderia ter sido arrancada do resto do corpo na pior das hipóteses, não existisse o dispositivo. A construção do monocoque, programada para se desintegrar e absorver, tanto quanto possível, a energia da desaceleração súbita, e o impacto contra um obstáculo, além das proteções internas do cockpit, foram cruciais também para que Romain não perdesse a consciência, o que foi o seu grande golpe de sorte, além da proteção do halo. Tivesse o piloto desmaiado com a batida, o que não seria difícil de ocorrer, ele possivelmente não teria sido resgatado sem vida, uma vez que o socorro, diante das enormes chamas que envolveram o pedaço do cockpit onde o piloto estava, estava com dificuldades de se aproximar devido à intensidade das chamas e o calor das mesmas. O primeiro fiscal de pista, sem um capacete especial, não conseguiu se aproximar mais, o que só foi feito pelo médico do carro de segurança, Ian Roberts, que junto com outras pessoas, acionou com mais determinação os extintores, permitindo um alívio momentâneo das chamas e a chance de Grosjean saltar para fora, em cenas dramáticas que correram o mundo da velocidade e o planeta nesta última semana.

            A vestimenta especial dos pilotos, como o macacão de nomex, foram cruciais para que Grosjean escapasse apenas com queimaduras nas mãos e em um dos pés, que ficou sem a sapatilha. A viseira do capacete chegou a derreter no calor do fogo, e os vários segundos até que o piloto conseguisse se evadir, jogavam contra a resistência da vestimenta do piloto, que apesar de resistente às chamas, têm duração limitada, que podia ser atingida, tornando a situação crítica. Felizmente, o pior não ocorreu, mas poderia ter sido uma verdadeira tragédia.

Os restos do cockpit do carro (acima), após extinção do fogo, e corte do guard-rail para soltar a peça. Romain Grosjean foi transferido para um hospital, mas felizmente já recebeu alta, e foi ao autódromo cumprimentar os fiscais que o acudiram (abaixo). 


            Depois de ser levado ao centro médico do autódromo, o piloto ainda foi encaminhado de helicóptero a um hospital em Manama, capital do Bahrein, a cerca de 30 Km do circuito. Felizmente, o piloto recebeu alta já na quarta-feira, e agora se ocupa de sua recuperação, tendo em vista participar do GP de Abu Dhabi, na semana que vem. E a FIA prometeu uma grande investigação para analisar o acidente, e claro, tirar as melhores lições deste momento que deixou a todos assustados.

            Primeiro porque o guard-rail não deveria se entortar daquele modo, prendendo o monoposto. O tanque de combustível, feito de um material especial, que deveria manter sua integridade, para evitar que o combustível vazasse, e produzisse cenas como as que vimos, também precisará ser estudado, a fim de verificar o que pode ser feito para impedir que algo assim ocorra novamente. Para este final de semana, os guard-rails no autódromo de Sakhir já passaram por algumas mudanças, a fim de aumentar o grau de segurança. No local onde houve a batida domingo passado, inclusive, foram adicionadas duas fileiras de pneus ao guard-rail, para diminuir uma possível nova batida.

            Novos estudos sobre a posição das barreiras de proteção, sua composição, colocação de zebras, além da estrutura do monocoque, e os dispositivos de proteção do piloto, serão realizados. Todos concordam que, mesmo com as medidas de segurança em vigor, o acidente poderia ter sido muito mais grave, e portanto, não devem medir esforços para tentar encontrar soluções para as falhas e detalhes ocorridos, os quais não podem se repetir. E não estão errados. Por melhores que sejam as medidas de segurança, basta uma conjunção de elementos fora do lugar para todo o esforço parecer inútil, e termos uma tragédia do mesmo jeito. Grosjean mesmo disse que nasceu de novo, opinião compartilhada por muitos, diante da gravidade do ocorrido, e se o piloto ainda tinha alguma dúvida sobre a eficácia do halo, ela se dissipou, sabendo que a peça impediu que o guard-rail o atingisse em cheio, conclusão que muitos críticos da peça deveriam aceitar, diante das evidências.

A parte traseira do carro de Grosjean (acima), partido ao meio na pancada que abriu um rombo no guard-rail (abaixo), onde a parte frontal do carro ficou presa.


            Hoje, quando entrarem novamente na pista de Sakhir, mais do que nunca, os pilotos e o público sabem como o perigo pode estar à espreita de todos. Basta um passo em falso, e podemos ver o pior ocorrer. O que nos acalenta é saber que a FIA está de olho, e fazendo bem o que lhe cabe para promover incrementos e evolução na segurança da competição. É verdade que em determinados momentos ela parece exagerar, mas na maioria das vezes, as preocupações tem razão de ser, e razões muito válidas. Dizer que os pilotos não encaram o perigo hoje em dia como faziam seus predecessores décadas atrás é ofender a profissão. Se é verdade que os pilotos de antigamente exibiam uma coragem ímpar de competir em carros cuja segurança era mínima, se comparada às condições dos carros atuais, por outro lado, mesmo com toda esta proteção atualmente disponível, o perigo ainda existe, e pode ser fatal, se as condições para tanto permitirem. Talvez os riscos atuais sejam ainda mais perigosos por serem sutis, uma vez que o imenso grau de proteção existente por vezes pode dar a impressão de que não há riscos relevantes aos pilotos, e por isso mesmo, chocarem ainda mais quando algo acontece, porque se mesmo assim houve um acidente de monta, é porque ele foi realmente grave e tenebroso, como vimos domingo passado. É preciso respeitar o que os pilotos fazem, sem desmerece-los diante do que os antigos pilotos faziam.

            A Fórmula 1 tem seus problemas, mas falta de segurança, definitivamente, não é um deles. E pelo modo como a FIA tem procurado trabalhar o assunto, empenho para melhorar o que já é bom não falta. O acidente de Grosjean será tratado com a devida seriedade, para se obter o maior número de dados possível a fim de que tal não se repita. E é com essa garantia que os pilotos entram na pista para cumprir sua obrigação, sempre torcendo para nunca precisarem confirmar na prática os resultados deste serviço.

 

 

A Hass fechou sua dupla titular para a temporada 2021, e fez o que todos esperavam: Mick Schumacher, filho de Michael Schumacher, será um dos pilotos do time, indicado obviamente pela Ferrari, que fornece as unidades de potência utilizadas pela escuderia. O outro piloto será o russo Nikita Mazepin, que já havia sido anunciado um pouco antes, e traz consigo o apoio financeiro de seu pai, o bilionário Dmitry Mazepin. Os dois assumirão os cockpits que foram de Romain Grosjean e Kevin Magnussen nas últimas temporadas. Conforme já se esperava, as opções de Pietro Fittipaldi se tornar titular na escuderia eram praticamente inexistentes, apesar do time declarar que o piloto brasileiro é um membro importante do time, pelo trabalho de desenvolvimento que tem feito, especialmente no simulador da equipe, já que em termos de testes de pista mesmo, Pietro não tem tido oportunidade de guiar o carro do time. Mas é preciso lembrar que, por conta das restrições de gasto decorrentes da pandemia da Covid-19, os times irão utilizar em 2021 os mesmos carros deste ano, com poucas atualizações, de modo que a nova dupla de pilotos do time de Gene Hass vai ter um carro problemático nas mãos, que este ano andou quase sempre na segunda metade do grid para trás, com poucas chances de pontuar, panorama que não deve ser muito diferente no próximo ano.

 

 

E o GP de Sakhir, cujos treinos começam hoje no circuito barenita, utilizando o traçado externo da pista, terá um desfalque imenso: Lewis Hamilton foi diagnosticado com Covid-19, e por conta dos protocolos de segurança instituídos pela FIA, não poderá disputar esta prova, tendo de ficar em isolamento obrigatório. Felizmente, o heptacampeão tem apresentado apenas sintomas leves da doença, e com sorte, talvez esteja apto a participar da prova de Abu Dhabi, na semana que vem, que encerra a temporada da F-1 em 2020. Mas para isso, o piloto terá de se submeter a novos exames e testes que confirmem que ele está recuperado da doença, assim como ocorreu com Sergio Pérez, que perdeu as duas provas em Silverstone este ano, por ter sido contaminado pelo novo coronavírus. Na pior das hipóteses, Hamilton pode não poder disputar a última corrida também, caso não consiga apresentar testes negativos de Covid-19 até lá. Mas não fará muita diferença, já que o inglês já conquistou o título da temporada por antecipação, assim como a Mercedes também já se garantiu no Mundial de Construtores. Para substituir Hamilton neste final de semana, a Mercedes acertou acordo com a Williams, e terá George Russell ao volante do carro alemão. Russell é piloto ligado à Mercedes, que fornece as unidades de potência ao time inglês com desconto, em troca do posto de titular ocupado pelo inglês. E será a grande chance de George de mostrar do que é capaz, uma vez que o piloto até tem brilhado em alguns treinos de classificação este ano, mas não tem tido condições de obter resultados, diante da falta de competitividade do carro da Williams, o pior do grid nestas duas últimas temporadas, a ponto de Russell não ter conseguido pontuar desde que estreou na competição, no ano passado. Russell já participou de alguns testes com o carro da Mercedes, e nestas oportunidades, andou muito forte. É sua grande chance de mostrar do que é capaz, e isso pode criar uma saia justa com Valtteri Bottas. O finlandês luta pelo vice-campeonato contra Max Verstappen, depois de ter perdido, mais uma vez, o duelo interno no time alemão contra Lewis Hamilton. Se é verdade que Bottas teve alguns azares, não se pode ignorar que o piloto andou apresentando algumas performances decepcionantes em algumas corridas. Se perder o duelo do fim de semana, tanto em classificação quanto em corrida, para Russell, pode ficar com uma bela mancha no currículo, por ser superado pelo piloto titular da Williams, que em tese não está tão à vontade com o carro de Brackley quanto Valtteri. A Williams colocará Jack Aitken, piloto reserva do time, no lugar de Russell neste final de semana, e no próximo, caso George ainda tenha que ocupar o lugar de Hamilton. Toto Wolf exaltou a cooperação da Williams, que liberou Russell para ocupar o lugar de Hamilton neste momento, lembrando que eles poderiam ter vetado a participação de seu piloto, o que obrigaria a Mercedes a utilizar outro nome, sendo que Nico Hulkenberg e Stoffel Vandoorne, este piloto da Mercedes na F-E, foram nomes considerados para ocupar o cockpit do carro de Hamilton.

 

 

A prova no anel externo do autódromo de Sakhir será realizada completamente à noite, em horário diferenciado da corrida no traçado tradicional da pista. A TV Globo, por causa disso, como tem feito nos últimos anos quando as corridas são no horário da tarde aqui no Brasil, não exibirá a corrida ao vivo, deixando essa incumbência para o canal pago SporTV2, que mostrará a prova a partir das 14 horas deste domingo. O treino de classificação será realizado no mesmo horário, neste sábado, também com transmissão ao vivo do SporTV2.

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